Os números do segundo trimestre da economia brasileira surpreenderam novamente os analistas que se debruçam sobre os indicadores de atividade no dia a dia. Enquanto o consenso dos economistas apontava para um crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de 0,9% no período de abril a junho, o resultado divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostrou um avanço de 1,4%.
O bom desempenho do segundo trimestre elevou a previsão para o PIB de 2024 ao patamar de 3%. Se confirmado, será um resultado melhor do que o esperado em janeiro, quando as projeções de crescimento eram de apenas 1,59%. O fato é que a surpresa com o desempenho da economia não fica restrita a 2024. Nos últimos anos, o PIB tem crescido mais do que o esperado. E por que isso tem ocorrido?
Os economistas apontam vários fatores para esse crescimento mais forte. Há um consenso de que as reformas empreendidas - como a trabalhista e da Previdência - desde o governo Michel Temer podem ter ampliado a capacidade de crescimento potencial do País.
Essa mudança de patamar se somou a uma expansão fiscal - via reajuste do salário mínimo e pagamento de precatórios (dívidas judiciais da União), por exemplo - e a um mercado de trabalho aquecido, que deram um fôlego extra recente para a atividade econômica.
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A grande questão é que os números mais positivos podem ter fôlego curto. Os economistas apontam que é preciso retomar a capacidade de ampliar os investimentos se o Brasil quiser ter um crescimento duradouro. Também apontam para o fato de que o País precisa endereçar a questão fiscal. A incerteza com o rumo das contas públicas eleva a incerteza e afasta os investidores privados.
Abaixo, analistas convidados pelo Estadão explicam por quais motivos a economia brasileira tem crescido mais do que esperado.
Alessandra Ribeiro: ‘Há uma combinação de elementos conjunturais cujos efeitos os economistas não têm conseguido captar bem’
A economia brasileira cresceu mais um trimestre acima das expectativas dos analistas. Diante das surpresas recorrentes, a pergunta que se coloca é o que está por trás dessa força da economia brasileira nos últimos trimestres e se esse ritmo deve se sustentar à frente.
Ainda que haja uma discussão em relação ao efeito de reformas macro e microeconômicas realizadas nos últimos anos afetando o PIB potencial da economia brasileira, há uma combinação de elementos conjunturais cujos efeitos para a atividade econômica os economistas não estão conseguindo captar bem. É possível ver a combinação de pelos menos três forças principais por trás da performance mais forte da economia brasileira nos últimos trimestres.
O primeiro fator está relacionado aos efeitos da política fiscal atualmente implementada, na medida em que a expansão de gastos tem efeito multiplicadores para a atividade econômica. O aumento de gasto público em curso é evidente em várias rubricas como salários do funcionalismo público, gastos previdenciários, gastos em saúde e educação, programas sociais, dentre outros. Entre janeiro e julho deste ano, as despesas totais cresceram a um ritmo de 7,8% em termos reais, mantendo um ritmo expressivo, sendo que, no mesmo período do ano passado, o crescimento foi ainda mais substancial, de 8,7%.
O segundo fator está relacionado ao efeito defasado do ciclo de flexibilização monetária implementado pelo Banco Central, em especial no mercado de crédito. As concessões de crédito a pessoa física devem crescer 7,7% em termos reais neste ano ante 4,5% no ano passado, sendo que as concessões a pessoas jurídicas devem crescer 6,9% ante retração de 5,7% em 2023. No mercado de capitais, observa-se importante expansão de emissões, sendo que de janeiro a julho mostraram crescimento de 114% em termos reais.
O terceiro fator, ainda que menos importante em relação aos dois anteriores, está relacionado aos efeitos da resiliência da economia americana na primeira parte do ano, com efeitos para a atividade global e brasileira.
Especificamente para o segundo trimestre, os efeitos menos expressivos da tragédia do Rio Grande do Sul em relação ao inicialmente esperado também explicam pontualmente uma parte da surpresa em relação ao resultado especificamente do segundo trimestre.
Para os próximos trimestres, entretanto, a economia brasileira deve perder ímpeto. A estimativa é que o crescimento das despesas totais do governo desacelere, sendo que para o período de janeiro a julho de 2025 em relação ao mesmo período desse ano registre queda de 1,6% em termos reais.
