‘Protecionismo é passaporte para o fracasso’, diz o presidente do Conselho Empresarial Brasil-China


Para ex-embaixador Luiz Augusto de Castro Neves, no mundo globalizado barreira comercial deixou de ser instrumento eficaz

Por Sonia Racy
Atualização:
Foto: Fabio Motta/AE
Entrevista comLuiz Augusto de Castro NevesPresidente do Conselho Empresarial Brasil-China

Terminadas as eleições americanas, o que o resultado significará em termos do desenho da política e da economia global? Para falar sobre caminhos futuros, a coluna Cenários do Estadão convidou o embaixador Luiz Augusto de Castro Neves, atual presidente do Conselho Empresarial Brasil-China, para analisar os próximos capítulos da geopolítica.

Tendo ocupado cargos como o de embaixador brasileiro no Uruguai, na China e no Japão e o de secretário-geral do Ministério de Relações Exteriores, entre outros postos no Itamaraty, Castro Neves acredita que “vivemos hoje uma transição de ordem internacional”, que tem como um dos pilares precisamente a emergência da China. “O Brasil, que aspira a ser um ator global, tem o grande desafio de examinar, acompanhar, sem que essa transição afete o País negativamente.”

Diferentemente do que aconteceu durante a Guerra Fria, no embate entre Estados Unidos e Rússia, EUA e China são umbilicalmente interligados, dificultando previsões. Quem se arrisca está fadado a errar? “O ex-ministro Pedro Malan já dizia ser perigoso fazer previsões sobre o passado, ainda mais agora sobre o futuro”, se esquiva o diplomata. A seguir, trechos da conversa.

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O que se pode considerar fato no âmbito econômico?

O centro de gravidade da economia mundial migrou em parte do Atlântico Norte para a Ásia. Crescem a taxas superiores às do mundo ocidental. Toda transição é marcada pela instabilidade enquanto os contornos de uma nova ordem ainda não estão bem delineados. É um grande desafio ter uma visão estratégica para saber como o Brasil vai se inserir nesse novo desenho.

"Brasil precisa de visão de longo prazo, e não de espasmos", diz Neves Foto: Fábio Motta / AE
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Corremos o risco de uma terceira guerra mundial?

Só se houver um acidente de percurso. A Guerra Fria, que nós vivemos na segunda metade do século passado, e o (quadro) que estamos vendo (agora) têm grande diferença. Na Guerra Fria, havia um jogo de soma zero, os ganhos do Ocidente correspondiam às perdas do mundo socialista, e vice-versa. A entrada de Cuba para o mundo socialista foi uma derrota dos Estados Unidos. O desaparecimento da União Soviética foi uma vitória dos Estados Unidos e do mundo ocidental. Hoje em dia, a polarização que emerge entre Estados Unidos e China não é um jogo de soma zero. China e Estados Unidos têm uma ampla cooperação, fazem parte de muitas cadeias de valor que são comuns, os americanos são os maiores investidores estrangeiros na China, e a China é um dos mais importantes investidores nos Estados Unidos. O que permite imaginar que em algum momento essas duas superpotências vão chegar a um tipo de acordo.

Mas guerras mundiais não aconteceram por causa de acidentes de percurso?

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Foi um acidente de percurso que detonou a 1.ª Guerra Mundial. E alguns acham também que, em certa medida, foi a falta de visão do mundo europeu no (período) entre guerras que criou as condições para a ascensão da 2.ª Guerra. Mas, como existe hoje essa percepção mais clara e o fato de que a oposição entre Estados Unidos e China não ser um jogo de soma zero, há sempre a perspectiva de que eles cheguem a um tipo de acordo e introduzam uma nova ordem que tenha mais estabilidade, apesar da, digamos assim, tentativa de desglobalização até agora limitada a setores diretamente voltados para a segurança nacional.

E o protecionismo que se instala pelo mundo?

Ele deve ser medido pelo grau e pela extensão da proteção. No mundo globalizado, o protecionismo deixou de ser um instrumento eficaz. O modelo nacional desenvolvimentista que teve algum sucesso nas décadas de 50 e 60 perdeu a sua eficácia. Hoje, usar o protecionismo como forma de preservar a atividade econômica interna é um passaporte para o fracasso e para a falta de competitividade.

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Como o sr. ouve esse brado do Trump, o ‘make America great again’? Essa nova Europa protecionista? E o Brasil que abriu muito pouco sua economia?

