‘Mostramos que a Americanas continuava no jogo, mas sem a arrogância do passado’, diz CEO da empresa


Leonardo Coelho projeta saída da recuperação judicial em 2026 e que clientes poderão voltar a encontrar tudo nas lojas

Por Matheus Piovesana e Altamiro Silva Junior
Atualização:
Foto: Divulgação/Americanas
Entrevista comLeonardo CoelhoPresidente da Americanas

Um ano após a revelação de uma das maiores fraudes corporativas da história brasileira, e em meio a um processo de recuperação judicial de início conturbado, a Americanas sobreviveu. Leonardo Coelho, presidente da companhia, diz que isso foi possível porque clientes e fornecedores não abandonaram a varejista.

“O que permitiu que as lojas físicas continuassem operando foi uma combinação de sortimento, nossos fornecedores não nos abandonaram, e tivemos como colocar produtos em nossas lojas”, disse ele ao Estadão/Broadcast. “Nossos clientes também não nos abandonaram nas lojas físicas.”

Outro fator decisivo foi o empréstimo DIP (debtor-in-possession, concedido a empresas em dificuldades) de R$ 2 bilhões feito pelo trio de acionistas de referência, Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira, e que permitiu que a Americanas cumprisse as obrigações no dia a dia sem recorrer a linhas mais caras ou vender ativos a preços muito baixos.

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Os R$ 2 bilhões são parte do aporte de R$ 12 bilhões que o trio fará na companhia. Outros R$ 12 bilhões virão da conversão de dívidas em ações pelos bancos credores. Confira a seguir os principais trechos da entrevista:

Como a Americanas conseguiu operar em 2023 após o anúncio do rombo?

A resposta tem três partes. A primeira é a operação das lojas físicas: o que permitiu que continuassem operando foi uma combinação de sortimento, os nossos fornecedores não nos abandonaram, e tivemos como colocar produtos nas lojas. Segundo, nossos clientes também não nos abandonaram nas lojas físicas. O terceiro fator foi conseguirmos manter e inclusive aprimorar os produtos nas lojas físicas a partir da linha de crédito DIP. Essa combinação acabou fazendo com que no físico mantivéssemos vendas similares às de 2022.

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Lojas Americanas estão em recuperação judicial desde janeiro de 2023 Foto: PEDRO KIRILOS / Estadão Conteúdo 

As vendas pela internet foram muito afetadas?

Naturalmente tem um choque de confiança. O tíquete médio é mais alto, os produtos são muito comparáveis e com várias opções a um clique de distância. Sofremos um baque na partida. Na segunda parte do ano, as pessoas faziam as compras online e viam que eram entregues, e os vendedores recebiam o valor do que vendiam, e tivemos uma recuperação, mas ainda muito distantes dos patamares de 2022. Mas optamos por uma estratégia mais conservadora no marketplace em termos de produtos e preços.

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O crédito bancário secou?

Exatamente. E isso é bastante comum em processos de RJ. As linhas de crédito secam especialmente com bancos de primeira linha. Existe uma linha de crédito muito cara, que se chama ‘distressed finance’ (fornecida por fundos que compram papéis de empresas com problemas financeiros), que nós não precisamos usar exatamente por causa do DIP. Então, ficamos com a linha DIP e o capital de giro.

Como ficou a relação com os fornecedores?

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O pagamento à vista perdura até a homologação da recuperação judicial. Esperamos a homologação no final deste mês ou começo de fevereiro, e a partir daí, os fornecedores já voltam a dar crédito para a Americanas. O que aconteceu em 2023 foi uma conversa em dois segmentos. Primeiro, mostrar que operacionalmente a Americanas continuava no jogo e, segundo, foi uma postura de voltar, e vou ser muito transparente, de maneira menos arrogante do que éramos em um passado recente. Entendemos que somos relevantes para esses fornecedores e que precisamos deles. Com vários, Mondelez, Samsung, Nestlé, Mondial, tivemos conversas difíceis, mas em nenhum momento as conversas duras de dívida transformaram as conversas comerciais em discussões improdutivas.

O que seria essa arrogância?

