Por que, em alguns casos, ricos pagam menos impostos que pobres?


Incidência de impostos sobre a parcela mais pobre da população é proporcionalmente maior do que a dos mais ricos; reforma tributária, com taxação de dividendos e simplificação de impostos, pode ser forma de reduzir a concentração de renda, avaliam economistas

Por Lucas Agrela
Atualização:

Em alguns casos, a parcela mais rica da população paga menos impostos do que a parcela mais pobre no Brasil. Como disse o fundador da Petz Sergio Zimerman, em entrevista ao Estadão/Broadcast, proporcionalmente, é a base da pirâmide social que mais paga impostos tanto sobre sua renda quanto, em grande parte, sobre bens e serviços.

Chamada de tributação indireta, a arrecadação do governo por meio dos tributos cobrados em itens de consumo é a mesma para ricos e pobres. Quando uma pessoa compra um produto, como um celular, uma geladeira ou um carro, a mesma alíquota de imposto incide sobre o comprador, qualquer que seja a sua renda. Ou seja, proporcionalmente, o rico paga menos do que o pobre.

“O problema do pobre pagar mais é que o imposto no Brasil é sobre consumo, que é muito tributado. A começar pelo ICMS. Então, o pobre, que gasta boa parte da sua renda em produtos básicos, paga mais imposto”, afirma William Eid Jr., diretor do centro de estudos em finanças da Fundação Getúlio Vargas.

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Para Luiz Carlos Hauly, tributarista, deputado federal por sete mandatos e por duas vezes Secretário da Fazenda do Estado do Paraná, além da questão da tributação sobre o consumo, há também a isenção fiscal concedida para as empresas que não é repassada para os preços.

“Quando a empresa deve para o fisco, significa que ela já recebeu esse imposto do consumidor e ficou devendo. Em paralelo, o Brasil tem cerca de 30% da economia na informalidade. Quanto mais tributo no consumo, mais carga tributária para as famílias mais pobres. Quem ganha menos paga mais e quem ganha mais paga menos. Com isso, até a competitividade entre as empresas fica deturpada. O consumidor é quem paga todo o imposto, mas as famílias de menor renda pagam mais do que as famílias mais ricas. Isso tirou o ímpeto de crescimento econômico nos últimos 40 anos”, afirma Hauly.

Imposto de renda

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Outro ponto associado ao pagamento de mais impostos pela parcela mais pobre da população é a tabela do Imposto de Renda. Na visão de especialistas ouvidos pelo Estadão, a tabela está desatualizada e mantê-la assim funciona como uma forma discreta de aumentar a arrecadação do governo diante da alta da inflação.

A tabela atual do Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF) é estruturada da seguinte forma:

- Quem ganha até R$ 1.903,98 por mês é isento de IR;

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- Quem ganha até R$ 2.826,65 por mês paga 7,5%;

- Quem ganha até R$ 3.751,05 por mês paga 15%;

- Quem ganha até R$ 4.664,68 por mês paga 22,5%;

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- Quem ganha mais do que R$ 4.664,69 por mês paga 27,5%.

Para Eid Jr., a cobrança do imposto de renda, nesse formato, é outro motivo que explica por que os mais ricos pagam menos imposto do que os mais pobres.

“A tabela de IR que castiga os de menor renda. Um cara que ganha R$ 40 mil por ano é rico? Pois é, ele vai pagar a mesma alíquota que um que ganha R$ 4 milhões. Parece meio injusto, não é?”, diz.

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Na visão de especialistas ouvidos pelo Estadão, a tabela do Imposto de Renda está desatualizada  Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

O regime de tributação empresarial do Simples Nacional, adotado por empresários que estouram o teto de R$ 81 mil de faturamento anual do regime do Microempreendedor Individual (MEI), tem um limite de tributação que vai a R$ 4,8 milhões de faturamento por ano. Com isso, mesmo empresas maiores do que uma papelaria ou uma padaria se enquadram nesse regime, que tem declaração de lucro presumido.

Entre as empresas de grande porte, a cobrança de imposto sobre o lucro real é de 34%. Mas nem sempre essa é, de fato, a alíquota paga. Isso acontece porque as empresas podem declarar despesas e incentivos fiscais de modo a serem excluídas do cálculo do lucro sobre o qual incide o imposto.

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Por conta disso, segundo a ONG sem fins lucrativos Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), abrir uma empresa está entre as estratégias mais recorrentes dos mais ricos.

Empresas

Tathiane Piscitelli, professora da FGV Direito SP e coordenadora do Núcleo de Direito Tributário da mesma instituição, lembra que os dividendos, os lucros de uma empresa, são isentos de tributação, o que é pouco comum no mundo. Ou seja, uma pessoa que é parte de uma grande empresa, como um sócio, recebe os lucros sem precisar pagar imposto sobre eles, uma vez que é a empresa que paga todo o imposto inerente àqueles lucros.

“Uma pessoa que recebe muitos dividendos não paga imposto de renda como pessoa física, ou seja, a tributação para ela é zero. Mas também temos o caso de uma pessoa que acumula riqueza porque tem um alto salário, tributado a 27,5%. A média da OCDE para essa tributação é de 42%. Na América Latina, é 31,9%. O Peru tributa 30%, a Argentina, 35%, e a Colômbia, 39%”, diz Piscitelli. “Segundo a Receita Federal, temos regressividade na alíquota efetiva do IRPF. As maiores rendas pagam muito menos do que as menores rendas. Quem ganha de cinco a sete salários mínimos tem uma alíquota média de imposto de renda de 3,9%, considerando a dedução e o rendimento dissolvido ao longo do ano. Se analisarmos o caso de uma pessoa que ganha de dez a 15 salários por mês, vemos que ela pagaria 9,2%. Mas quem ganha mais de 320 salários mínimos mensais paga uma alíquota média de 2,1%.”, afirma.

