ENVIADA ESPECIAL AO PANTANAL - A luta pela preservação das onças-pintadas, símbolo do Pantanal, ganha novos recursos tecnológicos para que o felino saia da lista de risco de extinção e continue povoando as florestas brasileiras em segurança.
Equipamentos como colares com GPS para monitoramento, câmeras de alta definição, cercas elétricas de baixa voltagem para evitar que as onças ataquem o gado – e, por isso, sejam mortas pelos fazendeiros – e repelentes luminosos para espantar os animais são algumas das ferramentas introduzidas em projetos no Pantanal coordenados pelo Instituto Homem Pantaneiro (IHP), criado em 2002.
Com isso, a tecnologia passa a ser forte aliada do principal fator de sobrevivência das onças, que é a manutenção do seu hábitat (sem caçadores e sem queimadas). O IHP atua em uma área de 300 mil hectares na Serra do Amolar, entre os municípios de Corumbá (MS) e Cáceres (MT), na fronteira com a Bolívia.
A região é considerada uma das mais preservadas no Pantanal por ser de difícil acesso – só é possível chegar ao local de barco ou avião de pequeno porte. Tornou-se mais conhecida, porém, em razão do incêndio sem precedentes ocorrido em 2020, que atingiu mais de 90% da área, deixando cerca de 17 milhões de animais mortos, especialmente répteis.
Foi nesse incêndio que ocorreu um resgate de uma onça-pintada com as patas queimadas e intoxicada pela fumaça. Após seu tratamento ao longo de dois meses e meio, Joujou, como foi batizada, foi devolvida à mata com um rádio colar GPS. O felino foi monitorado até um mês atrás, quando o colar caiu. “Havia dúvidas se ele conseguiria caçar suas presas naturais e se conseguiria se readaptar ao local”, afirma Diego Viana, médico veterinário responsável pelo projeto Felinos Pantaneiros, criado pelo IHP para proteção e preservação desses animais.
Rastreamento
Segundo ele, com o rastreamento, sua equipe conseguiu chegar aos pontos onde Joujou se alimentava. “No segundo dia após ser solto ele já conseguiu abater uma capivara, e isso nos trouxe a certeza de que estava bem”.
O dispositivo pesa menos de 450 gramas e não atrapalha o animal. Com o rastreamento é possível saber também a área que o animal ocupa, distância diária que se movimenta, seus percursos, horários de maior atividade e como usa o hábitat.
O colar também é uma forma de proteção e, em caso de morte, emite um sinal de alerta e as autoridades competentes são imediatamente avisadas.
Aparelhos VHF funcionam como rádios e utilizam receptores e antenas para captar o sinal do animal. Aqueles com GPS operam por geolocalização. Ele capta e armazena as coordenadas da onça e as transmite para satélites e depois são acessadas de forma online.
“Esse acompanhamento ajuda nas pesquisas e na conservação da espécie”, afirma Ângelo Rabelo, fundador e presidente do IHP, organização não governamental que se mantém basicamente com doações de pessoas físicas e empresas. O aparelho custa cerca de R$ 20 mil e é importado dos EUA.
Além disso, há um gasto muitas vezes acima desse valor para a infraestrutura de captura da onça para colocar o colar. Há casos em que o procedimento demora meses e é preciso manter equipes na mata, com custos de equipamentos, transporte e alimentação.
O IHP opera hoje com apenas dois colares. O que estava em Joujou foi doado pelo cantor Luan Santana, além de um automóvel para locomoção da equipe. A bateria do sistema normalmente dura um ano e meio e, quando acaba, o calor cai e precisa ser recuperado na mata. O do Joujou caiu em meados de junho e ainda não foi encontrado.
O segundo colar foi emprestado por outra ONG da região, a Onçafari, e está sendo usado pelo felino Guató, capturado e solto na sequência com o aparelho. As armadilhas são monitoradas por câmeras e, assim que o animal é capturado, a equipe do IHP vai ao local para evitar que passe por muito estresse.
Ele então é sedado e dados como tamanho e peso são coletados, assim como são feitos exames de sangue e ecocardiograma. Com o banco de dados é possível saber, por exemplo, se o animal tem algum parasita que pode ser transmitido a humanos e encontrar outros animais que sejam seus descendentes, para entender como está a procriação da espécie.