Impor condições de pagamento, de entrega e condições negociais, sem uma conversa de alto nível. A Samsung, um dos principais fornecedores da Americanas, é o número um no nosso quadro geral de credores, e jamais tinha vindo ao terceiro andar da sede, que é onde fica a diretoria. Esse foi um dos primeiros pontos que o diretor financeiro da Samsung falou, que nunca havia conversado com o presidente antigo, nunca havia sido atendido para além do time comercial.

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Ao assumirem a Americanas em recuperação judicial, vocês chegaram a duvidar da viabilidade operacional da empresa?

Não. As discussões sobre RJ, em um momento ou outro, são mais duras, mas operacionalmente, temos algumas vantagens. O sortimento tão diverso nas lojas físicas faz com que a relação com o cliente seja contínua. Todo dia tem gente que passa para comprar seu chocolate. Em uma varejista de eletroeletrônicos, o cliente não compra celular todo dia. Além disso, até por conta da situação que levou à crise da Americanas, a operação ficou um pouco abandonada. Vimos várias alavancas de recuperação de valor e começamos a usufruir delas. Conseguimos fazer campanhas que alavancaram vendas. Temos, grosseiramente, 50 milhões de clientes que passam nas lojas todo ano.

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Com a aprovação do plano e sua homologação, quais os próximos passos?

Em 2023, mantivemos a operação funcionando, mas a primeira parte da reestruturação foi de fato fazer a aprovação da RJ, que recuperaria nossa estrutura de capital. O que vem pela frente em 2024 e provavelmente também em 2025 é para uma geração de caixa operacional mais robusta.

Quais os projetos para a rede física?

Chamamos de reformatação de lojas - que ainda estão com fluxo bagunçado, com um desenho de categorias que não é uniforme: a loja na Glória é diferente da loja de Ipanema (bairros do Rio de Janeiro, cidade em que fica a sede da companhia). Temos de sentar com os fornecedores, e estamos fazendo isso, para desenhar planos de negócios. Quando cheguei, tínhamos 1.733 lojas com 1.731 matrizes de abastecimento, como se cada loja tivesse seu sortimento específico. Em 2023, simplificamos demais e trouxemos de 1.731 matrizes para cinco. Temos hoje grupos de lojas por tamanho. Em 2024, vamos colocar camadas adicionais, incluindo renda da vizinhança, demografia, localização para fazer um abastecimento mais específico.

A AME é um ativo que vocês pretendem manter?

A AME e o marketplace estão como UPIs (Unidades Produtivas Isoladas) no plano de RJ exclusivamente por uma flexibilidade para o caso de existirem potenciais interessados. Não vemos venda nem de AME nem do digital, a não ser vendas parciais. Em Hortifruti e Unico, o desenho é venda do ativo.

Da esquerda para a direita: Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira; trio de acionistas de referência terá que fazer aporte bilionário para evitar falência das Lojas Americanas Foto: Reprodução / Forbes; Reprodução / Youtube/ Paulo Giandalia / AE

Os processos de venda de ativos serão retomados em 2024?

Serão retomados com o tempo. O mercado talvez tenha entendido que era uma venda por liquidação, o que não era o caso. Temos a capacidade de retomar os processos para os quatro ativos sob uma lógica de mercado tradicional. Se houver propostas que fazem sentido, vamos analisar. Talvez o melhor momento não seja no primeiro semestre.

O DIP ajudou a empresa a não ter de liquidar esses ativos?

Certamente. Se não houvesse DIP, teríamos duas opções: ir atrás de linhas de crédito com empresas que financiam companhias estressadas, ou vender ativos para gerar dinheiro.

O processo da Americanas andou relativamente rápido: em um ano a empresa chegou ao formato final e fechou um acordo com credores. A que o sr. atribui esses pontos?

O fato de os acionistas de referência terem injetado R$ 12 bilhões criou condições para que o plano fosse viável, e para que os outros agentes financeiros entendessem que a capitalização das dívidas era uma condição e necessária para que a Americanas continuasse a ter valor no futuro.

Os credores financeiros não estarão no conselho, mas serão acionistas. Como será esta relação?

