Queda de preço do gás natural depende de acelerar regulamentação para abrir mercado, diz FGV


Estudo da Fundação Getulio Vargas foi encomendado pelo governo e mostra entraves para a abertura do mercado, como concentração da Petrobras e falta de coordenação entre os Estados

Por Daniel Weterman
Atualização:

BRASÍLIA – Um estudo inédito da Fundação Getulio Vargas (FGV) sugere acelerar a regulamentação da Nova Lei do Gás para garantir a abertura do mercado, o aumento da concorrência, a ampliação da malha de transporte e a diminuição do preço do gás natural no Brasil. Mas há entraves, como a concentração da Petrobras no setor e falta de coordenação entre os Estados na definição das regras.

O estudo, ao qual o Estadão teve acesso, foi encomendado pelo governo federal em parceria com o Movimento Brasil Competitivo (MBC) e vai ser apresentado nesta segunda-feira, 22, pelo vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), Geraldo Alckmin, e pelo ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, na sede Confederação Nacional da Indústria (CNI).

Plataforma P-66, da Petrobras instalada no pré-sal da Bacia de Santos, uma das responsáveis pela produção de gás natural no Brasil. Foto: Fabio Motta/Estadão
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A abertura do mercado, de acordo com o diagnóstico, pode diminuir o preço do gás natural para a indústria e também para consumidores finais. Isso significa, na prática, uma oferta maior e mais barata do produto como fonte de energia na produção de alimentos, componentes químicos, fertilizantes, cerâmicas e até no aquecimento de água nas residências. Além disso, é uma fonte de energia mais limpa para o meio ambiente em comparação com o petróleo.

O gás natural respondeu por 10% do total de oferta de energia no Brasil em 2022, mas ainda está fortemente associado ao petróleo e à Petrobras. De toda a produção, 85% é associada ao petróleo, muitas vezes na exploração do próprio óleo e no abastecimento de usinas termelétricas. A estatal foi responsável por 70% de toda a produção de gás natural no período.

Por um lado, a oferta deve cair pelo declínio natural dos campos de produção e pela diminuição da compra do gás da Bolívia, que vem caindo nos últimos anos e deve zerar até 2030, mas tem potencial de se expandir pela abertura de novas rotas de escoamento do pré-sal que estão previstas na próxima década. O aumento da oferta pode vir do uso de outras fontes, como o biometano, já que o gás natural não é extraído apenas do petróleo.

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A demanda não-termelétrica – aquela não associada fortemente ao petróleo –, por sua vez, está estagnada no Brasil em torno de 50 milhões de metros cúbicos por dia nos últimos dez anos, mostra o estudo. O País não tem demanda para consumo de gás natural nas residências, por exemplo. Menos de 10% dos municípios brasileiros contam com uma rede de gasoduto para transportar o produto.

Como o gás natural pode ser substituído em todas as suas utilizações, desde o uso na indústria até nas residências, o produto só fica atrativo se for mais barato – e aí está o entrave para a expansão do mercado.

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“Como insumo, o preço é a questão. O mercado de gás natural permite uma participação de um número maior de agentes. Quando tem essa participação maior, a competição permite reduzir preços e isso significaria vantagens competitivas para o Brasil”, afirma a diretora do Centro de Estudos em Regulação e Infraestrutura da FGV, Joisa Dutra.

De acordo com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a barreira de entrada para novos concorrentes no setor caiu 30% no Brasil entre 2018 e 2021, com as mudanças na lei e os desinvestimentos da Petrobras, mas ainda está 50% acima da média dos outros países. Calcula-se que um empresa gasta R$ 25 bilhões a mais para por ano para ter acesso ao gás natural como fonte de energia do que gastaria em outros países como os Estados Unidos.

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O estudo conclui que a principal via para um mercado aberto e competitivo é aprofundar a reestruturação em curso, dando continuidade com a maior celeridade possível à regulamentação dos dispositivos da Nova Lei do Gás.

