‘Qualquer país que praticasse as taxas de juros do Brasil teria recessões bíblicas’, diz economista


Para Ricardo Barboza, indústria costuma ser o setor mais prejudicado com a Selic num patamar muito alto, principalmente pela inibição dos investimentos

Por Wesley Gonsalves
Atualização:
Foto: Pedro Kirilos/Estadão
Entrevista comRicardo BarbozaEconomista, pesquisador associado do IBRE/FGV e professor do IBMEC

Para o pesquisador associado do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da FGV e professor de economia do Ibmec, Ricardo Barboza, a incômoda liderança do Brasil nos rankings que medem os níveis de juros reais nos países é uma “pedra no sapato” da indústria nacional e atrapalha o seu crescimento. “Nós somos sistematicamente o líder de juro real no mundo, isso não é bom para a indústria”, avalia o economista. “E, quando vemos o custo do capital na ponta, eles não estão pagando 10,5% (o nível atual da Selic), os empresários estão pagando muito mais, porque ainda existe todo o spread bancário.”

Para o economista, qualquer país que praticasse as mesmas taxas de juros altíssimas do Brasil teria recessões gigantescas, ou “bíblicas”, mas nós acabamos nos adaptando a isso, por uma série de fatores. Barboza acredita que o juro pode voltar a cair no Brasil apenas em 2025, mas mesmo assim isso ainda depende de muitos fatores. “Se o cenário internacional der uma aliviada, se a questão fiscal começar a se resolver, como parece que vai, se as surpresas de alta do IPCA deixarem de acontecer e se a atividade econômica deixar de surpreender, eu acredito que esse processo (de cortes na Selic) possa voltar a ser retomado”, afirma Barboza.

Para pesquisador, presença do País no topo do ranking de nações com maiores taxas de juros atrapalha o desenvolvimento da indústria doméstica  Foto: Pedro Kirilos/Estadão
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Ricardo Barboza será um dos participantes do evento “A indústria no Brasil hoje e amanhã - a importância do ambiente econômico para o futuro do setor industrial”, uma realização do Estadão, com apoio institucional da Fiesp, Ciesp, Firjan e CNI. O evento ocorre nesta terça-feira, 23, no salão nobre da Fiesp. As inscrições podem ser feitas aqui. As vagas são limitadas.

Como o sr. avalia o cenário da política monetária no Brasil este ano?

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O cenário que temos hoje, de uma taxa de juros de 10,5% e que provavelmente vai se manter assim “nos próximos capítulos”, se deve a alguns fatores. O primeiro deles, como o próprio Banco Central justifica, é o cenário internacional mais conturbado, onde até mesmo a inflação nos Estados Unidos foi muito resistente à queda. O mercado americano chegou a precificar de sete a oito cortes de juros no país em algum momento, mas este ano só teremos um corte. Quando o juro fica mais alto lá, é ruim para o mundo inteiro, porque afeta a nossa taxa de câmbio. Além disso, a atividade econômica no Brasil tem sido mais forte do que todo mundo pensava que ela seria. Ano passado a expectativa de crescimento do PIB era de 0,8% ou 0,9%, mas o resultado foi quase três vezes maior. Fora as questões domésticas relacionadas à política fiscal (receitas e despesas do governo), que também se traduzem em aumentos na taxa de câmbio. Diante disso tudo, nos últimos meses, o Banco Central foi surpreendido em cinco oportunidades das últimas sete divulgações. É um cenário que demanda mais cautela.

O que pode mudar esse cenário de surpresa do BC para retomar os cortes na Selic?

O Banco Central não interrompeu o ciclo de queda da Selic, mas ele fez uma pausa para ver o que vai acontecer. Se o cenário internacional der uma aliviada, se a questão fiscal começar a se resolver, como parece que vai, se as surpresas de alta do IPCA deixarem de acontecer, e se a atividade econômica deixar de surpreender, eu acredito que esse processo possa voltar a ser retomado.

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Como o cenário internacional tem influenciado a nossa política de juros?

Todo economista tem o sonho de saber fazer previsões perfeitamente, mas temos de reconhecer nossas limitações. É difícil dizer que o cenário internacional já parou de piorar, ou não pode piorar adicionalmente. Nós teremos uma eleição muito particular nos Estados Unidos, no momento em que nós nem ao menos temos certeza de quem serão os dois candidatos, ou o quão disputada as eleições vão ser. Com isso, a incerteza pode subir. Não sabemos que cenários possíveis virão dessa disputa. Nós estamos longe do pico dos indicadores de incerteza global, que estavam muito atrelados a eventos como a covid-19, mas esses indicadores podem voltar a subir, porque está tudo em aberto. Mais um motivo para ter cautela na economia doméstica.

Na avaliação do economista, patamar elevado da Selic tem impacto direto na indústria Foto: Werther Santana/Estadão
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Para além da pressão de fatores globais, o que justifica, historicamente, uma taxa de juros tão alta no Brasil?