As condições financeiras já apertadas verificadas no mercado financeiro em função de questões externas, mas principalmente domésticas, também devem afetar, ainda que com certa defasagem, a oferta de crédito. E, por fim, a economia americana está em processo claro de desaceleração, o que em conjunto com o movimento esperado para a economia chinesa deve afetar a economia global com efeitos para a economia brasileira. Enfim, é o que os fundamentos apontam. Vamos ver se teremos novas surpresas.
Alessandra Ribeiro é sócia e diretora de macroeconomia e análise setorial da Tendências
Ana Paula Vescovi: ‘Tivemos importantes reformas que contribuíram para a produtividade e para o crescimento potencial’
Atualmente, estimamos crescimento potencial em 1,5%, mas vemos fatores que podem elevar este indicador para 2% nos próximos anos. As vantagens comparativas no setor agrícola e na agroenergia, a simplificação tributária e outras eventuais reformas poderão trazer importantes ganhos de produtividade.
Olhando para o passado recente, tivemos importantes reformas que contribuíram positivamente para a produtividade e para o crescimento potencial. Cabe destacar as reformas trabalhista e previdenciária. A aprovação no novo marco do saneamento destravou investimentos no setor, e a aprovação da nova TLP (Taxa de Longo Prazo) retirou distorções do mercado de crédito e catapultou o mercado de capitais. Ademais, a rápida adoção de tecnologias durante a pandemia, como o trabalho remoto, o comércio online e a disseminação dos meios de pagamento digitais contribuíram tanto para ganhos de eficiência logística quanto para uma rápida bancarização da sociedade.
Vimos também, desde a pandemia, uma sequência de impulsos fiscal e monetário extraordinários e muito fortes que influenciaram o PIB positivamente e ajudam a explicar os desempenhos surpreendentes observados no curto prazo. Em 2021 e 2022, houve retomada do crescimento após o impacto inicial da pandemia, com alta capacidade ociosa e retomada do mercado de trabalho.
Adicionalmente, a reabertura do setor de serviços, em conjunto com a poupança acumulada no período de distanciamento social intensificaram esta tendência. Já em 2023, vimos um grande impulso vindo do setor agropecuário, que teve a maior safra da história em um ano em que o ciclo pecuário atingiu o pico da oferta. Este choque positivo se espalhou pelo restante da economia, tendo reflexos também em indústria e serviços.
Desde 2023 vimos a aceleração do impulso fiscal que, em conjunto com um mercado de trabalho bastante apertado, levou a forte expansão no consumo das famílias. O aumento dos valores pagos em programas sociais, reajustes reais do salário mínimo, e o forte pagamento de precatórios são alguns dos elementos que ajudam a explicar esta dinâmica mais favorável. Adicionalmente, os baixos níveis de desemprego geraram maiores pressões salariais e culminaram em ganhos reais de renda para as famílias.
Esses fatores de curto prazo estão contribuindo em alguma medida para as surpresas do crescimento brasileiro no período recente. Contudo, não representam ganhos estruturais ou permanentes.
Os desafios para aumento do crescimento potencial permanecem. A taxa de investimentos segue baixa, abaixo de 17%, apesar da retomada recente. A produtividade deverá seguir limitada pela estagnação da escolaridade e do capital humano. O pico do bônus demográfico e o envelhecimento da população também são limitadores.
Finalmente, o ajuste fiscal, o aperfeiçoamento dos padrões regulatórios, o combate à informalidade e ao crime organizado, e o desenvolvimento das instituições capazes de aumentar a confiança e dar previsibilidade ao ambiente de negócios permanecem como pautas essenciais para o crescimento de longo prazo.
Ana Paula Vescovi é economista-chefe do Santander
Armando Castelar: ‘Ainda está longe a conclusão de que o País está preparado para manter esse ritmo e perfil de crescimento’
O PIB do segundo trimestre, divulgado terça-feira, 3, pelo IBGE, superou outra vez as projeções dos analistas, como já ocorrera um trimestre antes. Com isso, a previsão de crescimento para o ano deve subir, para cerca de 3%, o dobro do que se esperava ao final de 2023, repetindo o mesmo padrão dos anos anteriores: no final de 2020 se projetava alta de 3,4% no PIB do ano seguinte, veio 4,8%; no final de 2021, a projeção para 2022 era de 0,4%, mas o PIB cresceu 3,0%; e no final de 2022 se previa alta de 0,8% e o PIB aumentou 2,9% em 2023.