“O importante é ter acesso a um volume maior de gás natural a preços competitivos. Quanto mais concorrência, as condições tendem a ser melhores”, afirma o conselheiro executivo do Movimento Brasil Competitivo (MBC), Rogério Caiuby. “Temos uma janela de oportunidade enorme para transformar o gás natural em um grande diferencial competitivo do País e vemos disposição tanto do setor público quanto do setor privado.”

Concentração de mercado na Petrobras dificulta redução de preço

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O estudo da FGV observa que há uma evolução na abertura do mercado no Brasil, pois a Petrobras tinha antes o domínio total da oferta do gás natural, mas há desafios. Contratos de longo prazo firmados pela empresa com distribuidoras deveriam ser evitados, pois podem refrear a busca por contratações mais vantajosas pelas distribuidoras, reduzindo o espaço para novos entrantes.

A mudança de governo e de gestão da Petrobras é outro ponto de preocupação. Em 2019, sob o governo Jair Bolsonaro, a Petrobras assinou um termo de compromisso com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) para reduzir sua concentração no mercado e evitar um monopólio. O acordo previa que a estatal concentrasse suas atividades na exploração e produção do gás natural, deixando de atuar no transporte e na distribuição.

Sob o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a empresa tem focado em aumentar investimentos e reforçado o discurso de que é preciso recuperar planos abandonados no passado. “De fato, não percebemos mais o mesmo ímpeto da Petrobras de focar em desinvestimentos, mas o desejo de uma abertura gradual e moderada do mercado é compartilhado pela empresa e é benéfico para a companhia”, diz a diretora do centro de estudos da FGV, Joisa Dutra.

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O estudo levantou 16 ações que dependem de regulamentação da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis do Brasil (ANP) para serem implementadas. Duas delas ainda não começaram. Uma, prevista para começar em setembro deste ano, diz respeito ao serviço de transporte de gás natural. A regulação vai definir para onde serão expandidas as redes que levam o gás natural para as indústrias e os consumidores e, consequentemente, para o mercado ser ampliado.

O estudo sugere investigação de alternativas mais eficientes para atender o mercado potencial com os recursos disponíveis, tendo em vista a extensão continental do Brasil, a concentração da malha de gasodutos na costa e sua maior densidade na região Sudeste e a dependência de volume mínimo para expansão de gasodutos. Em outras palavras, o gás deve ir para onde há potencial de consumo.

Estudo sugere análise de maior potencial de consumo para definir expansão de gasodutos. Na foto, vista geral de obra do gasoduto Campinas-Rio, em Taubaté, no Vale do Paraíba, em 2007.  Foto: Lucas Ruiz/AE

Como o Estadão mostrou, o governo prepara uma regulação para fixar o valor máximo que a Petrobras pode cobrar pelo uso dos sistemas de escoamento e processamento do gás natural – a infraestrutura que faz com que o gás saia do alto-mar e chegue até a costa brasileira. É mais uma queda de braço entre o Ministério de Minas e Energia e a petrolífera. Procurada, a Petrobras ainda não se manifestou.

Outro entrave para a abertura do mercado de gás natural apontado pelo diagnóstico é a falta de coordenação entre os Estados, que têm adotado caminhos diferentes na regulamentação. Um dos conflitos é própria definição do que é um gasoduto de transporte. Seis Estados (Amapá, Ceará, Maranhão, Mato Grosso, Rio Grande do Norte e São Paulo) têm dado definições diferentes das determinações da esfera federal.

Além disso, os Estados estão impondo limites diferentes para enquadramento do consumidor livre, aquele que pode escolher o fornecedor do produto. Enquanto São Paulo não impõe limite algum, o Pará diz que um agente livre deve consumir no mínimo 500 mil metros cúbicos por dia de de gás natural.

