No começo do ano, havia uma grande expectativa no mercado financeiro em torno de duas ofertas públicas iniciais de ações (IPO, na sigla em inglês). Seriam as primeiras operações do gênero depois de um jejum de sete meses - a última estreia de uma companhia na bolsa brasileira havia ocorrido no dia 13 de junho de 2011. A Seabras, subsidiária da norueguesa Seadrill, puxaria a fila, mas surpreendeu o mercado adiando seu IPO para abril. A empresa alegou que precisava fazer alterações societárias. Há dez dias, outra má notícia: a novata Brasil Travel, rede que reúne 35 agências de turismo e casas de câmbio, anunciou que desistiria da sua oferta, sem data para nova tentativa. Mesmo com um desconto generoso no preço da ação, os investidores não "compraram" a ideia.Diante dos dois episódios, surgiu a dúvida: o brasileiro vai acabar se esquecendo do significado da sigla IPO ou esses são casos isolados? Banqueiros, advogados e analistas ouvidos pelo Estado apostam na segunda alternativa. O investidor tem, sim, interesse por papéis brasileiros, mas não por qualquer um. Mas como o comprador estrangeiro é maioria (70% a 80%), o Brasil disputa a assinatura do cheque com várias alternativas ao redor do mundo. Em momentos de crise como o atual, a tendência é optar por ações de menor risco."Existe uma grande demanda por ativos do Brasil. Mas os investidores querem modelos de negócio testados, com bom potencial de crescimento", afirma João Roberto Teixeira, presidente do Banco Votorantim. "Todo começo de ano tem muito dinheiro parado. Neste ano, particularmente, tem mais, porque o mercado fechou no segundo semestre do ano passado. Esperamos um ano melhor que 2011."A crise na Europa não deu trégua. Mas, de alguma maneira, o mercado se anestesiou com as notícias que chegam do velho continente, na opinião de um alto executivo do setor. O mercado financeiro já vê sinais de mudança desde o começo do ano. Um deles pode ser medido pelo volume de investimento estrangeiro na bolsa brasileira. Em janeiro, ele foi de R$ 7,1 bilhões, o maior dos últimos 30 meses. Esse volume veio depois de um dezembro em que o saldo ficou negativo em R$ 2,4 bilhões. Pelas contas da Ernst & Young Terco, a bolsa brasileira deve receber cerca de 20 novas empresas neste ano. "A tendência para é muito parecida com a que tínhamos no início de 2011. O mercado está otimista. Há espaço para 20 aberturas de capital caso nada grave aconteça no caminho", diz Paulo Sérgio Dortas, sócio líder para IPOs da consultoria. "Em conversas com bancos de investimento, escritórios de advocacia e nossos próprios clientes conseguimos identificar entre 15 e 18 operações."Em 2011, esperava-se uma retomada no mercado de capitais, depois de três anos fracos. Mas a safra não foi boa como se previa. Apenas 11 empresas foram à bolsa no ano passado. Companhias como LG Agro, InBrands, Camil Alimentos, Coopersucar e CVC ficaram na fila e adiaram ou arquivaram suas propostas.Agora, há expectativa de que pelo menos parte dessas companhias retorne neste ano. E novas candidatas já surgiram. Dias atrás, a Vigor, empresa de produtos lácteos do grupo JBS, enviou pedido de registro de companhia aberta à Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Também é esperado que a Unicasa (dona da marca Dell Anno), fabricante de móveis do empresário Alexandre Grendene, siga o mesmo caminho. De qualquer forma, o primeiro IPO do ano só poderá sair a partir de abril. O prazo legal para usar os dados do balanço do ano anterior até o mês de setembro terminou em meados de fevereiro. Maturidade. Para muitos profissionais, muito mais do que falta de apetite, esse ritmo mais lento é encarado também como um sinal de maturidade do mercado de capitais. O presidente de um grande banco de investimento acredita que o Brasil vai se acostumar a um fluxo permanente de 15 a 20 IPOs por ano - e achar normal quando uma empresa cancela ou lança suas ações, assim como acontece nos Estados Unidos. Pelos seus cálculos, em cinco a dez anos, a bolsa brasileira terá mil empresas listadas."A gente tem de parar de comparar com 2007 (ano em que 66 companhias fizeram IPO)", diz Thiago Giantomassi, advogado especializado em mercado de capitais do escritório Demarest & Almeida. "Primeiro, porque houve uma redução de liquidez no mercado internacional. Segundo, porque muitas empresas que foram à bolsa em 2007 não estavam preparadas. Ficou claro que não dá mais para levar qualquer oferta para o mercado." Empresas que atuam no varejo, em infraestrutura e óleo e gás vão continuar a atrair mais atenção. Como o cenário da economia brasileira é positivo, a tendência é de que os investidores prefiram companhias cujo crescimento do mercado interno. "O mau humor do ano passado foi causado por fatores externos, e não por uma onda de resultados fracos de empresas locais", diz Marcelo Motta, analista do banco JP Morgan. Ele ressalva, porém, que empresas pré-operacionais como a Brasil Travel, mesmo com a proposta de explorar o consumo interno, terão menos chance de abrir capital. Com a economia cambaleante em mercados maduros, os investidores não virão ao Brasil para apostar em modelos ainda não testados.
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