A tributação de dividendos é uma pauta em discussão desde os anos 1990 que nunca avançou, dizem especialistas. A medida afeta não só os donos e sócios de empresas, mas também pessoas que têm receita vinda de ações compradas na bolsa de valores, B3.

A reforma tributária não seria apenas uma forma de reduzir a desigualdade na distribuição de riquezas, mas também de melhorar o ambiente de negócios no País. “Muitas empresas que tentam entrar no Brasil acham o país complicado e até desistem por causa da complicação tributária. Nos EUA, é um imposto definido. No Brasil, há diferentes tipos de tributação”, diz Luiz Eguchi, diretor de tributação da consultoria Mazars.

Há saída?

O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) fez da isenção de IR para quem ganha até R$ 5 mil uma das principais promessas para o novo governo, que começa em 2023.

Com isso, tanto uma pessoa que tem um trabalho formal, sob as normas da CLT, quanto um empresário que ganhe R$ 5 mil por mês estarão livres de tributação. O mesmo valeria para médicos, advogados e outros profissionais liberais PJ.

No entanto, conforme essa renda aumenta, a classe trabalhadora continuaria a pagar mais impostos do que a mais rica, devido à isenção de tributação dos dividendos. Sobre o lucro das empresas, já incidem o imposto de renda da pessoa jurídica (IRPJ) e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). Para evitar uma tributação dupla para os ganhos das empresas, especialistas veem a necessidade de um ajuste fiscal mais abrangente do que apenas taxar os dividendos.

“Deveríamos ter um ajuste na carga tributária da pessoa jurídica de modo que ela de fato seja menos tributada e haja uma redistribuição dessa carga para a pessoa física, que recebe a distribuição dos lucros”, afirma Piscitelli, da FGV.

Para a reforma tributária no País, existem alguns projetos. Na PEC 110/19, do Senado Federal, propõe a substituição de nove tributos (ICMS, ISS, IPI, IOF, PIS, Pasep, Cofins, CIDE-Combustíveis e Salário-Educação) pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). Ele seria adotado sob os moldes dos impostos sobre valor agregado (IVA) já cobrados na maioria dos países desenvolvidos. Com isso, a alíquota do IBS varia conforme cada produto e cada serviço, sendo a mesma em todo o País. Além disso, há a mudança na Transferência do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD), que passaria da competência estadual para a federal.

Já a PEC 45/19, da Câmara dos Deputados, traz uma proposta diferente. Ela propõe substituir cinco tributos existentes (PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS) pelo IBS. Entretanto, a PEC não detalha sobre quais produtos e serviços haveria a incidência do Imposto Seletivo.

O PL 3887/2020, do Governo Federal, propõe a criação de um imposto único, chamado Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS). Ele substituiria o PIS/Pasep e o Cofins, que seriam extintos. Empresas em geral pagariam 12% de CBS, enquanto bancos, seguradoras e planos de saúde pagariam alíquota de 5,8%. Segundo esse PL, as empresas do regime Simples Nacional continuariam a ter tratamento tributário favorecido.

Para os economistas ouvidos pelo Estadão, qualquer que seja o rumo tomado pela reforma tributária, é central que ela seja pautada pela diminuição da concentração de renda no País, e que o governo seja mais eficiente na utilização dos recursos para que haja crescimento econômico e melhoria nas condições de vida da população brasileira.

Em alguns casos, a parcela mais rica da população paga menos impostos do que a parcela mais pobre no Brasil. Como disse o fundador da Petz Sergio Zimerman, em entrevista ao Estadão/Broadcast, proporcionalmente, é a base da pirâmide social que mais paga impostos tanto sobre sua renda quanto, em grande parte, sobre bens e serviços.

Chamada de tributação indireta, a arrecadação do governo por meio dos tributos cobrados em itens de consumo é a mesma para ricos e pobres. Quando uma pessoa compra um produto, como um celular, uma geladeira ou um carro, a mesma alíquota de imposto incide sobre o comprador, qualquer que seja a sua renda. Ou seja, proporcionalmente, o rico paga menos do que o pobre.

“O problema do pobre pagar mais é que o imposto no Brasil é sobre consumo, que é muito tributado. A começar pelo ICMS. Então, o pobre, que gasta boa parte da sua renda em produtos básicos, paga mais imposto”, afirma William Eid Jr., diretor do centro de estudos em finanças da Fundação Getúlio Vargas.

Para Luiz Carlos Hauly, tributarista, deputado federal por sete mandatos e por duas vezes Secretário da Fazenda do Estado do Paraná, além da questão da tributação sobre o consumo, há também a isenção fiscal concedida para as empresas que não é repassada para os preços.

“Quando a empresa deve para o fisco, significa que ela já recebeu esse imposto do consumidor e ficou devendo. Em paralelo, o Brasil tem cerca de 30% da economia na informalidade. Quanto mais tributo no consumo, mais carga tributária para as famílias mais pobres. Quem ganha menos paga mais e quem ganha mais paga menos. Com isso, até a competitividade entre as empresas fica deturpada. O consumidor é quem paga todo o imposto, mas as famílias de menor renda pagam mais do que as famílias mais ricas. Isso tirou o ímpeto de crescimento econômico nos últimos 40 anos”, afirma Hauly.