Será essa consistente subestimação reflexo de um certo pessimismo embutido nos modelos dos analistas de mercado? Será esse o resultado de, como se diz, um economista precisar ser pessimista para ser respeitado por seus pares, ou de a economia ser a “dismal science”, a ciência do desânimo, na expressão de Thomas Carlyle? Não me parece ser esse o caso. De fato, um exame mais completo dos dados nos leva a descartar essa hipótese: nos últimos 24 anos (2000-23), o crescimento previsto ficou abaixo do observado em apenas 11 anos e, na média, os economistas acertaram quase na cabeça. Quase um cara ou coroa.
O que explica, então, a subestimação recente? Há duas explicações prováveis e não excludentes. A primeira é que as reformas empreendidas pelos governos Temer e Bolsonaro, como a reforma trabalhista, as privatizações, as mudanças nas leis das agências reguladoras e das estatais, a substituição da TJLP pela TLP nos empréstimos dos bancos públicos, e várias outras, aumentaram o crescimento potencial do PIB, permitindo ao País crescer mais sem gerar inflação e, portanto, sem exigir uma política monetária contracionista. Os modelos existentes não estariam, talvez, incorporando esse efeito e, daí, a subestimação.
Há, por outro lado, a visão de que se subestimou o aumento da demanda agregada no período pós-pandemia e o impacto que esta teve no mercado de trabalho, e isso não apenas no Brasil. Seja porque as famílias acumularam uma poupança extra durante a pandemia, por conta de transferências governamentais e de não poder sair de casa, seja porque a pandemia mudou os hábitos de consumo, seja ainda porque a baixa taxa de desocupação permitiu às famílias se endividarem, fato é que o consumo privado vem crescendo mais rápido do que se via antes. A esse efeito se soma o forte aumento do gasto público, que tem superado as projeções, em que pese a complicada situação fiscal.
Tudo indica que o segundo efeito é o mais forte, como refletido em uma taxa de juros neutra mais alta dos que há alguns anos atrás. Mas ambas as explicações fazem sentido, ainda que longe de levar à conclusão de que o País está preparado para manter o ritmo e o perfil do crescimento dos últimos três anos. É preciso desacelerar.
Armando Castelar é pesquisador associado do FGV/Ibre
Caio Magale e Rodolfo Margato: ‘Maior parte do crescimento parece vir de impulsos de demanda, que estão perdendo o fôlego’
O PIB cresceu 1,4% no 2.º trimestre, acima das estimativas. 2024 deve fechar em 3,1%, contra 1,5% estimado pela pesquisa Focus no início do ano. Será o quinto ano consecutivo em que o PIB supera expectativas.
A tendência deve continuar no curto prazo. O mercado de trabalho aquecido, aumento do crédito e transferências sustentam o consumo. O investimento ainda avançará para recuperar a queda de 2022 e 2023.
Por trás deste desempenho há fatores estruturais e conjunturais. Os estruturais – reformas que elevam a capacidade produtiva do país – devem garantir um crescimento “basal” mais alto no tempo. Já os conjunturais representam impulsos de demanda, como gastos públicos, subsídios, corte de juros. Estes têm efeitos de curto prazo. E, se exagerados, podem desembocar em uma “ressaca” de endividamento e/ou inflação.
O desafio é entender quanto cada um desses fatores contribuíram com o crescimento recente. A resposta é chave para prever os próximos anos.
Do lado estrutural, as reformas, a modernização da regulação setorial, o avanço do mercado de capitais, a melhoria na constituição de garantias para crédito, os avanços financeiros (PIX e outros) impulsionam a produtividade. Por exemplo, vemos ganho de flexibilização das relações trabalhistas. Segundo dados do Caged, as contratações e demissões (voluntárias) estão nas máximas históricas.
Isto posto, as medidas de produtividade não parecem ter melhorado muito, como mostram estudos do Observatório da FGV/IBRE. Ademais, a taxa de investimento continua baixa, ao redor de 16,5% do PIB. Assim, os avanços estruturais ajudam a explicar as surpresas recentes, mas parecem longe de “fechar a conta”.