Já estive em situações parecidas, e impera a racionalidade. Se a companhia não entregar os resultados, existe um nível de participação maior e mais efetivo. Caso contrário, os credores convertidos tendem a entender que a companhia está seguindo em seu plano de recuperação.

O sr. vislumbra uma saída da RJ no curto e médio prazo?

O desenho que temos nos faz enxergar uma saída no começo de 2026. Se dividíssemos a recuperação da Americanas em três fases, nós cumprimos a fase um, que é recuperar a estrutura de capital. Como se fosse um jogo, isso habilitou a entrada na segunda fase, que é gerar caixa com a operação. A terceira fase, até o final de 2025, é voltar a uma agenda de crescimento.

As projeções para 2025 são factíveis?

Não são números fáceis, que se atinge sem transformação e grau elevado de dor. Mas temos muito mato alto para cortar. Vamos precisar ter algo que a Americanas tem de sobra, que é disciplina para executar. Entendendo que não somos uma empresa rica, somos uma empresa em recuperação judicial.

A Americanas hoje é menor que há um ano. Como foi o ajuste?

Sem a sazonalidade, a redução líquida é em torno de 5 mil colaboradores. Nós contratamos para as campanhas de Black Friday e Natal de 2023 cerca de 7 mil colaboradores temporários. Destes, 900 foram efetivados. Os fechamentos são de menos de 10% das lojas, o que para uma empresa em reestruturação, é bastante conservador. Em demissões, fizemos muita coisa nas camadas mais altas da organização, e devemos continuar fazendo em 2024. E a terceira parte é continuar olhando para o sortimento. No passado, vendíamos lâmpadas, mas paramos porque, com as perdas, não compensava. Com as novas lâmpadas de LED, a perda não é tão grande. Voltamos a ter lâmpadas, e em três meses de operação, ganhamos, segundo a Nielsen, 12% de mercado.

Para os clientes, o que o sr. diria que será a Americanas daqui em diante?

A Americanas vai voltar a ser o varejo que responde a duas questões importantes: quando sei o que eu quero, mas não sei onde encontrar, vou na Americanas porque lá vai ter. Ou então, quando tenho um evento, mas não sei o que comprar, e preciso de um lugar que tenha muitos produtos, vou na Americanas. A primeira parte do que a Americanas vai ser é o varejo do sortimento do Brasil. Se conseguirmos fazer isso destravando memórias afetivas presentes especialmente em clientes mais antigos, da faixa de 50 anos, tanto melhor, porque aí talvez tenhamos a chance de garantir mais 95 anos (de história).

O sr. segue na empresa após a reestruturação?

Minha disposição é continuar na Americanas pelo tempo em que eu for útil. Obviamente, não serão 25 anos, como o Miguel (Gutierrez, um dos antecessores), mas se tudo o mais se mantiver constante, não me vejo saindo daqui antes de 2026.

Um ano após a revelação de uma das maiores fraudes corporativas da história brasileira, e em meio a um processo de recuperação judicial de início conturbado, a Americanas sobreviveu. Leonardo Coelho, presidente da companhia, diz que isso foi possível porque clientes e fornecedores não abandonaram a varejista.

“O que permitiu que as lojas físicas continuassem operando foi uma combinação de sortimento, nossos fornecedores não nos abandonaram, e tivemos como colocar produtos em nossas lojas”, disse ele ao Estadão/Broadcast. “Nossos clientes também não nos abandonaram nas lojas físicas.”

Outro fator decisivo foi o empréstimo DIP (debtor-in-possession, concedido a empresas em dificuldades) de R$ 2 bilhões feito pelo trio de acionistas de referência, Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira, e que permitiu que a Americanas cumprisse as obrigações no dia a dia sem recorrer a linhas mais caras ou vender ativos a preços muito baixos.

Os R$ 2 bilhões são parte do aporte de R$ 12 bilhões que o trio fará na companhia. Outros R$ 12 bilhões virão da conversão de dívidas em ações pelos bancos credores. Confira a seguir os principais trechos da entrevista:

Como a Americanas conseguiu operar em 2023 após o anúncio do rombo?