Desde 2016, foram identificadas na Serra do Amolar 111 onças-pintadas, o que representa 8,3 animais por 100 km², a segunda maior densidade do mundo, atrás apenas da de Porto Jofre (MT), com 8,5. Em todo o Pantanal há aproximadamente 5 mil onças-pintadas.
De acordo com o IHP, nascem média de sete a nove onças-pintadas por ano, mas também há baixas, muitas delas causadas por seres humanos (leia ao lado). Por enquanto, diz Rabelo, há uma população equilibrada, diferentemente de outras regiões em que o risco de extinção é maior.
A região abriga também as espécies de onça-parda, jaguatirica, gato-mourisco, gato-palheiro e gato-do-mato, nenhuma delas em risco de extinção.
O projeto Felinos Pantaneiros também atua em ações para melhorar a coexistência entre fauna, fazendeiros e ribeirinhos. Uma delas é a instalação de cercas elétricas ao redor das maternidades onde ficam os bezerros, principal alvo dos felinos nas propriedades de criação de gado. Muitas onças são mortas em represálias.
Redução de ataques
A primeira experiência dessa técnica foi adotada em uma fazenda pertencente ao empresário André Esteves, sócio sênior e presidente do Conselho de Administração do BTG Pactual. Ele e a esposa Lilian procuraram o IHP para buscar formas de evitar o ataque ao gado.
A fazenda, de cerca de 130 mil hectares, está próxima à região da Serra do Amolar e perdia cerca de 930 animais em ataques de onças. Um ano depois da instalação da cerca, o número caiu para 290.
A cerca não machuca o animal, pois é de pequena voltagem. Por meio de sua assessoria de imprensa, Esteves afirma que apoia diversas iniciativas de preservação da onça-pintada, em suas fazendas e na região.
Sua intenção é seguir com programas que ajudem a reduzir ainda mais a morte do gado, preservando também a vida dos felinos. Além dos projetos do IHP, Esteves e Lilian apoiam as ONGs Aliança 5P e o Onçafari.
O custo do aparelho com o sistema de eletrificação, que pode ser carregado com energia solar, é de R$ 7 mil e sua durabilidade chega a dez anos. Por enquanto, está sendo instalado em grandes propriedades, mas está em discussão uma forma de estender a cobertura para pequenos criadores por meio de uma parceria com uma associação de produtores locais.
Repelentes
Entre as comunidades ribeirinhas, os ataques ocorrem contra animais domésticos, principalmente cães. A solução tem sido a instalação de um pequeno equipamento chamado de repelente luminoso que emite luzes de diferentes cores em formatos e direções variáveis para espantar as onças e também funciona com energia solar.
“Antes, quando os animais domésticos eram atacados, a reação dos moradores era matar a onça; agora eles nos chamam”, diz o médico veterinário Geovani Tonolli, responsável por situações de emergência.
Há poucos dias ele tratou de um cão que levou “uma palmada no focinho de uma onça”, mas diz que os ataques têm diminuído.
Tonolli e toda a equipe do IHP também participa de um programa local de capacitação em escolas, com moradores do entorno da região protegida e com funcionários de fazendeiros para atuarem como protetores ambientais e replicarem essas atitudes.
Aos 29 anos, Capixaba, como é chamado por causa de sua origem, trabalha no IHP há pouco mais de um ano e diz que um de seus objetivos é ter em Corumbá um centro de atendimento para animais. Hoje, os casos mais graves precisam ser levados para Campo Grande.
O Instituto tem hoje nove repelentes, que também são importados e custam US$ 90 cada (quase R$ 500). A General Motors fez recente parceria com o IHP e vai financiar a aquisição de mais equipamentos, além de ter doado uma picape S10 para o acesso à áreas de maior dificuldade.
Sob ameaça
111 é o total de onças-pintadas registrado na Serra do Amolar, região do Pantanal tomada por incêndios em 2020.
5 mil é o número estimado desse felino para todo o Pantanal.
2 mil é a estimativa de animais atropelados por ano na estrada que liga Corumbá a Campo Grande, capital de MS. / VIAGEM FEITA A CONVITE DA GM