Presidente do Bradesco sobre corte de gastos por Lula: ‘Chegou a hora, estão dizendo e vão fazer’


Em entrevista exclusiva à ‘Coluna do Estadão/Broadcast’, Marcelo Noronha diz que o pacote em estudo pelo governo deve evitar estresse na economia; questionado sobre Galípolo à frente do BC respondeu: ‘Não perco o sono com isso’

Por Roseann Kennedy e Matheus Piovesana
Atualização:
Entrevista comMarcelo NoronhaPresidente do Bradesco

Otimista com o pé no chão, como ele mesmo se define, o presidente do Bradesco, Marcelo Noronha, espera que a equipe econômica do governo Luiz Inácio Lula da Silva entregue um pacote de contenção dos gastos públicos que ajude a melhorar as expectativas do mercado para os juros e para a inflação, e evite um “cenário de estresse” em que o crescimento da dívida pública tornaria a política monetária ineficaz.

“O cenário de estresse, na nossa visão, é pouco provável, e seria de as entregas fiscais ficarem muito aquém do que o mercado espera, o câmbio andar, bater na inflação, e a política monetária ficar sem efeito. Aí o PIB seria muito menor”, afirmou em entrevista exclusiva à Coluna do Estadão/Broadcast. “Acho que eles vão entregar um bom pacote de gasto”, reforçou o presidente do segundo maior banco privado do País. “Acho que chegou a hora, estão dizendo e vão fazer. Tenho a expectativa de que se faça o suficiente.”

O executivo não arrisca um número “mágico” para o corte de gastos, mas avalia ser preciso tomar medidas em várias linhas. Na visão dele, por exemplo, há espaço para rever a política de reajuste do salário mínimo, que influencia os gastos da Previdência. Também considera necessário cuidado no debate sobre a isenção do imposto de renda para pessoas que ganhem até R$ 5 mil mensais.

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Diante do aumento das despesas públicas, os agentes econômicos têm projetado um crescimento da dívida em relação ao PIB, o que pressiona as expectativas para os juros, o dólar e também a inflação.

Noronha ressalta que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, está trabalhando para entregar o ajuste fiscal e não o vê isolado no governo. “Não acredito nisso (que Haddad esteja sozinho no governo). O presidente (Lula) disse que está dando todo o apoio para ele. Temos de ter expectativa positiva e dar esse voto de confiança.” Há duas semanas o presidente do Bradesco e CEOs de outros bancos privados no País tiveram reunião com Lula.

Marcelo Noronha mantém a confiança na independência do Banco Central e não espera uma guinada na política monetária com a chegada de Gabriel Galípolo à presidência da instituição. “Acho que nem o Galípolo e nem ninguém colocaria sua reputação em jogo errando na política monetária. Não perco sono com isso”, destacou.

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O atual diretor de Política Monetária do BC foi indicado à presidência por Lula após o chefe do Executivo fazer uma série de críticas à condução dos juros pela gestão de Roberto Campos Neto, indicado por Jair Bolsonaro e que comanda o Banco Central até o dia 31 de dezembro. Esse fator ajudou a ampliar os temores do mercado de uma interferência nas decisões da autoridade monetária.

Confira a seguir os principais trechos da entrevista:

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Temos um cenário com indicadores econômicos de crise nos juros e no dólar. Por que estamos nessa situação, e que medidas o governo precisa adotar para resolver esse cenário?

A expectativa é de que o ministro Haddad entregue uma proposta de redução de gastos que poderia contemplar algumas despesas debaixo do arcabouço, diferentemente do que o mercado chegou a comentar, de que se poderia tirar algumas despesas do arcabouço. O que pega no mercado é a dívida sobre o PIB, que deve atingir 79,5% no final deste ano e poderia crescer para mais de 80% ao longo de 2025. O mercado não quer ver somente a arrecadação, mas também o gasto público contido. Fizemos uma visita ao presidente, com a Febraban e um conjunto de bancos, e o ministro Haddad estava lá. Ninguém foi lá para fazer reivindicação, mas para apoiar o ministro Haddad na política fiscal. Temos decisões políticas e decisões econômicas que têm de ser tomadas no âmbito governamental. Mudar o Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil pode ter um custo muito grande para o poder público. O salário mínimo é importante para a sociedade, mas, se não me falha a memória, temos um dos maiores salários mínimos reais da história. Talvez seja o caso de continuar dando aumento real, mas ao redor de 0,5%. Há muitas formas de se conter o gasto público indo ao encontro do que deseja a sociedade, e o ministro Haddad tem essa consciência. O câmbio bate na inflação, e não está sujeito somente à questão interna. O outro lado da moeda é a economia real. Temos um nível de desemprego baixo para a história do Brasil, a renda real do trabalhador crescendo mais de 6% e o PIB crescendo 3% esse ano. Tem um Brasil funcionando, e que funciona diferente em cada região. Voltando à política fiscal, com esse desemprego, deveríamos crescer o seguro-desemprego? Havia um critério passado que funcionava, e agora temos de revê-lo.

Esses dados sugerem otimismo, mas o mercado reage com ansiedade. Mercado e governo enxergam mundos diferentes? O que há de crise real ou crise de expectativa?

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A crise se torna real por expectativa. O mercado, não os bancos, mas outros agentes econômicos, cria expectativas diferentes por conta do endividamento público. Subir a taxa de juros eleva o custo da dívida pública e, portanto, a dívida pública sobe. Por isso, se espera que o governo entregue a contenção dos gastos públicos para vermos uma expectativa melhor. A economia real não está mal, mas também é uma ofensora para a política monetária, que tem de olhar para os núcleos de inflação.

O governo erra ao demorar para apresentar esse ajuste?

Não digo que erra, não tenho capacidade de avaliar o contexto político. Mas acho que chegou a hora, estão dizendo e vão fazer. Tenho a expectativa de que se faça o suficiente.

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E nesse suficiente tem um número mágico, que vocês imaginam que acalmaria o mercado?

Não tenho esse número, mas acho que não é em uma linha, e sim em algumas. Colocar outras despesas debaixo do arcabouço é positivo não só para agora, mas também para médio e longo prazo.