Do lado conjuntural, os impulsos são substanciais. As despesas primárias do governo central crescem, em média, 10% acima da inflação desde 2022, concentradas em medidas que puxam o consumo direta e indiretamente, através do aquecimento do mercado de trabalho. O crédito de bancos públicos reacelerou, puxando também o privado. E o BC cortou a taxa Selic em 3,25 pontos porcentuais (pp) recentemente.
Outro fator cíclico foi a alta de commodities entre 2020 e 2023. Em média, preços de grãos, petróleo e minério dobraram no período. Este movimento, aliado à elevada produção e câmbio desvalorizado, movimentou comércio, serviços e construção civil em muitas regiões do país.
Há sinais de que esses estímulos podem estar passando do ponto. A inflação parou de convergir para a meta. Custos de produção pressionam preços, sobretudo em meio à demanda aquecida. A dívida pública subiu 7 pp. do PIB desde 2022, sem sinais de estabilização. Neste ambiente, o BC indica alta de juros para baixar a fervura. Vai ajudar o BC a reversão – quase que completa – da alta de commodities este ano.
Em suma, avaliamos que parte do bom desempenho da economia é estrutural, o que nos levou a elevar nossa estimativa de crescimento potencial para 2,0% (1,5% antes). Mas a maior parte parece vir de impulsos de demanda, que estão perdendo o fôlego. Estimamos crescimento de 1,8% em 2025.
Caio Magale é economista-chefe da XP; Rodolfo Margato é economista da XP
Mário Mesquita: ‘O aumento da incerteza institucional joga contra o crescimento da economia’
O PIB do 2º trimestre voltou a surpreender positivamente, mantendo a sequência dos últimos anos. Enquanto em 2020 e 2021 as surpresas podem ser associadas à recuperação mais rápida que o esperado no início da pandemia, as explicações para os anos subsequentes são mais diversas e não excludentes. Uma muito debatida é o possível aumento do potencial de crescimento, após importantes mudanças, como a reforma trabalhista e dos marcos regulatórios – uma hipótese que o tempo irá confirmar, ou rejeitar.
No entanto, isso explicaria no máximo uma alteração de ritmo de cruzeiro da economia para a faixa de 2% ou pouco acima, não o ritmo de 3% que se vê recentemente. Assim, convém identificar que, além das reformas, eventos específicos podem ter aumentado o crescimento circunstancialmente nos últimos anos, como um mercado pujante para as dívidas corporativas, uma safra agropecuária recorde, que trouxe multiplicadores importantes para a economia, e o retorno de uma postura fiscal expansionista, que enseja riscos para a trajetória da dívida, mas cujos impactos sobre condições financeiras têm sido limitados.
A principal discussão é o quanto esses eventos vão se repetir e, principalmente, se as surpresas são sustentáveis. Por isso, observo como um fator importante a composição das surpresas mais recentes. O consumo das famílias tem sido mais robusto, mas o investimento tem tido alguma estagnação, o que traz algum ceticismo de que a capacidade de crescimento sustentável da nossa economia tenha realmente aumentado de forma definitiva.
Em números, frente ao que esperávamos no início de 2023, naquele ano tivemos maior robustez no consumo (crescimento de 3,1%, ante projeção de 1,2% e mediana da pesquisa Focus de 0,9%) e exportações (9,1%, ante projeção de 5,1% e consenso de 2%, muito impulsionadas pela safra recorde), mais que compensando a surpresa negativa no investimento, que contraiu 3,0%, ante projeção de 0,5% de alta (consenso de 1,3%).
Para 2024, nossa projeção atual para a expansão do consumo no ano (ainda não revisada após o PIB do 2T) é de 4,0%, com viés de alta, e se compara com expectativa de 0,6% no começo de 2023, enquanto o investimento devolve a queda do ano passado (com os 3,4% projetados para esse ano), mas tem crescimento acumulado em 2023/2024 de 0,3% - bastante fraco e abaixo dos 1,4% que enxergávamos no início de 2023.
A força do consumo tem como fundamentos o dinamismo do mercado de trabalho que está, neste momento, sobreaquecido, o impulso fiscal - com o retorno das políticas de aumentos reais do salário-mínimo, aumento do salário de servidores e, em 2024, com o pagamento de precatórios atrasados - e, mais recentemente, um desempenho melhor que o esperado do crédito.
