Até meados do ano passado, a faculdade provocava sensações divergentes na estudante cearense Marcia Galeno. Ao mesmo tempo que ela sentia uma grande realização por cursar Estatística, ela também ficava desconfortável por conviver com um público de classe média e alta, em uma turma predominantemente masculina. A jovem de 25 anos já havia adiado a entrada na Universidade Federal do Ceará (UFC) para conseguir conciliar a rotina de estudos com o trabalho. Filha de mãe doméstica e pai vendedor, a mais velha de quatro irmãos estudou em escola pública e se tornou a primeira universitária de sua família.
Durante o curso, ela ainda sentia falta de pessoas que pudessem orientar suas escolhas na carreira, para iniciar a trajetória profissional. Essa ausência fazia a universitária se sentir inferior. “Sabe quando você olha as pessoas ao seu redor e não se identifica com nenhuma delas? Acho que me sentia dessa forma. Levei um tempo para aceitar e entender se aquilo era realmente a decisão certa. Não tinha a quem perguntar, a quem pedir ajuda”, diz a estudante.
Ao buscar ajuda para nortear melhor suas decisões, Marcia encontrou o Projeto Alumna, iniciativa gratuita, de Brasília, que promove a conexão entre jovens universitárias e mulheres em cargos de liderança para um direcionamento de carreira. A estudante fez parte da segunda turma do projeto e teve como mentora a diretora da S&P Global Ratings, Flávia Bedran. A executiva e a estudante foram conectadas por meio de um algoritmo desenvolvido especialmente para o projeto que, como no aplicativo Tinder, promoveu um “match” (combinação) entre elas, a partir das características de ambas.
“Fiquei receosa, sem saber se iria criar uma conexão com minha mentora, mas foi incrível! A gente falou sobre a síndrome de impostora, sobre quem nós somos e onde queremos chegar. Eu tenho uma personalidade muito parecida com a dela, e foi aí que a gente deu um ‘match’”, conta a estudante, que era estagiária na época e passou a se sentir mais confiante para crescer na profissão. “Fui percebendo que conseguia me destacar mais.”
Quem procura
O perfil da maior parte das jovens que procura o Alumna para uma mudança de chave na carreira é semelhante ao de Marcia. Em todas as turmas – duas foram concluídas, e uma está em andamento – 60% das estudantes são a primeira geração da família na universidade, 50% são pretas ou pardas e 65% cursaram o ensino médio em escola pública. Durante seis meses, elas têm encontros individuais de aconselhamento, além de receber orientações em grupo para desenvolver a carreira e competências socioemocionais. Todo o processo ocorre virtualmente, por meio da Plataforma Mentorar, startup parceira do projeto.
Iniciado em 2020, o Alumna foi idealizado por duas egressas da Universidade de Brasília (UnB), Larissa Ushizima e Renata Malheiros. Elas se inspiraram no apoio profissional que receberam de grupos parecidos principalmente enquanto realizavam estudos no exterior. No início, o trabalho começou como um projeto-piloto só com alunas da UnB. A partir da segunda turma, houve uma expansão nacional e um consequente aumento do número de estudantes alcançadas. Na turma atual, 150 alunas são orientadas, com atividades que seguirão até junho deste ano.
“Muitas dessas alunas não contam com essa rede de apoio profissional em suas casas. Não se enxergam em determinadas posições, principalmente as de liderança”, diz Larissa, a cofundadora do projeto.
Voluntariado
A iniciativa voluntária, que tem o apoio de organizações como o UK Brasil Tech Hub, Gupy e IDP, tem tido resultados animadores: 70% das alunas terminaram o programa empregadas ou estagiando, e 90% disseram sentir uma confiança maior em relação à vida profissional depois do programa. A meta da equipe é acelerar a carreira de 10 mil universitárias até 2025. Para isso, o projeto – que abre inscrições para uma nova turma em abril – conta com o apoio de mais de 300 mentoras voluntárias, parte delas em fila de espera para iniciar o trabalho de orientação.
Entre elas, está a diretora de inovação da Colgate, Sarita Mello, que participou do projeto diretamente do México. A executiva explica que orientou uma estudante de Engenharia com muitas dúvidas sobre a carreira. Com ela, houve um trabalho para definir estratégias para o desenvolvimento de sua competência profissional e a formação de um perfil sólido de autoconfiança. “Talvez esse sentimento seja comum entre as jovens aspirantes a cientistas”, afirma Sarita.
O convívio com mulheres inspiradoras tem suscitado o desejo das alunas de um dia se tornarem mentoras. É assim com Marcia Galeno. “Hoje, minha principal meta é que outras meninas de onde eu vim vejam que não estão sozinhas. Quero retornar ao projeto o mesmo que me deram”, diz.