'A crise se torna real por expectativa', diz o presidente do Bradesco, Marcelo Noronha Foto: Werther Santana/Estadão
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Como isso pode mudar a expectativa que o banco tem para o crédito? Por que há essa divergência entre o mercado financeiro, que tem uma visão mais pessimista, e os bancos, que parecem ter uma visão menos pessimista ou até otimista?

Eu sou otimista com o pé no chão. Uma variável que fala de expectativa dos bancos é o crescimento do crédito que o Banco Central mostrou, de 9,9% (em setembro), crescendo mais na pessoa física. Estamos fazendo o dever de casa. Quando dizem que o cenário se deteriorou, eu digo que isso é etéreo. Com base no cenário deteriorado, qual o significado para o nosso setor e a nossa companhia? Estamos com modelos de crédito muito melhores, uma unidade de crédito tinindo, e vamos entregar cada vez mais resultado. Quando olho para a pessoa física, temos uma participação importante em todas as faixas de renda, e crescemos em modalidades como o consignado. Olhando para o horizonte, há um cenário base e um cenário de estresse. O cenário de estresse, na nossa visão, é pouco provável, e seria de as entregas fiscais ficarem muito aquém do que o mercado espera, o câmbio andar, bater na inflação, e a política monetária ficar sem efeito. Seria um cenário ruim. Já no cenário mais provável, a taxa de juros pode chegar a 12,5%, 13% ao ano. O PIB pode crescer 2%, e o nível de desemprego pode ficar em torno de 8%, o que para o Brasil, no histórico, é bom. Para o nosso setor é um cenário positivo. A renda real, que deve crescer 6,3% neste ano, pode crescer mais 2,5% no ano que vem. No Bradesco, não queremos entrar no crédito estressado, mas em linhas mais comedidas do crédito clean (sem garantia) para pessoa física, dependendo do rating, do relacionamento. Crescemos no crédito consignado e na alta renda. Nas empresas, com o tipo de portfólio que operamos, estamos tranquilos para enfrentar os dois cenários. Obviamente, tiramos o pé se o cenário se deteriorar.

Qual a expectativa de Selic que vocês têm para 2025? Existe algum temor de que com a mudança no Banco Central, haja menos independência?

Nenhum. Acho que nem o Galípolo e nem ninguém colocaria sua reputação em jogo errando na política monetária. E tem uma continuidade positiva, um time que continua na diretoria. Não perco sono com isso. A taxa de juros vai depender muito do câmbio, dos núcleos de inflação. Mas devemos continuar a ver a taxa crescendo na reunião do Copom no início do ano. A depender do horizonte, ela para em 12,5% ou 13%. Se a política fiscal estiver no lugar, o câmbio estiver comportado e o núcleo de inflação também, podemos ver queda de taxa de juros no segundo semestre do ano que vem, de volta a 11,75%.

Vocês acreditam no cumprimento, pelo governo, do resultado primário?

Temos de acreditar e estimulamos isso. Acho que eles vão entregar um bom pacote de gasto. Tenho ouvido o Haddad falar, e nessa reunião que fizemos ele foi muito enfático. O presidente disse que está dando todo o apoio para ele. Ninguém quer passar para a história com o carimbo de que não fez o dever de casa com o gasto público. Temos de ter expectativa positiva e dar esse voto de confiança.

Existe uma máxima no ambiente político, quando se trata de economia, que diz que, quando um ministro precisa que o presidente reforce em público que ele tem força e apoio, é porque ele está enfraquecido.

Não vejo dessa forma. Escutei dos outros colegas, CEOs de banco, todo mundo muito bem impressionado.

Haddad está sozinho na briga pelo ajuste?

Não acredito nisso, e ele está trabalhando para entregar. Tenho visto isso o tempo todo nas discussões com a Febraban. Tem coisa que se precisa aprovar no Executivo, e coisa que se precisa aprovar no Legislativo, e aí tem desafios políticos. Mas que tem gatilho e várias linhas que podem ser entregues para o equilíbrio fiscal, não tenho dúvida.

Otimista com o pé no chão, como ele mesmo se define, o presidente do Bradesco, Marcelo Noronha, espera que a equipe econômica do governo Luiz Inácio Lula da Silva entregue um pacote de contenção dos gastos públicos que ajude a melhorar as expectativas do mercado para os juros e para a inflação, e evite um “cenário de estresse” em que o crescimento da dívida pública tornaria a política monetária ineficaz.

“O cenário de estresse, na nossa visão, é pouco provável, e seria de as entregas fiscais ficarem muito aquém do que o mercado espera, o câmbio andar, bater na inflação, e a política monetária ficar sem efeito. Aí o PIB seria muito menor”, afirmou em entrevista exclusiva à Coluna do Estadão/Broadcast. “Acho que eles vão entregar um bom pacote de gasto”, reforçou o presidente do segundo maior banco privado do País. “Acho que chegou a hora, estão dizendo e vão fazer. Tenho a expectativa de que se faça o suficiente.”

O executivo não arrisca um número “mágico” para o corte de gastos, mas avalia ser preciso tomar medidas em várias linhas. Na visão dele, por exemplo, há espaço para rever a política de reajuste do salário mínimo, que influencia os gastos da Previdência. Também considera necessário cuidado no debate sobre a isenção do imposto de renda para pessoas que ganhem até R$ 5 mil mensais.

Diante do aumento das despesas públicas, os agentes econômicos têm projetado um crescimento da dívida em relação ao PIB, o que pressiona as expectativas para os juros, o dólar e também a inflação.

Noronha ressalta que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, está trabalhando para entregar o ajuste fiscal e não o vê isolado no governo. “Não acredito nisso (que Haddad esteja sozinho no governo). O presidente (Lula) disse que está dando todo o apoio para ele. Temos de ter expectativa positiva e dar esse voto de confiança.” Há duas semanas o presidente do Bradesco e CEOs de outros bancos privados no País tiveram reunião com Lula.

Marcelo Noronha mantém a confiança na independência do Banco Central e não espera uma guinada na política monetária com a chegada de Gabriel Galípolo à presidência da instituição. “Acho que nem o Galípolo e nem ninguém colocaria sua reputação em jogo errando na política monetária. Não perco sono com isso”, destacou.