A resposta tem três partes. A primeira é a operação das lojas físicas: o que permitiu que continuassem operando foi uma combinação de sortimento, os nossos fornecedores não nos abandonaram, e tivemos como colocar produtos nas lojas. Segundo, nossos clientes também não nos abandonaram nas lojas físicas. O terceiro fator foi conseguirmos manter e inclusive aprimorar os produtos nas lojas físicas a partir da linha de crédito DIP. Essa combinação acabou fazendo com que no físico mantivéssemos vendas similares às de 2022.

Lojas Americanas estão em recuperação judicial desde janeiro de 2023 Foto: PEDRO KIRILOS / Estadão Conteúdo 

As vendas pela internet foram muito afetadas?

Naturalmente tem um choque de confiança. O tíquete médio é mais alto, os produtos são muito comparáveis e com várias opções a um clique de distância. Sofremos um baque na partida. Na segunda parte do ano, as pessoas faziam as compras online e viam que eram entregues, e os vendedores recebiam o valor do que vendiam, e tivemos uma recuperação, mas ainda muito distantes dos patamares de 2022. Mas optamos por uma estratégia mais conservadora no marketplace em termos de produtos e preços.

O crédito bancário secou?

Exatamente. E isso é bastante comum em processos de RJ. As linhas de crédito secam especialmente com bancos de primeira linha. Existe uma linha de crédito muito cara, que se chama ‘distressed finance’ (fornecida por fundos que compram papéis de empresas com problemas financeiros), que nós não precisamos usar exatamente por causa do DIP. Então, ficamos com a linha DIP e o capital de giro.

Como ficou a relação com os fornecedores?

O pagamento à vista perdura até a homologação da recuperação judicial. Esperamos a homologação no final deste mês ou começo de fevereiro, e a partir daí, os fornecedores já voltam a dar crédito para a Americanas. O que aconteceu em 2023 foi uma conversa em dois segmentos. Primeiro, mostrar que operacionalmente a Americanas continuava no jogo e, segundo, foi uma postura de voltar, e vou ser muito transparente, de maneira menos arrogante do que éramos em um passado recente. Entendemos que somos relevantes para esses fornecedores e que precisamos deles. Com vários, Mondelez, Samsung, Nestlé, Mondial, tivemos conversas difíceis, mas em nenhum momento as conversas duras de dívida transformaram as conversas comerciais em discussões improdutivas.

O que seria essa arrogância?

Impor condições de pagamento, de entrega e condições negociais, sem uma conversa de alto nível. A Samsung, um dos principais fornecedores da Americanas, é o número um no nosso quadro geral de credores, e jamais tinha vindo ao terceiro andar da sede, que é onde fica a diretoria. Esse foi um dos primeiros pontos que o diretor financeiro da Samsung falou, que nunca havia conversado com o presidente antigo, nunca havia sido atendido para além do time comercial.

Ao assumirem a Americanas em recuperação judicial, vocês chegaram a duvidar da viabilidade operacional da empresa?

Não. As discussões sobre RJ, em um momento ou outro, são mais duras, mas operacionalmente, temos algumas vantagens. O sortimento tão diverso nas lojas físicas faz com que a relação com o cliente seja contínua. Todo dia tem gente que passa para comprar seu chocolate. Em uma varejista de eletroeletrônicos, o cliente não compra celular todo dia. Além disso, até por conta da situação que levou à crise da Americanas, a operação ficou um pouco abandonada. Vimos várias alavancas de recuperação de valor e começamos a usufruir delas. Conseguimos fazer campanhas que alavancaram vendas. Temos, grosseiramente, 50 milhões de clientes que passam nas lojas todo ano.

Com a aprovação do plano e sua homologação, quais os próximos passos?

Em 2023, mantivemos a operação funcionando, mas a primeira parte da reestruturação foi de fato fazer a aprovação da RJ, que recuperaria nossa estrutura de capital. O que vem pela frente em 2024 e provavelmente também em 2025 é para uma geração de caixa operacional mais robusta.

Quais os projetos para a rede física?

