Sou da Gen Y (1981 a 1996) e, como tal, assisti a geração do meu pai sacrificar o convívio familiar e o tempo de descanso para trabalhar. Era comum ter pais que saiam cedo e voltavam tarde para casa todos os dias. Talvez, por conta disso, minha geração busque mais qualidade de vida e venha tentando criar novos contextos de trabalho.
Para a maior parte dos millennials, o plano era claro: estudar, conseguir um bom emprego, dedicar-se ao máximo, constituir família. Carro, casa, um bom convênio médico, viagens, casa de campo ou praia eram sinais de que tudo tinha dado certo.
Como boa parte dos da minha geração, antes de ter filhos, trabalhava 12 horas por dia. Era necessário para construir uma carreira sólida e traçar o caminho que me levou à posição que ocupo à frente do meu negócio hoje. Acredito que muitos que nasceram no mesmo período sentem orgulho de trabalhar duro por suas famílias e pelo sucesso.
À medida que as transformações acontecem, no entanto, vamos mudando nossas percepções e nos adaptando aos novos cenários. A evolução tecnológica tem sido um divisor de águas: com ela pudemos ter trabalhos mais flexíveis, o que nos abriu uma enorme janela de oportunidades para balancear a vida pessoal com a profissional.
Uma pesquisa da Deloitte, a Millennial Survey, destaca que os Millennials (Gen Y) buscam equilíbrio, priorizando a flexibilidade no trabalho. Muitos até chegam a indicar que a qualidade de vida é mais importante do que a progressão na carreira.
Outro relatório, o Gallup Report “How Millennials Want to Work and Live” (“Como os Millennials Querem Trabalhar e Viver”, em tradução do inglês), mostra que os profissionais que têm entre 28 e 44 anos “lutam para ter uma vida bem vivida”. Eles desejam bons empregos e altos níveis de bem-estar. “Os millennials querem ser saudáveis, mas também querem uma vida com propósito, laços comunitários e sociais ativos, recursos financeiros e estabilidade”, diz o estudo.
Na esteira dos millennials, vem a Gen Z (dos nascidos entre 1997 e 2012), que é nativa digital. Esses profissionais já nasceram na era da internet e pesquisas como a “Managing Gen Y and Z in the Workplace” (“Gerenciando as Gerações Y e Z no Mercado de Trabalho”, em tradução do inglês), da consultoria Randstad, dão conta de que eles estão dispostos a abrir mão de uma rápida ascensão na carreira se isso implicar prejuízos na qualidade de vida.
Estamos diante de um ponto de inflexão no trabalho moderno. O que mais importa passa a ser flexibilidade de horário e até mesmo trabalho remoto, sobretudo com sentido e propósito, pois essas pessoas querem sentir que estão fazendo a diferença ao trabalhar em algo de que gostam e acreditam. A Gen Z demanda aprendizado e poder de escolha. Os jovens nascidos nos anos 2000 querem se blindar de ambientes tóxicos e esperam que empresas invistam em bem-estar e saúde mental.
Já as organizações precisam ser capazes de atrair esses profissionais, pessoas motivadas e engajadas em fazer acontecer. Ter uma boa imagem perante o mercado — cuidando da marca empregadora e acompanhando indicadores internos e externos, como notas e comentários em sites de avaliação como o Glassdoor.
A cultura organizacional é viva e construída diariamente. Ela tem características particulares e é impossível replicar tudo em todo lugar. Cada empresa é única. Portanto, mais do que pegar carona em modismos, é preciso mesclar práticas que contemplem as novas gerações com valores que fazem sentido para o negócio.
Voltar ou não ao presencial é um exemplo desse raciocínio. Muitas companhias relevantes trouxeram os trabalhadores de volta ao convívio nos escritórios, mesmo que parcialmente. Neste movimento, algumas pessoas pediram demissão, mas muitas reavaliaram o cenário, pesaram prós e contras e se readaptaram ao retorno dos times.Nessa hora, uma cultura forte e alinhada com aquilo que os talentos esperam faz grande diferença para sua retenção. Cerca de 60% da força de trabalho atual já é formada por pessoas das gerações Y e Z. Não entender o que se passa em seus corações e mentes é um risco. Uma pesquisa da CNBC| SurveyMonkey Workforce focalizou a geração Z e encontrou funcionários desmotivados, com sentimento de desvalorização e um trabalho menos significativo. Eles afirmaram não possuir autonomia e demonstraram certa insatisfação com os seus salários.
Podemos pensar que algo não está sendo levado em consideração pelas organizações? Na minha visão, sim. Nós, líderes, precisamos entender como engajar as diferentes gerações para criar um ambiente de trabalho favorável. O caminho para isso é o alinhamento de expectativas. É preciso entender o que o negócio espera das pessoas. E aos líderes cabe deixar claro aos liderados o que é esperado e como eles serão cobrados. Algumas expectativas serão atendidas, outras não. Faz parte do jogo.
Por outro lado, a falta de comunicação gera quebra de expectativa. Uma conversa franca e direta traz entendimento. Encontros físicos podem abrir espaço para perguntas e respostas que não aconteceriam atrás de uma tela de computador.
Muitos cargos de liderança ainda são ocupados por profissionais da geração X e “baby boomers”, que tiveram referências diferentes sobre trabalho. Mas temos que lembrar que eles são pais de Y e Zs e também influenciaram na sua formação. No final das contas, todos nós queremos o melhor dos dois mundos. Queremos ganhar bem e ser promovidos, mas, ao mesmo tempo, ter qualidade de vida e flexibilidade. Queremos bons benefícios e não precisar bater ponto. Esperamos tarefas estimulantes, que nos tragam aprendizado e questionamos rotina, estagnação, tarefas manuais e repetitivas.
Ignorar isso certamente vai trazer problemas de atração de talentos, além de maior rotatividade de pessoas, o que gera desengajamento, afeta produtividade e coloca em xeque a competitividade e a lucratividade dos negócios. O desafio que temos nas mãos está em criar unidade, estabelecer comunicação e formar uma cultura resiliente capaz de contemplar as quatro gerações que dividem hoje o ambiente de trabalho.