O atual diretor de Política Monetária do BC foi indicado à presidência por Lula após o chefe do Executivo fazer uma série de críticas à condução dos juros pela gestão de Roberto Campos Neto, indicado por Jair Bolsonaro e que comanda o Banco Central até o dia 31 de dezembro. Esse fator ajudou a ampliar os temores do mercado de uma interferência nas decisões da autoridade monetária.

Confira a seguir os principais trechos da entrevista:

Temos um cenário com indicadores econômicos de crise nos juros e no dólar. Por que estamos nessa situação, e que medidas o governo precisa adotar para resolver esse cenário?

A expectativa é de que o ministro Haddad entregue uma proposta de redução de gastos que poderia contemplar algumas despesas debaixo do arcabouço, diferentemente do que o mercado chegou a comentar, de que se poderia tirar algumas despesas do arcabouço. O que pega no mercado é a dívida sobre o PIB, que deve atingir 79,5% no final deste ano e poderia crescer para mais de 80% ao longo de 2025. O mercado não quer ver somente a arrecadação, mas também o gasto público contido. Fizemos uma visita ao presidente, com a Febraban e um conjunto de bancos, e o ministro Haddad estava lá. Ninguém foi lá para fazer reivindicação, mas para apoiar o ministro Haddad na política fiscal. Temos decisões políticas e decisões econômicas que têm de ser tomadas no âmbito governamental. Mudar o Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil pode ter um custo muito grande para o poder público. O salário mínimo é importante para a sociedade, mas, se não me falha a memória, temos um dos maiores salários mínimos reais da história. Talvez seja o caso de continuar dando aumento real, mas ao redor de 0,5%. Há muitas formas de se conter o gasto público indo ao encontro do que deseja a sociedade, e o ministro Haddad tem essa consciência. O câmbio bate na inflação, e não está sujeito somente à questão interna. O outro lado da moeda é a economia real. Temos um nível de desemprego baixo para a história do Brasil, a renda real do trabalhador crescendo mais de 6% e o PIB crescendo 3% esse ano. Tem um Brasil funcionando, e que funciona diferente em cada região. Voltando à política fiscal, com esse desemprego, deveríamos crescer o seguro-desemprego? Havia um critério passado que funcionava, e agora temos de revê-lo.

Esses dados sugerem otimismo, mas o mercado reage com ansiedade. Mercado e governo enxergam mundos diferentes? O que há de crise real ou crise de expectativa?

A crise se torna real por expectativa. O mercado, não os bancos, mas outros agentes econômicos, cria expectativas diferentes por conta do endividamento público. Subir a taxa de juros eleva o custo da dívida pública e, portanto, a dívida pública sobe. Por isso, se espera que o governo entregue a contenção dos gastos públicos para vermos uma expectativa melhor. A economia real não está mal, mas também é uma ofensora para a política monetária, que tem de olhar para os núcleos de inflação.

O governo erra ao demorar para apresentar esse ajuste?

Não digo que erra, não tenho capacidade de avaliar o contexto político. Mas acho que chegou a hora, estão dizendo e vão fazer. Tenho a expectativa de que se faça o suficiente.

E nesse suficiente tem um número mágico, que vocês imaginam que acalmaria o mercado?

Não tenho esse número, mas acho que não é em uma linha, e sim em algumas. Colocar outras despesas debaixo do arcabouço é positivo não só para agora, mas também para médio e longo prazo.

'A crise se torna real por expectativa', diz o presidente do Bradesco, Marcelo Noronha Foto: Werther Santana/Estadão

Como isso pode mudar a expectativa que o banco tem para o crédito? Por que há essa divergência entre o mercado financeiro, que tem uma visão mais pessimista, e os bancos, que parecem ter uma visão menos pessimista ou até otimista?

Eu sou otimista com o pé no chão. Uma variável que fala de expectativa dos bancos é o crescimento do crédito que o Banco Central mostrou, de 9,9% (em setembro), crescendo mais na pessoa física. Estamos fazendo o dever de casa. Quando dizem que o cenário se deteriorou, eu digo que isso é etéreo. Com base no cenário deteriorado, qual o significado para o nosso setor e a nossa companhia? Estamos com modelos de crédito muito melhores, uma unidade de crédito tinindo, e vamos entregar cada vez mais resultado. Quando olho para a pessoa física, temos uma participação importante em todas as faixas de renda, e crescemos em modalidades como o consignado. Olhando para o horizonte, há um cenário base e um cenário de estresse. O cenário de estresse, na nossa visão, é pouco provável, e seria de as entregas fiscais ficarem muito aquém do que o mercado espera, o câmbio andar, bater na inflação, e a política monetária ficar sem efeito. Seria um cenário ruim. Já no cenário mais provável, a taxa de juros pode chegar a 12,5%, 13% ao ano. O PIB pode crescer 2%, e o nível de desemprego pode ficar em torno de 8%, o que para o Brasil, no histórico, é bom. Para o nosso setor é um cenário positivo. A renda real, que deve crescer 6,3% neste ano, pode crescer mais 2,5% no ano que vem. No Bradesco, não queremos entrar no crédito estressado, mas em linhas mais comedidas do crédito clean (sem garantia) para pessoa física, dependendo do rating, do relacionamento. Crescemos no crédito consignado e na alta renda. Nas empresas, com o tipo de portfólio que operamos, estamos tranquilos para enfrentar os dois cenários. Obviamente, tiramos o pé se o cenário se deteriorar.

Qual a expectativa de Selic que vocês têm para 2025? Existe algum temor de que com a mudança no Banco Central, haja menos independência?

Nenhum. Acho que nem o Galípolo e nem ninguém colocaria sua reputação em jogo errando na política monetária. E tem uma continuidade positiva, um time que continua na diretoria. Não perco sono com isso. A taxa de juros vai depender muito do câmbio, dos núcleos de inflação. Mas devemos continuar a ver a taxa crescendo na reunião do Copom no início do ano. A depender do horizonte, ela para em 12,5% ou 13%. Se a política fiscal estiver no lugar, o câmbio estiver comportado e o núcleo de inflação também, podemos ver queda de taxa de juros no segundo semestre do ano que vem, de volta a 11,75%.