Conforme o Estadão apurou, o governo vai anunciar um trabalho de coordenação com os Estados para harmonizar a agenda regulatória e também criar indicadores claros para avaliar se as políticas públicas estão ajudando a melhorar os indicadores do mercado, acompanhamento que foi interrompido em 2022.

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BRASÍLIA – Um estudo inédito da Fundação Getulio Vargas (FGV) sugere acelerar a regulamentação da Nova Lei do Gás para garantir a abertura do mercado, o aumento da concorrência, a ampliação da malha de transporte e a diminuição do preço do gás natural no Brasil. Mas há entraves, como a concentração da Petrobras no setor e falta de coordenação entre os Estados na definição das regras.

O estudo, ao qual o Estadão teve acesso, foi encomendado pelo governo federal em parceria com o Movimento Brasil Competitivo (MBC) e vai ser apresentado nesta segunda-feira, 22, pelo vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), Geraldo Alckmin, e pelo ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, na sede Confederação Nacional da Indústria (CNI).

Plataforma P-66, da Petrobras instalada no pré-sal da Bacia de Santos, uma das responsáveis pela produção de gás natural no Brasil. Foto: Fabio Motta/Estadão

A abertura do mercado, de acordo com o diagnóstico, pode diminuir o preço do gás natural para a indústria e também para consumidores finais. Isso significa, na prática, uma oferta maior e mais barata do produto como fonte de energia na produção de alimentos, componentes químicos, fertilizantes, cerâmicas e até no aquecimento de água nas residências. Além disso, é uma fonte de energia mais limpa para o meio ambiente em comparação com o petróleo.

O gás natural respondeu por 10% do total de oferta de energia no Brasil em 2022, mas ainda está fortemente associado ao petróleo e à Petrobras. De toda a produção, 85% é associada ao petróleo, muitas vezes na exploração do próprio óleo e no abastecimento de usinas termelétricas. A estatal foi responsável por 70% de toda a produção de gás natural no período.

Por um lado, a oferta deve cair pelo declínio natural dos campos de produção e pela diminuição da compra do gás da Bolívia, que vem caindo nos últimos anos e deve zerar até 2030, mas tem potencial de se expandir pela abertura de novas rotas de escoamento do pré-sal que estão previstas na próxima década. O aumento da oferta pode vir do uso de outras fontes, como o biometano, já que o gás natural não é extraído apenas do petróleo.

A demanda não-termelétrica – aquela não associada fortemente ao petróleo –, por sua vez, está estagnada no Brasil em torno de 50 milhões de metros cúbicos por dia nos últimos dez anos, mostra o estudo. O País não tem demanda para consumo de gás natural nas residências, por exemplo. Menos de 10% dos municípios brasileiros contam com uma rede de gasoduto para transportar o produto.

Como o gás natural pode ser substituído em todas as suas utilizações, desde o uso na indústria até nas residências, o produto só fica atrativo se for mais barato – e aí está o entrave para a expansão do mercado.

“Como insumo, o preço é a questão. O mercado de gás natural permite uma participação de um número maior de agentes. Quando tem essa participação maior, a competição permite reduzir preços e isso significaria vantagens competitivas para o Brasil”, afirma a diretora do Centro de Estudos em Regulação e Infraestrutura da FGV, Joisa Dutra.

De acordo com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a barreira de entrada para novos concorrentes no setor caiu 30% no Brasil entre 2018 e 2021, com as mudanças na lei e os desinvestimentos da Petrobras, mas ainda está 50% acima da média dos outros países. Calcula-se que um empresa gasta R$ 25 bilhões a mais para por ano para ter acesso ao gás natural como fonte de energia do que gastaria em outros países como os Estados Unidos.

O estudo conclui que a principal via para um mercado aberto e competitivo é aprofundar a reestruturação em curso, dando continuidade com a maior celeridade possível à regulamentação dos dispositivos da Nova Lei do Gás.

