BRASÍLIA - A indicação do secretário executivo do Ministério da Fazenda, Gabriel Galípolo, de que a nova âncora fiscal conterá uma regra de controle de gasto foi bem-recebida no mercado, mas especialistas afirmam que um conjunto de novas despesas já no radar do governo pode dificultar a definição da nova política fiscal brasileira.
No rol dessas despesas está a compensação a Estados e municípios para aprovação da reforma tributária, o repasse pelo governo federal das perdas com a desoneração do ICMS e o impacto para os próximos anos da nova política de reajuste do salário mínimo, da correção da tabela do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) e do fundo de estabilização de preços dos combustíveis para a Petrobras, além dos recursos necessários para os fundos garantidores do programa de renegociação de dívidas (que será batizado de Desenrola) e de estímulo ao crédito.
Leia também
O volume desses gastos para os próximos anos ainda não está definido, e tem custo fiscal que pode chegar a R$ 100 bilhões por ano. “Como é que se desenha a regra fiscal quando se tem um volume de despesas muito abrangente? Como garantir que o resultado primário vai melhorar?”, questiona Manoel Pires, coordenador do Observatório de Política Fiscal do Instituto Brasileiro de Economia (IBRE) da FGV. “É uma notícia fiscal nova a cada dia com impactos difíceis de serem mensurados. É uma coisa que pode atrapalhar.”
O projeto do novo arcabouço fiscal será encaminhado em março ao Congresso pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e é apontado como crucial para o início do processo de redução da taxa de juros pelo Banco Central (BC).
‘Exceções’
Ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Pires diz que esse quadro pode levar o governo a ter de discutir de antemão uma série de excepcionalidades à regra num cenário em que o patamar de despesas pode variar de 18,5% para 20% do Produto Interno Bruto (PIB). “São todos assuntos que precisam de solução, e o governo está atento para isso, mas essas incertezas dificultam o planejamento e o desenho da regra nesse momento”, alerta o economista do IBRE.
O ponto central da discussão é como definir a trajetória para a relação entre a dívida pública e o PIB no médio e longo prazos diante de um volume de despesas tão abrangente e ainda não calculado.
Em entrevista ao Estadão publicada na última quinta-feira, 23, Galípolo disse que o projeto de novo arcabouço fiscal terá uma regra de gastos, mas ao mesmo tempo será flexível para suavizar os efeitos do ciclo econômico. Isso significa evitar que, em momentos de queda da atividade econômica, o governo tenha de cortar despesas – e, em situações de bonança, fique tentado a gastar mais. Galípolo sinalizou também que o governo pretende fixar um limite para as despesas quando a arrecadação estiver aumentando.
“Essa informação (de que haverá uma regra de controle de gastos) vem para ajudar na discussão, porque ajuda a criar um espaço para reduzir os juros”, diz Pires.
No exterior
O economista destaca que os países mais avançados em novas regras de controle das contas públicas têm adotado a visão de que o espaço fiscal (para despesas) é uma noção que muda dependendo das condições da economia: juros, crescimento e evolução da arrecadação e dos gastos ao longo do tempo.
Diante do cenário de projeções que apontam para uma trajetória crescente de dívida, por exemplo, a recomendação seria um orçamento mais apertado para fazer um ajuste fiscal ao longo desse ciclo de planejamento governamental via redução de despesa ou aumento de impostos. Se o resultado fiscal melhorar, o governo pode fazer um orçamento um pouco menos apertado, aumentando as despesas. Esse modelo, em tese, daria mais flexibilidade para rever o cenário em vez de fazer uma regra fixa por 10 anos.
Segundo Pires, esse é o princípio que a Nova Zelândia está aplicando, e que o Fundo Monetário Internacional está recomendando para os países da Zona do Euro.
Na avaliação do economista, a regra fiscal dá mais previsibilidade para abrir espaço na redução dos juros. Pires pondera ainda que o projeto fiscal é mais urgente do que a reforma tributária diante da necessidade do governo de elaborar o projeto de Orçamento com a nova regra fiscal sem obedecer o teto de gastos, que será revogado com o novo arcabouço fiscal.
Plano Plurianual
O Plano Plurianual (PPA) será utilizado e fortalecido no novo arcabouço fiscal como instrumento que deverá conter a trajetória da dívida pública. Previsto na legislação brasileira, o PPA é um mecanismo de planejamento orçamentário de médio prazo que define metas da administração pública federal para um período de quatro anos, contendo as despesas com investimento e também de duração continuada.
A lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e o Orçamento anual terão De estar alinhados com essa trajetória de médio prazo. A regra deverá dar flexibilidade para permitir aumento dos investimentos.
A ideia é resgatar o PPA para atuar como instrumento de fato de planejamento do Estado para promover um ajuste fiscal intertemporal, inclusive com avaliação de políticas públicas e revisão dos gastos tributários, como subsídios.
Na entrevista que deu ao Estadão, Galípolo disse ser importante que o arcabouço fiscal considere a trajetória da relação dívida PIB em alinhamento com que se planeja fazer num um plano “de alguns anos”. “A regra também não precisa engessar o números. É importante que isso esteja de alguma maneira casado com o planejamento de médio prazo do País”, afirmou o secretário.
Ele antecipou que a ideia é ter num único instrumento um componente que permita atuar simultaneamente de forma anticíclica (para minimizar os efeitos do ciclo econômico, como queda da atividade econômica) e que ao mesmo tempo ofereça previsibilidade sobre a evolução das despesas para coordenar as expectativas dos agentes econômicos.
“Um componente que permita dar uma evolução do gasto intertemporal”, disse. O governo quer projetar também as receitas futuras de forma mais acurada -- atrelada, inclusive, à revisão de gastos tributários.
Galípolo também citou a ideia de um “colchão” para garantir os gastos que não possam ser reduzidos nos momentos de retração econômica, e de impor um teto para as despesas quando arrecadação aumenta num momento de crescimento.
“Já temos o PPA. Basta modernizá-lo, tornando parte efetiva do processo orçamentário, diferentemente do que ocorre hoje”, disse o economista-chefe e sócio da corretora Warren Rena, Felipe Salto, que se reuniu, há uma semana, com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e Galípolo para apresentar uma proposta de reforma fiscal.
“Vai ter alguma flexibilidade adicional (para o gasto). Então eu acho que isso é positivo porque mostra que eles estão pensando num arcabouço fiscal ligado aos objetivos de sustentabilidade da dívida e não só ao tamanho do gasto, né”, avalia Salto, ex-secretário de Fazenda de São Paulo. Para Salto, a fala do secretário ao Estadão sobre o “colchão” indica que o governo que, num quadro de excesso de arrecadação, ter uma “certa licença para gastar”.
Pela proposta de Salto, de 2023 a 2026, a dívida pública só poderia crescer quatro pontos percentuais do PIB. A partir de 2027 até 2036, a dívida teria de cair. Para viabilizar essa trajetória, a lei orçamentária anual e a LDO precisariam explicitar a trajetória de dívida com as medidas do lado das receitas e das despesas para se chegar no objetivo de queda da dívida. Salto também defende um fundo de reserva fiscal para ser aplicado em investimentos bem selecionados. “É muito na ideia do que o que o Galípolo falou de colchão”, disse.