Nós vamos continuar fora desse jogo global ou vamos fazer alguma coisa. Deng Xiaoping (líder chinês que governou entre 1978 e 1992) e os chineses de sua época foram os que mais bem compreenderam a natureza do processo de globalização como sendo a internacionalização dos processos produtivos. Nós vivemos no Brasil o debate da neoindustrialização, digamos assim, legítimo. Mas não vai ser resolvido mediante a implantação de um protecionismo. Precisamos ser competitivos para entrar nos mercados internacionais.

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O que pode levar o Brasil a mudar?

A percepção clara das nossas elites, inclusive trabalhistas, de que isso não vai levar a lugar algum. Os automóveis brasileiros eram verdadeiras carroças se comparados aos fabricados nos países de origem. Houve, sim, progresso, mas ainda somos muito devedores. Temos uma legislação trabalhista que cria privilégios, mas não é favorável à criação de empregos. O empresário brasileiro tenta economizar o máximo em matéria de mão de obra por causa dos encargos. O Brasil é um país de salário baixo e mão de obra cara.

Do que depende essa evolução?

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Depende de todos nós, incluindo os Três Poderes. Depende, sobretudo, de ter uma visão estratégica sobre o que é que nós podemos ser e como nós queremos ser.

Essa é uma questão também debatida há muitos e muitos anos. Evoluímos?

Evoluímos, o Brasil hoje tem uma economia relativamente sofisticada, é um país de renda média a grande. Mas (precisa de) visão do longo prazo, e não apenas de um espasmo da economia brasileira geralmente atrelado a uma expansão da economia mundial. Já dizia um colega meu, que o Brasil sempre costuma acertar nas suas opções estratégicas, mas só depois de testar todas as opções erradas. O grande momento da economia brasileira foi o Plano Real.

Terminadas as eleições americanas, o que o resultado significará em termos do desenho da política e da economia global? Para falar sobre caminhos futuros, a coluna Cenários do Estadão convidou o embaixador Luiz Augusto de Castro Neves, atual presidente do Conselho Empresarial Brasil-China, para analisar os próximos capítulos da geopolítica.

Tendo ocupado cargos como o de embaixador brasileiro no Uruguai, na China e no Japão e o de secretário-geral do Ministério de Relações Exteriores, entre outros postos no Itamaraty, Castro Neves acredita que “vivemos hoje uma transição de ordem internacional”, que tem como um dos pilares precisamente a emergência da China. “O Brasil, que aspira a ser um ator global, tem o grande desafio de examinar, acompanhar, sem que essa transição afete o País negativamente.”

Diferentemente do que aconteceu durante a Guerra Fria, no embate entre Estados Unidos e Rússia, EUA e China são umbilicalmente interligados, dificultando previsões. Quem se arrisca está fadado a errar? “O ex-ministro Pedro Malan já dizia ser perigoso fazer previsões sobre o passado, ainda mais agora sobre o futuro”, se esquiva o diplomata. A seguir, trechos da conversa.

O que se pode considerar fato no âmbito econômico?

O centro de gravidade da economia mundial migrou em parte do Atlântico Norte para a Ásia. Crescem a taxas superiores às do mundo ocidental. Toda transição é marcada pela instabilidade enquanto os contornos de uma nova ordem ainda não estão bem delineados. É um grande desafio ter uma visão estratégica para saber como o Brasil vai se inserir nesse novo desenho.

"Brasil precisa de visão de longo prazo, e não de espasmos", diz Neves Foto: Fábio Motta / AE

Corremos o risco de uma terceira guerra mundial?

Só se houver um acidente de percurso. A Guerra Fria, que nós vivemos na segunda metade do século passado, e o (quadro) que estamos vendo (agora) têm grande diferença. Na Guerra Fria, havia um jogo de soma zero, os ganhos do Ocidente correspondiam às perdas do mundo socialista, e vice-versa. A entrada de Cuba para o mundo socialista foi uma derrota dos Estados Unidos. O desaparecimento da União Soviética foi uma vitória dos Estados Unidos e do mundo ocidental. Hoje em dia, a polarização que emerge entre Estados Unidos e China não é um jogo de soma zero. China e Estados Unidos têm uma ampla cooperação, fazem parte de muitas cadeias de valor que são comuns, os americanos são os maiores investidores estrangeiros na China, e a China é um dos mais importantes investidores nos Estados Unidos. O que permite imaginar que em algum momento essas duas superpotências vão chegar a um tipo de acordo.