“O importante é ter acesso a um volume maior de gás natural a preços competitivos. Quanto mais concorrência, as condições tendem a ser melhores”, afirma o conselheiro executivo do Movimento Brasil Competitivo (MBC), Rogério Caiuby. “Temos uma janela de oportunidade enorme para transformar o gás natural em um grande diferencial competitivo do País e vemos disposição tanto do setor público quanto do setor privado.”

Concentração de mercado na Petrobras dificulta redução de preço

O estudo da FGV observa que há uma evolução na abertura do mercado no Brasil, pois a Petrobras tinha antes o domínio total da oferta do gás natural, mas há desafios. Contratos de longo prazo firmados pela empresa com distribuidoras deveriam ser evitados, pois podem refrear a busca por contratações mais vantajosas pelas distribuidoras, reduzindo o espaço para novos entrantes.

A mudança de governo e de gestão da Petrobras é outro ponto de preocupação. Em 2019, sob o governo Jair Bolsonaro, a Petrobras assinou um termo de compromisso com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) para reduzir sua concentração no mercado e evitar um monopólio. O acordo previa que a estatal concentrasse suas atividades na exploração e produção do gás natural, deixando de atuar no transporte e na distribuição.

Sob o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a empresa tem focado em aumentar investimentos e reforçado o discurso de que é preciso recuperar planos abandonados no passado. “De fato, não percebemos mais o mesmo ímpeto da Petrobras de focar em desinvestimentos, mas o desejo de uma abertura gradual e moderada do mercado é compartilhado pela empresa e é benéfico para a companhia”, diz a diretora do centro de estudos da FGV, Joisa Dutra.

O estudo levantou 16 ações que dependem de regulamentação da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis do Brasil (ANP) para serem implementadas. Duas delas ainda não começaram. Uma, prevista para começar em setembro deste ano, diz respeito ao serviço de transporte de gás natural. A regulação vai definir para onde serão expandidas as redes que levam o gás natural para as indústrias e os consumidores e, consequentemente, para o mercado ser ampliado.

O estudo sugere investigação de alternativas mais eficientes para atender o mercado potencial com os recursos disponíveis, tendo em vista a extensão continental do Brasil, a concentração da malha de gasodutos na costa e sua maior densidade na região Sudeste e a dependência de volume mínimo para expansão de gasodutos. Em outras palavras, o gás deve ir para onde há potencial de consumo.

Estudo sugere análise de maior potencial de consumo para definir expansão de gasodutos. Na foto, vista geral de obra do gasoduto Campinas-Rio, em Taubaté, no Vale do Paraíba, em 2007.  Foto: Lucas Ruiz/AE

Como o Estadão mostrou, o governo prepara uma regulação para fixar o valor máximo que a Petrobras pode cobrar pelo uso dos sistemas de escoamento e processamento do gás natural – a infraestrutura que faz com que o gás saia do alto-mar e chegue até a costa brasileira. É mais uma queda de braço entre o Ministério de Minas e Energia e a petrolífera. Procurada, a Petrobras ainda não se manifestou.

Outro entrave para a abertura do mercado de gás natural apontado pelo diagnóstico é a falta de coordenação entre os Estados, que têm adotado caminhos diferentes na regulamentação. Um dos conflitos é própria definição do que é um gasoduto de transporte. Seis Estados (Amapá, Ceará, Maranhão, Mato Grosso, Rio Grande do Norte e São Paulo) têm dado definições diferentes das determinações da esfera federal.

Além disso, os Estados estão impondo limites diferentes para enquadramento do consumidor livre, aquele que pode escolher o fornecedor do produto. Enquanto São Paulo não impõe limite algum, o Pará diz que um agente livre deve consumir no mínimo 500 mil metros cúbicos por dia de de gás natural.

