A contratação de usinas térmicas movidas a resíduos sólidos urbanos (RSU) nos leilões de energia nova indica um rumo muito preocupante para o setor elétrico brasileiro. No atual cenário, a fonte é desnecessária e perigosa.
Assim como qualquer termoelétrica que possa ser acionada em caso de necessidade pontual em determinado momento do dia, essas usinas poderiam auxiliar o sistema no enfrentamento da crescente intermitência da geração, favorecida pelas fontes eólica e solar.
Leia também
O inconveniente é que também reúnem predicados desfavoráveis, como custo elevado. No leilão de outubro, a energia gerada com RSU foi negociada a quase R$ 614 por MWh, contra R$ 175 por MWh de usina eólica.
A poluição gerada por essas plantas afeta não só as regiões em que forem instaladas, como também as mudanças climáticas. Além de emitirem CO2, os incineradores dependem do poder calorífico proveniente de fontes fósseis (como o plástico). Ou seja, essas usinas se baseiam na manutenção de um modelo que precisa ser revisto com urgência e não faz sentido que sejam consideradas fonte renovável.
Além disso, queimar lixo para produzir energia tende a iludir a sociedade quanto ao equacionamento do problema dos resíduos. O processo estimula a não circularidade e o aumento da produção de lixo que se pretende diminuir. Mais, a opção desconsidera o papel dos catadores na gestão desses materiais.
Não há dúvidas de que os municípios precisam agir de maneira mais enfática em relação à Política Nacional de Resíduos Sólidos. É necessário reduzir a quantidade de resíduos produzida, estimular as cadeias da reciclagem, acabar com os 2,6 mil lixões existentes e garantir que as empresas por trás das embalagens cumpram sua responsabilidade e participem efetivamente dessa cadeia.
Mas não se pode meramente transferir essa responsabilidade para os consumidores de eletricidade, à custa de pressões tarifárias devidas ao custo superior da fonte de energia e da piora da poluição do ar e consequentes ameaças à saúde pública.
O fato é que a sociedade brasileira não pode aceitar mais esse retrocesso no setor de energia. Pelo contrário, precisamos extinguir incentivos desfavoráveis ao País.
Por fim, temos de aperfeiçoar as políticas públicas de contratação de energia que garantam a melhor relação custo-benefício para o consumidor. Isso passa pela neutralidade tecnológica, ou seja, que não sejam impostas preferências de fontes, e sim que se garanta que os atributos necessários sejam contratados pelos projetos de valor mais baixo e com menores impactos possíveis. / CLAUBER LEITE É CONSULTOR DO PROGRAMA DE ENERGIA DO INSTITUTO PÓLIS