Vocês acreditam no cumprimento, pelo governo, do resultado primário?

Temos de acreditar e estimulamos isso. Acho que eles vão entregar um bom pacote de gasto. Tenho ouvido o Haddad falar, e nessa reunião que fizemos ele foi muito enfático. O presidente disse que está dando todo o apoio para ele. Ninguém quer passar para a história com o carimbo de que não fez o dever de casa com o gasto público. Temos de ter expectativa positiva e dar esse voto de confiança.

Existe uma máxima no ambiente político, quando se trata de economia, que diz que, quando um ministro precisa que o presidente reforce em público que ele tem força e apoio, é porque ele está enfraquecido.

Não vejo dessa forma. Escutei dos outros colegas, CEOs de banco, todo mundo muito bem impressionado.

Haddad está sozinho na briga pelo ajuste?

Não acredito nisso, e ele está trabalhando para entregar. Tenho visto isso o tempo todo nas discussões com a Febraban. Tem coisa que se precisa aprovar no Executivo, e coisa que se precisa aprovar no Legislativo, e aí tem desafios políticos. Mas que tem gatilho e várias linhas que podem ser entregues para o equilíbrio fiscal, não tenho dúvida.

Otimista com o pé no chão, como ele mesmo se define, o presidente do Bradesco, Marcelo Noronha, espera que a equipe econômica do governo Luiz Inácio Lula da Silva entregue um pacote de contenção dos gastos públicos que ajude a melhorar as expectativas do mercado para os juros e para a inflação, e evite um “cenário de estresse” em que o crescimento da dívida pública tornaria a política monetária ineficaz.

“O cenário de estresse, na nossa visão, é pouco provável, e seria de as entregas fiscais ficarem muito aquém do que o mercado espera, o câmbio andar, bater na inflação, e a política monetária ficar sem efeito. Aí o PIB seria muito menor”, afirmou em entrevista exclusiva à Coluna do Estadão/Broadcast. “Acho que eles vão entregar um bom pacote de gasto”, reforçou o presidente do segundo maior banco privado do País. “Acho que chegou a hora, estão dizendo e vão fazer. Tenho a expectativa de que se faça o suficiente.”

O executivo não arrisca um número “mágico” para o corte de gastos, mas avalia ser preciso tomar medidas em várias linhas. Na visão dele, por exemplo, há espaço para rever a política de reajuste do salário mínimo, que influencia os gastos da Previdência. Também considera necessário cuidado no debate sobre a isenção do imposto de renda para pessoas que ganhem até R$ 5 mil mensais.

Diante do aumento das despesas públicas, os agentes econômicos têm projetado um crescimento da dívida em relação ao PIB, o que pressiona as expectativas para os juros, o dólar e também a inflação.

Noronha ressalta que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, está trabalhando para entregar o ajuste fiscal e não o vê isolado no governo. “Não acredito nisso (que Haddad esteja sozinho no governo). O presidente (Lula) disse que está dando todo o apoio para ele. Temos de ter expectativa positiva e dar esse voto de confiança.” Há duas semanas o presidente do Bradesco e CEOs de outros bancos privados no País tiveram reunião com Lula.

Marcelo Noronha mantém a confiança na independência do Banco Central e não espera uma guinada na política monetária com a chegada de Gabriel Galípolo à presidência da instituição. “Acho que nem o Galípolo e nem ninguém colocaria sua reputação em jogo errando na política monetária. Não perco sono com isso”, destacou.

O atual diretor de Política Monetária do BC foi indicado à presidência por Lula após o chefe do Executivo fazer uma série de críticas à condução dos juros pela gestão de Roberto Campos Neto, indicado por Jair Bolsonaro e que comanda o Banco Central até o dia 31 de dezembro. Esse fator ajudou a ampliar os temores do mercado de uma interferência nas decisões da autoridade monetária.

Confira a seguir os principais trechos da entrevista:

Temos um cenário com indicadores econômicos de crise nos juros e no dólar. Por que estamos nessa situação, e que medidas o governo precisa adotar para resolver esse cenário?

A expectativa é de que o ministro Haddad entregue uma proposta de redução de gastos que poderia contemplar algumas despesas debaixo do arcabouço, diferentemente do que o mercado chegou a comentar, de que se poderia tirar algumas despesas do arcabouço. O que pega no mercado é a dívida sobre o PIB, que deve atingir 79,5% no final deste ano e poderia crescer para mais de 80% ao longo de 2025. O mercado não quer ver somente a arrecadação, mas também o gasto público contido. Fizemos uma visita ao presidente, com a Febraban e um conjunto de bancos, e o ministro Haddad estava lá. Ninguém foi lá para fazer reivindicação, mas para apoiar o ministro Haddad na política fiscal. Temos decisões políticas e decisões econômicas que têm de ser tomadas no âmbito governamental. Mudar o Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil pode ter um custo muito grande para o poder público. O salário mínimo é importante para a sociedade, mas, se não me falha a memória, temos um dos maiores salários mínimos reais da história. Talvez seja o caso de continuar dando aumento real, mas ao redor de 0,5%. Há muitas formas de se conter o gasto público indo ao encontro do que deseja a sociedade, e o ministro Haddad tem essa consciência. O câmbio bate na inflação, e não está sujeito somente à questão interna. O outro lado da moeda é a economia real. Temos um nível de desemprego baixo para a história do Brasil, a renda real do trabalhador crescendo mais de 6% e o PIB crescendo 3% esse ano. Tem um Brasil funcionando, e que funciona diferente em cada região. Voltando à política fiscal, com esse desemprego, deveríamos crescer o seguro-desemprego? Havia um critério passado que funcionava, e agora temos de revê-lo.

Esses dados sugerem otimismo, mas o mercado reage com ansiedade. Mercado e governo enxergam mundos diferentes? O que há de crise real ou crise de expectativa?

A crise se torna real por expectativa. O mercado, não os bancos, mas outros agentes econômicos, cria expectativas diferentes por conta do endividamento público. Subir a taxa de juros eleva o custo da dívida pública e, portanto, a dívida pública sobe. Por isso, se espera que o governo entregue a contenção dos gastos públicos para vermos uma expectativa melhor. A economia real não está mal, mas também é uma ofensora para a política monetária, que tem de olhar para os núcleos de inflação.

