Nas últimas semanas, grandes empresas estrangeiras de tecnologia, como Google, Twitter e Facebook, anunciaram que irão prolongar o regime de home office de seus funcionários para além do fim da pandemia do novo coronavírus. O movimento foi acompanhado por organizações brasileiras, que irão transferir o poder de escolha sobre o regime de trabalho para as mãos de seus colaboradores.
A medida confirma uma tendência já apontada por organizações que analisam o mercado de trabalho. Um relatório desenvolvido pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), em parceria com a Infobase (empresa integradora de tecnologia da informação) e o Institute for Technology, Enterpreneurship and Culture (TEC), apontou que 30% das empresas que adotaram o trabalho remoto durante a quarentena irão mantê-lo por ao menos um dia na semana após o fim do isolamento.
Os motivos são muitos. Parte das empresas registrou aumento na produtividade, mesmo em meio a uma pandemia, somado aos benefícios em se evitar o tempo gasto com deslocamentos e trânsito e à redução de custo para as organizações. Uma estação de trabalho da plataforma de gestão Omie, por exemplo, localizada na zona sul de São Paulo, custa em torno de R$ 900 por mês por funcionário.
A medida também surge em um contexto de preocupação com a saúde dos colaboradores, com as novas exigências sanitárias que surgirão após o fim da pandemia e a necessidade de entender que as equipes também estarão vivendo um novo normal, como no caso daqueles com filhos que irão precisar se encaixar em um novo calendário escolar após o fim do isolamento.
O Facebook foi uma das primeiras empresas a anunciar o prolongamento facultativo do home office, que poderá ser adotado apenas após o fim do decreto de isolamento de cada região em que tem escritório no mundo. Segundo Conrado Leister, country managing director do Facebook e do Instagram Brasil, qualquer funcionário que queira e consiga fazer o seu trabalho de casa poderá optar pelo home office até o fim do ano.
A medida não se aplica a algumas funções que precisam ser desempenhadas fisicamente, como engenheiros de hardware, que operam em máquinas gigantes, mas esses cargos que exigem a presença física não existem no Brasil.
"O primeiro ponto é garantir mais segurança e conforto para os colaboradores, priorizando a saúde. O segundo, até por ser uma empresa digital e mais nova, é que a vasta maioria das funções continua sendo desempenhada de forma eficiente remotamente, então não há a necessidade de voltar rapidamente ao ambiente de escritório", explica Leister ao Estadão.
Para conseguir fazer o trabalho remoto funcionar, o dirigente aponta que é necessária uma combinação de infraestrutura, ferramentas e flexibilidade.
"Todos têm computador, celular e acesso remoto à empresa mesmo antes da pandemia. Também já usávamos muitas ferramentas de conexão porque somos uma empresa global. Desenvolvemos a nossa própria plataforma, o Workplace, para fazer reuniões, lives e uma série de facilidades", destaca.
Por fim, também surge a importância de flexibilizar a jornada dos colaboradores. "Temos pessoas mais jovens, que moram sozinhas e se sentem mais isoladas com o home office. Temos pais e mães com filhos em casa que precisam balancear a agenda. A flexibilidade é importante para que eles consigam trabalhar bem."
O Twitter Brasil anunciou na última semana que os funcionários que estiverem em uma função e uma situação que os permita realizar o trabalho em casa poderão manter o regime remoto para sempre. "Os últimos meses provaram que trabalhar em casa funciona", diz o comunicado.
A empresa também reforçou que, com poucas exceções, os escritórios não estarão abertos antes de setembro e, quando isso ocorrer, será de forma gradual e planejada. "A abertura dos escritórios será uma decisão nossa. Quando e se nossos funcionários voltarão a trabalhar de lá, será uma decisão deles", afirmam.
No Google, a informação sobre a extensão do home office até o fim do ano foi divulgada na primeira semana de maio pelo portal californiano The Information, após um comunicado do CEO da empresa, Sundar Pichai. A equipe do Google Brasil, em contato com a reportagem, não quis comentar se a medida se aplicará também aos funcionários do País, mas confirmou as informações divulgadas pelo site norte-americano.
Casos brasileiros
Um estudo realizado pela Husky, fintech focada no trabalho remoto, com 632 profissionais que estão em home office, apontou que 76,8% consideram a mudança para o home office positiva. Já 84,9% dos entrevistados afirmaram ter o regime como uma meta pessoal.
Ainda neste contexto, uma pesquisa feita pela Fundação Dom Cabral e a Grant Thornton, empresa global de auditoria, mostrou que entre os 669 respondentes 54% têm interesse em continuar trabalhando remotamente e 13,9% talvez tenham.
No Brasil, a XP Inc. anunciou na última quinta-feira, 14, que o home office será estendido até o fim do ano e que poderá ser permanente caso o funcionário queira.
"A decisão foi pensada no nosso principal ativo, as pessoas, e pautada pelo resultado das pesquisas internas e da melhoria nos índices de satisfação tanto de colaboradores quanto de clientes. No mês passado, fizemos uma pesquisa que perguntava com qual frequência os colaboradores gostariam de ir ao escritório. Só 5% responderam todos os dias", diz o sócio e responsável pela área de Gente & Gestão da XP Inc, Guilherme Sant'Anna.
"A pandemia acelerou o processo com a implantação do trabalho remoto para os aproximadamente 2.700 colaboradores. Nossa cultura permitiu fazer uma adaptação muito rápida e a experiência está nos trazendo uma série de aprendizados que podem se transformar, de fato, em uma nova maneira de encarar a vida corporativa", conclui.
Na Pipefy, plataforma de gestão de processos, todos os cerca de 250 funcionários ficarão em home office até o final do ano, independentemente do fim do decreto de isolamento. Para 2021, a empresa irá avaliar a possibilidade de cada funcionário escolher o seu regime de trabalho.
"Estamos direcionando esforços e investimentos para garantir que a experiência de trabalho em casa seja tão confortável e adequada como era no escritório. Isso envolve a ajuda de custo que estamos fornecendo desde março para gastos com infraestrutura e adaptações necessárias, além de suporte psicológico profissional e atividades para cuidar da saúde mental e física", explica Alessio Alionço, fundador e CEO da empresa.
A legislação brasileira permite o teletrabalho, mas é necessário que ela conste do contrato de trabalho, para além dos efeitos da MP 927, que só permitiu a modalidade por questão de emergência durante a pandemia.