Chamamos de reformatação de lojas - que ainda estão com fluxo bagunçado, com um desenho de categorias que não é uniforme: a loja na Glória é diferente da loja de Ipanema (bairros do Rio de Janeiro, cidade em que fica a sede da companhia). Temos de sentar com os fornecedores, e estamos fazendo isso, para desenhar planos de negócios. Quando cheguei, tínhamos 1.733 lojas com 1.731 matrizes de abastecimento, como se cada loja tivesse seu sortimento específico. Em 2023, simplificamos demais e trouxemos de 1.731 matrizes para cinco. Temos hoje grupos de lojas por tamanho. Em 2024, vamos colocar camadas adicionais, incluindo renda da vizinhança, demografia, localização para fazer um abastecimento mais específico.

A AME é um ativo que vocês pretendem manter?

A AME e o marketplace estão como UPIs (Unidades Produtivas Isoladas) no plano de RJ exclusivamente por uma flexibilidade para o caso de existirem potenciais interessados. Não vemos venda nem de AME nem do digital, a não ser vendas parciais. Em Hortifruti e Unico, o desenho é venda do ativo.

Da esquerda para a direita: Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira; trio de acionistas de referência terá que fazer aporte bilionário para evitar falência das Lojas Americanas Foto: Reprodução / Forbes; Reprodução / Youtube/ Paulo Giandalia / AE

Os processos de venda de ativos serão retomados em 2024?

Serão retomados com o tempo. O mercado talvez tenha entendido que era uma venda por liquidação, o que não era o caso. Temos a capacidade de retomar os processos para os quatro ativos sob uma lógica de mercado tradicional. Se houver propostas que fazem sentido, vamos analisar. Talvez o melhor momento não seja no primeiro semestre.

O DIP ajudou a empresa a não ter de liquidar esses ativos?

Certamente. Se não houvesse DIP, teríamos duas opções: ir atrás de linhas de crédito com empresas que financiam companhias estressadas, ou vender ativos para gerar dinheiro.

O processo da Americanas andou relativamente rápido: em um ano a empresa chegou ao formato final e fechou um acordo com credores. A que o sr. atribui esses pontos?

O fato de os acionistas de referência terem injetado R$ 12 bilhões criou condições para que o plano fosse viável, e para que os outros agentes financeiros entendessem que a capitalização das dívidas era uma condição e necessária para que a Americanas continuasse a ter valor no futuro.

Os credores financeiros não estarão no conselho, mas serão acionistas. Como será esta relação?

Já estive em situações parecidas, e impera a racionalidade. Se a companhia não entregar os resultados, existe um nível de participação maior e mais efetivo. Caso contrário, os credores convertidos tendem a entender que a companhia está seguindo em seu plano de recuperação.

O sr. vislumbra uma saída da RJ no curto e médio prazo?

O desenho que temos nos faz enxergar uma saída no começo de 2026. Se dividíssemos a recuperação da Americanas em três fases, nós cumprimos a fase um, que é recuperar a estrutura de capital. Como se fosse um jogo, isso habilitou a entrada na segunda fase, que é gerar caixa com a operação. A terceira fase, até o final de 2025, é voltar a uma agenda de crescimento.

As projeções para 2025 são factíveis?

Não são números fáceis, que se atinge sem transformação e grau elevado de dor. Mas temos muito mato alto para cortar. Vamos precisar ter algo que a Americanas tem de sobra, que é disciplina para executar. Entendendo que não somos uma empresa rica, somos uma empresa em recuperação judicial.

A Americanas hoje é menor que há um ano. Como foi o ajuste?

Sem a sazonalidade, a redução líquida é em torno de 5 mil colaboradores. Nós contratamos para as campanhas de Black Friday e Natal de 2023 cerca de 7 mil colaboradores temporários. Destes, 900 foram efetivados. Os fechamentos são de menos de 10% das lojas, o que para uma empresa em reestruturação, é bastante conservador. Em demissões, fizemos muita coisa nas camadas mais altas da organização, e devemos continuar fazendo em 2024. E a terceira parte é continuar olhando para o sortimento. No passado, vendíamos lâmpadas, mas paramos porque, com as perdas, não compensava. Com as novas lâmpadas de LED, a perda não é tão grande. Voltamos a ter lâmpadas, e em três meses de operação, ganhamos, segundo a Nielsen, 12% de mercado.