Eu gosto muito desse debate da alta taxa de juros no Brasil, porque eu pesquiso isso há algum tempo. O que é interessante é que, do Plano Real para cá, sistematicamente, nós figuramos como líderes nos rankings internacionais de juro real. Neste momento, nós somos o segundo país do ranking, mas já fomos o primeiro. Nós somos sistematicamente os líderes de juro real mais alto no mundo, e isso não é bom para a indústria e não traz consequências agradáveis para a nossa economia. Primeiro, porque passamos a ter investimentos mais baixos do que se o juro fosse menor. Com investimento baixo, o País cresce pouco. Com crescimento menor, nós geramos menos emprego.

É ruim para as contas públicas, porque a dinâmica da dívida acaba ficando em uma trajetória complicada, por causa de uma taxa de juros muito alta, fazendo com que tenhamos de crescer muito para não ter uma dívida explosiva. Enfim, a taxa de juros está conectada a todas as variáveis da nossa economia. Mas a taxa de juros alta não tem só lados negativos, porque se fosse assim, nós não a praticaríamos. Porque a gente a tolera assim? Porque é o nosso instrumento para manter a taxa de inflação baixa. E inflação é uma prioridade do brasileiro. Mas é um preço alto que se paga. Se qualquer país praticasse as mesmas taxas de juros altíssimas que temos aqui, eles teriam recessões bíblicas. Mas aqui não, nós nos adaptamos e conseguimos conviver com alguma expansão da demanda agregada (a soma do consumo, investimentos, gastos do governo e saldo da balança comercial). Mas por quê? O que eu acho que explica nosso juro muito alto é uma multiplicidade de causas, a exemplo da política fiscal, que sempre cresceu acima do PIB, e a produtividade do nosso País, que é muito baixa. Assim, é um somatório de fatores que explica essa nossa particularidade.

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Na sua avaliação, qual o impacto dos ruídos entre governo e o Banco Central para política monetária?

Ruídos nunca são bons, eles sempre poluem a forma como vemos os fundamentos. Mas eu tenho uma certa convicção de que política monetária deveria ser feita com base nos sinais concretos e os fundamentos que a economia tem. Política monetária não é uma ciência exata, é sempre uma mistura de ciência e arte. Acho que ruídos podem, de alguma forma, deixar o cenário mais anuviado no curto prazo. Mas não é isso que muda a realidade da taxa de juros, a realidade da atividade econômica, a realidade da inflação. Não de forma permanente. Eu custo a crer que essas coisas expliquem permanentemente as nossas grandes variáveis econômicas.

Uma retomada da trajetória de queda na Selic não deve acontecer, segundo as projeções, neste ano. Como isso afeta a indústria?

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Quando você mexe com a Selic hoje - e isso é uma coisa que grande parte das pessoas fica chocada quando descobre -, ela só afeta a inflação de uma forma mais intensa daqui a 24 meses. Ela tem uma defasagem de dois anos no seu efeito máximo no IPCA. Nós estamos falando sempre de efeitos que são muito defasados e também cumulativos, porque toda a trajetória passada de mudanças da Selic ainda está sendo sentida hoje, tanto na atividade industrial quanto na inflação.

Em relação à indústria, é claramente o setor que fica mais prejudicado com esse nível de taxa de juro mais alto no Brasil. Quando vemos o custo do capital na ponta, eles não estão pagando 10,5%, os empresários estão pagando muito mais, porque ainda existe todo o spread bancário. O que eu acho que pode acontecer é que o cenário internacional melhore, a taxa de juros nos EUA comece a cair a partir de setembro, e aqui no Brasil, de acordo com as sinalizações do Ministério da Fazendo de que o arcabouço fiscal será seguido à risca, aí poderemos voltar a discutir novos cortes na Selic.

Para o pesquisador associado do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da FGV e professor de economia do Ibmec, Ricardo Barboza, a incômoda liderança do Brasil nos rankings que medem os níveis de juros reais nos países é uma “pedra no sapato” da indústria nacional e atrapalha o seu crescimento. “Nós somos sistematicamente o líder de juro real no mundo, isso não é bom para a indústria”, avalia o economista. “E, quando vemos o custo do capital na ponta, eles não estão pagando 10,5% (o nível atual da Selic), os empresários estão pagando muito mais, porque ainda existe todo o spread bancário.”

Para o economista, qualquer país que praticasse as mesmas taxas de juros altíssimas do Brasil teria recessões gigantescas, ou “bíblicas”, mas nós acabamos nos adaptando a isso, por uma série de fatores. Barboza acredita que o juro pode voltar a cair no Brasil apenas em 2025, mas mesmo assim isso ainda depende de muitos fatores. “Se o cenário internacional der uma aliviada, se a questão fiscal começar a se resolver, como parece que vai, se as surpresas de alta do IPCA deixarem de acontecer e se a atividade econômica deixar de surpreender, eu acredito que esse processo (de cortes na Selic) possa voltar a ser retomado”, afirma Barboza.

Para pesquisador, presença do País no topo do ranking de nações com maiores taxas de juros atrapalha o desenvolvimento da indústria doméstica  Foto: Pedro Kirilos/Estadão

Ricardo Barboza será um dos participantes do evento “A indústria no Brasil hoje e amanhã - a importância do ambiente econômico para o futuro do setor industrial”, uma realização do Estadão, com apoio institucional da Fiesp, Ciesp, Firjan e CNI. O evento ocorre nesta terça-feira, 23, no salão nobre da Fiesp. As inscrições podem ser feitas aqui. As vagas são limitadas.