Imposto de renda

Outro ponto associado ao pagamento de mais impostos pela parcela mais pobre da população é a tabela do Imposto de Renda. Na visão de especialistas ouvidos pelo Estadão, a tabela está desatualizada e mantê-la assim funciona como uma forma discreta de aumentar a arrecadação do governo diante da alta da inflação.

A tabela atual do Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF) é estruturada da seguinte forma:

- Quem ganha até R$ 1.903,98 por mês é isento de IR;

- Quem ganha até R$ 2.826,65 por mês paga 7,5%;

- Quem ganha até R$ 3.751,05 por mês paga 15%;

- Quem ganha até R$ 4.664,68 por mês paga 22,5%;

- Quem ganha mais do que R$ 4.664,69 por mês paga 27,5%.

Para Eid Jr., a cobrança do imposto de renda, nesse formato, é outro motivo que explica por que os mais ricos pagam menos imposto do que os mais pobres.

“A tabela de IR que castiga os de menor renda. Um cara que ganha R$ 40 mil por ano é rico? Pois é, ele vai pagar a mesma alíquota que um que ganha R$ 4 milhões. Parece meio injusto, não é?”, diz.

Na visão de especialistas ouvidos pelo Estadão, a tabela do Imposto de Renda está desatualizada  Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

O regime de tributação empresarial do Simples Nacional, adotado por empresários que estouram o teto de R$ 81 mil de faturamento anual do regime do Microempreendedor Individual (MEI), tem um limite de tributação que vai a R$ 4,8 milhões de faturamento por ano. Com isso, mesmo empresas maiores do que uma papelaria ou uma padaria se enquadram nesse regime, que tem declaração de lucro presumido.

Entre as empresas de grande porte, a cobrança de imposto sobre o lucro real é de 34%. Mas nem sempre essa é, de fato, a alíquota paga. Isso acontece porque as empresas podem declarar despesas e incentivos fiscais de modo a serem excluídas do cálculo do lucro sobre o qual incide o imposto.

Por conta disso, segundo a ONG sem fins lucrativos Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), abrir uma empresa está entre as estratégias mais recorrentes dos mais ricos.

Empresas

Tathiane Piscitelli, professora da FGV Direito SP e coordenadora do Núcleo de Direito Tributário da mesma instituição, lembra que os dividendos, os lucros de uma empresa, são isentos de tributação, o que é pouco comum no mundo. Ou seja, uma pessoa que é parte de uma grande empresa, como um sócio, recebe os lucros sem precisar pagar imposto sobre eles, uma vez que é a empresa que paga todo o imposto inerente àqueles lucros.

“Uma pessoa que recebe muitos dividendos não paga imposto de renda como pessoa física, ou seja, a tributação para ela é zero. Mas também temos o caso de uma pessoa que acumula riqueza porque tem um alto salário, tributado a 27,5%. A média da OCDE para essa tributação é de 42%. Na América Latina, é 31,9%. O Peru tributa 30%, a Argentina, 35%, e a Colômbia, 39%”, diz Piscitelli. “Segundo a Receita Federal, temos regressividade na alíquota efetiva do IRPF. As maiores rendas pagam muito menos do que as menores rendas. Quem ganha de cinco a sete salários mínimos tem uma alíquota média de imposto de renda de 3,9%, considerando a dedução e o rendimento dissolvido ao longo do ano. Se analisarmos o caso de uma pessoa que ganha de dez a 15 salários por mês, vemos que ela pagaria 9,2%. Mas quem ganha mais de 320 salários mínimos mensais paga uma alíquota média de 2,1%.”, afirma.

A tributação de dividendos é uma pauta em discussão desde os anos 1990 que nunca avançou, dizem especialistas. A medida afeta não só os donos e sócios de empresas, mas também pessoas que têm receita vinda de ações compradas na bolsa de valores, B3.

A reforma tributária não seria apenas uma forma de reduzir a desigualdade na distribuição de riquezas, mas também de melhorar o ambiente de negócios no País. “Muitas empresas que tentam entrar no Brasil acham o país complicado e até desistem por causa da complicação tributária. Nos EUA, é um imposto definido. No Brasil, há diferentes tipos de tributação”, diz Luiz Eguchi, diretor de tributação da consultoria Mazars.

Há saída?

O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) fez da isenção de IR para quem ganha até R$ 5 mil uma das principais promessas para o novo governo, que começa em 2023.

Com isso, tanto uma pessoa que tem um trabalho formal, sob as normas da CLT, quanto um empresário que ganhe R$ 5 mil por mês estarão livres de tributação. O mesmo valeria para médicos, advogados e outros profissionais liberais PJ.

No entanto, conforme essa renda aumenta, a classe trabalhadora continuaria a pagar mais impostos do que a mais rica, devido à isenção de tributação dos dividendos. Sobre o lucro das empresas, já incidem o imposto de renda da pessoa jurídica (IRPJ) e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). Para evitar uma tributação dupla para os ganhos das empresas, especialistas veem a necessidade de um ajuste fiscal mais abrangente do que apenas taxar os dividendos.

“Deveríamos ter um ajuste na carga tributária da pessoa jurídica de modo que ela de fato seja menos tributada e haja uma redistribuição dessa carga para a pessoa física, que recebe a distribuição dos lucros”, afirma Piscitelli, da FGV.