Conforme o Estadão apurou, o governo vai anunciar um trabalho de coordenação com os Estados para harmonizar a agenda regulatória e também criar indicadores claros para avaliar se as políticas públicas estão ajudando a melhorar os indicadores do mercado, acompanhamento que foi interrompido em 2022.

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BRASÍLIA – Um estudo inédito da Fundação Getulio Vargas (FGV) sugere acelerar a regulamentação da Nova Lei do Gás para garantir a abertura do mercado, o aumento da concorrência, a ampliação da malha de transporte e a diminuição do preço do gás natural no Brasil. Mas há entraves, como a concentração da Petrobras no setor e falta de coordenação entre os Estados na definição das regras.

O estudo, ao qual o Estadão teve acesso, foi encomendado pelo governo federal em parceria com o Movimento Brasil Competitivo (MBC) e vai ser apresentado nesta segunda-feira, 22, pelo vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), Geraldo Alckmin, e pelo ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, na sede Confederação Nacional da Indústria (CNI).

Plataforma P-66, da Petrobras instalada no pré-sal da Bacia de Santos, uma das responsáveis pela produção de gás natural no Brasil. Foto: Fabio Motta/Estadão

A abertura do mercado, de acordo com o diagnóstico, pode diminuir o preço do gás natural para a indústria e também para consumidores finais. Isso significa, na prática, uma oferta maior e mais barata do produto como fonte de energia na produção de alimentos, componentes químicos, fertilizantes, cerâmicas e até no aquecimento de água nas residências. Além disso, é uma fonte de energia mais limpa para o meio ambiente em comparação com o petróleo.

O gás natural respondeu por 10% do total de oferta de energia no Brasil em 2022, mas ainda está fortemente associado ao petróleo e à Petrobras. De toda a produção, 85% é associada ao petróleo, muitas vezes na exploração do próprio óleo e no abastecimento de usinas termelétricas. A estatal foi responsável por 70% de toda a produção de gás natural no período.

Por um lado, a oferta deve cair pelo declínio natural dos campos de produção e pela diminuição da compra do gás da Bolívia, que vem caindo nos últimos anos e deve zerar até 2030, mas tem potencial de se expandir pela abertura de novas rotas de escoamento do pré-sal que estão previstas na próxima década. O aumento da oferta pode vir do uso de outras fontes, como o biometano, já que o gás natural não é extraído apenas do petróleo.

A demanda não-termelétrica – aquela não associada fortemente ao petróleo –, por sua vez, está estagnada no Brasil em torno de 50 milhões de metros cúbicos por dia nos últimos dez anos, mostra o estudo. O País não tem demanda para consumo de gás natural nas residências, por exemplo. Menos de 10% dos municípios brasileiros contam com uma rede de gasoduto para transportar o produto.

Como o gás natural pode ser substituído em todas as suas utilizações, desde o uso na indústria até nas residências, o produto só fica atrativo se for mais barato – e aí está o entrave para a expansão do mercado.

“Como insumo, o preço é a questão. O mercado de gás natural permite uma participação de um número maior de agentes. Quando tem essa participação maior, a competição permite reduzir preços e isso significaria vantagens competitivas para o Brasil”, afirma a diretora do Centro de Estudos em Regulação e Infraestrutura da FGV, Joisa Dutra.

De acordo com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a barreira de entrada para novos concorrentes no setor caiu 30% no Brasil entre 2018 e 2021, com as mudanças na lei e os desinvestimentos da Petrobras, mas ainda está 50% acima da média dos outros países. Calcula-se que um empresa gasta R$ 25 bilhões a mais para por ano para ter acesso ao gás natural como fonte de energia do que gastaria em outros países como os Estados Unidos.

O estudo conclui que a principal via para um mercado aberto e competitivo é aprofundar a reestruturação em curso, dando continuidade com a maior celeridade possível à regulamentação dos dispositivos da Nova Lei do Gás.

