A recuperação judicial pode funcionar para o devedor, mas para quem tem dinheiro a receber de empresas que entram no processo o resultado não é dos mais animadores: o mais provável é que o credor vá receber menos da metade da dívida ao longo de uma década. É o que mostra pesquisa feita pela PUC-SP e pela Associação Brasileira de Jurimetria. Os resultados serão apresentados em seminário na terça-feira, na universidade.
Nesta primeira fase, foram analisados cerca de 200 casos de recuperação judicial que tramitam em duas varas da Justiça na cidade de São Paulo. Oito de cada dez empresas que tiveram seus pedidos de recuperação aceitos pela Justiça e fizeram uma assembleia geral com seus credores tiveram seu plano de pagamento das dívidas aprovado por eles.
Isso inclui tanto os credores que têm prioridade legal para receber (dívidas trabalhistas e tributárias) quanto os que não têm nenhuma garantia além do papel assinado pelo devedor, como fornecedores de matéria-prima e de serviços.
Prazos. Na amostra verificada pelo estudo, as condições típicas aceitas por quem tem a receber foram dez anos para a quitação do débito, com o primeiro ano de carência. Mas não sem antes cortar pela metade o valor da dívida. Em muitos casos, o juro cobrado ao longo desse período é zero ou muito baixo.
“A pesquisa mostrou que o credor, na maioria das vezes, vai receber só uma pequena fração – e isso no melhor dos cenários”, resume um dos coordenadores do estudo, Marcelo Guedes Nunes.
Para Nunes, os resultados da pesquisa sugerem que a legislação que regula as recuperações judiciais precisa mudar. “Mas é preciso olhar os dados antes”, defende ele, que é também presidente da Associação Brasileira de Jurimetria, entidade que promove a aplicação de métodos quantitativos, como a estatística, ao Direito.
Segundo Nunes, os resultados da pesquisa serão apresentados aos técnicos do Ministério da Fazenda que preparam as propostas de mudanças.
Para o advogado Ivo Waisberg, professor de Direito Comercial na PUC-SP e também coordenador da pesquisa, os dados deixam em evidência problemas no financiamento das empresas em dificuldades.
“Mais da metade das empresas em recuperação judicial têm de vender algum ativo, como forma de amortizar parte da dívida ou conseguir caixa para fazer capital de giro”, afirma. “Isso até certo ponto é positivo, porque um ativo vendido continua gerando empregos e atividade econômica. Por outro lado, demonstra que essas empresas não têm acesso a crédito para conseguir desenvolver suas atividades e pagar os credores.”
Outro coordenador do estudo, Marcelo Sacramone, juiz e professor de Direito Empresarial na PUC, apontou o mesmo problema. “Muito se questiona se uma recuperação judicial funciona sem dinheiro novo. Se mais da metade das empresas em recuperação precisam alienar um ou mais de seus ativos para fazer caixa, isso indica que a empresa que não tem ativos dificilmente vai conseguir se recuperar, porque não vai conseguir dinheiro no mercado. Se esse dinheiro fosse fácil, as empresas não venderiam seus ativos para obter capital.”
Surpresas. Sacramone destacou que os dados trouxeram alguns resultados inesperados. “Tínhamos alguma ideia do que ocorria nos processos de recuperação judicial, mas o levantamento estatístico mostrou que nem sempre nossa percepção era real. Foi uma surpresa, por exemplo, constatar que a mediana do prazo de um plano de recuperação judicial é de dez anos. É um prazo grande para a recuperação de um crédito. Também não se sabia do porcentual mediano de 50% de deságio. Outro ponto que surpreendeu é que não há grande diferença no deságio para os credores sem garantia nenhuma e os credores com garantias reais. Isso é muito curioso.”
Waisberg também ficou surpreso com alguns números. “O que ficou provado com essa pesquisa é que, às vezes, a realidade surpreende até os especialistas.”