Como o sr. avalia o cenário da política monetária no Brasil este ano?

O cenário que temos hoje, de uma taxa de juros de 10,5% e que provavelmente vai se manter assim “nos próximos capítulos”, se deve a alguns fatores. O primeiro deles, como o próprio Banco Central justifica, é o cenário internacional mais conturbado, onde até mesmo a inflação nos Estados Unidos foi muito resistente à queda. O mercado americano chegou a precificar de sete a oito cortes de juros no país em algum momento, mas este ano só teremos um corte. Quando o juro fica mais alto lá, é ruim para o mundo inteiro, porque afeta a nossa taxa de câmbio. Além disso, a atividade econômica no Brasil tem sido mais forte do que todo mundo pensava que ela seria. Ano passado a expectativa de crescimento do PIB era de 0,8% ou 0,9%, mas o resultado foi quase três vezes maior. Fora as questões domésticas relacionadas à política fiscal (receitas e despesas do governo), que também se traduzem em aumentos na taxa de câmbio. Diante disso tudo, nos últimos meses, o Banco Central foi surpreendido em cinco oportunidades das últimas sete divulgações. É um cenário que demanda mais cautela.

O que pode mudar esse cenário de surpresa do BC para retomar os cortes na Selic?

O Banco Central não interrompeu o ciclo de queda da Selic, mas ele fez uma pausa para ver o que vai acontecer. Se o cenário internacional der uma aliviada, se a questão fiscal começar a se resolver, como parece que vai, se as surpresas de alta do IPCA deixarem de acontecer, e se a atividade econômica deixar de surpreender, eu acredito que esse processo possa voltar a ser retomado.

Como o cenário internacional tem influenciado a nossa política de juros?

Todo economista tem o sonho de saber fazer previsões perfeitamente, mas temos de reconhecer nossas limitações. É difícil dizer que o cenário internacional já parou de piorar, ou não pode piorar adicionalmente. Nós teremos uma eleição muito particular nos Estados Unidos, no momento em que nós nem ao menos temos certeza de quem serão os dois candidatos, ou o quão disputada as eleições vão ser. Com isso, a incerteza pode subir. Não sabemos que cenários possíveis virão dessa disputa. Nós estamos longe do pico dos indicadores de incerteza global, que estavam muito atrelados a eventos como a covid-19, mas esses indicadores podem voltar a subir, porque está tudo em aberto. Mais um motivo para ter cautela na economia doméstica.

Na avaliação do economista, patamar elevado da Selic tem impacto direto na indústria Foto: Werther Santana/Estadão

Para além da pressão de fatores globais, o que justifica, historicamente, uma taxa de juros tão alta no Brasil?

Eu gosto muito desse debate da alta taxa de juros no Brasil, porque eu pesquiso isso há algum tempo. O que é interessante é que, do Plano Real para cá, sistematicamente, nós figuramos como líderes nos rankings internacionais de juro real. Neste momento, nós somos o segundo país do ranking, mas já fomos o primeiro. Nós somos sistematicamente os líderes de juro real mais alto no mundo, e isso não é bom para a indústria e não traz consequências agradáveis para a nossa economia. Primeiro, porque passamos a ter investimentos mais baixos do que se o juro fosse menor. Com investimento baixo, o País cresce pouco. Com crescimento menor, nós geramos menos emprego.

É ruim para as contas públicas, porque a dinâmica da dívida acaba ficando em uma trajetória complicada, por causa de uma taxa de juros muito alta, fazendo com que tenhamos de crescer muito para não ter uma dívida explosiva. Enfim, a taxa de juros está conectada a todas as variáveis da nossa economia. Mas a taxa de juros alta não tem só lados negativos, porque se fosse assim, nós não a praticaríamos. Porque a gente a tolera assim? Porque é o nosso instrumento para manter a taxa de inflação baixa. E inflação é uma prioridade do brasileiro. Mas é um preço alto que se paga. Se qualquer país praticasse as mesmas taxas de juros altíssimas que temos aqui, eles teriam recessões bíblicas. Mas aqui não, nós nos adaptamos e conseguimos conviver com alguma expansão da demanda agregada (a soma do consumo, investimentos, gastos do governo e saldo da balança comercial). Mas por quê? O que eu acho que explica nosso juro muito alto é uma multiplicidade de causas, a exemplo da política fiscal, que sempre cresceu acima do PIB, e a produtividade do nosso País, que é muito baixa. Assim, é um somatório de fatores que explica essa nossa particularidade.

Na sua avaliação, qual o impacto dos ruídos entre governo e o Banco Central para política monetária?

Ruídos nunca são bons, eles sempre poluem a forma como vemos os fundamentos. Mas eu tenho uma certa convicção de que política monetária deveria ser feita com base nos sinais concretos e os fundamentos que a economia tem. Política monetária não é uma ciência exata, é sempre uma mistura de ciência e arte. Acho que ruídos podem, de alguma forma, deixar o cenário mais anuviado no curto prazo. Mas não é isso que muda a realidade da taxa de juros, a realidade da atividade econômica, a realidade da inflação. Não de forma permanente. Eu custo a crer que essas coisas expliquem permanentemente as nossas grandes variáveis econômicas.