“O importante é ter acesso a um volume maior de gás natural a preços competitivos. Quanto mais concorrência, as condições tendem a ser melhores”, afirma o conselheiro executivo do Movimento Brasil Competitivo (MBC), Rogério Caiuby. “Temos uma janela de oportunidade enorme para transformar o gás natural em um grande diferencial competitivo do País e vemos disposição tanto do setor público quanto do setor privado.”

Concentração de mercado na Petrobras dificulta redução de preço

O estudo da FGV observa que há uma evolução na abertura do mercado no Brasil, pois a Petrobras tinha antes o domínio total da oferta do gás natural, mas há desafios. Contratos de longo prazo firmados pela empresa com distribuidoras deveriam ser evitados, pois podem refrear a busca por contratações mais vantajosas pelas distribuidoras, reduzindo o espaço para novos entrantes.

A mudança de governo e de gestão da Petrobras é outro ponto de preocupação. Em 2019, sob o governo Jair Bolsonaro, a Petrobras assinou um termo de compromisso com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) para reduzir sua concentração no mercado e evitar um monopólio. O acordo previa que a estatal concentrasse suas atividades na exploração e produção do gás natural, deixando de atuar no transporte e na distribuição.

Sob o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a empresa tem focado em aumentar investimentos e reforçado o discurso de que é preciso recuperar planos abandonados no passado. “De fato, não percebemos mais o mesmo ímpeto da Petrobras de focar em desinvestimentos, mas o desejo de uma abertura gradual e moderada do mercado é compartilhado pela empresa e é benéfico para a companhia”, diz a diretora do centro de estudos da FGV, Joisa Dutra.

O estudo levantou 16 ações que dependem de regulamentação da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis do Brasil (ANP) para serem implementadas. Duas delas ainda não começaram. Uma, prevista para começar em setembro deste ano, diz respeito ao serviço de transporte de gás natural. A regulação vai definir para onde serão expandidas as redes que levam o gás natural para as indústrias e os consumidores e, consequentemente, para o mercado ser ampliado.

O estudo sugere investigação de alternativas mais eficientes para atender o mercado potencial com os recursos disponíveis, tendo em vista a extensão continental do Brasil, a concentração da malha de gasodutos na costa e sua maior densidade na região Sudeste e a dependência de volume mínimo para expansão de gasodutos. Em outras palavras, o gás deve ir para onde há potencial de consumo.

Estudo sugere análise de maior potencial de consumo para definir expansão de gasodutos. Na foto, vista geral de obra do gasoduto Campinas-Rio, em Taubaté, no Vale do Paraíba, em 2007.  Foto: Lucas Ruiz/AE

Como o Estadão mostrou, o governo prepara uma regulação para fixar o valor máximo que a Petrobras pode cobrar pelo uso dos sistemas de escoamento e processamento do gás natural – a infraestrutura que faz com que o gás saia do alto-mar e chegue até a costa brasileira. É mais uma queda de braço entre o Ministério de Minas e Energia e a petrolífera. Procurada, a Petrobras ainda não se manifestou.

Outro entrave para a abertura do mercado de gás natural apontado pelo diagnóstico é a falta de coordenação entre os Estados, que têm adotado caminhos diferentes na regulamentação. Um dos conflitos é própria definição do que é um gasoduto de transporte. Seis Estados (Amapá, Ceará, Maranhão, Mato Grosso, Rio Grande do Norte e São Paulo) têm dado definições diferentes das determinações da esfera federal.

Além disso, os Estados estão impondo limites diferentes para enquadramento do consumidor livre, aquele que pode escolher o fornecedor do produto. Enquanto São Paulo não impõe limite algum, o Pará diz que um agente livre deve consumir no mínimo 500 mil metros cúbicos por dia de de gás natural.

Conforme o Estadão apurou, o governo vai anunciar um trabalho de coordenação com os Estados para harmonizar a agenda regulatória e também criar indicadores claros para avaliar se as políticas públicas estão ajudando a melhorar os indicadores do mercado, acompanhamento que foi interrompido em 2022.