Para a reforma tributária no País, existem alguns projetos. Na PEC 110/19, do Senado Federal, propõe a substituição de nove tributos (ICMS, ISS, IPI, IOF, PIS, Pasep, Cofins, CIDE-Combustíveis e Salário-Educação) pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). Ele seria adotado sob os moldes dos impostos sobre valor agregado (IVA) já cobrados na maioria dos países desenvolvidos. Com isso, a alíquota do IBS varia conforme cada produto e cada serviço, sendo a mesma em todo o País. Além disso, há a mudança na Transferência do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD), que passaria da competência estadual para a federal.

Já a PEC 45/19, da Câmara dos Deputados, traz uma proposta diferente. Ela propõe substituir cinco tributos existentes (PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS) pelo IBS. Entretanto, a PEC não detalha sobre quais produtos e serviços haveria a incidência do Imposto Seletivo.

O PL 3887/2020, do Governo Federal, propõe a criação de um imposto único, chamado Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS). Ele substituiria o PIS/Pasep e o Cofins, que seriam extintos. Empresas em geral pagariam 12% de CBS, enquanto bancos, seguradoras e planos de saúde pagariam alíquota de 5,8%. Segundo esse PL, as empresas do regime Simples Nacional continuariam a ter tratamento tributário favorecido.

Para os economistas ouvidos pelo Estadão, qualquer que seja o rumo tomado pela reforma tributária, é central que ela seja pautada pela diminuição da concentração de renda no País, e que o governo seja mais eficiente na utilização dos recursos para que haja crescimento econômico e melhoria nas condições de vida da população brasileira.

Em alguns casos, a parcela mais rica da população paga menos impostos do que a parcela mais pobre no Brasil. Como disse o fundador da Petz Sergio Zimerman, em entrevista ao Estadão/Broadcast, proporcionalmente, é a base da pirâmide social que mais paga impostos tanto sobre sua renda quanto, em grande parte, sobre bens e serviços.

Chamada de tributação indireta, a arrecadação do governo por meio dos tributos cobrados em itens de consumo é a mesma para ricos e pobres. Quando uma pessoa compra um produto, como um celular, uma geladeira ou um carro, a mesma alíquota de imposto incide sobre o comprador, qualquer que seja a sua renda. Ou seja, proporcionalmente, o rico paga menos do que o pobre.

“O problema do pobre pagar mais é que o imposto no Brasil é sobre consumo, que é muito tributado. A começar pelo ICMS. Então, o pobre, que gasta boa parte da sua renda em produtos básicos, paga mais imposto”, afirma William Eid Jr., diretor do centro de estudos em finanças da Fundação Getúlio Vargas.

Para Luiz Carlos Hauly, tributarista, deputado federal por sete mandatos e por duas vezes Secretário da Fazenda do Estado do Paraná, além da questão da tributação sobre o consumo, há também a isenção fiscal concedida para as empresas que não é repassada para os preços.

“Quando a empresa deve para o fisco, significa que ela já recebeu esse imposto do consumidor e ficou devendo. Em paralelo, o Brasil tem cerca de 30% da economia na informalidade. Quanto mais tributo no consumo, mais carga tributária para as famílias mais pobres. Quem ganha menos paga mais e quem ganha mais paga menos. Com isso, até a competitividade entre as empresas fica deturpada. O consumidor é quem paga todo o imposto, mas as famílias de menor renda pagam mais do que as famílias mais ricas. Isso tirou o ímpeto de crescimento econômico nos últimos 40 anos”, afirma Hauly.

Imposto de renda

Outro ponto associado ao pagamento de mais impostos pela parcela mais pobre da população é a tabela do Imposto de Renda. Na visão de especialistas ouvidos pelo Estadão, a tabela está desatualizada e mantê-la assim funciona como uma forma discreta de aumentar a arrecadação do governo diante da alta da inflação.

A tabela atual do Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF) é estruturada da seguinte forma:

- Quem ganha até R$ 1.903,98 por mês é isento de IR;

- Quem ganha até R$ 2.826,65 por mês paga 7,5%;

- Quem ganha até R$ 3.751,05 por mês paga 15%;

- Quem ganha até R$ 4.664,68 por mês paga 22,5%;

- Quem ganha mais do que R$ 4.664,69 por mês paga 27,5%.

Para Eid Jr., a cobrança do imposto de renda, nesse formato, é outro motivo que explica por que os mais ricos pagam menos imposto do que os mais pobres.

“A tabela de IR que castiga os de menor renda. Um cara que ganha R$ 40 mil por ano é rico? Pois é, ele vai pagar a mesma alíquota que um que ganha R$ 4 milhões. Parece meio injusto, não é?”, diz.

Na visão de especialistas ouvidos pelo Estadão, a tabela do Imposto de Renda está desatualizada  Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

O regime de tributação empresarial do Simples Nacional, adotado por empresários que estouram o teto de R$ 81 mil de faturamento anual do regime do Microempreendedor Individual (MEI), tem um limite de tributação que vai a R$ 4,8 milhões de faturamento por ano. Com isso, mesmo empresas maiores do que uma papelaria ou uma padaria se enquadram nesse regime, que tem declaração de lucro presumido.

Entre as empresas de grande porte, a cobrança de imposto sobre o lucro real é de 34%. Mas nem sempre essa é, de fato, a alíquota paga. Isso acontece porque as empresas podem declarar despesas e incentivos fiscais de modo a serem excluídas do cálculo do lucro sobre o qual incide o imposto.

Por conta disso, segundo a ONG sem fins lucrativos Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), abrir uma empresa está entre as estratégias mais recorrentes dos mais ricos.