Uma retomada da trajetória de queda na Selic não deve acontecer, segundo as projeções, neste ano. Como isso afeta a indústria?

Quando você mexe com a Selic hoje - e isso é uma coisa que grande parte das pessoas fica chocada quando descobre -, ela só afeta a inflação de uma forma mais intensa daqui a 24 meses. Ela tem uma defasagem de dois anos no seu efeito máximo no IPCA. Nós estamos falando sempre de efeitos que são muito defasados e também cumulativos, porque toda a trajetória passada de mudanças da Selic ainda está sendo sentida hoje, tanto na atividade industrial quanto na inflação.

Em relação à indústria, é claramente o setor que fica mais prejudicado com esse nível de taxa de juro mais alto no Brasil. Quando vemos o custo do capital na ponta, eles não estão pagando 10,5%, os empresários estão pagando muito mais, porque ainda existe todo o spread bancário. O que eu acho que pode acontecer é que o cenário internacional melhore, a taxa de juros nos EUA comece a cair a partir de setembro, e aqui no Brasil, de acordo com as sinalizações do Ministério da Fazendo de que o arcabouço fiscal será seguido à risca, aí poderemos voltar a discutir novos cortes na Selic.

Para o pesquisador associado do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da FGV e professor de economia do Ibmec, Ricardo Barboza, a incômoda liderança do Brasil nos rankings que medem os níveis de juros reais nos países é uma “pedra no sapato” da indústria nacional e atrapalha o seu crescimento. “Nós somos sistematicamente o líder de juro real no mundo, isso não é bom para a indústria”, avalia o economista. “E, quando vemos o custo do capital na ponta, eles não estão pagando 10,5% (o nível atual da Selic), os empresários estão pagando muito mais, porque ainda existe todo o spread bancário.”

Para o economista, qualquer país que praticasse as mesmas taxas de juros altíssimas do Brasil teria recessões gigantescas, ou “bíblicas”, mas nós acabamos nos adaptando a isso, por uma série de fatores. Barboza acredita que o juro pode voltar a cair no Brasil apenas em 2025, mas mesmo assim isso ainda depende de muitos fatores. “Se o cenário internacional der uma aliviada, se a questão fiscal começar a se resolver, como parece que vai, se as surpresas de alta do IPCA deixarem de acontecer e se a atividade econômica deixar de surpreender, eu acredito que esse processo (de cortes na Selic) possa voltar a ser retomado”, afirma Barboza.

Para pesquisador, presença do País no topo do ranking de nações com maiores taxas de juros atrapalha o desenvolvimento da indústria doméstica  Foto: Pedro Kirilos/Estadão

Ricardo Barboza será um dos participantes do evento “A indústria no Brasil hoje e amanhã - a importância do ambiente econômico para o futuro do setor industrial”, uma realização do Estadão, com apoio institucional da Fiesp, Ciesp, Firjan e CNI. O evento ocorre nesta terça-feira, 23, no salão nobre da Fiesp. As inscrições podem ser feitas aqui. As vagas são limitadas.

Como o sr. avalia o cenário da política monetária no Brasil este ano?

O cenário que temos hoje, de uma taxa de juros de 10,5% e que provavelmente vai se manter assim “nos próximos capítulos”, se deve a alguns fatores. O primeiro deles, como o próprio Banco Central justifica, é o cenário internacional mais conturbado, onde até mesmo a inflação nos Estados Unidos foi muito resistente à queda. O mercado americano chegou a precificar de sete a oito cortes de juros no país em algum momento, mas este ano só teremos um corte. Quando o juro fica mais alto lá, é ruim para o mundo inteiro, porque afeta a nossa taxa de câmbio. Além disso, a atividade econômica no Brasil tem sido mais forte do que todo mundo pensava que ela seria. Ano passado a expectativa de crescimento do PIB era de 0,8% ou 0,9%, mas o resultado foi quase três vezes maior. Fora as questões domésticas relacionadas à política fiscal (receitas e despesas do governo), que também se traduzem em aumentos na taxa de câmbio. Diante disso tudo, nos últimos meses, o Banco Central foi surpreendido em cinco oportunidades das últimas sete divulgações. É um cenário que demanda mais cautela.

O que pode mudar esse cenário de surpresa do BC para retomar os cortes na Selic?

O Banco Central não interrompeu o ciclo de queda da Selic, mas ele fez uma pausa para ver o que vai acontecer. Se o cenário internacional der uma aliviada, se a questão fiscal começar a se resolver, como parece que vai, se as surpresas de alta do IPCA deixarem de acontecer, e se a atividade econômica deixar de surpreender, eu acredito que esse processo possa voltar a ser retomado.

Como o cenário internacional tem influenciado a nossa política de juros?

Todo economista tem o sonho de saber fazer previsões perfeitamente, mas temos de reconhecer nossas limitações. É difícil dizer que o cenário internacional já parou de piorar, ou não pode piorar adicionalmente. Nós teremos uma eleição muito particular nos Estados Unidos, no momento em que nós nem ao menos temos certeza de quem serão os dois candidatos, ou o quão disputada as eleições vão ser. Com isso, a incerteza pode subir. Não sabemos que cenários possíveis virão dessa disputa. Nós estamos longe do pico dos indicadores de incerteza global, que estavam muito atrelados a eventos como a covid-19, mas esses indicadores podem voltar a subir, porque está tudo em aberto. Mais um motivo para ter cautela na economia doméstica.