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BRASÍLIA – Um estudo inédito da Fundação Getulio Vargas (FGV) sugere acelerar a regulamentação da Nova Lei do Gás para garantir a abertura do mercado, o aumento da concorrência, a ampliação da malha de transporte e a diminuição do preço do gás natural no Brasil. Mas há entraves, como a concentração da Petrobras no setor e falta de coordenação entre os Estados na definição das regras.

O estudo, ao qual o Estadão teve acesso, foi encomendado pelo governo federal em parceria com o Movimento Brasil Competitivo (MBC) e vai ser apresentado nesta segunda-feira, 22, pelo vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), Geraldo Alckmin, e pelo ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, na sede Confederação Nacional da Indústria (CNI).

Plataforma P-66, da Petrobras instalada no pré-sal da Bacia de Santos, uma das responsáveis pela produção de gás natural no Brasil. Foto: Fabio Motta/Estadão

A abertura do mercado, de acordo com o diagnóstico, pode diminuir o preço do gás natural para a indústria e também para consumidores finais. Isso significa, na prática, uma oferta maior e mais barata do produto como fonte de energia na produção de alimentos, componentes químicos, fertilizantes, cerâmicas e até no aquecimento de água nas residências. Além disso, é uma fonte de energia mais limpa para o meio ambiente em comparação com o petróleo.

O gás natural respondeu por 10% do total de oferta de energia no Brasil em 2022, mas ainda está fortemente associado ao petróleo e à Petrobras. De toda a produção, 85% é associada ao petróleo, muitas vezes na exploração do próprio óleo e no abastecimento de usinas termelétricas. A estatal foi responsável por 70% de toda a produção de gás natural no período.

Por um lado, a oferta deve cair pelo declínio natural dos campos de produção e pela diminuição da compra do gás da Bolívia, que vem caindo nos últimos anos e deve zerar até 2030, mas tem potencial de se expandir pela abertura de novas rotas de escoamento do pré-sal que estão previstas na próxima década. O aumento da oferta pode vir do uso de outras fontes, como o biometano, já que o gás natural não é extraído apenas do petróleo.

A demanda não-termelétrica – aquela não associada fortemente ao petróleo –, por sua vez, está estagnada no Brasil em torno de 50 milhões de metros cúbicos por dia nos últimos dez anos, mostra o estudo. O País não tem demanda para consumo de gás natural nas residências, por exemplo. Menos de 10% dos municípios brasileiros contam com uma rede de gasoduto para transportar o produto.

Como o gás natural pode ser substituído em todas as suas utilizações, desde o uso na indústria até nas residências, o produto só fica atrativo se for mais barato – e aí está o entrave para a expansão do mercado.

“Como insumo, o preço é a questão. O mercado de gás natural permite uma participação de um número maior de agentes. Quando tem essa participação maior, a competição permite reduzir preços e isso significaria vantagens competitivas para o Brasil”, afirma a diretora do Centro de Estudos em Regulação e Infraestrutura da FGV, Joisa Dutra.

De acordo com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a barreira de entrada para novos concorrentes no setor caiu 30% no Brasil entre 2018 e 2021, com as mudanças na lei e os desinvestimentos da Petrobras, mas ainda está 50% acima da média dos outros países. Calcula-se que um empresa gasta R$ 25 bilhões a mais para por ano para ter acesso ao gás natural como fonte de energia do que gastaria em outros países como os Estados Unidos.

O estudo conclui que a principal via para um mercado aberto e competitivo é aprofundar a reestruturação em curso, dando continuidade com a maior celeridade possível à regulamentação dos dispositivos da Nova Lei do Gás.