Empresas

Tathiane Piscitelli, professora da FGV Direito SP e coordenadora do Núcleo de Direito Tributário da mesma instituição, lembra que os dividendos, os lucros de uma empresa, são isentos de tributação, o que é pouco comum no mundo. Ou seja, uma pessoa que é parte de uma grande empresa, como um sócio, recebe os lucros sem precisar pagar imposto sobre eles, uma vez que é a empresa que paga todo o imposto inerente àqueles lucros.

“Uma pessoa que recebe muitos dividendos não paga imposto de renda como pessoa física, ou seja, a tributação para ela é zero. Mas também temos o caso de uma pessoa que acumula riqueza porque tem um alto salário, tributado a 27,5%. A média da OCDE para essa tributação é de 42%. Na América Latina, é 31,9%. O Peru tributa 30%, a Argentina, 35%, e a Colômbia, 39%”, diz Piscitelli. “Segundo a Receita Federal, temos regressividade na alíquota efetiva do IRPF. As maiores rendas pagam muito menos do que as menores rendas. Quem ganha de cinco a sete salários mínimos tem uma alíquota média de imposto de renda de 3,9%, considerando a dedução e o rendimento dissolvido ao longo do ano. Se analisarmos o caso de uma pessoa que ganha de dez a 15 salários por mês, vemos que ela pagaria 9,2%. Mas quem ganha mais de 320 salários mínimos mensais paga uma alíquota média de 2,1%.”, afirma.

A tributação de dividendos é uma pauta em discussão desde os anos 1990 que nunca avançou, dizem especialistas. A medida afeta não só os donos e sócios de empresas, mas também pessoas que têm receita vinda de ações compradas na bolsa de valores, B3.

A reforma tributária não seria apenas uma forma de reduzir a desigualdade na distribuição de riquezas, mas também de melhorar o ambiente de negócios no País. “Muitas empresas que tentam entrar no Brasil acham o país complicado e até desistem por causa da complicação tributária. Nos EUA, é um imposto definido. No Brasil, há diferentes tipos de tributação”, diz Luiz Eguchi, diretor de tributação da consultoria Mazars.

Há saída?

O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) fez da isenção de IR para quem ganha até R$ 5 mil uma das principais promessas para o novo governo, que começa em 2023.

Com isso, tanto uma pessoa que tem um trabalho formal, sob as normas da CLT, quanto um empresário que ganhe R$ 5 mil por mês estarão livres de tributação. O mesmo valeria para médicos, advogados e outros profissionais liberais PJ.

No entanto, conforme essa renda aumenta, a classe trabalhadora continuaria a pagar mais impostos do que a mais rica, devido à isenção de tributação dos dividendos. Sobre o lucro das empresas, já incidem o imposto de renda da pessoa jurídica (IRPJ) e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). Para evitar uma tributação dupla para os ganhos das empresas, especialistas veem a necessidade de um ajuste fiscal mais abrangente do que apenas taxar os dividendos.

“Deveríamos ter um ajuste na carga tributária da pessoa jurídica de modo que ela de fato seja menos tributada e haja uma redistribuição dessa carga para a pessoa física, que recebe a distribuição dos lucros”, afirma Piscitelli, da FGV.

Para a reforma tributária no País, existem alguns projetos. Na PEC 110/19, do Senado Federal, propõe a substituição de nove tributos (ICMS, ISS, IPI, IOF, PIS, Pasep, Cofins, CIDE-Combustíveis e Salário-Educação) pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). Ele seria adotado sob os moldes dos impostos sobre valor agregado (IVA) já cobrados na maioria dos países desenvolvidos. Com isso, a alíquota do IBS varia conforme cada produto e cada serviço, sendo a mesma em todo o País. Além disso, há a mudança na Transferência do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD), que passaria da competência estadual para a federal.

Já a PEC 45/19, da Câmara dos Deputados, traz uma proposta diferente. Ela propõe substituir cinco tributos existentes (PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS) pelo IBS. Entretanto, a PEC não detalha sobre quais produtos e serviços haveria a incidência do Imposto Seletivo.

O PL 3887/2020, do Governo Federal, propõe a criação de um imposto único, chamado Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS). Ele substituiria o PIS/Pasep e o Cofins, que seriam extintos. Empresas em geral pagariam 12% de CBS, enquanto bancos, seguradoras e planos de saúde pagariam alíquota de 5,8%. Segundo esse PL, as empresas do regime Simples Nacional continuariam a ter tratamento tributário favorecido.

Para os economistas ouvidos pelo Estadão, qualquer que seja o rumo tomado pela reforma tributária, é central que ela seja pautada pela diminuição da concentração de renda no País, e que o governo seja mais eficiente na utilização dos recursos para que haja crescimento econômico e melhoria nas condições de vida da população brasileira.

Em alguns casos, a parcela mais rica da população paga menos impostos do que a parcela mais pobre no Brasil. Como disse o fundador da Petz Sergio Zimerman, em entrevista ao Estadão/Broadcast, proporcionalmente, é a base da pirâmide social que mais paga impostos tanto sobre sua renda quanto, em grande parte, sobre bens e serviços.

Chamada de tributação indireta, a arrecadação do governo por meio dos tributos cobrados em itens de consumo é a mesma para ricos e pobres. Quando uma pessoa compra um produto, como um celular, uma geladeira ou um carro, a mesma alíquota de imposto incide sobre o comprador, qualquer que seja a sua renda. Ou seja, proporcionalmente, o rico paga menos do que o pobre.

“O problema do pobre pagar mais é que o imposto no Brasil é sobre consumo, que é muito tributado. A começar pelo ICMS. Então, o pobre, que gasta boa parte da sua renda em produtos básicos, paga mais imposto”, afirma William Eid Jr., diretor do centro de estudos em finanças da Fundação Getúlio Vargas.

