BRASÍLIA – Especialistas no setor elétrico são unânimes em dizer que o Brasil é o país da energia barata e da conta de luz cara – e o fator-chave por trás desse fenômeno é o acúmulo de subsídios. Esses incentivos, bancados pelos consumidores, mais que dobraram em cinco anos e já representam 13,5% da fatura mensal.
Preocupado com os índices de aprovação aquém do esperado, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) está debruçado sobre o tema. A determinação é para que os ministros encontrem caminhos de reduzir os custos ao consumidor final, insatisfeito com o peso dessa conta no orçamento doméstico.
“Esse é o nosso paradoxo e não é de hoje. O nosso custo de geração de energia está entre um dos mais baixos do mundo. Ocupamos a terceira posição global em capacidade instalada de fontes renováveis, atrás apenas de China e Estados Unidos. Mas a nossa conta de luz é uma das que mais pesam no bolso do consumidor”, afirma Katia Rocha, pesquisadora do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
Dados compilados pela Associação Nacional dos Consumidores de Energia (Anace), a pedido do Estadão, mostram que o preço da energia no mercado regulado subiu 61% nos últimos onze anos. Já a tarifa média no País saltou 153% no mesmo período, mais que o dobro. O gráfico (veja acima) evidencia uma “boca de jacaré” se abrindo ao longo dos anos, com o valor do insumo se distanciando cada vez mais do montante pago pelos usuários finais.
“Enquanto os custos de geração nova em alguns momentos até diminuíram, os valores arcados pelos consumidores não param de crescer”, frisa Carlos Faria, diretor-presidente da Anace. “A principal razão para esse descompasso é que há uma série de custos indiretos relativos a subsídios, aprovados por leis e medidas provisórias, que fazem com que os consumidores paguem bem mais caro pela energia que consomem”, diz.
A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) aponta que os subsídios mais que dobraram em cinco anos, alcançando R$ 40,3 bilhões em 2023 – cifra equivalente a todo o orçamento do Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional. Para o consumidor, isso significa que mais de 13% da conta paga mensalmente é referente apenas a subsídios. Em 2018, essa fatia era de 5,5%.
Há incentivos, por exemplo, a energias fósseis, que são mais caras e poluentes, como é o caso das térmicas a carvão. Ou então a áreas com pouca ou nenhuma relação com a conta de luz, como irrigação e aquicultura.
“É um contrassenso, em uma época em que o Brasil tenta se descarbonizar, perpetuar a contratação de energia proveniente do carvão mineral”, afirma a Associação dos Grandes Consumidores Industriais de Energia (Abrace) em documento que propõe ampla reestruturação do setor.
Na ponta oposta, a disparada do benefício às energias eólica e solar, por meio das chamadas fontes incentivadas, também é motivo de alerta. Esses incentivos cresceram 171% nos últimos cinco anos, segundo a Aneel.
“Qualquer planta nova de eólica e solar paga metade de Tust e Tusd (tarifas de uso dos sistemas de transmissão e distribuição), sendo que esse já é um setor maduro, que não precisaria mais de tanto subsídio”, pondera o professor da UFRJ Nivalde de Castro, que é coordenador-geral do Grupo de Estudos do Setor Elétrico (Gesel).
Segundo ele, esse modelo de subsídios tem gerado distorções preocupantes. “Hoje, o País está expandindo a geração de eólica e solar, inclusive batendo recordes nessas áreas, não com base em planejamento, mas sim de olho nas vantagens oferecidas pelos incentivos”, diz Castro.
A consequência, explica o especialista, é que a oferta cresce, mas a demanda não acompanha, obrigando o Operador Nacional do Sistema (ONS) a realizar cortes de carga, o que afeta a receita das demais empresas geradoras. “Ou seja, a orquestra está desafinada”, resume o professor.
Os questionamentos se estendem à geração distribuída, incentivo criado para permitir a instalação de sistemas próprios de mini ou microgeração, como painéis solares. Com isso, o consumidor reduz a demanda e obtém desconto com a injeção do excedente na rede.
“A geração distribuída está bombando em busca de subsídios”, afirma Castro. Entre 2018 e 2023, esses subsídios cresceram 11.635% e superaram a cifra de R$ 7 bilhões.
