Brasília - O presidente da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Isaac Sidney, avalia que a proposta do governo Lula para regularizar os pagamentos dos precatórios (dívidas para as quais não cabe mais recurso judicial) põe de volta o “pino” no que poderia ser uma “granada fiscal” para o equilíbrio das contas públicas.
Procurado pelo Estadão para avaliar a proposta apresentada na semana passada, Isaac diz que a solução para o problema do estoque de precatórios desenhada pela Advocacia-Geral da União (AGU) e o Ministério da Fazenda é meritória, porque busca conferir uma definição mais segura para evitar que se eternize um desequilíbrio fiscal de grandes proporções. O estoque vem se acumulando porque o Congresso aprovou, durante o governo Jair Bolsonaro, uma emenda à Constituição que coloca um limite no pagamento anual de precatórios até o final de 2026, o que vem gerando uma “bola de neve” de despesas que não foram pagas.
A AGU encaminhou uma manifestação ao Supremo Tribunal Federal (STF) para que a emenda dos precatórios seja considerada inconstitucional. Paralelamente, o governo propôs que as despesas com precatórios sejam segregadas na contabilidade das contas públicas: o principal da dívida seria considerado despesa primária e os encargos com juros seriam contabilizados como despesas financeiras (que ficam fora do resultado que serve como parâmetro para a meta fiscal). O Estadão ouviu vários especialistas sobre o tema, que apontam riscos para essa separação.
Para Sidney, o mais relevante é assegurar que, com essa proposta, não se abra espaço fiscal para aumento de gastos orçamentários. Ele diz “reconhecer a firmeza” do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em cumprir as metas do novo arcabouço fiscal, de zerar o déficit das contas públicas em 2024. “Isso nos permite dar um voto de confiança de que a nova sistemática de pagamento de precatórios não abrirá flancos para aumento de despesas”, afirma.
De acordo com o presidente da Febraban, a iniciativa do governo reconhece que o Brasil tem um problema fiscal sério por conta dos precatórios acumulados, e que pode se agravar bastante e rapidamente ao longo dos próximos anos se não for enfrentado logo. Os cálculos oficiais apontam para um valor acumulado de cerca de R$ 250 bilhões em 2027.
“É um desequilíbrio fiscal de grande monta, que, não nos iludamos, será trazido a valor presente pelos mercados”, diz o presidente da Febraban, entidade que até agora não tinha comentado sobre a proposta.
Isaac pondera que a estratégia de adiar a solução de desequilíbrios nunca funciona. “Sempre deu e sempre dará errado, pois os custos no futuro costumam ser bem maiores, como aliás aprendemos com o congelamento de tarifas públicas e a redução de impostos, em 2022, para conter as pressões inflacionárias”, ressalta.
Reclassificação das despesas
O presidente da Febraban, porém, prefere não entrar no que chama de “questão teórica” sobre reclassificação das despesas de precatórios. “Penso de forma pragmática. Enxergo que a AGU e a Fazenda procuraram, genuinamente, conferir segurança jurídica à sistemática de pagamento dos precatórios e isso é muito importante para a precificação desses papéis e o ambiente de negócios”, diz.
Segundo Isaac, o ideal, de acordo alguns especialistas, incluindo o Fundo Monetário Internacional (FMI), seria colocar os gastos com precatórios integralmente dentro do orçamento, como despesas primárias, e acomodar este dispêndio com redução de outras despesas. “Não ignoro a importância dessa questão, mas há outra, igualmente relevante e salutar, que precisa ser considerada: temos visto o Ministério da Fazenda determinado a cumprir as metas do arcabouço fiscal, em meio a crescentes pressões por gastos sociais e com uma arrecadação em queda”, pondera.
Na sua avaliação, a medida tem o propósito de resgatar a credibilidade dos precatórios, uma dívida que deveria ser líquida e certa, mas que sofre intercorrências de diferentes governos que buscam protelar o seu pagamento.
O presidente da Febraban defende que se aprofunde o debate sobre a constituição dessas obrigações e a forma de contabilização no orçamento. Mas argumenta que o País não pode institucionalizar o calote, colocando em dúvida a legitimidade destes títulos.
Sobre o crédito extraordinário que o governo propõe para pagar R$ 95 bilhões de precatórios acumulados até 2024, ele diz que há pouca controvérsia e “parece a única opção viável”, ainda que a questão da separação entre despesas primárias e financeiras, seja alvo de críticas por parte dos analistas.