O rating de longo prazo em moeda estrangeira do Brasil, pela agência Standard & Poor’s (S&P), está três notas abaixo do grau de investimento e em nível similar àqueles observados entre 1995 e 2006, apesar do outlook positivo concedido na quarta-feira, 14. De uma amostra de 86 países emergentes, fazem parte do grupo em que o Brasil está ranqueado (BB-) África do Sul, Bangladesh, Guatemala, Honduras e Uzbequistão. No grupo imediatamente acima do Brasil estão países como Geórgia, Omã, Paraguai e República Dominicana. Apenas para registro, caminhando na direção do grau de investimento, o risco país, medido pelo CDS, cai cerca de 30 pontos-base (b.p) para cada nível que o país sobe na escala de ratings. Do grau de investimento em diante, são cerca de 10 b.p. a cada nível. Quedas do risco país também são, tipicamente, associadas a apreciações da taxa de câmbio no curto prazo.
É possível separar os indicadores econômicos para avaliação do rating brasileiro em três categorias: aqueles em que o Brasil deveria ser grau de investimento, como os externos e o tamanho da economia; aqueles que apresentam certa ambiguidade, como no caso da inflação, dívida de curto prazo, tamanho de gastos, receitas do governo e despesas de juros como proporção da arrecadação; e, por fim, aqueles que nos colocam fora do grau de investimento, que são os fiscais e de crescimento.
No primeiro bloco, o Brasil possui um PIB dez vezes maior do que seus pares BB - e três vezes e meia maior do que os países emergentes no primeiro grau de investimento. A bem da verdade, investigando até o grupo dos países AA, o Brasil é o terceiro maior da amostra, atrás apenas de China e Índia. Ter uma economia grande deveria importar para o rating? Em tese, sim, afinal, apesar da maior parte dos indicadores já ser medida como proporção do PIB, tamanho importa para vários aspectos da atração de investimentos e diversidade do ambiente de negócios, resiliência e capacidade de ajuste da economia, especialmente, é verdade, quanto maior for a flexibilidade econômica do país.
No caso dos indicadores externos, o Brasil possui reservas suficientes para cobrir cerca de 9 meses de despesas da conta corrente, valor superior à média de qualquer outro grupo da amostra. Para referência, os países com primeiro nível de grau de investimento possuem esse indicador em cerca de 5 meses. Raciocínio similar vale para os dados de necessidade de financiamento externo, tamanho do saldo comercial e de dívida externa.
Dentre os indicadores com sinal ambíguo para a classificação de risco, temos a inflação, o tamanho do Estado e as despesas com juros. Antes da pandemia, assumindo uma inflação média de cerca de 5% no Brasil, essa se posicionava abaixo da média do grupo BB-, mas bastante acima dos países de rating superior ao nosso. Após a pandemia, é possível dizer que a inflação corrente e a meta para os próximos anos estão basicamente alinhadas aos países com rating moderadamente superior ao grau de investimento.
Os gastos e as receitas do governo, por sua vez, são cerca do dobro daqueles dos países BB-, mas alinhados aos primeiros níveis de grau de investimento. Isso cria uma situação peculiar em que, apesar de termos os maiores juros reais do mundo, nossa despesa de juros como proporção das receitas é inferior à dos países de mesmo rating e similar àquela dos países grau de investimento, ainda que, em momentos de aperto monetário, essa razão se deteriore no Brasil.
Passamos então aos indicadores em que o Brasil é pior do que o resto dos países emergentes. O nível da dívida pública bruta é cerca de 30 pontos porcentuais (p.p.) maior do que a média dos pares de mesmo rating, ou do primeiro nível de grau de investimento, e cerca de 20 p.p. quando levamos em conta a dívida líquida. Essa distância fica agravada pelo fato de que o País cresce e investe cerca de 2 p.p. e 6 p.p. a menos, respectivamente, do que esses grupos, e possui menos da metade da dívida indexada a taxas fixas do que nesses países. É verdade que o Brasil possui uma taxa de rolagem da dívida local não significativamente distinta dos grupos de rating superiores e uma parcela de financiamento local dessa dívida mais elevada do que nos demais países, fatores atenuantes.
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O crescimento do PIB e a carga de juros determinam, em última análise, a solvência de um país. Esses níveis de dívida nos tornam vulneráveis a choques e, portanto, a variância do risco de solvência é maior do que em outros países. Isso requer um prêmio de risco. De toda forma, apesar do crescimento econômico ser um dos principais detratores de nossa solvência de longo prazo, o Brasil tem conseguido crescer bastante próximo à média da economia global nos últimos 43 anos, quando se afasta de crises. Se excetuarmos os períodos em que produzimos crises idiossincráticas de balanço de pagamentos, fiscais ou políticas - cerca de um quarto do período - nossa expansão média esteve razoavelmente alinhada à da economia global e próxima àquela dos países emergentes que hoje são grau de investimento.
Quando olhado sob a ótima do primário requerido para estabilizar a atual dívida pública, considerando um juro real de 4%, esse crescimento hipotético seria suficiente para estabilizar a dívida com um superávit primário de cerca de 0,8% do PIB, não muito distante daquele que o novo arcabouço fiscal deve nos levar caso o aumento de receitas previsto seja entregue. Mesmo sem chegar às metas de resultado primário propostas pelo arcabouço, algumas simulações sugerem que a dívida pública brasileira crescerá em linha com a mediana dos países do G20 até o final de 2026.
Obviamente, escapar de crises idiossincráticas depende de reformas, estabilidade de regras, harmonia entre os poderes e boa gestão macroeconômica. Os períodos em que o Brasil vivenciou crescimento similar ao mundo, de forma não surpreendente, coincidem com essas fases.
Assim, duas conclusões são possíveis. Se o Brasil evitar uma crise econômica, fiscal, de balanço de pagamentos ou de crescimento nos próximos dois ou três anos - um cenário plausível - é provável que o Brasil seja upgraded em uma ou duas notas, nesse horizonte, mesmo crescendo menos do que a economia global. Em períodos mais longos, e para retomar o grau de investimento, tudo dependerá da nossa capacidade de manter as contas públicas organizadas, evitar crises e voltar a crescer, história que acompanharemos nas cenas dos próximos capítulos. / ECONOMISTA-CHEFE DO BANCO BRADESCO