Para os clientes, o que o sr. diria que será a Americanas daqui em diante?

A Americanas vai voltar a ser o varejo que responde a duas questões importantes: quando sei o que eu quero, mas não sei onde encontrar, vou na Americanas porque lá vai ter. Ou então, quando tenho um evento, mas não sei o que comprar, e preciso de um lugar que tenha muitos produtos, vou na Americanas. A primeira parte do que a Americanas vai ser é o varejo do sortimento do Brasil. Se conseguirmos fazer isso destravando memórias afetivas presentes especialmente em clientes mais antigos, da faixa de 50 anos, tanto melhor, porque aí talvez tenhamos a chance de garantir mais 95 anos (de história).

O sr. segue na empresa após a reestruturação?

Minha disposição é continuar na Americanas pelo tempo em que eu for útil. Obviamente, não serão 25 anos, como o Miguel (Gutierrez, um dos antecessores), mas se tudo o mais se mantiver constante, não me vejo saindo daqui antes de 2026.

Um ano após a revelação de uma das maiores fraudes corporativas da história brasileira, e em meio a um processo de recuperação judicial de início conturbado, a Americanas sobreviveu. Leonardo Coelho, presidente da companhia, diz que isso foi possível porque clientes e fornecedores não abandonaram a varejista.

“O que permitiu que as lojas físicas continuassem operando foi uma combinação de sortimento, nossos fornecedores não nos abandonaram, e tivemos como colocar produtos em nossas lojas”, disse ele ao Estadão/Broadcast. “Nossos clientes também não nos abandonaram nas lojas físicas.”

Outro fator decisivo foi o empréstimo DIP (debtor-in-possession, concedido a empresas em dificuldades) de R$ 2 bilhões feito pelo trio de acionistas de referência, Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira, e que permitiu que a Americanas cumprisse as obrigações no dia a dia sem recorrer a linhas mais caras ou vender ativos a preços muito baixos.

Os R$ 2 bilhões são parte do aporte de R$ 12 bilhões que o trio fará na companhia. Outros R$ 12 bilhões virão da conversão de dívidas em ações pelos bancos credores. Confira a seguir os principais trechos da entrevista:

Como a Americanas conseguiu operar em 2023 após o anúncio do rombo?

A resposta tem três partes. A primeira é a operação das lojas físicas: o que permitiu que continuassem operando foi uma combinação de sortimento, os nossos fornecedores não nos abandonaram, e tivemos como colocar produtos nas lojas. Segundo, nossos clientes também não nos abandonaram nas lojas físicas. O terceiro fator foi conseguirmos manter e inclusive aprimorar os produtos nas lojas físicas a partir da linha de crédito DIP. Essa combinação acabou fazendo com que no físico mantivéssemos vendas similares às de 2022.

Lojas Americanas estão em recuperação judicial desde janeiro de 2023 Foto: PEDRO KIRILOS / Estadão Conteúdo 

As vendas pela internet foram muito afetadas?

Naturalmente tem um choque de confiança. O tíquete médio é mais alto, os produtos são muito comparáveis e com várias opções a um clique de distância. Sofremos um baque na partida. Na segunda parte do ano, as pessoas faziam as compras online e viam que eram entregues, e os vendedores recebiam o valor do que vendiam, e tivemos uma recuperação, mas ainda muito distantes dos patamares de 2022. Mas optamos por uma estratégia mais conservadora no marketplace em termos de produtos e preços.

O crédito bancário secou?

Exatamente. E isso é bastante comum em processos de RJ. As linhas de crédito secam especialmente com bancos de primeira linha. Existe uma linha de crédito muito cara, que se chama ‘distressed finance’ (fornecida por fundos que compram papéis de empresas com problemas financeiros), que nós não precisamos usar exatamente por causa do DIP. Então, ficamos com a linha DIP e o capital de giro.

Como ficou a relação com os fornecedores?