Na avaliação do economista, patamar elevado da Selic tem impacto direto na indústria Foto: Werther Santana/Estadão

Para além da pressão de fatores globais, o que justifica, historicamente, uma taxa de juros tão alta no Brasil?

Eu gosto muito desse debate da alta taxa de juros no Brasil, porque eu pesquiso isso há algum tempo. O que é interessante é que, do Plano Real para cá, sistematicamente, nós figuramos como líderes nos rankings internacionais de juro real. Neste momento, nós somos o segundo país do ranking, mas já fomos o primeiro. Nós somos sistematicamente os líderes de juro real mais alto no mundo, e isso não é bom para a indústria e não traz consequências agradáveis para a nossa economia. Primeiro, porque passamos a ter investimentos mais baixos do que se o juro fosse menor. Com investimento baixo, o País cresce pouco. Com crescimento menor, nós geramos menos emprego.

É ruim para as contas públicas, porque a dinâmica da dívida acaba ficando em uma trajetória complicada, por causa de uma taxa de juros muito alta, fazendo com que tenhamos de crescer muito para não ter uma dívida explosiva. Enfim, a taxa de juros está conectada a todas as variáveis da nossa economia. Mas a taxa de juros alta não tem só lados negativos, porque se fosse assim, nós não a praticaríamos. Porque a gente a tolera assim? Porque é o nosso instrumento para manter a taxa de inflação baixa. E inflação é uma prioridade do brasileiro. Mas é um preço alto que se paga. Se qualquer país praticasse as mesmas taxas de juros altíssimas que temos aqui, eles teriam recessões bíblicas. Mas aqui não, nós nos adaptamos e conseguimos conviver com alguma expansão da demanda agregada (a soma do consumo, investimentos, gastos do governo e saldo da balança comercial). Mas por quê? O que eu acho que explica nosso juro muito alto é uma multiplicidade de causas, a exemplo da política fiscal, que sempre cresceu acima do PIB, e a produtividade do nosso País, que é muito baixa. Assim, é um somatório de fatores que explica essa nossa particularidade.

Na sua avaliação, qual o impacto dos ruídos entre governo e o Banco Central para política monetária?

Ruídos nunca são bons, eles sempre poluem a forma como vemos os fundamentos. Mas eu tenho uma certa convicção de que política monetária deveria ser feita com base nos sinais concretos e os fundamentos que a economia tem. Política monetária não é uma ciência exata, é sempre uma mistura de ciência e arte. Acho que ruídos podem, de alguma forma, deixar o cenário mais anuviado no curto prazo. Mas não é isso que muda a realidade da taxa de juros, a realidade da atividade econômica, a realidade da inflação. Não de forma permanente. Eu custo a crer que essas coisas expliquem permanentemente as nossas grandes variáveis econômicas.

Uma retomada da trajetória de queda na Selic não deve acontecer, segundo as projeções, neste ano. Como isso afeta a indústria?

Quando você mexe com a Selic hoje - e isso é uma coisa que grande parte das pessoas fica chocada quando descobre -, ela só afeta a inflação de uma forma mais intensa daqui a 24 meses. Ela tem uma defasagem de dois anos no seu efeito máximo no IPCA. Nós estamos falando sempre de efeitos que são muito defasados e também cumulativos, porque toda a trajetória passada de mudanças da Selic ainda está sendo sentida hoje, tanto na atividade industrial quanto na inflação.

Em relação à indústria, é claramente o setor que fica mais prejudicado com esse nível de taxa de juro mais alto no Brasil. Quando vemos o custo do capital na ponta, eles não estão pagando 10,5%, os empresários estão pagando muito mais, porque ainda existe todo o spread bancário. O que eu acho que pode acontecer é que o cenário internacional melhore, a taxa de juros nos EUA comece a cair a partir de setembro, e aqui no Brasil, de acordo com as sinalizações do Ministério da Fazendo de que o arcabouço fiscal será seguido à risca, aí poderemos voltar a discutir novos cortes na Selic.

Para o pesquisador associado do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da FGV e professor de economia do Ibmec, Ricardo Barboza, a incômoda liderança do Brasil nos rankings que medem os níveis de juros reais nos países é uma “pedra no sapato” da indústria nacional e atrapalha o seu crescimento. “Nós somos sistematicamente o líder de juro real no mundo, isso não é bom para a indústria”, avalia o economista. “E, quando vemos o custo do capital na ponta, eles não estão pagando 10,5% (o nível atual da Selic), os empresários estão pagando muito mais, porque ainda existe todo o spread bancário.”

