No Ministério do Planejamento e Orçamento, o secretário de Monitoramento e Avaliação de Políticas Públicas, Sergio Firpo, lidera a construção de uma ferramenta que vai ser capaz de revisar as despesas do governo e indicar quais políticas públicas funcionam ou não. “Todo esse processo está não só internamente no Planejamento, também vai chegar para fora do ministério”, diz.
O objetivo é que essa avaliação não tenha qualquer tipo de interferência política e se transforme num legado da secretária para o País, para que a União institucionalize o hábito da avaliação e defina as suas escolhas com base em evidência.
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“A gente precisa sempre repensar se estamos usando os recursos públicos da melhor maneira possível. O que a gente quer fazer é enraizar a cultura de avaliação dentro do governo federal”, afirma.
Antes de assumir a secretária, Firpo era professor do Insper. Ele tem graduação pela Universidade de Campinas e mestrado pela PUC do Rio de Janeiro.
A seguir os principais trechos da entrevista concedida ao Estadão.
Qual é a avaliação desses seis meses iniciais de trabalho?
As principais atividades envolveram realizar um levantamento do que foi avaliado, garantir que o que já foi avaliado tenha comparabilidade, fazer uma síntese dessas avaliações e promover quadros comparativos que permitissem a gente entender o que cada uma traz. Queremos garantir que a avaliação de políticas públicas seja um instrumento utilizado pela sociedade na cobrança de melhores serviços prestados pelo governo. O que a gente tem feito é olhar para trás, garantir que o processo todo está rodando de maneira adequada e comprometimento de todos os órgãos e dos Ministérios que têm as suas políticas avaliadas - e são diversos. E para isso, a gente precisa que a avaliação seja entendida como um instrumento que é útil para o próprio ministério que toca seus programas. Não pode ser simplesmente instrumento de fiscalização ou um instrumento fiscal. Tem de ser algo que sirva para os ministérios aprimorarem as suas políticas públicas.
O Ministério já revelou que os subsídios do governo chegaram a 5,8% do PIB em 2022. Qual é a avaliação do sr.?
Trazer os números é importante, mas trazer os números sem a avaliação das políticas acaba perdendo a relevância. Isso vai ficar mais claro quando a gente começar a liberar os documentos sintéticos de avaliações, para mostrar como é que essas políticas têm ou não atingindo os objetivos para os quais elas foram desenhadas. A gente está com uma ênfase muito grande (nisso), com todo o timming da criação da nova regra fiscal, de olhar bastante para gastos tributários. A gente fez um levantamento do que foi avaliado e do que a gente pode dizer sobre potenciais falhas de cobertura e focalização e efeitos de regressividade das políticas para poder ter um quadro comparativo. A gente quer garantir que as avaliações sejam utilizadas para aperfeiçoar as políticas de gastos diretos. As de gastos tributários muitas vezes não cumprem o papel para o qual foram desenhadas. Eu acho importante trazer isso e divulgar para a sociedade, ainda mais nessa discussão de reforma tributária e de como a Fazenda poderia olhar para políticas de subsídios que, talvez, precisem ser revistas.
São os chamados ‘jabutis’, que estão na mira do ministro Haddad...
São políticas de subvenções que muitas vezes foram criadas num certo momento, faziam sentido, mas que precisam ser reavaliadas com frequência. Quando desenhadas, elas atingem um público específico e trazem, sim, ganhos de bem-estar. Mas, na hora em que você olha para o mundo atual, talvez, não façam tanto sentido. As deduções de Imposto de Renda foram desenhadas num momento muito diferente do atual. Tem coisas que precisam ser revistas só para estarem mais próximas de políticas que sejam mais eficazes para um novo quadro demográfico brasileiro, por exemplo. Políticas que estão atreladas à idade, atreladas a certas doenças, hoje em dia, talvez, não façam tanto mais sentido quanto há 30 anos. Essa é a discussão que estamos trazendo. Mas, no fundo, acho que um ponto importante é não só trazer essas políticas específicas, mas mostrar como que a avaliação sistemática e periódica das políticas é algo super importante.
Quais os benefícios de uma avaliação mais periódica?
Se não for feita, você mantém aquela inércia orçamentária e de isenções que muitas vezes já não fazem sentido. A gente precisa sempre repensar se estamos usando os recursos públicos da melhor maneira possível. O que a gente quer fazer - e tem feito - é enraizar a cultura de avaliação dentro do governo federal. A avaliação é um instrumento importante para melhorar a qualidade do gasto. Sem essa avaliação periódica, a gente vai continuar só replicando da forma como usamos os recursos sem repensar se a gente está atendendo, de fato, os interesses daqueles que não tem voz na sociedade.
Como vai se concretizar a decisão de rever ou extinguir uma política pública?
