Estamos no início de 2022 e a inclusão de mulheres em cargos de liderança sênior e conselhos de administração são tópicos de tendência. Durante os dois últimos anos fomos testemunhas das inúmeras ações promovidas pelas organizações como intuito de avançar para um mercado de trabalho com mais equilíbrio na questão de gênero, no entanto, a interseccionalidade ainda em sido aplicada muito mais no discurso do que na prática.
Grandes corporações deram o tom da urgência de suas ações anunciando publicamente seus compromissos de paridade de gênero e maior representatividade atrelados com a agenda 2030 da ONU e a aquecidíssima agenda ESG. Notadamente, as empresas de Capital Aberto listadas em bolsas como Nasdaq e C3, tiveram suas estruturas impactadas com as novas exigências no que tange a diversidade, impactando a composição de seus boards e comitês executivos.
A necessidade de demonstrar por meio de dados e em números o impacto da boa vontade ativa, exige dessas organizações estratégias robustas para ampliação da representatividade e proporcionalidade de mulheres em cargos executivos, e é aqui que encontramos o grande abismo entre ideal e real.
Recente pesquisa realizada por PageGroup e Fundação Dom Cabral entrevistando cerca de 149 CEOs de empresas brasileiras de setores variados, aponta que 90% dos CEOs das empresas brasileiras são homens e brancos. Deste percentual, 8% são mulheres e brancas, e que apenas 1% destas posições são ocupadas por mulheres negras.
Se a demanda por comitês executivos e conselhos de administração com maior presença de mulheres se dá por imperativo mercadológico, visando uma ampliação do debate estratégico, promoção de maior inovação e busca por justiça social, é fundamental que racializemos essa discussão lembrando que entre mulheres negras e não negras, existe um universo de diferença.
O primeiro passo para promover uma maior representatividade feminina negra é esquecer de uma vez por todas o mito de que não existem mulheres negras qualificadas para ocupar as posições mencionadas. No Brasil, a população acadêmica é composta por 28,6% de mulheres negras de acordo com o relatório mais recente do PNAD - Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio, além disso, essas mulheres tendem a continuar buscando qualificação, sendo o maior contingente entre as pessoas brasileiras com diplomas de PHD, por exemplo. O que impede essas mulheres de avançarem em suas jornadas profissionais, são os estereótipos de gênero e raça, que sobrepostos causam verdadeiras barreiras de titânio para ascensão feminina negra.
Uma vez cientes de que é necessário romper com mitos e vieses, é possível partir para ações práticas, tais como:
- Criar ou rever as políticas antidiscriminação existentes: muitas empresas tratam as políticas antidiscriminação como um texto padronizado para atender aos padrões mínimos de conformidade e elas não funcionam. É fundamental que haja detalhamento de comportamentos e práticas específicas, isso oferece aos líderes da empresa a oportunidade de assumir uma posição pública e sinalizar claramente seu compromisso com a diversidade de gênero.
- Focar numa revisão do plano de sucessão: é fundamental que seja feita uma avaliação honesta dos perfis garantindo que mulheres negras não fiquem presas em silos de empregos que são historicamente femininos, como comunicações, RH e funções de apoio.
- Rever os critérios de avaliação de performance: faça uma revisão da forma como as pessoas são avaliadas na sua organização, as impressões da liderança devem ser guiadas por critérios os mais objetivos quanto possíveis, deixando de lado qualquer elemento subjetivo que possa estar ancorados em vieses de afinidade ou de confirmação, o que é muito comum e impede a justa avaliação do desempenho de agentes de grupos historicamente minorizados.
- Criar programas de aceleração focado nesse grupo específico: esses investimentos relativamente pequenos podem colocar as mulheres em uma trajetória de carreira mais forte e prepará-las para uma liderança futura, resultando em um alto retorno. Além disso, esses investimentos enviam um sinal claro às mulheres de alto desempenho de que a empresa as valoriza, aumentando sua confiança em si mesmas e convencendo-as de que são capazes de assumir metas de carreira mais ambiciosas.
- Criar programas de executive coaching para os talentos mais promissores: mulheres valorizam o coaching executivo, principalmente nos pontos-chave de inflexão em suas carreiras - por exemplo, imediatamente após uma promoção ou mudança de função - para desenvolver novos conjuntos de habilidades rapidamente e ajudar a criar confiança para que possam começar a trabalhar imediatamente
A ação mais importante que uma organização pode promover para alavancar a carreira de mulheres negras é promover uma cultura inclusiva, de segurança psicológica e valorização da subjetividade. Não podemos mudar o passado que nos trouxe até aqui, mas podemos através dele construir um futuro mais justo, inclusivo e equânime.
* Ana Bavon é advogada especialista em direitos civis e integrante da Comissão de Ética, Diversidade e Igualdade do Instituto Brasileiro de Direito e Ética Empresarial (IBDEE). Especialista em estratégias de Diversidade e Inclusão (D&I) em empresas, é fundadora e CEO da B4People Cultura Inclusiva.