Mas guerras mundiais não aconteceram por causa de acidentes de percurso?

Foi um acidente de percurso que detonou a 1.ª Guerra Mundial. E alguns acham também que, em certa medida, foi a falta de visão do mundo europeu no (período) entre guerras que criou as condições para a ascensão da 2.ª Guerra. Mas, como existe hoje essa percepção mais clara e o fato de que a oposição entre Estados Unidos e China não ser um jogo de soma zero, há sempre a perspectiva de que eles cheguem a um tipo de acordo e introduzam uma nova ordem que tenha mais estabilidade, apesar da, digamos assim, tentativa de desglobalização até agora limitada a setores diretamente voltados para a segurança nacional.

E o protecionismo que se instala pelo mundo?

Ele deve ser medido pelo grau e pela extensão da proteção. No mundo globalizado, o protecionismo deixou de ser um instrumento eficaz. O modelo nacional desenvolvimentista que teve algum sucesso nas décadas de 50 e 60 perdeu a sua eficácia. Hoje, usar o protecionismo como forma de preservar a atividade econômica interna é um passaporte para o fracasso e para a falta de competitividade.

Como o sr. ouve esse brado do Trump, o ‘make America great again’? Essa nova Europa protecionista? E o Brasil que abriu muito pouco sua economia?

Nós vamos continuar fora desse jogo global ou vamos fazer alguma coisa. Deng Xiaoping (líder chinês que governou entre 1978 e 1992) e os chineses de sua época foram os que mais bem compreenderam a natureza do processo de globalização como sendo a internacionalização dos processos produtivos. Nós vivemos no Brasil o debate da neoindustrialização, digamos assim, legítimo. Mas não vai ser resolvido mediante a implantação de um protecionismo. Precisamos ser competitivos para entrar nos mercados internacionais.

O que pode levar o Brasil a mudar?

A percepção clara das nossas elites, inclusive trabalhistas, de que isso não vai levar a lugar algum. Os automóveis brasileiros eram verdadeiras carroças se comparados aos fabricados nos países de origem. Houve, sim, progresso, mas ainda somos muito devedores. Temos uma legislação trabalhista que cria privilégios, mas não é favorável à criação de empregos. O empresário brasileiro tenta economizar o máximo em matéria de mão de obra por causa dos encargos. O Brasil é um país de salário baixo e mão de obra cara.

Do que depende essa evolução?

Depende de todos nós, incluindo os Três Poderes. Depende, sobretudo, de ter uma visão estratégica sobre o que é que nós podemos ser e como nós queremos ser.

Essa é uma questão também debatida há muitos e muitos anos. Evoluímos?

Evoluímos, o Brasil hoje tem uma economia relativamente sofisticada, é um país de renda média a grande. Mas (precisa de) visão do longo prazo, e não apenas de um espasmo da economia brasileira geralmente atrelado a uma expansão da economia mundial. Já dizia um colega meu, que o Brasil sempre costuma acertar nas suas opções estratégicas, mas só depois de testar todas as opções erradas. O grande momento da economia brasileira foi o Plano Real.

Terminadas as eleições americanas, o que o resultado significará em termos do desenho da política e da economia global? Para falar sobre caminhos futuros, a coluna Cenários do Estadão convidou o embaixador Luiz Augusto de Castro Neves, atual presidente do Conselho Empresarial Brasil-China, para analisar os próximos capítulos da geopolítica.

Tendo ocupado cargos como o de embaixador brasileiro no Uruguai, na China e no Japão e o de secretário-geral do Ministério de Relações Exteriores, entre outros postos no Itamaraty, Castro Neves acredita que “vivemos hoje uma transição de ordem internacional”, que tem como um dos pilares precisamente a emergência da China. “O Brasil, que aspira a ser um ator global, tem o grande desafio de examinar, acompanhar, sem que essa transição afete o País negativamente.”

Diferentemente do que aconteceu durante a Guerra Fria, no embate entre Estados Unidos e Rússia, EUA e China são umbilicalmente interligados, dificultando previsões. Quem se arrisca está fadado a errar? “O ex-ministro Pedro Malan já dizia ser perigoso fazer previsões sobre o passado, ainda mais agora sobre o futuro”, se esquiva o diplomata. A seguir, trechos da conversa.

O que se pode considerar fato no âmbito econômico?