Ocorre que o sobreaquecimento do mercado de trabalho é potencialmente inflacionário e o impulso fiscal vem ao custo de piora na trajetória esperada das contas públicas e aumento do risco-país. Tais fatores pressionam os juros de mercado, que atuam como vetor negativo para o investimento. Assim, seria importante reforçar a estratégia de ajuste fiscal e avançar nas agendas que melhoram o ambiente de negócios do país, como forma de impulsionar os investimentos privados e manter os ganhos dos últimos anos. Além disso, vale notar que o aumento da incerteza institucional não há de contribuir para uma retomada sustentada do investimento e joga contra o crescimento da economia.
Mário Mesquita é economista-chefe do Itaú Unibanco
Solange Srour: ‘Crescendo acima do potencial, resta à política monetária não deixar a inflação fora de controle’
Nos últimos anos, nosso crescimento surpreendeu de maneira positiva. Desde 2021, temos observado um crescimento real médio do PIB de 3,3% ao ano. Com a evolução do PIB deste ano, que caminha para expandir também perto de 3%, o debate sobre um possível aumento do nosso potencial de crescimento ganha força.
De fato, tivemos progressos muito significativos na agenda de reformas que tendem a trazer ganhos de produtividade, como a reforma trabalhista e da Previdência, a substituição da TJLP pela TLP, o marco do saneamento básico, reformas no setor de óleo e gás, a aprovação da Lei da Liberdade Econômica e estamos prestes a regulamentar a reforma tributária.
A hipótese de que esses avanços tenham aumentado nosso PIB potencial não pode ser descartada, mas ainda é difícil mensurar. Isso porque os efeitos cumulativos dessas reformas levam tempo para se materializar e para serem comprovados por modelos econométricos.
Por outro lado, não temos observado um aumento da nossa taxa de investimento. Pelo contrário, estamos com uma taxa perto de 17% do PIB – mesmo nível de quase 20 anos atrás.
Acredito que há duas causas maiores impedindo o investimento. A primeira é a piora consistente do ambiente institucional, com aumento acelerado da insegurança jurídica nos últimos ano. A falta de previsibilidade das leis (modificadas a todo momento), regulamentações e decisões judiciais revistas com frequência, a judicialização excessiva de questões econômicas e até a disputa de funções entre Judiciário, Legislativo e Executivo são vistos como acontecimentos “normais” no Brasil de hoje. Investimentos têm prazos longos de maturação e nada pior do que a incerteza para prejudicar o seu avanço.
Em segundo lugar, o aumento acelerado dos gastos públicos e a falta de horizonte para a estabilização da dívida pública têm aumentado os juros de equilíbrio da economia. A despesa primária, que estava perto de 18% em 2022, subiu 1,5 ponto base em 2023 e não deve desacelerar muito nos próximos anos, segundo as projeções do governo. De 2022 até 2028, a relação dívida/PIB deverá crescer de 73,5% do PIB para 88,7%, não contabilizando a proposta de renegociação das dívidas estaduais, que ultrapassam R$ 765 bilhões.
É cada vez mais urgente destravarmos os investimentos, pois a questão demográfica é muito preocupante. Segundo o último Censo, a população tem envelhecido rapidamente. Em 2000, projetava-se que para cada 100 pessoas na faixa de 15 a 64 anos (também chamada de População Economicamente Ativa), haveria 25 pessoas com mais de 65 anos em 2050. Na previsão atual, haverá 37. Ou seja, um crescimento de quase 50%. Vale destacar ainda que a PEA está hoje em um patamar 3% inferior ao previsto em 2013.
Diante deste cenário, é difícil concluir se a evolução do nosso crescimento se apoia em fatores estruturais. A hipótese mais razoável é que o crescimento forte da transferência de renda, que vem ocorrendo nos últimos anos e que até agora não se mostrou eficaz em aumentar a produtividade do trabalho, esteja sustentando um PIB puxado majoritariamente pelo consumo. Crescendo acima do potencial, resta à política monetária ficar mais restritiva para não deixar a inflação fora de controle.
Solange Srour é diretora de macroeconomia para o Brasil do UBS Global Wealth Management