O governo erra ao demorar para apresentar esse ajuste?

Não digo que erra, não tenho capacidade de avaliar o contexto político. Mas acho que chegou a hora, estão dizendo e vão fazer. Tenho a expectativa de que se faça o suficiente.

E nesse suficiente tem um número mágico, que vocês imaginam que acalmaria o mercado?

Não tenho esse número, mas acho que não é em uma linha, e sim em algumas. Colocar outras despesas debaixo do arcabouço é positivo não só para agora, mas também para médio e longo prazo.

'A crise se torna real por expectativa', diz o presidente do Bradesco, Marcelo Noronha Foto: Werther Santana/Estadão

Como isso pode mudar a expectativa que o banco tem para o crédito? Por que há essa divergência entre o mercado financeiro, que tem uma visão mais pessimista, e os bancos, que parecem ter uma visão menos pessimista ou até otimista?

Eu sou otimista com o pé no chão. Uma variável que fala de expectativa dos bancos é o crescimento do crédito que o Banco Central mostrou, de 9,9% (em setembro), crescendo mais na pessoa física. Estamos fazendo o dever de casa. Quando dizem que o cenário se deteriorou, eu digo que isso é etéreo. Com base no cenário deteriorado, qual o significado para o nosso setor e a nossa companhia? Estamos com modelos de crédito muito melhores, uma unidade de crédito tinindo, e vamos entregar cada vez mais resultado. Quando olho para a pessoa física, temos uma participação importante em todas as faixas de renda, e crescemos em modalidades como o consignado. Olhando para o horizonte, há um cenário base e um cenário de estresse. O cenário de estresse, na nossa visão, é pouco provável, e seria de as entregas fiscais ficarem muito aquém do que o mercado espera, o câmbio andar, bater na inflação, e a política monetária ficar sem efeito. Seria um cenário ruim. Já no cenário mais provável, a taxa de juros pode chegar a 12,5%, 13% ao ano. O PIB pode crescer 2%, e o nível de desemprego pode ficar em torno de 8%, o que para o Brasil, no histórico, é bom. Para o nosso setor é um cenário positivo. A renda real, que deve crescer 6,3% neste ano, pode crescer mais 2,5% no ano que vem. No Bradesco, não queremos entrar no crédito estressado, mas em linhas mais comedidas do crédito clean (sem garantia) para pessoa física, dependendo do rating, do relacionamento. Crescemos no crédito consignado e na alta renda. Nas empresas, com o tipo de portfólio que operamos, estamos tranquilos para enfrentar os dois cenários. Obviamente, tiramos o pé se o cenário se deteriorar.

Qual a expectativa de Selic que vocês têm para 2025? Existe algum temor de que com a mudança no Banco Central, haja menos independência?

Nenhum. Acho que nem o Galípolo e nem ninguém colocaria sua reputação em jogo errando na política monetária. E tem uma continuidade positiva, um time que continua na diretoria. Não perco sono com isso. A taxa de juros vai depender muito do câmbio, dos núcleos de inflação. Mas devemos continuar a ver a taxa crescendo na reunião do Copom no início do ano. A depender do horizonte, ela para em 12,5% ou 13%. Se a política fiscal estiver no lugar, o câmbio estiver comportado e o núcleo de inflação também, podemos ver queda de taxa de juros no segundo semestre do ano que vem, de volta a 11,75%.

Vocês acreditam no cumprimento, pelo governo, do resultado primário?

Temos de acreditar e estimulamos isso. Acho que eles vão entregar um bom pacote de gasto. Tenho ouvido o Haddad falar, e nessa reunião que fizemos ele foi muito enfático. O presidente disse que está dando todo o apoio para ele. Ninguém quer passar para a história com o carimbo de que não fez o dever de casa com o gasto público. Temos de ter expectativa positiva e dar esse voto de confiança.

Existe uma máxima no ambiente político, quando se trata de economia, que diz que, quando um ministro precisa que o presidente reforce em público que ele tem força e apoio, é porque ele está enfraquecido.

Não vejo dessa forma. Escutei dos outros colegas, CEOs de banco, todo mundo muito bem impressionado.

Haddad está sozinho na briga pelo ajuste?

Não acredito nisso, e ele está trabalhando para entregar. Tenho visto isso o tempo todo nas discussões com a Febraban. Tem coisa que se precisa aprovar no Executivo, e coisa que se precisa aprovar no Legislativo, e aí tem desafios políticos. Mas que tem gatilho e várias linhas que podem ser entregues para o equilíbrio fiscal, não tenho dúvida.

Otimista com o pé no chão, como ele mesmo se define, o presidente do Bradesco, Marcelo Noronha, espera que a equipe econômica do governo Luiz Inácio Lula da Silva entregue um pacote de contenção dos gastos públicos que ajude a melhorar as expectativas do mercado para os juros e para a inflação, e evite um “cenário de estresse” em que o crescimento da dívida pública tornaria a política monetária ineficaz.

“O cenário de estresse, na nossa visão, é pouco provável, e seria de as entregas fiscais ficarem muito aquém do que o mercado espera, o câmbio andar, bater na inflação, e a política monetária ficar sem efeito. Aí o PIB seria muito menor”, afirmou em entrevista exclusiva à Coluna do Estadão/Broadcast. “Acho que eles vão entregar um bom pacote de gasto”, reforçou o presidente do segundo maior banco privado do País. “Acho que chegou a hora, estão dizendo e vão fazer. Tenho a expectativa de que se faça o suficiente.”

O executivo não arrisca um número “mágico” para o corte de gastos, mas avalia ser preciso tomar medidas em várias linhas. Na visão dele, por exemplo, há espaço para rever a política de reajuste do salário mínimo, que influencia os gastos da Previdência. Também considera necessário cuidado no debate sobre a isenção do imposto de renda para pessoas que ganhem até R$ 5 mil mensais.

Diante do aumento das despesas públicas, os agentes econômicos têm projetado um crescimento da dívida em relação ao PIB, o que pressiona as expectativas para os juros, o dólar e também a inflação.