“Como consequência, as distribuidoras estão tendo de fazer grandes investimentos na rede. Só que esses aportes só são remunerados quando são reconhecidos na revisão tarifária periódica, que acontece de quatro em quatro anos. Então, as distribuidoras já avaliam entrar na Justiça para pedir revisões extraordinárias”, alerta o professor.
Esse subsídio também é visto como regressivo, uma vez que as famílias mais pobres acabam arcando com os benefícios concedidos às mais ricas, que têm grandes telhados para instalar painéis solares, por exemplo.
Há, ainda, o debate sobre se a conta de luz deveria ou não bancar políticas públicas, como os programas Tarifa Social e Luz para Todos. No entendimento de parte dos técnicos, essas iniciativas deveriam constar do Orçamento federal em vez de serem embutidas na fatura. A Abrace, por exemplo, sugere que haja uma migração gradativa dos custos ao Tesouro Nacional ao longo de dez anos, período no qual todos os subsídios deveriam ser reavaliados.
“A gente teria de analisar subsídio por subsídio, para limpar essa conta e deixar apenas o essencial”, afirma Rosana Santos, diretora-executiva do Instituto E+ Transição Energética. “A tarifa já está cara e a tendência é ficar ainda mais, extrapolando a capacidade de pagamento das famílias, além de tirar a capacidade competitiva da nossa indústria”, alerta a pesquisadora.
‘Jabutis’ distorcem política energética
Muitos desses subsídios que hoje integram a conta de luz e pesam no bolso foram aprovados pelo Legislativo em meio a fortes lobbies de empresas e segmentos, com o apoio de parlamentares tanto do governo como da oposição.
“Hoje, é o Congresso quem dita a política energética do País por meio dos ‘jabutis’ colocados em MPs (medidas provisórias) e PLs (projetos de lei)”, afirma Castro, da UFRJ. Os “jabutis” citados pelo docente são uma referência às emendas, que mesmo sem nenhuma relação com o tema original de medidas provisórias e projetos de lei, são incluídas e aprovadas pelos parlamentares.
O exemplo mais recente é o marco regulatório das eólicas offshore (em alto-mar), ampliado na Câmara para contemplar, dentre outros interesses, a prorrogação de benefícios às usinas a carvão. Essas benesses, caso sejam mantidas pelo Senado, farão com que o consumidor pague uma conta de luz a mais por ano, como mostrou o Estadão.
Nesta terça-feira, 13, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, participa de audiência na Câmara dos Deputados e deverá tratar do assunto. Na semana passada, o titular da pasta afirmou que um projeto de reformulação do setor elétrico será entregue até setembro e que contemplará a questão dos subsídios.
Em entrevista ao Estadão, em maio, o ministro defendeu que cerca de R$ 15 bilhões em incentivos embutidos na conta de luz sejam transferidos ao Orçamento federal – sem especificar, contudo, de onde viria a receita para bancar esse aumento de gasto.
Em uma estratégia mais de curto prazo, o governo decidiu antecipar recursos da privatização da Eletrobras para reduzir custos embutidos na conta de luz e, dessa forma, aliviar o bolso do consumidor final. A antecipação de quase R$ 8 bilhões já foi formalizada, e Silveira não descartou novas operações nesse formato.
De forma contraditória, porém, a medida provisória que possibilitou essa engenharia financeira também prorrogou subsídios da ordem de R$ 6 bilhões por ano, como revelou o Estadão. Ou seja, aliviou de um lado, mas pesou de outro.
Além disso, especialistas afirmam que não se trata de medida estrutural – a mesma crítica que é feita ao possível uso de recursos do petróleo, hipótese citada pelo ministro na semana passada. Segundo Silveira, o governo avalia usar parte dos R$ 17 bilhões levantados pelo governo nos leilões da PPSA para bancar parte dos benefícios da conta de luz e, assim, desonerar o consumidor.
“No nível tarifário que a gente está hoje, qualquer refresco é refresco. Mas não é uma saída estrutural e nem estruturante”, diz Rosana, do Instituto E+.
“E mais: uma das grandes causas de a tarifa estar alta é a construção e o despacho de termelétricas. Elas são necessárias, mas até certo ponto. Então, se o uso desse óleo e gás for incentivado via introdução artificial de termelétricas no sistema brasileiro, o que nós estaremos fazendo é rodar atrás do próprio rabo”, diz a pesquisadora, ao frisar que isso significaria, novamente, dar com uma mão e tirar com outra.