O pagamento à vista perdura até a homologação da recuperação judicial. Esperamos a homologação no final deste mês ou começo de fevereiro, e a partir daí, os fornecedores já voltam a dar crédito para a Americanas. O que aconteceu em 2023 foi uma conversa em dois segmentos. Primeiro, mostrar que operacionalmente a Americanas continuava no jogo e, segundo, foi uma postura de voltar, e vou ser muito transparente, de maneira menos arrogante do que éramos em um passado recente. Entendemos que somos relevantes para esses fornecedores e que precisamos deles. Com vários, Mondelez, Samsung, Nestlé, Mondial, tivemos conversas difíceis, mas em nenhum momento as conversas duras de dívida transformaram as conversas comerciais em discussões improdutivas.

O que seria essa arrogância?

Impor condições de pagamento, de entrega e condições negociais, sem uma conversa de alto nível. A Samsung, um dos principais fornecedores da Americanas, é o número um no nosso quadro geral de credores, e jamais tinha vindo ao terceiro andar da sede, que é onde fica a diretoria. Esse foi um dos primeiros pontos que o diretor financeiro da Samsung falou, que nunca havia conversado com o presidente antigo, nunca havia sido atendido para além do time comercial.

Ao assumirem a Americanas em recuperação judicial, vocês chegaram a duvidar da viabilidade operacional da empresa?

Não. As discussões sobre RJ, em um momento ou outro, são mais duras, mas operacionalmente, temos algumas vantagens. O sortimento tão diverso nas lojas físicas faz com que a relação com o cliente seja contínua. Todo dia tem gente que passa para comprar seu chocolate. Em uma varejista de eletroeletrônicos, o cliente não compra celular todo dia. Além disso, até por conta da situação que levou à crise da Americanas, a operação ficou um pouco abandonada. Vimos várias alavancas de recuperação de valor e começamos a usufruir delas. Conseguimos fazer campanhas que alavancaram vendas. Temos, grosseiramente, 50 milhões de clientes que passam nas lojas todo ano.

Com a aprovação do plano e sua homologação, quais os próximos passos?

Em 2023, mantivemos a operação funcionando, mas a primeira parte da reestruturação foi de fato fazer a aprovação da RJ, que recuperaria nossa estrutura de capital. O que vem pela frente em 2024 e provavelmente também em 2025 é para uma geração de caixa operacional mais robusta.

Quais os projetos para a rede física?

Chamamos de reformatação de lojas - que ainda estão com fluxo bagunçado, com um desenho de categorias que não é uniforme: a loja na Glória é diferente da loja de Ipanema (bairros do Rio de Janeiro, cidade em que fica a sede da companhia). Temos de sentar com os fornecedores, e estamos fazendo isso, para desenhar planos de negócios. Quando cheguei, tínhamos 1.733 lojas com 1.731 matrizes de abastecimento, como se cada loja tivesse seu sortimento específico. Em 2023, simplificamos demais e trouxemos de 1.731 matrizes para cinco. Temos hoje grupos de lojas por tamanho. Em 2024, vamos colocar camadas adicionais, incluindo renda da vizinhança, demografia, localização para fazer um abastecimento mais específico.

A AME é um ativo que vocês pretendem manter?

A AME e o marketplace estão como UPIs (Unidades Produtivas Isoladas) no plano de RJ exclusivamente por uma flexibilidade para o caso de existirem potenciais interessados. Não vemos venda nem de AME nem do digital, a não ser vendas parciais. Em Hortifruti e Unico, o desenho é venda do ativo.

Da esquerda para a direita: Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira; trio de acionistas de referência terá que fazer aporte bilionário para evitar falência das Lojas Americanas Foto: Reprodução / Forbes; Reprodução / Youtube/ Paulo Giandalia / AE

Os processos de venda de ativos serão retomados em 2024?

Serão retomados com o tempo. O mercado talvez tenha entendido que era uma venda por liquidação, o que não era o caso. Temos a capacidade de retomar os processos para os quatro ativos sob uma lógica de mercado tradicional. Se houver propostas que fazem sentido, vamos analisar. Talvez o melhor momento não seja no primeiro semestre.

O DIP ajudou a empresa a não ter de liquidar esses ativos?

Certamente. Se não houvesse DIP, teríamos duas opções: ir atrás de linhas de crédito com empresas que financiam companhias estressadas, ou vender ativos para gerar dinheiro.