Noronha ressalta que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, está trabalhando para entregar o ajuste fiscal e não o vê isolado no governo. “Não acredito nisso (que Haddad esteja sozinho no governo). O presidente (Lula) disse que está dando todo o apoio para ele. Temos de ter expectativa positiva e dar esse voto de confiança.” Há duas semanas o presidente do Bradesco e CEOs de outros bancos privados no País tiveram reunião com Lula.

Marcelo Noronha mantém a confiança na independência do Banco Central e não espera uma guinada na política monetária com a chegada de Gabriel Galípolo à presidência da instituição. “Acho que nem o Galípolo e nem ninguém colocaria sua reputação em jogo errando na política monetária. Não perco sono com isso”, destacou.

O atual diretor de Política Monetária do BC foi indicado à presidência por Lula após o chefe do Executivo fazer uma série de críticas à condução dos juros pela gestão de Roberto Campos Neto, indicado por Jair Bolsonaro e que comanda o Banco Central até o dia 31 de dezembro. Esse fator ajudou a ampliar os temores do mercado de uma interferência nas decisões da autoridade monetária.

Confira a seguir os principais trechos da entrevista:

Temos um cenário com indicadores econômicos de crise nos juros e no dólar. Por que estamos nessa situação, e que medidas o governo precisa adotar para resolver esse cenário?

A expectativa é de que o ministro Haddad entregue uma proposta de redução de gastos que poderia contemplar algumas despesas debaixo do arcabouço, diferentemente do que o mercado chegou a comentar, de que se poderia tirar algumas despesas do arcabouço. O que pega no mercado é a dívida sobre o PIB, que deve atingir 79,5% no final deste ano e poderia crescer para mais de 80% ao longo de 2025. O mercado não quer ver somente a arrecadação, mas também o gasto público contido. Fizemos uma visita ao presidente, com a Febraban e um conjunto de bancos, e o ministro Haddad estava lá. Ninguém foi lá para fazer reivindicação, mas para apoiar o ministro Haddad na política fiscal. Temos decisões políticas e decisões econômicas que têm de ser tomadas no âmbito governamental. Mudar o Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil pode ter um custo muito grande para o poder público. O salário mínimo é importante para a sociedade, mas, se não me falha a memória, temos um dos maiores salários mínimos reais da história. Talvez seja o caso de continuar dando aumento real, mas ao redor de 0,5%. Há muitas formas de se conter o gasto público indo ao encontro do que deseja a sociedade, e o ministro Haddad tem essa consciência. O câmbio bate na inflação, e não está sujeito somente à questão interna. O outro lado da moeda é a economia real. Temos um nível de desemprego baixo para a história do Brasil, a renda real do trabalhador crescendo mais de 6% e o PIB crescendo 3% esse ano. Tem um Brasil funcionando, e que funciona diferente em cada região. Voltando à política fiscal, com esse desemprego, deveríamos crescer o seguro-desemprego? Havia um critério passado que funcionava, e agora temos de revê-lo.

Esses dados sugerem otimismo, mas o mercado reage com ansiedade. Mercado e governo enxergam mundos diferentes? O que há de crise real ou crise de expectativa?

A crise se torna real por expectativa. O mercado, não os bancos, mas outros agentes econômicos, cria expectativas diferentes por conta do endividamento público. Subir a taxa de juros eleva o custo da dívida pública e, portanto, a dívida pública sobe. Por isso, se espera que o governo entregue a contenção dos gastos públicos para vermos uma expectativa melhor. A economia real não está mal, mas também é uma ofensora para a política monetária, que tem de olhar para os núcleos de inflação.

O governo erra ao demorar para apresentar esse ajuste?

Não digo que erra, não tenho capacidade de avaliar o contexto político. Mas acho que chegou a hora, estão dizendo e vão fazer. Tenho a expectativa de que se faça o suficiente.

E nesse suficiente tem um número mágico, que vocês imaginam que acalmaria o mercado?

Não tenho esse número, mas acho que não é em uma linha, e sim em algumas. Colocar outras despesas debaixo do arcabouço é positivo não só para agora, mas também para médio e longo prazo.

'A crise se torna real por expectativa', diz o presidente do Bradesco, Marcelo Noronha Foto: Werther Santana/Estadão

Como isso pode mudar a expectativa que o banco tem para o crédito? Por que há essa divergência entre o mercado financeiro, que tem uma visão mais pessimista, e os bancos, que parecem ter uma visão menos pessimista ou até otimista?

Eu sou otimista com o pé no chão. Uma variável que fala de expectativa dos bancos é o crescimento do crédito que o Banco Central mostrou, de 9,9% (em setembro), crescendo mais na pessoa física. Estamos fazendo o dever de casa. Quando dizem que o cenário se deteriorou, eu digo que isso é etéreo. Com base no cenário deteriorado, qual o significado para o nosso setor e a nossa companhia? Estamos com modelos de crédito muito melhores, uma unidade de crédito tinindo, e vamos entregar cada vez mais resultado. Quando olho para a pessoa física, temos uma participação importante em todas as faixas de renda, e crescemos em modalidades como o consignado. Olhando para o horizonte, há um cenário base e um cenário de estresse. O cenário de estresse, na nossa visão, é pouco provável, e seria de as entregas fiscais ficarem muito aquém do que o mercado espera, o câmbio andar, bater na inflação, e a política monetária ficar sem efeito. Seria um cenário ruim. Já no cenário mais provável, a taxa de juros pode chegar a 12,5%, 13% ao ano. O PIB pode crescer 2%, e o nível de desemprego pode ficar em torno de 8%, o que para o Brasil, no histórico, é bom. Para o nosso setor é um cenário positivo. A renda real, que deve crescer 6,3% neste ano, pode crescer mais 2,5% no ano que vem. No Bradesco, não queremos entrar no crédito estressado, mas em linhas mais comedidas do crédito clean (sem garantia) para pessoa física, dependendo do rating, do relacionamento. Crescemos no crédito consignado e na alta renda. Nas empresas, com o tipo de portfólio que operamos, estamos tranquilos para enfrentar os dois cenários. Obviamente, tiramos o pé se o cenário se deteriorar.