Para Luiz Carlos Hauly, tributarista, deputado federal por sete mandatos e por duas vezes Secretário da Fazenda do Estado do Paraná, além da questão da tributação sobre o consumo, há também a isenção fiscal concedida para as empresas que não é repassada para os preços.

“Quando a empresa deve para o fisco, significa que ela já recebeu esse imposto do consumidor e ficou devendo. Em paralelo, o Brasil tem cerca de 30% da economia na informalidade. Quanto mais tributo no consumo, mais carga tributária para as famílias mais pobres. Quem ganha menos paga mais e quem ganha mais paga menos. Com isso, até a competitividade entre as empresas fica deturpada. O consumidor é quem paga todo o imposto, mas as famílias de menor renda pagam mais do que as famílias mais ricas. Isso tirou o ímpeto de crescimento econômico nos últimos 40 anos”, afirma Hauly.

Imposto de renda

Outro ponto associado ao pagamento de mais impostos pela parcela mais pobre da população é a tabela do Imposto de Renda. Na visão de especialistas ouvidos pelo Estadão, a tabela está desatualizada e mantê-la assim funciona como uma forma discreta de aumentar a arrecadação do governo diante da alta da inflação.

A tabela atual do Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF) é estruturada da seguinte forma:

- Quem ganha até R$ 1.903,98 por mês é isento de IR;

- Quem ganha até R$ 2.826,65 por mês paga 7,5%;

- Quem ganha até R$ 3.751,05 por mês paga 15%;

- Quem ganha até R$ 4.664,68 por mês paga 22,5%;

- Quem ganha mais do que R$ 4.664,69 por mês paga 27,5%.

Para Eid Jr., a cobrança do imposto de renda, nesse formato, é outro motivo que explica por que os mais ricos pagam menos imposto do que os mais pobres.

“A tabela de IR que castiga os de menor renda. Um cara que ganha R$ 40 mil por ano é rico? Pois é, ele vai pagar a mesma alíquota que um que ganha R$ 4 milhões. Parece meio injusto, não é?”, diz.

Na visão de especialistas ouvidos pelo Estadão, a tabela do Imposto de Renda está desatualizada  Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

O regime de tributação empresarial do Simples Nacional, adotado por empresários que estouram o teto de R$ 81 mil de faturamento anual do regime do Microempreendedor Individual (MEI), tem um limite de tributação que vai a R$ 4,8 milhões de faturamento por ano. Com isso, mesmo empresas maiores do que uma papelaria ou uma padaria se enquadram nesse regime, que tem declaração de lucro presumido.

Entre as empresas de grande porte, a cobrança de imposto sobre o lucro real é de 34%. Mas nem sempre essa é, de fato, a alíquota paga. Isso acontece porque as empresas podem declarar despesas e incentivos fiscais de modo a serem excluídas do cálculo do lucro sobre o qual incide o imposto.

Por conta disso, segundo a ONG sem fins lucrativos Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), abrir uma empresa está entre as estratégias mais recorrentes dos mais ricos.

Empresas

Tathiane Piscitelli, professora da FGV Direito SP e coordenadora do Núcleo de Direito Tributário da mesma instituição, lembra que os dividendos, os lucros de uma empresa, são isentos de tributação, o que é pouco comum no mundo. Ou seja, uma pessoa que é parte de uma grande empresa, como um sócio, recebe os lucros sem precisar pagar imposto sobre eles, uma vez que é a empresa que paga todo o imposto inerente àqueles lucros.

“Uma pessoa que recebe muitos dividendos não paga imposto de renda como pessoa física, ou seja, a tributação para ela é zero. Mas também temos o caso de uma pessoa que acumula riqueza porque tem um alto salário, tributado a 27,5%. A média da OCDE para essa tributação é de 42%. Na América Latina, é 31,9%. O Peru tributa 30%, a Argentina, 35%, e a Colômbia, 39%”, diz Piscitelli. “Segundo a Receita Federal, temos regressividade na alíquota efetiva do IRPF. As maiores rendas pagam muito menos do que as menores rendas. Quem ganha de cinco a sete salários mínimos tem uma alíquota média de imposto de renda de 3,9%, considerando a dedução e o rendimento dissolvido ao longo do ano. Se analisarmos o caso de uma pessoa que ganha de dez a 15 salários por mês, vemos que ela pagaria 9,2%. Mas quem ganha mais de 320 salários mínimos mensais paga uma alíquota média de 2,1%.”, afirma.

A tributação de dividendos é uma pauta em discussão desde os anos 1990 que nunca avançou, dizem especialistas. A medida afeta não só os donos e sócios de empresas, mas também pessoas que têm receita vinda de ações compradas na bolsa de valores, B3.

A reforma tributária não seria apenas uma forma de reduzir a desigualdade na distribuição de riquezas, mas também de melhorar o ambiente de negócios no País. “Muitas empresas que tentam entrar no Brasil acham o país complicado e até desistem por causa da complicação tributária. Nos EUA, é um imposto definido. No Brasil, há diferentes tipos de tributação”, diz Luiz Eguchi, diretor de tributação da consultoria Mazars.

Há saída?

O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) fez da isenção de IR para quem ganha até R$ 5 mil uma das principais promessas para o novo governo, que começa em 2023.

Com isso, tanto uma pessoa que tem um trabalho formal, sob as normas da CLT, quanto um empresário que ganhe R$ 5 mil por mês estarão livres de tributação. O mesmo valeria para médicos, advogados e outros profissionais liberais PJ.