O processo da Americanas andou relativamente rápido: em um ano a empresa chegou ao formato final e fechou um acordo com credores. A que o sr. atribui esses pontos?

O fato de os acionistas de referência terem injetado R$ 12 bilhões criou condições para que o plano fosse viável, e para que os outros agentes financeiros entendessem que a capitalização das dívidas era uma condição e necessária para que a Americanas continuasse a ter valor no futuro.

Os credores financeiros não estarão no conselho, mas serão acionistas. Como será esta relação?

Já estive em situações parecidas, e impera a racionalidade. Se a companhia não entregar os resultados, existe um nível de participação maior e mais efetivo. Caso contrário, os credores convertidos tendem a entender que a companhia está seguindo em seu plano de recuperação.

O sr. vislumbra uma saída da RJ no curto e médio prazo?

O desenho que temos nos faz enxergar uma saída no começo de 2026. Se dividíssemos a recuperação da Americanas em três fases, nós cumprimos a fase um, que é recuperar a estrutura de capital. Como se fosse um jogo, isso habilitou a entrada na segunda fase, que é gerar caixa com a operação. A terceira fase, até o final de 2025, é voltar a uma agenda de crescimento.

As projeções para 2025 são factíveis?

Não são números fáceis, que se atinge sem transformação e grau elevado de dor. Mas temos muito mato alto para cortar. Vamos precisar ter algo que a Americanas tem de sobra, que é disciplina para executar. Entendendo que não somos uma empresa rica, somos uma empresa em recuperação judicial.

A Americanas hoje é menor que há um ano. Como foi o ajuste?

Sem a sazonalidade, a redução líquida é em torno de 5 mil colaboradores. Nós contratamos para as campanhas de Black Friday e Natal de 2023 cerca de 7 mil colaboradores temporários. Destes, 900 foram efetivados. Os fechamentos são de menos de 10% das lojas, o que para uma empresa em reestruturação, é bastante conservador. Em demissões, fizemos muita coisa nas camadas mais altas da organização, e devemos continuar fazendo em 2024. E a terceira parte é continuar olhando para o sortimento. No passado, vendíamos lâmpadas, mas paramos porque, com as perdas, não compensava. Com as novas lâmpadas de LED, a perda não é tão grande. Voltamos a ter lâmpadas, e em três meses de operação, ganhamos, segundo a Nielsen, 12% de mercado.

Para os clientes, o que o sr. diria que será a Americanas daqui em diante?

A Americanas vai voltar a ser o varejo que responde a duas questões importantes: quando sei o que eu quero, mas não sei onde encontrar, vou na Americanas porque lá vai ter. Ou então, quando tenho um evento, mas não sei o que comprar, e preciso de um lugar que tenha muitos produtos, vou na Americanas. A primeira parte do que a Americanas vai ser é o varejo do sortimento do Brasil. Se conseguirmos fazer isso destravando memórias afetivas presentes especialmente em clientes mais antigos, da faixa de 50 anos, tanto melhor, porque aí talvez tenhamos a chance de garantir mais 95 anos (de história).

O sr. segue na empresa após a reestruturação?

Minha disposição é continuar na Americanas pelo tempo em que eu for útil. Obviamente, não serão 25 anos, como o Miguel (Gutierrez, um dos antecessores), mas se tudo o mais se mantiver constante, não me vejo saindo daqui antes de 2026.

Entrevista por Matheus Piovesana

Matheus Piovesana é repórter do Broadcast, serviço de notícias em tempo real do Grupo Estado. Responsável por cobrir bancos, pagamentos e seguros, é formado em jornalismo pela UFPR, tem especialização em jornalismo econômico pela FGV-SP e cursa MBA em Mercado Financeiro e de Capitais no Mackenzie. Ganhador de dois Prêmios Abecip de Jornalismo.

Altamiro Silva Junior

Altamiro Silva Junior é repórter especial do Broadcast. Responsável pela cobertura de negócios e bancos de investimento, é formado pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), com mestrado em Economia pela mesma universidade. Foi correspondente da Agência Estado em Nova York por quatro anos e seis meses, entre 2012 e 2017.

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