Para o economista, qualquer país que praticasse as mesmas taxas de juros altíssimas do Brasil teria recessões gigantescas, ou “bíblicas”, mas nós acabamos nos adaptando a isso, por uma série de fatores. Barboza acredita que o juro pode voltar a cair no Brasil apenas em 2025, mas mesmo assim isso ainda depende de muitos fatores. “Se o cenário internacional der uma aliviada, se a questão fiscal começar a se resolver, como parece que vai, se as surpresas de alta do IPCA deixarem de acontecer e se a atividade econômica deixar de surpreender, eu acredito que esse processo (de cortes na Selic) possa voltar a ser retomado”, afirma Barboza.

Para pesquisador, presença do País no topo do ranking de nações com maiores taxas de juros atrapalha o desenvolvimento da indústria doméstica  Foto: Pedro Kirilos/Estadão

Ricardo Barboza será um dos participantes do evento “A indústria no Brasil hoje e amanhã - a importância do ambiente econômico para o futuro do setor industrial”, uma realização do Estadão, com apoio institucional da Fiesp, Ciesp, Firjan e CNI. O evento ocorre nesta terça-feira, 23, no salão nobre da Fiesp. As inscrições podem ser feitas aqui. As vagas são limitadas.

Como o sr. avalia o cenário da política monetária no Brasil este ano?

O cenário que temos hoje, de uma taxa de juros de 10,5% e que provavelmente vai se manter assim “nos próximos capítulos”, se deve a alguns fatores. O primeiro deles, como o próprio Banco Central justifica, é o cenário internacional mais conturbado, onde até mesmo a inflação nos Estados Unidos foi muito resistente à queda. O mercado americano chegou a precificar de sete a oito cortes de juros no país em algum momento, mas este ano só teremos um corte. Quando o juro fica mais alto lá, é ruim para o mundo inteiro, porque afeta a nossa taxa de câmbio. Além disso, a atividade econômica no Brasil tem sido mais forte do que todo mundo pensava que ela seria. Ano passado a expectativa de crescimento do PIB era de 0,8% ou 0,9%, mas o resultado foi quase três vezes maior. Fora as questões domésticas relacionadas à política fiscal (receitas e despesas do governo), que também se traduzem em aumentos na taxa de câmbio. Diante disso tudo, nos últimos meses, o Banco Central foi surpreendido em cinco oportunidades das últimas sete divulgações. É um cenário que demanda mais cautela.

O que pode mudar esse cenário de surpresa do BC para retomar os cortes na Selic?

O Banco Central não interrompeu o ciclo de queda da Selic, mas ele fez uma pausa para ver o que vai acontecer. Se o cenário internacional der uma aliviada, se a questão fiscal começar a se resolver, como parece que vai, se as surpresas de alta do IPCA deixarem de acontecer, e se a atividade econômica deixar de surpreender, eu acredito que esse processo possa voltar a ser retomado.

Como o cenário internacional tem influenciado a nossa política de juros?

Todo economista tem o sonho de saber fazer previsões perfeitamente, mas temos de reconhecer nossas limitações. É difícil dizer que o cenário internacional já parou de piorar, ou não pode piorar adicionalmente. Nós teremos uma eleição muito particular nos Estados Unidos, no momento em que nós nem ao menos temos certeza de quem serão os dois candidatos, ou o quão disputada as eleições vão ser. Com isso, a incerteza pode subir. Não sabemos que cenários possíveis virão dessa disputa. Nós estamos longe do pico dos indicadores de incerteza global, que estavam muito atrelados a eventos como a covid-19, mas esses indicadores podem voltar a subir, porque está tudo em aberto. Mais um motivo para ter cautela na economia doméstica.

Na avaliação do economista, patamar elevado da Selic tem impacto direto na indústria Foto: Werther Santana/Estadão

Para além da pressão de fatores globais, o que justifica, historicamente, uma taxa de juros tão alta no Brasil?

Eu gosto muito desse debate da alta taxa de juros no Brasil, porque eu pesquiso isso há algum tempo. O que é interessante é que, do Plano Real para cá, sistematicamente, nós figuramos como líderes nos rankings internacionais de juro real. Neste momento, nós somos o segundo país do ranking, mas já fomos o primeiro. Nós somos sistematicamente os líderes de juro real mais alto no mundo, e isso não é bom para a indústria e não traz consequências agradáveis para a nossa economia. Primeiro, porque passamos a ter investimentos mais baixos do que se o juro fosse menor. Com investimento baixo, o País cresce pouco. Com crescimento menor, nós geramos menos emprego.

É ruim para as contas públicas, porque a dinâmica da dívida acaba ficando em uma trajetória complicada, por causa de uma taxa de juros muito alta, fazendo com que tenhamos de crescer muito para não ter uma dívida explosiva. Enfim, a taxa de juros está conectada a todas as variáveis da nossa economia. Mas a taxa de juros alta não tem só lados negativos, porque se fosse assim, nós não a praticaríamos. Porque a gente a tolera assim? Porque é o nosso instrumento para manter a taxa de inflação baixa. E inflação é uma prioridade do brasileiro. Mas é um preço alto que se paga. Se qualquer país praticasse as mesmas taxas de juros altíssimas que temos aqui, eles teriam recessões bíblicas. Mas aqui não, nós nos adaptamos e conseguimos conviver com alguma expansão da demanda agregada (a soma do consumo, investimentos, gastos do governo e saldo da balança comercial). Mas por quê? O que eu acho que explica nosso juro muito alto é uma multiplicidade de causas, a exemplo da política fiscal, que sempre cresceu acima do PIB, e a produtividade do nosso País, que é muito baixa. Assim, é um somatório de fatores que explica essa nossa particularidade.