Qual a expectativa de Selic que vocês têm para 2025? Existe algum temor de que com a mudança no Banco Central, haja menos independência?

Nenhum. Acho que nem o Galípolo e nem ninguém colocaria sua reputação em jogo errando na política monetária. E tem uma continuidade positiva, um time que continua na diretoria. Não perco sono com isso. A taxa de juros vai depender muito do câmbio, dos núcleos de inflação. Mas devemos continuar a ver a taxa crescendo na reunião do Copom no início do ano. A depender do horizonte, ela para em 12,5% ou 13%. Se a política fiscal estiver no lugar, o câmbio estiver comportado e o núcleo de inflação também, podemos ver queda de taxa de juros no segundo semestre do ano que vem, de volta a 11,75%.

Vocês acreditam no cumprimento, pelo governo, do resultado primário?

Temos de acreditar e estimulamos isso. Acho que eles vão entregar um bom pacote de gasto. Tenho ouvido o Haddad falar, e nessa reunião que fizemos ele foi muito enfático. O presidente disse que está dando todo o apoio para ele. Ninguém quer passar para a história com o carimbo de que não fez o dever de casa com o gasto público. Temos de ter expectativa positiva e dar esse voto de confiança.

Existe uma máxima no ambiente político, quando se trata de economia, que diz que, quando um ministro precisa que o presidente reforce em público que ele tem força e apoio, é porque ele está enfraquecido.

Não vejo dessa forma. Escutei dos outros colegas, CEOs de banco, todo mundo muito bem impressionado.

Haddad está sozinho na briga pelo ajuste?

Não acredito nisso, e ele está trabalhando para entregar. Tenho visto isso o tempo todo nas discussões com a Febraban. Tem coisa que se precisa aprovar no Executivo, e coisa que se precisa aprovar no Legislativo, e aí tem desafios políticos. Mas que tem gatilho e várias linhas que podem ser entregues para o equilíbrio fiscal, não tenho dúvida.

Otimista com o pé no chão, como ele mesmo se define, o presidente do Bradesco, Marcelo Noronha, espera que a equipe econômica do governo Luiz Inácio Lula da Silva entregue um pacote de contenção dos gastos públicos que ajude a melhorar as expectativas do mercado para os juros e para a inflação, e evite um “cenário de estresse” em que o crescimento da dívida pública tornaria a política monetária ineficaz.

“O cenário de estresse, na nossa visão, é pouco provável, e seria de as entregas fiscais ficarem muito aquém do que o mercado espera, o câmbio andar, bater na inflação, e a política monetária ficar sem efeito. Aí o PIB seria muito menor”, afirmou em entrevista exclusiva à Coluna do Estadão/Broadcast. “Acho que eles vão entregar um bom pacote de gasto”, reforçou o presidente do segundo maior banco privado do País. “Acho que chegou a hora, estão dizendo e vão fazer. Tenho a expectativa de que se faça o suficiente.”

O executivo não arrisca um número “mágico” para o corte de gastos, mas avalia ser preciso tomar medidas em várias linhas. Na visão dele, por exemplo, há espaço para rever a política de reajuste do salário mínimo, que influencia os gastos da Previdência. Também considera necessário cuidado no debate sobre a isenção do imposto de renda para pessoas que ganhem até R$ 5 mil mensais.

Diante do aumento das despesas públicas, os agentes econômicos têm projetado um crescimento da dívida em relação ao PIB, o que pressiona as expectativas para os juros, o dólar e também a inflação.

Noronha ressalta que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, está trabalhando para entregar o ajuste fiscal e não o vê isolado no governo. “Não acredito nisso (que Haddad esteja sozinho no governo). O presidente (Lula) disse que está dando todo o apoio para ele. Temos de ter expectativa positiva e dar esse voto de confiança.” Há duas semanas o presidente do Bradesco e CEOs de outros bancos privados no País tiveram reunião com Lula.

Marcelo Noronha mantém a confiança na independência do Banco Central e não espera uma guinada na política monetária com a chegada de Gabriel Galípolo à presidência da instituição. “Acho que nem o Galípolo e nem ninguém colocaria sua reputação em jogo errando na política monetária. Não perco sono com isso”, destacou.

O atual diretor de Política Monetária do BC foi indicado à presidência por Lula após o chefe do Executivo fazer uma série de críticas à condução dos juros pela gestão de Roberto Campos Neto, indicado por Jair Bolsonaro e que comanda o Banco Central até o dia 31 de dezembro. Esse fator ajudou a ampliar os temores do mercado de uma interferência nas decisões da autoridade monetária.

Confira a seguir os principais trechos da entrevista:

Temos um cenário com indicadores econômicos de crise nos juros e no dólar. Por que estamos nessa situação, e que medidas o governo precisa adotar para resolver esse cenário?

A expectativa é de que o ministro Haddad entregue uma proposta de redução de gastos que poderia contemplar algumas despesas debaixo do arcabouço, diferentemente do que o mercado chegou a comentar, de que se poderia tirar algumas despesas do arcabouço. O que pega no mercado é a dívida sobre o PIB, que deve atingir 79,5% no final deste ano e poderia crescer para mais de 80% ao longo de 2025. O mercado não quer ver somente a arrecadação, mas também o gasto público contido. Fizemos uma visita ao presidente, com a Febraban e um conjunto de bancos, e o ministro Haddad estava lá. Ninguém foi lá para fazer reivindicação, mas para apoiar o ministro Haddad na política fiscal. Temos decisões políticas e decisões econômicas que têm de ser tomadas no âmbito governamental. Mudar o Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil pode ter um custo muito grande para o poder público. O salário mínimo é importante para a sociedade, mas, se não me falha a memória, temos um dos maiores salários mínimos reais da história. Talvez seja o caso de continuar dando aumento real, mas ao redor de 0,5%. Há muitas formas de se conter o gasto público indo ao encontro do que deseja a sociedade, e o ministro Haddad tem essa consciência. O câmbio bate na inflação, e não está sujeito somente à questão interna. O outro lado da moeda é a economia real. Temos um nível de desemprego baixo para a história do Brasil, a renda real do trabalhador crescendo mais de 6% e o PIB crescendo 3% esse ano. Tem um Brasil funcionando, e que funciona diferente em cada região. Voltando à política fiscal, com esse desemprego, deveríamos crescer o seguro-desemprego? Havia um critério passado que funcionava, e agora temos de revê-lo.