No entanto, conforme essa renda aumenta, a classe trabalhadora continuaria a pagar mais impostos do que a mais rica, devido à isenção de tributação dos dividendos. Sobre o lucro das empresas, já incidem o imposto de renda da pessoa jurídica (IRPJ) e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). Para evitar uma tributação dupla para os ganhos das empresas, especialistas veem a necessidade de um ajuste fiscal mais abrangente do que apenas taxar os dividendos.

“Deveríamos ter um ajuste na carga tributária da pessoa jurídica de modo que ela de fato seja menos tributada e haja uma redistribuição dessa carga para a pessoa física, que recebe a distribuição dos lucros”, afirma Piscitelli, da FGV.

Para a reforma tributária no País, existem alguns projetos. Na PEC 110/19, do Senado Federal, propõe a substituição de nove tributos (ICMS, ISS, IPI, IOF, PIS, Pasep, Cofins, CIDE-Combustíveis e Salário-Educação) pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). Ele seria adotado sob os moldes dos impostos sobre valor agregado (IVA) já cobrados na maioria dos países desenvolvidos. Com isso, a alíquota do IBS varia conforme cada produto e cada serviço, sendo a mesma em todo o País. Além disso, há a mudança na Transferência do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD), que passaria da competência estadual para a federal.

Já a PEC 45/19, da Câmara dos Deputados, traz uma proposta diferente. Ela propõe substituir cinco tributos existentes (PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS) pelo IBS. Entretanto, a PEC não detalha sobre quais produtos e serviços haveria a incidência do Imposto Seletivo.

O PL 3887/2020, do Governo Federal, propõe a criação de um imposto único, chamado Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS). Ele substituiria o PIS/Pasep e o Cofins, que seriam extintos. Empresas em geral pagariam 12% de CBS, enquanto bancos, seguradoras e planos de saúde pagariam alíquota de 5,8%. Segundo esse PL, as empresas do regime Simples Nacional continuariam a ter tratamento tributário favorecido.

Para os economistas ouvidos pelo Estadão, qualquer que seja o rumo tomado pela reforma tributária, é central que ela seja pautada pela diminuição da concentração de renda no País, e que o governo seja mais eficiente na utilização dos recursos para que haja crescimento econômico e melhoria nas condições de vida da população brasileira.

Em alguns casos, a parcela mais rica da população paga menos impostos do que a parcela mais pobre no Brasil. Como disse o fundador da Petz Sergio Zimerman, em entrevista ao Estadão/Broadcast, proporcionalmente, é a base da pirâmide social que mais paga impostos tanto sobre sua renda quanto, em grande parte, sobre bens e serviços.

Chamada de tributação indireta, a arrecadação do governo por meio dos tributos cobrados em itens de consumo é a mesma para ricos e pobres. Quando uma pessoa compra um produto, como um celular, uma geladeira ou um carro, a mesma alíquota de imposto incide sobre o comprador, qualquer que seja a sua renda. Ou seja, proporcionalmente, o rico paga menos do que o pobre.

“O problema do pobre pagar mais é que o imposto no Brasil é sobre consumo, que é muito tributado. A começar pelo ICMS. Então, o pobre, que gasta boa parte da sua renda em produtos básicos, paga mais imposto”, afirma William Eid Jr., diretor do centro de estudos em finanças da Fundação Getúlio Vargas.

Para Luiz Carlos Hauly, tributarista, deputado federal por sete mandatos e por duas vezes Secretário da Fazenda do Estado do Paraná, além da questão da tributação sobre o consumo, há também a isenção fiscal concedida para as empresas que não é repassada para os preços.

“Quando a empresa deve para o fisco, significa que ela já recebeu esse imposto do consumidor e ficou devendo. Em paralelo, o Brasil tem cerca de 30% da economia na informalidade. Quanto mais tributo no consumo, mais carga tributária para as famílias mais pobres. Quem ganha menos paga mais e quem ganha mais paga menos. Com isso, até a competitividade entre as empresas fica deturpada. O consumidor é quem paga todo o imposto, mas as famílias de menor renda pagam mais do que as famílias mais ricas. Isso tirou o ímpeto de crescimento econômico nos últimos 40 anos”, afirma Hauly.

Imposto de renda

Outro ponto associado ao pagamento de mais impostos pela parcela mais pobre da população é a tabela do Imposto de Renda. Na visão de especialistas ouvidos pelo Estadão, a tabela está desatualizada e mantê-la assim funciona como uma forma discreta de aumentar a arrecadação do governo diante da alta da inflação.

A tabela atual do Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF) é estruturada da seguinte forma:

- Quem ganha até R$ 1.903,98 por mês é isento de IR;

- Quem ganha até R$ 2.826,65 por mês paga 7,5%;

- Quem ganha até R$ 3.751,05 por mês paga 15%;

- Quem ganha até R$ 4.664,68 por mês paga 22,5%;

- Quem ganha mais do que R$ 4.664,69 por mês paga 27,5%.

Para Eid Jr., a cobrança do imposto de renda, nesse formato, é outro motivo que explica por que os mais ricos pagam menos imposto do que os mais pobres.

“A tabela de IR que castiga os de menor renda. Um cara que ganha R$ 40 mil por ano é rico? Pois é, ele vai pagar a mesma alíquota que um que ganha R$ 4 milhões. Parece meio injusto, não é?”, diz.