Na sua avaliação, qual o impacto dos ruídos entre governo e o Banco Central para política monetária?

Ruídos nunca são bons, eles sempre poluem a forma como vemos os fundamentos. Mas eu tenho uma certa convicção de que política monetária deveria ser feita com base nos sinais concretos e os fundamentos que a economia tem. Política monetária não é uma ciência exata, é sempre uma mistura de ciência e arte. Acho que ruídos podem, de alguma forma, deixar o cenário mais anuviado no curto prazo. Mas não é isso que muda a realidade da taxa de juros, a realidade da atividade econômica, a realidade da inflação. Não de forma permanente. Eu custo a crer que essas coisas expliquem permanentemente as nossas grandes variáveis econômicas.

Uma retomada da trajetória de queda na Selic não deve acontecer, segundo as projeções, neste ano. Como isso afeta a indústria?

Quando você mexe com a Selic hoje - e isso é uma coisa que grande parte das pessoas fica chocada quando descobre -, ela só afeta a inflação de uma forma mais intensa daqui a 24 meses. Ela tem uma defasagem de dois anos no seu efeito máximo no IPCA. Nós estamos falando sempre de efeitos que são muito defasados e também cumulativos, porque toda a trajetória passada de mudanças da Selic ainda está sendo sentida hoje, tanto na atividade industrial quanto na inflação.

Em relação à indústria, é claramente o setor que fica mais prejudicado com esse nível de taxa de juro mais alto no Brasil. Quando vemos o custo do capital na ponta, eles não estão pagando 10,5%, os empresários estão pagando muito mais, porque ainda existe todo o spread bancário. O que eu acho que pode acontecer é que o cenário internacional melhore, a taxa de juros nos EUA comece a cair a partir de setembro, e aqui no Brasil, de acordo com as sinalizações do Ministério da Fazendo de que o arcabouço fiscal será seguido à risca, aí poderemos voltar a discutir novos cortes na Selic.

Para o pesquisador associado do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da FGV e professor de economia do Ibmec, Ricardo Barboza, a incômoda liderança do Brasil nos rankings que medem os níveis de juros reais nos países é uma “pedra no sapato” da indústria nacional e atrapalha o seu crescimento. “Nós somos sistematicamente o líder de juro real no mundo, isso não é bom para a indústria”, avalia o economista. “E, quando vemos o custo do capital na ponta, eles não estão pagando 10,5% (o nível atual da Selic), os empresários estão pagando muito mais, porque ainda existe todo o spread bancário.”

Para o economista, qualquer país que praticasse as mesmas taxas de juros altíssimas do Brasil teria recessões gigantescas, ou “bíblicas”, mas nós acabamos nos adaptando a isso, por uma série de fatores. Barboza acredita que o juro pode voltar a cair no Brasil apenas em 2025, mas mesmo assim isso ainda depende de muitos fatores. “Se o cenário internacional der uma aliviada, se a questão fiscal começar a se resolver, como parece que vai, se as surpresas de alta do IPCA deixarem de acontecer e se a atividade econômica deixar de surpreender, eu acredito que esse processo (de cortes na Selic) possa voltar a ser retomado”, afirma Barboza.

Para pesquisador, presença do País no topo do ranking de nações com maiores taxas de juros atrapalha o desenvolvimento da indústria doméstica  Foto: Pedro Kirilos/Estadão

Ricardo Barboza será um dos participantes do evento “A indústria no Brasil hoje e amanhã - a importância do ambiente econômico para o futuro do setor industrial”, uma realização do Estadão, com apoio institucional da Fiesp, Ciesp, Firjan e CNI. O evento ocorre nesta terça-feira, 23, no salão nobre da Fiesp. As inscrições podem ser feitas aqui. As vagas são limitadas.

Como o sr. avalia o cenário da política monetária no Brasil este ano?

O cenário que temos hoje, de uma taxa de juros de 10,5% e que provavelmente vai se manter assim “nos próximos capítulos”, se deve a alguns fatores. O primeiro deles, como o próprio Banco Central justifica, é o cenário internacional mais conturbado, onde até mesmo a inflação nos Estados Unidos foi muito resistente à queda. O mercado americano chegou a precificar de sete a oito cortes de juros no país em algum momento, mas este ano só teremos um corte. Quando o juro fica mais alto lá, é ruim para o mundo inteiro, porque afeta a nossa taxa de câmbio. Além disso, a atividade econômica no Brasil tem sido mais forte do que todo mundo pensava que ela seria. Ano passado a expectativa de crescimento do PIB era de 0,8% ou 0,9%, mas o resultado foi quase três vezes maior. Fora as questões domésticas relacionadas à política fiscal (receitas e despesas do governo), que também se traduzem em aumentos na taxa de câmbio. Diante disso tudo, nos últimos meses, o Banco Central foi surpreendido em cinco oportunidades das últimas sete divulgações. É um cenário que demanda mais cautela.

O que pode mudar esse cenário de surpresa do BC para retomar os cortes na Selic?