Esses dados sugerem otimismo, mas o mercado reage com ansiedade. Mercado e governo enxergam mundos diferentes? O que há de crise real ou crise de expectativa?

A crise se torna real por expectativa. O mercado, não os bancos, mas outros agentes econômicos, cria expectativas diferentes por conta do endividamento público. Subir a taxa de juros eleva o custo da dívida pública e, portanto, a dívida pública sobe. Por isso, se espera que o governo entregue a contenção dos gastos públicos para vermos uma expectativa melhor. A economia real não está mal, mas também é uma ofensora para a política monetária, que tem de olhar para os núcleos de inflação.

O governo erra ao demorar para apresentar esse ajuste?

Não digo que erra, não tenho capacidade de avaliar o contexto político. Mas acho que chegou a hora, estão dizendo e vão fazer. Tenho a expectativa de que se faça o suficiente.

E nesse suficiente tem um número mágico, que vocês imaginam que acalmaria o mercado?

Não tenho esse número, mas acho que não é em uma linha, e sim em algumas. Colocar outras despesas debaixo do arcabouço é positivo não só para agora, mas também para médio e longo prazo.

'A crise se torna real por expectativa', diz o presidente do Bradesco, Marcelo Noronha Foto: Werther Santana/Estadão

Como isso pode mudar a expectativa que o banco tem para o crédito? Por que há essa divergência entre o mercado financeiro, que tem uma visão mais pessimista, e os bancos, que parecem ter uma visão menos pessimista ou até otimista?

Eu sou otimista com o pé no chão. Uma variável que fala de expectativa dos bancos é o crescimento do crédito que o Banco Central mostrou, de 9,9% (em setembro), crescendo mais na pessoa física. Estamos fazendo o dever de casa. Quando dizem que o cenário se deteriorou, eu digo que isso é etéreo. Com base no cenário deteriorado, qual o significado para o nosso setor e a nossa companhia? Estamos com modelos de crédito muito melhores, uma unidade de crédito tinindo, e vamos entregar cada vez mais resultado. Quando olho para a pessoa física, temos uma participação importante em todas as faixas de renda, e crescemos em modalidades como o consignado. Olhando para o horizonte, há um cenário base e um cenário de estresse. O cenário de estresse, na nossa visão, é pouco provável, e seria de as entregas fiscais ficarem muito aquém do que o mercado espera, o câmbio andar, bater na inflação, e a política monetária ficar sem efeito. Seria um cenário ruim. Já no cenário mais provável, a taxa de juros pode chegar a 12,5%, 13% ao ano. O PIB pode crescer 2%, e o nível de desemprego pode ficar em torno de 8%, o que para o Brasil, no histórico, é bom. Para o nosso setor é um cenário positivo. A renda real, que deve crescer 6,3% neste ano, pode crescer mais 2,5% no ano que vem. No Bradesco, não queremos entrar no crédito estressado, mas em linhas mais comedidas do crédito clean (sem garantia) para pessoa física, dependendo do rating, do relacionamento. Crescemos no crédito consignado e na alta renda. Nas empresas, com o tipo de portfólio que operamos, estamos tranquilos para enfrentar os dois cenários. Obviamente, tiramos o pé se o cenário se deteriorar.

Qual a expectativa de Selic que vocês têm para 2025? Existe algum temor de que com a mudança no Banco Central, haja menos independência?

Nenhum. Acho que nem o Galípolo e nem ninguém colocaria sua reputação em jogo errando na política monetária. E tem uma continuidade positiva, um time que continua na diretoria. Não perco sono com isso. A taxa de juros vai depender muito do câmbio, dos núcleos de inflação. Mas devemos continuar a ver a taxa crescendo na reunião do Copom no início do ano. A depender do horizonte, ela para em 12,5% ou 13%. Se a política fiscal estiver no lugar, o câmbio estiver comportado e o núcleo de inflação também, podemos ver queda de taxa de juros no segundo semestre do ano que vem, de volta a 11,75%.

Vocês acreditam no cumprimento, pelo governo, do resultado primário?

Temos de acreditar e estimulamos isso. Acho que eles vão entregar um bom pacote de gasto. Tenho ouvido o Haddad falar, e nessa reunião que fizemos ele foi muito enfático. O presidente disse que está dando todo o apoio para ele. Ninguém quer passar para a história com o carimbo de que não fez o dever de casa com o gasto público. Temos de ter expectativa positiva e dar esse voto de confiança.

Existe uma máxima no ambiente político, quando se trata de economia, que diz que, quando um ministro precisa que o presidente reforce em público que ele tem força e apoio, é porque ele está enfraquecido.

Não vejo dessa forma. Escutei dos outros colegas, CEOs de banco, todo mundo muito bem impressionado.

Haddad está sozinho na briga pelo ajuste?

Não acredito nisso, e ele está trabalhando para entregar. Tenho visto isso o tempo todo nas discussões com a Febraban. Tem coisa que se precisa aprovar no Executivo, e coisa que se precisa aprovar no Legislativo, e aí tem desafios políticos. Mas que tem gatilho e várias linhas que podem ser entregues para o equilíbrio fiscal, não tenho dúvida.

Entrevista por Roseann Kennedy

Roseann Kennedy é jornalista pós-graduada em Ciência Política e Economia. Há mais de 20 anos em Brasília, cobre as relações entre os poderes e os bastidores da política. Foi colunista política na CBN e Globo News, editora-chefe e âncora no SBT e SBT News. Pernambucana, torcedora do Náutico, mas também apaixonada pelo Palmeiras.

Matheus Piovesana

Matheus Piovesana é repórter do Broadcast, serviço de notícias em tempo real do Grupo Estado. Responsável por cobrir bancos, pagamentos e seguros, é formado em jornalismo pela UFPR, tem especialização em jornalismo econômico pela FGV-SP e cursa MBA em Mercado Financeiro e de Capitais no Mackenzie. Ganhador de dois Prêmios Abecip de Jornalismo.

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