“O importante é ter acesso a um volume maior de gás natural a preços competitivos. Quanto mais concorrência, as condições tendem a ser melhores”, afirma o conselheiro executivo do Movimento Brasil Competitivo (MBC), Rogério Caiuby. “Temos uma janela de oportunidade enorme para transformar o gás natural em um grande diferencial competitivo do País e vemos disposição tanto do setor público quanto do setor privado.”

Concentração de mercado na Petrobras dificulta redução de preço

O estudo da FGV observa que há uma evolução na abertura do mercado no Brasil, pois a Petrobras tinha antes o domínio total da oferta do gás natural, mas há desafios. Contratos de longo prazo firmados pela empresa com distribuidoras deveriam ser evitados, pois podem refrear a busca por contratações mais vantajosas pelas distribuidoras, reduzindo o espaço para novos entrantes.

A mudança de governo e de gestão da Petrobras é outro ponto de preocupação. Em 2019, sob o governo Jair Bolsonaro, a Petrobras assinou um termo de compromisso com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) para reduzir sua concentração no mercado e evitar um monopólio. O acordo previa que a estatal concentrasse suas atividades na exploração e produção do gás natural, deixando de atuar no transporte e na distribuição.

Sob o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a empresa tem focado em aumentar investimentos e reforçado o discurso de que é preciso recuperar planos abandonados no passado. “De fato, não percebemos mais o mesmo ímpeto da Petrobras de focar em desinvestimentos, mas o desejo de uma abertura gradual e moderada do mercado é compartilhado pela empresa e é benéfico para a companhia”, diz a diretora do centro de estudos da FGV, Joisa Dutra.

O estudo levantou 16 ações que dependem de regulamentação da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis do Brasil (ANP) para serem implementadas. Duas delas ainda não começaram. Uma, prevista para começar em setembro deste ano, diz respeito ao serviço de transporte de gás natural. A regulação vai definir para onde serão expandidas as redes que levam o gás natural para as indústrias e os consumidores e, consequentemente, para o mercado ser ampliado.

O estudo sugere investigação de alternativas mais eficientes para atender o mercado potencial com os recursos disponíveis, tendo em vista a extensão continental do Brasil, a concentração da malha de gasodutos na costa e sua maior densidade na região Sudeste e a dependência de volume mínimo para expansão de gasodutos. Em outras palavras, o gás deve ir para onde há potencial de consumo.

Estudo sugere análise de maior potencial de consumo para definir expansão de gasodutos. Na foto, vista geral de obra do gasoduto Campinas-Rio, em Taubaté, no Vale do Paraíba, em 2007.  Foto: Lucas Ruiz/AE

Como o Estadão mostrou, o governo prepara uma regulação para fixar o valor máximo que a Petrobras pode cobrar pelo uso dos sistemas de escoamento e processamento do gás natural – a infraestrutura que faz com que o gás saia do alto-mar e chegue até a costa brasileira. É mais uma queda de braço entre o Ministério de Minas e Energia e a petrolífera. Procurada, a Petrobras ainda não se manifestou.

Outro entrave para a abertura do mercado de gás natural apontado pelo diagnóstico é a falta de coordenação entre os Estados, que têm adotado caminhos diferentes na regulamentação. Um dos conflitos é própria definição do que é um gasoduto de transporte. Seis Estados (Amapá, Ceará, Maranhão, Mato Grosso, Rio Grande do Norte e São Paulo) têm dado definições diferentes das determinações da esfera federal.

Além disso, os Estados estão impondo limites diferentes para enquadramento do consumidor livre, aquele que pode escolher o fornecedor do produto. Enquanto São Paulo não impõe limite algum, o Pará diz que um agente livre deve consumir no mínimo 500 mil metros cúbicos por dia de de gás natural.

Conforme o Estadão apurou, o governo vai anunciar um trabalho de coordenação com os Estados para harmonizar a agenda regulatória e também criar indicadores claros para avaliar se as políticas públicas estão ajudando a melhorar os indicadores do mercado, acompanhamento que foi interrompido em 2022.

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