Na visão de especialistas ouvidos pelo Estadão, a tabela do Imposto de Renda está desatualizada  Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

O regime de tributação empresarial do Simples Nacional, adotado por empresários que estouram o teto de R$ 81 mil de faturamento anual do regime do Microempreendedor Individual (MEI), tem um limite de tributação que vai a R$ 4,8 milhões de faturamento por ano. Com isso, mesmo empresas maiores do que uma papelaria ou uma padaria se enquadram nesse regime, que tem declaração de lucro presumido.

Entre as empresas de grande porte, a cobrança de imposto sobre o lucro real é de 34%. Mas nem sempre essa é, de fato, a alíquota paga. Isso acontece porque as empresas podem declarar despesas e incentivos fiscais de modo a serem excluídas do cálculo do lucro sobre o qual incide o imposto.

Por conta disso, segundo a ONG sem fins lucrativos Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), abrir uma empresa está entre as estratégias mais recorrentes dos mais ricos.

Empresas

Tathiane Piscitelli, professora da FGV Direito SP e coordenadora do Núcleo de Direito Tributário da mesma instituição, lembra que os dividendos, os lucros de uma empresa, são isentos de tributação, o que é pouco comum no mundo. Ou seja, uma pessoa que é parte de uma grande empresa, como um sócio, recebe os lucros sem precisar pagar imposto sobre eles, uma vez que é a empresa que paga todo o imposto inerente àqueles lucros.

“Uma pessoa que recebe muitos dividendos não paga imposto de renda como pessoa física, ou seja, a tributação para ela é zero. Mas também temos o caso de uma pessoa que acumula riqueza porque tem um alto salário, tributado a 27,5%. A média da OCDE para essa tributação é de 42%. Na América Latina, é 31,9%. O Peru tributa 30%, a Argentina, 35%, e a Colômbia, 39%”, diz Piscitelli. “Segundo a Receita Federal, temos regressividade na alíquota efetiva do IRPF. As maiores rendas pagam muito menos do que as menores rendas. Quem ganha de cinco a sete salários mínimos tem uma alíquota média de imposto de renda de 3,9%, considerando a dedução e o rendimento dissolvido ao longo do ano. Se analisarmos o caso de uma pessoa que ganha de dez a 15 salários por mês, vemos que ela pagaria 9,2%. Mas quem ganha mais de 320 salários mínimos mensais paga uma alíquota média de 2,1%.”, afirma.

A tributação de dividendos é uma pauta em discussão desde os anos 1990 que nunca avançou, dizem especialistas. A medida afeta não só os donos e sócios de empresas, mas também pessoas que têm receita vinda de ações compradas na bolsa de valores, B3.

A reforma tributária não seria apenas uma forma de reduzir a desigualdade na distribuição de riquezas, mas também de melhorar o ambiente de negócios no País. “Muitas empresas que tentam entrar no Brasil acham o país complicado e até desistem por causa da complicação tributária. Nos EUA, é um imposto definido. No Brasil, há diferentes tipos de tributação”, diz Luiz Eguchi, diretor de tributação da consultoria Mazars.

Há saída?

O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) fez da isenção de IR para quem ganha até R$ 5 mil uma das principais promessas para o novo governo, que começa em 2023.

Com isso, tanto uma pessoa que tem um trabalho formal, sob as normas da CLT, quanto um empresário que ganhe R$ 5 mil por mês estarão livres de tributação. O mesmo valeria para médicos, advogados e outros profissionais liberais PJ.

No entanto, conforme essa renda aumenta, a classe trabalhadora continuaria a pagar mais impostos do que a mais rica, devido à isenção de tributação dos dividendos. Sobre o lucro das empresas, já incidem o imposto de renda da pessoa jurídica (IRPJ) e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). Para evitar uma tributação dupla para os ganhos das empresas, especialistas veem a necessidade de um ajuste fiscal mais abrangente do que apenas taxar os dividendos.

“Deveríamos ter um ajuste na carga tributária da pessoa jurídica de modo que ela de fato seja menos tributada e haja uma redistribuição dessa carga para a pessoa física, que recebe a distribuição dos lucros”, afirma Piscitelli, da FGV.

Para a reforma tributária no País, existem alguns projetos. Na PEC 110/19, do Senado Federal, propõe a substituição de nove tributos (ICMS, ISS, IPI, IOF, PIS, Pasep, Cofins, CIDE-Combustíveis e Salário-Educação) pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). Ele seria adotado sob os moldes dos impostos sobre valor agregado (IVA) já cobrados na maioria dos países desenvolvidos. Com isso, a alíquota do IBS varia conforme cada produto e cada serviço, sendo a mesma em todo o País. Além disso, há a mudança na Transferência do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD), que passaria da competência estadual para a federal.

Já a PEC 45/19, da Câmara dos Deputados, traz uma proposta diferente. Ela propõe substituir cinco tributos existentes (PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS) pelo IBS. Entretanto, a PEC não detalha sobre quais produtos e serviços haveria a incidência do Imposto Seletivo.

O PL 3887/2020, do Governo Federal, propõe a criação de um imposto único, chamado Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS). Ele substituiria o PIS/Pasep e o Cofins, que seriam extintos. Empresas em geral pagariam 12% de CBS, enquanto bancos, seguradoras e planos de saúde pagariam alíquota de 5,8%. Segundo esse PL, as empresas do regime Simples Nacional continuariam a ter tratamento tributário favorecido.

Para os economistas ouvidos pelo Estadão, qualquer que seja o rumo tomado pela reforma tributária, é central que ela seja pautada pela diminuição da concentração de renda no País, e que o governo seja mais eficiente na utilização dos recursos para que haja crescimento econômico e melhoria nas condições de vida da população brasileira.

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