As declarações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva na sexta-feira, 28, foram responsáveis pela escalada registrada pelo câmbio, avalia Alexandre Schwartsman, ex-diretor do Banco Central e consultor da A.C. Pastore & Associados.
“Esse movimento (do câmbio) tem nome e sobrenome: Luiz Inácio Lula da Silva. Foi ele começar a falar e o dólar começou a subir”, pontua o economista, que afirma que não houve nenhum fator externo com força o suficiente para justificar o movimento.
Na manhã de sexta, Lula voltou a criticar o nível atual da taxa básica de juros e disse que, quando indicar o novo presidente do BC, será construída uma nova filosofia na autarquia. O presidente também afirmou que o governo está fazendo uma análise sobre os gastos públicos, para verificar se há exageros ou desperdício, mas disse que essa avaliação ocorre sem considerar os humores do mercado.
Ao longo do dia, o mercado de câmbio viveu nova rodada de estresse. Com as dúvidas sobre a situação fiscal doméstica renovadas e catalisadas pelo temor de que o contingenciamento nos gastos no próximo relatório bimestral seja apenas modesto, a cotação da moeda americana à vista foi de quase R$ 5,60, com pressão também nos juros futuros e, em menor grau, na Bolsa.
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À tarde, o diretor de Política Monetária do Banco Central, Gabriel Galípolo, disse ser normal haver especulações sobre o próximo comandante da autarquia, mas que é um “não-tema” para um diretor — Galípolo é o favorito para assumir o cargo no fim do ano. O dirigente reconheceu também que o nível do câmbio chama a atenção do BC. Apesar disso, a toada de desvalorização do real seguiu.
Ao fim do dia, o dólar à vista estava cotado a R$ 5,5883, alta diária de 1,47% e semestral de 15,14%, o maior salto neste ano entre os emergentes relevantes e também a mais alta variação ante o real desde 2020. Na semana, a moeda subiu 2,71%, e em junho avançou 6,43%. No acumulado do ano, a alta foi de 15,14%, o que corresponde ao avanço mais significativo em relação à moeda brasileira desde os 35,51% registrados no primeiro semestre de 2020.
A alta do dólar ante o real neste primeiro semestre também se destacou quando comparada ao desempenho da moeda americana ante outras divisas de países emergentes. O dólar subiu bem menos em relação à lira turca (11,01%), peso mexicano (7,97%) peso colombiano (7,15%), peso chileno (7,06%) e rupia indiana (0,23%), e em relação ao rublo russo e ao rand sul-africano caiu 4,06% e 0,55%, respectivamente.
As declarações de Lula já haviam mexido com o câmbio também na quarta-feira, 26. Em entrevista ao portal UOL, pela manhã, ele afirmou que o governo estava fazendo uma análise sobre os gastos públicos, mas ressaltou haver muitos outros países que gastam muito mais do que o Brasil. O petista chegou a reclamar das notícias que relacionavam a alta do dólar às suas declarações na quinta-feira, 27. “Os cretinos não perceberam que o dólar tinha subido 15 minutos antes de eu dar a entrevista”, afirmou. Apesar de o dólar ter aberto em alta na quarta, o movimento acelerou durante sua entrevista.
Lula chegou a sinalizar um ajuste nas contas. Nesta sexta, por exemplo, ele voltou a dizer que “nunca” fará um ajuste fiscal “em cima do povo trabalhador e pobre”, mas ressaltou que fará “qualquer ajuste necessário”, porque não quer “gastar mais do que a gente ganha”.
“Agora mesmo estão dizendo que é importante ter preocupação e fazer ajuste fiscal porque o salário mínimo está ficando alto. Que salário mínimo alto? É o mínimo. Eu farei qualquer ajuste necessário, porque não quero gastar mais do que a gente ganha, mas não será nunca em cima do povo trabalhador e pobre”, afirmou. As cobranças por um ajuste fiscal não passam, porém, pelo reajuste do salário mínimo em si, mas pelo fato de esse valor estar atrelado a outros benefícios, como o BPC (benefício a idosos de baixa renda e pessoas com deficiência), por exemplo.
Para Schwartsman, a chance de o governo concretizar um ajuste pelo lado do gasto neste ou nos próximos anos é “zero”.
O economista avalia que reações do mercado como a vista nesta sexta tendem a continuar enquanto o presidente seguir fazendo declarações parecidas. “Enquanto o presidente continuar a falar ‘cretinices’, o mercado reagirá negativamente.”