BRASÍLIA – O governo Lula pretende abrir espaço fiscal colocando despesas do ensino em tempo integral no guarda-chuva do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) – medida que integra o pacote corte de gastos anunciado nesta semana. O dinheiro economizado, porém, deve ser usado para bancar o programa Pé-de-Meia, que fornece uma bolsa para estudantes do ensino médio, que havia ficado de fora do Orçamento.
De acordo com especialistas consultados pelo Estadão, a engenharia orçamentária pode fazer com que, no final das contas, não haja diminuição efetiva de despesas. A mudança no Fundeb corresponde a uma das medidas com maior potencial de economia do pacote divulgado pelo governo. Segundo as projeções do Ministério da Fazenda, de um total de R$ 71,9 bilhões de cortes entre 2025 e 2026, R$ 10,3 bilhões correspondem ao fundo. A pasta afirma que a solução garante aplicação do recurso em prioridades do governo.
O Fundeb reúne a arrecadação de impostos federais, estaduais e municipais para financiar a educação básica no País, especialmente o pagamento de professores. Além do dinheiro arrecadado pelos Estados e municípios, a União complementa uma parcela adicional e distribui de acordo com critérios de renda, matrícula de alunos e produtividade das escolas.
Só em 2024, o valor total do Fundeb soma R$ 287 bilhões, juntando o que é arrecadado pelos Estados e municípios e o que é gasto pelo governo federal. A complementação da União deve somar R$ 47,8 bilhões neste ano. O montante cresce ano a ano, pressionado as contas públicas. O novo Fundeb, aprovado em 2020, determinou o aumento gradual de 10% para 23% da participação do governo federal até 2026.
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O que diz a proposta
A proposta desenhada pelo governo Lula no pacote de contenção de gastos é destinar 20% da complementação do governo federal para manutenção de matrículas em escolas públicas de tempo integral. Mas como isso economizaria dinheiro? O Poder Executivo pouparia os recursos gastos atualmente com o ensino em tempo integral e passaria a usar o dinheiro do Fundeb para bancar essa despesa.
Em um exemplo prático, é como se existissem duas caixas dentro do cofre da União. Uma é destinada para pagar o Fundeb e a outra envolve outras despesas da educação, como construção de escolas, pagamento de bolsas, compra de livros didáticos e aquisição de ônibus escolares. O dinheiro do ensino integral está na segunda caixa, mas sairá e mudará para a primeira.
Dessa forma, haverá um espaço livre. “Como não haverá necessidade de aportar recursos do Ministério da Educação para escola em tempo integral, abre-se um espaço fiscal”, afirmou o Ministério da Fazenda ao Estadão. Procurado, o Ministério da Educação não se manifestou.
Com a medida, o governo espera economizar R$ 4,8 bilhões em 2025 e R$ 5,5 bilhões em 2026. O corte aumentaria gradativamente, até chegar em R$ 9,5 bilhões em 2030 e somar R$ 42,3 bilhões em seis anos.
Segundo a pasta, o espaço fiscal pode ser usado futuramente para bancar o programa Pé-de-Meia, que saiu do Orçamento para ser pago por meio de um fundo privado administrado pela Caixa Econômica Federal, driblando o arcabouço fiscal – o que levantou muitas críticas por parte de especialistas em contas públicas.
Outros integrantes do governo confirmaram a intenção de destinar o recurso para a bolsa do ensino do ensino médio. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, anunciou que a despesa voltará para o Orçamento convencional da União em 2026, submetida ao teto de gastos do arcabouço.
No ano passado, o Pé-de-Meia teve um custo de R$ 6 bilhões para o poder público, mas o valor caiu para R$ 640 milhões em 2024, justamente porque a maior parte começou a ser operada por fora.
Especialistas ouvidos pelo Estadão dizem que, se o espaço fiscal for preenchido com a bolsa do ensino médio, a redução de despesas pode ficar comprometida. “Na prática, se resolve o problema orçamentário do Pé-de Meia, e isso é bastante positivo; mas a abertura de espaço fiscal no Orçamento fica um pouco menor do que o que foi anunciado”, afirma o coordenador do Observatório de Política Fiscal do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV/IBRE), Manoel Pires.
Para o pesquisador do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) Camillo Bassi, a proposta do governo tem dois efeitos colaterais: modifica a fórmula que a União calcula atualmente a complementação – não será mais só com base na contribuição dos Estados, mas passará a incluir a despesa com ensino em tempo integral – e abre espaço fiscal, mas com possibilidade de essa economia ser zerada se outro gasto for colocado no lugar, como é o caso do Pé-de-Meia.
“O critério para quantificar o montante da complementação, que é em cima do somatório dos fundos dos Estados, será adulterado com um corpo estranho. Além disso, se o espaço fiscal for ocupado com a entrada do Pé-de-Meia, cai por terra esse cálculo que eles colocaram”, diz Bassi. Uma alternativa, de acordo com ele, é incluir o Pé-de-Meia como despesa em tempo integral, dentro do Fundeb.
Outro impasse apontado é que muitos Estados e municípios usam quase todos os recursos do Fundeb para pagar o salário de professores e outros profissionais de educação. Com a obrigação de destinar uma parte para o ensino integral, eles terão que tirar recursos próprios para as remunerações dos educadores.
Atualmente, 70% do Fundeb deve ser destinado ao pagamento de profissionais da educação. “A outra parte é livre e acaba sendo aplicada em temas que, às vezes, não chega no aluno. Essa é uma garantia que dá preferência para uma política que é prioridade do governo. Ou seja, o recurso federal continuará sendo repassado pelo Fundeb para Estados e municípios, mas 20% desses recursos terão que ser aplicados em educação em tempo integral”, disse a Fazenda à reportagem.
Outra proposta para o Fundeb levada ao Planalto pela equipe econômica, e que poderia gerar uma economia maior, foi descartada. O plano envolvia aumentar a parcela do fundo que é computada no piso constitucional da Educação. A medida poderia abrir um espaço fiscal de R$ 33 bilhões em três anos sem mexer no piso e sem cortar recursos obrigatórios, conforme o Estadão revelou.