Sem citar diretamente o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, defendeu nesta sexta-feira, 11, que o o governo precisa ter “um olho para social e também um olho para o equilíbrio fiscal”, de forma a não elevar as expectativas de inflação. Ele lembrou que a disparada dos preços prejudica justamente a população que precisa de ajuda.
Ontem, Lula criticou a “tal da estabilidade fiscal”, ao defender que é preciso colocar a questão social à frente de temas que interessam, segundo ele, apenas o mercado financeiro. Como reação, a Bolsa caiu 3,35% e o dólar subiu 4,14%. Hoje, Campos Neto disse que a reação do mercado foi “demonstração clara de sensibilidade ao fiscal”.
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“Há sensibilidade porque as dívidas estão alta”, disse Campos Neto, em evento da CFA Society Brazil, citando os programas da pandemia de covid-19. “[O mercado] quer saber como vai ser planejamento para frente para que consiga atender o social e ao mesmo tempo ter equilíbrio fiscal”, continuou. “Sem equilíbrio fiscal, você vai achar que fazendo gasto muito maior adicional vai estar ajudando causa de gerar emprego e atender população carente, mas pode ter efeito oposto”.
“O problema foi que durante a campanha eleitoral foram feitas promessas, e o mercado começa a entender que parte do que se imaginava que seriam programas temporários vai se estendendo”, explicou.
Como mostrou o Estadão, os investidores reagiram mal à alternativa que passou a ser a mais provável de de retirar de forma permanente as despesas do programa de transferência de renda do teto de gastos, a regra que limita o crescimento das despesas à inflação. A medida é uma das opções na mesa para viabilizar o Auxílio Brasil (que deve voltar a se chamar Bolsa Família) de R$ 600 no ano que vem.
A preocupação se dá porque a alternativa vem ganhando força na equipe de transição nos últimos dias – que, há poucos dias, priorizava apenas criar o chamado “waiver”, uma licença temporária para gastar, por meio da PEC da Transição. Para o mercado, a saída que vem sendo negociada pela equipe de transição, que também teria de ser feita via PEC, pode deteriorar a trajetória de sustentabilidade da dívida pública.
Campos Neto afirmou que o BC vai trabalhar junto com o novo governo e ajudar o máximo possível para resolver a equação entre a necessidade social e o equilíbrio fiscal. “O BC está aberto a discutir com governo novo, sempre entendendo que não fazemos fiscal, que é apenas um input no nosso modelo”, completou, lembrando que a independência do BC é importante justamente para esses momentos. O mandato de Campos Neto vai até 2024, podendo ser reconduzido, mas ele já disse que não quer a prorrogação.
Segundo Campos Neto, ele ainda não teve contato com a equipe de transição, mas avaliou que há bons economistas e que tem conversado de “tempos em tempos” com Persio Arida, um dos formuladores do Plano Real e que está na equipe de transição na área econômica. “Há bons economistas na área de transição, precisamos esperar para ver”, reforçou, citando a reação da parte longa da curva de juros e do câmbio ontem às propostas que estão circulando de aumento de gastos no governo do PT.
Segundo o presidente do BC, o Brasil tem um resultado fiscal positivo e deverá ser o único País do mundo a entregar a dívida bruta próxima dos níveis pré-pandemia em 2022. Campos Neto disse que o crescimento mais forte do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro em 2022 deve fazer com que a dívida bruta do País encerre o ano entre 75,5% e 76% do PIB.
PIB depende de medidas do novo governo
Campos Neto afirmou que as projeções para o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro em 2023 são baixas, mas que a sua concretização vai depender da política econômica a ser adotada pelo governo do presidente eleito Lula. “Vai depender muito das expectativas, vai depender muito do que o governo vai apresentar”, disse.
Ele acrescentou que há uma melhora da inflação ao consumidor no País no curto prazo, embora a queda dos preços administrados - puxada pelas desonerações conduzidas pelo governo - não deva se repetir. Segundo Campos Neto, a continuidade da dinâmica positiva de inflação vai depender do plano fiscal.
Campos Neto disse ainda que há sinais de que a taxa de desemprego começa a estabilizar no País, após uma queda forte nos últimos meses.
‘Luta contra inflação é longa e árdua’
Campos Neto disse que o BC continua com postura “cautelosa” frente à desaceleração da inflação no País. “A gente está bastante cauteloso com essa melhora da inflação, a gente tem olhado para os diversos elementos, achamos que a luta contra a inflação é uma luta longa e árdua e a gente precisa ainda perseverar”, afirmou.
Campos Neto lembrou que boa parte da desinflação recente foi resultado das desonerações tributárias patrocinadas pelo governo. Ele ainda disse que o País gastou menos do que a média global para combater a pandemia de covid-19.Sobre o último IPCA, de outubro - que avançou 0,59%, 0,10 ponto porcentual acima da mediana da pesquisa Estadão/Broadcast -, o presidente do Banco Central destacou o alívio de algumas medidas de núcleos, como serviços.