O Banco Central não interrompeu o ciclo de queda da Selic, mas ele fez uma pausa para ver o que vai acontecer. Se o cenário internacional der uma aliviada, se a questão fiscal começar a se resolver, como parece que vai, se as surpresas de alta do IPCA deixarem de acontecer, e se a atividade econômica deixar de surpreender, eu acredito que esse processo possa voltar a ser retomado.

Como o cenário internacional tem influenciado a nossa política de juros?

Todo economista tem o sonho de saber fazer previsões perfeitamente, mas temos de reconhecer nossas limitações. É difícil dizer que o cenário internacional já parou de piorar, ou não pode piorar adicionalmente. Nós teremos uma eleição muito particular nos Estados Unidos, no momento em que nós nem ao menos temos certeza de quem serão os dois candidatos, ou o quão disputada as eleições vão ser. Com isso, a incerteza pode subir. Não sabemos que cenários possíveis virão dessa disputa. Nós estamos longe do pico dos indicadores de incerteza global, que estavam muito atrelados a eventos como a covid-19, mas esses indicadores podem voltar a subir, porque está tudo em aberto. Mais um motivo para ter cautela na economia doméstica.

Na avaliação do economista, patamar elevado da Selic tem impacto direto na indústria Foto: Werther Santana/Estadão

Para além da pressão de fatores globais, o que justifica, historicamente, uma taxa de juros tão alta no Brasil?

Eu gosto muito desse debate da alta taxa de juros no Brasil, porque eu pesquiso isso há algum tempo. O que é interessante é que, do Plano Real para cá, sistematicamente, nós figuramos como líderes nos rankings internacionais de juro real. Neste momento, nós somos o segundo país do ranking, mas já fomos o primeiro. Nós somos sistematicamente os líderes de juro real mais alto no mundo, e isso não é bom para a indústria e não traz consequências agradáveis para a nossa economia. Primeiro, porque passamos a ter investimentos mais baixos do que se o juro fosse menor. Com investimento baixo, o País cresce pouco. Com crescimento menor, nós geramos menos emprego.

É ruim para as contas públicas, porque a dinâmica da dívida acaba ficando em uma trajetória complicada, por causa de uma taxa de juros muito alta, fazendo com que tenhamos de crescer muito para não ter uma dívida explosiva. Enfim, a taxa de juros está conectada a todas as variáveis da nossa economia. Mas a taxa de juros alta não tem só lados negativos, porque se fosse assim, nós não a praticaríamos. Porque a gente a tolera assim? Porque é o nosso instrumento para manter a taxa de inflação baixa. E inflação é uma prioridade do brasileiro. Mas é um preço alto que se paga. Se qualquer país praticasse as mesmas taxas de juros altíssimas que temos aqui, eles teriam recessões bíblicas. Mas aqui não, nós nos adaptamos e conseguimos conviver com alguma expansão da demanda agregada (a soma do consumo, investimentos, gastos do governo e saldo da balança comercial). Mas por quê? O que eu acho que explica nosso juro muito alto é uma multiplicidade de causas, a exemplo da política fiscal, que sempre cresceu acima do PIB, e a produtividade do nosso País, que é muito baixa. Assim, é um somatório de fatores que explica essa nossa particularidade.

Na sua avaliação, qual o impacto dos ruídos entre governo e o Banco Central para política monetária?

Ruídos nunca são bons, eles sempre poluem a forma como vemos os fundamentos. Mas eu tenho uma certa convicção de que política monetária deveria ser feita com base nos sinais concretos e os fundamentos que a economia tem. Política monetária não é uma ciência exata, é sempre uma mistura de ciência e arte. Acho que ruídos podem, de alguma forma, deixar o cenário mais anuviado no curto prazo. Mas não é isso que muda a realidade da taxa de juros, a realidade da atividade econômica, a realidade da inflação. Não de forma permanente. Eu custo a crer que essas coisas expliquem permanentemente as nossas grandes variáveis econômicas.

Uma retomada da trajetória de queda na Selic não deve acontecer, segundo as projeções, neste ano. Como isso afeta a indústria?

Quando você mexe com a Selic hoje - e isso é uma coisa que grande parte das pessoas fica chocada quando descobre -, ela só afeta a inflação de uma forma mais intensa daqui a 24 meses. Ela tem uma defasagem de dois anos no seu efeito máximo no IPCA. Nós estamos falando sempre de efeitos que são muito defasados e também cumulativos, porque toda a trajetória passada de mudanças da Selic ainda está sendo sentida hoje, tanto na atividade industrial quanto na inflação.

Em relação à indústria, é claramente o setor que fica mais prejudicado com esse nível de taxa de juro mais alto no Brasil. Quando vemos o custo do capital na ponta, eles não estão pagando 10,5%, os empresários estão pagando muito mais, porque ainda existe todo o spread bancário. O que eu acho que pode acontecer é que o cenário internacional melhore, a taxa de juros nos EUA comece a cair a partir de setembro, e aqui no Brasil, de acordo com as sinalizações do Ministério da Fazendo de que o arcabouço fiscal será seguido à risca, aí poderemos voltar a discutir novos cortes na Selic.

Entrevista por Wesley Gonsalves

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