O centro de gravidade da economia mundial migrou em parte do Atlântico Norte para a Ásia. Crescem a taxas superiores às do mundo ocidental. Toda transição é marcada pela instabilidade enquanto os contornos de uma nova ordem ainda não estão bem delineados. É um grande desafio ter uma visão estratégica para saber como o Brasil vai se inserir nesse novo desenho.

"Brasil precisa de visão de longo prazo, e não de espasmos", diz Neves Foto: Fábio Motta / AE

Corremos o risco de uma terceira guerra mundial?

Só se houver um acidente de percurso. A Guerra Fria, que nós vivemos na segunda metade do século passado, e o (quadro) que estamos vendo (agora) têm grande diferença. Na Guerra Fria, havia um jogo de soma zero, os ganhos do Ocidente correspondiam às perdas do mundo socialista, e vice-versa. A entrada de Cuba para o mundo socialista foi uma derrota dos Estados Unidos. O desaparecimento da União Soviética foi uma vitória dos Estados Unidos e do mundo ocidental. Hoje em dia, a polarização que emerge entre Estados Unidos e China não é um jogo de soma zero. China e Estados Unidos têm uma ampla cooperação, fazem parte de muitas cadeias de valor que são comuns, os americanos são os maiores investidores estrangeiros na China, e a China é um dos mais importantes investidores nos Estados Unidos. O que permite imaginar que em algum momento essas duas superpotências vão chegar a um tipo de acordo.

Mas guerras mundiais não aconteceram por causa de acidentes de percurso?

Foi um acidente de percurso que detonou a 1.ª Guerra Mundial. E alguns acham também que, em certa medida, foi a falta de visão do mundo europeu no (período) entre guerras que criou as condições para a ascensão da 2.ª Guerra. Mas, como existe hoje essa percepção mais clara e o fato de que a oposição entre Estados Unidos e China não ser um jogo de soma zero, há sempre a perspectiva de que eles cheguem a um tipo de acordo e introduzam uma nova ordem que tenha mais estabilidade, apesar da, digamos assim, tentativa de desglobalização até agora limitada a setores diretamente voltados para a segurança nacional.

E o protecionismo que se instala pelo mundo?

Ele deve ser medido pelo grau e pela extensão da proteção. No mundo globalizado, o protecionismo deixou de ser um instrumento eficaz. O modelo nacional desenvolvimentista que teve algum sucesso nas décadas de 50 e 60 perdeu a sua eficácia. Hoje, usar o protecionismo como forma de preservar a atividade econômica interna é um passaporte para o fracasso e para a falta de competitividade.

Como o sr. ouve esse brado do Trump, o ‘make America great again’? Essa nova Europa protecionista? E o Brasil que abriu muito pouco sua economia?

Nós vamos continuar fora desse jogo global ou vamos fazer alguma coisa. Deng Xiaoping (líder chinês que governou entre 1978 e 1992) e os chineses de sua época foram os que mais bem compreenderam a natureza do processo de globalização como sendo a internacionalização dos processos produtivos. Nós vivemos no Brasil o debate da neoindustrialização, digamos assim, legítimo. Mas não vai ser resolvido mediante a implantação de um protecionismo. Precisamos ser competitivos para entrar nos mercados internacionais.

O que pode levar o Brasil a mudar?

A percepção clara das nossas elites, inclusive trabalhistas, de que isso não vai levar a lugar algum. Os automóveis brasileiros eram verdadeiras carroças se comparados aos fabricados nos países de origem. Houve, sim, progresso, mas ainda somos muito devedores. Temos uma legislação trabalhista que cria privilégios, mas não é favorável à criação de empregos. O empresário brasileiro tenta economizar o máximo em matéria de mão de obra por causa dos encargos. O Brasil é um país de salário baixo e mão de obra cara.

Do que depende essa evolução?

Depende de todos nós, incluindo os Três Poderes. Depende, sobretudo, de ter uma visão estratégica sobre o que é que nós podemos ser e como nós queremos ser.

Essa é uma questão também debatida há muitos e muitos anos. Evoluímos?

Evoluímos, o Brasil hoje tem uma economia relativamente sofisticada, é um país de renda média a grande. Mas (precisa de) visão do longo prazo, e não apenas de um espasmo da economia brasileira geralmente atrelado a uma expansão da economia mundial. Já dizia um colega meu, que o Brasil sempre costuma acertar nas suas opções estratégicas, mas só depois de testar todas as opções erradas. O grande momento da economia brasileira foi o Plano Real.

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