É sobre isso que a gente tem trabalhado continuamente. A gente está criando uma ferramenta de revisão de despesas. Todo esse processo está não só internamente no Planejamento, também vai chegar para fora do ministério. Passa por diversas instâncias. O ponto importante é garantir que isso seja feito de uma maneira em que não exista escolha política. Depois, obviamente, haverá escolhas em instâncias superiores. A gente está bastante cuidadoso - até dada a pressão para ajuste fiscal, de metas de primário que já existem – de não acelerar o processo e perder uma oportunidade de deixar algo nessa institucionalidade de revisão de despesas. É um legado que a secretaria quer deixar. Mas o que eu posso dizer é que não é uma coisa trivial.
Por que não é trivial?
Não pode ser trivial porque envolve políticas públicas muitas vezes já estabelecidas. Ninguém quer ser leviano de dizer o que funciona ou não funciona por conta de uma avaliação. Você quer ser rigoroso para que a instância política tome as melhores decisões com base nas evidências que a gente trouxer. Isso é importante: trazer cada vez mais evidências para a tomada de decisões, evitar ‘achismos’ ou preferências ideológicas por políticos, e que a gente consiga, de fato, que a avaliação da efetividade seja levada em conta para a tomada de decisões.
O País está preparado para essa discussão, de, eventualmente, acabar com uma política?
A gente já vem fazendo isso. Tem políticas que vão morrendo gradualmente por inanição orçamentária. Isso já existe. O que não existe por trás é um ciclo de avaliação rigoroso. A questão política, que acaba fazendo com que certas políticas públicas tenham recursos orçamentários reduzidos de um ano para outro, na prática, é comum. O que a gente quer, na verdade, é garantir que isso não aconteça, garantir que a ingerência política só ocorra após uma revisão baseada em evidências de que as políticas públicas são meritórias ou não. O que a gente quer trazer não é essa descontinuidade de políticas dessa forma abrupta. A gente quer garantir é o embasamento para a tomada de decisões a partir das evidências das avaliações, não algo ao sabor de preferências ou porque grupos políticos gostam mais dessa ou daquela.
O sr. comentou sobre a dedução no Imposto de Renda. Tem algo que enxerga que pode entrar nesse grupo de políticas que possam vir a ser alteradas?
Ainda está cedo para dizer o que vai entrar, o que vai sair. Como eu disse, eu acho que temos de deixar a institucionalidade montada. A nossa secretaria está trazendo evidências do que funciona ou do que não funciona. E, talvez, agora, nesse ciclo orçamentário, algum tipo de evidência possa ser utilizado. A principal missão é deixar tudo isso montado para funcionar para o próximo ano, para não ter nem essa discussão. É o tipo de coisa que cria muito ruído desnecessário. Tem de sair dessa discussão de individualizar e pegar os vilões. Acho que, na verdade, tem coisas que foram criadas em momentos muito diferentes do que vivemos hoje. A sociedade mudou. É uma questão muitas vezes de adequação e percepção do que existe. E não é só a extinção. Tem muita coisa que merece até redesenho porque tem mérito. Tudo vai depender dos resultados e das avaliações que a gente tem gerado.
A confusão que vimos na condução do Censo afeta esse plano de alguma forma?
Eu acho que não teve confusão. Houve uma série de discussões e eventos que fizeram com o que o Censo demorasse mais para ser finalizado, mas, desde que a ministra (Simone Tebet) assumiu, houve uma prioridade para que o Censo fosse concluído em tempo hábil. Não se mediu esforços para que os yanomamis fossem recenseados, para que houvesse recenseamento em favelas ou residências em que, talvez, tivesse mais dificuldade de acesso. Houve um esforço ativo do Ministério do Planejamento para garantir que o Censo, de fato, acontecesse. As informações do microdados do Censo vão ajudar muito no processo avaliativo, sem dúvida. Vão ajudar na avaliação e no desenho das políticas públicas. Agora, a gente tem uma dimensão mais fidedigna do nosso tamanho. Ainda são poucos dados, mas, conforme forem liberados pelo IBGE, isso vai ser extremamente importante para a tomada de decisão de política pública.
E qual é o conjunto de políticas públicas que o sr. considera fundamental para o Brasil nos próximos três anos e meio?
Estou na Secretaria de Monitoramento e Avaliação e tenho as minhas atribuições bem específicas. Eu adoraria conversar mais longamente sobre isso. Mas tem uma coisa que posso comentar sobre a percepção com base nos dados do Censo sobre certas priorizações que o Ministério do Planejamento vai encampar, mas que dependem, óbvio, de estudos e refinamentos. Eu acho que tem a ver com a mudança demográfica, com a nossa redução do crescimento populacional, envelhecimento da população, das políticas que existem para incentivar cuidados de uma população envelhecida. Isso tudo é certamente uma preocupação do Ministério, mas não posso dizer que isso seja uma política, um eixo do governo, porque, obviamente, não posso falar pelo resto do governo.