ESPECIAL PARA O ESTADO
Bruna Souza já trabalhava no RH da Daniel Advogados havia cerca de três anos quando o salário dela foi equiparado ao dos funcionários homens na mesma função. O aumento veio em agosto de 2018 por iniciativa da empresa, que mapeou e identificou as colaboradoras que não tinham salário equiparado por gênero. "Nas outras companhias em que trabalhei, também recebia menos que os homens e não percebia isso como problema."
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A discriminação salarial já está prevista na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que vigora desde 1943, mas agora o assunto ganhou discussão no Congresso para que as empresas que não cumpram as regras sejam penalizadas. Em março, o Senado aprovou projeto de lei de autoria do senador Fernando Bezerra Coelho (PSB), que estabelece multa a empregadores que utilizarem critérios de gênero, cor, idade ou orientação sexual para remunerar seus funcionários. A multa seria equivalente ao dobro da diferença salarial mensal, e o valor seria destinado à vítima.
A proposta agora está em discussão na Câmara, sob o projeto de lei 1656/2019, que deve ser analisado por comissões e pelo plenário. Se for aprovado, segue para sanção do presidente.
Enquanto isso, a insegurança e o sentimento de não merecimento no momento de pedir um aumento são motivos que dificultam a equiparação salarial no Brasil. "Não me sentia confortável em pedir, por isso não sinalizei para a empresa", conta Bruna Souza. "A nossa mentalidade (das mulheres) está treinada para aceitar esse tipo de situação."
Segundo a CEO da Carpediem Consultoria RH, Aliesh Costa, esse comportamento é uma questão cultural. "A mulher demorou muito para conquistar espaço no mundo profissional, então as pessoas não se surpreendem quando o homem tem salário superior na mesma função."
De acordo com o IBGE, mulheres ganham menos que homens em todos os cargos analisados na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, com dados do quarto trimestre de 2018. Entre os médicos especialistas, por exemplo, as mulheres chegam a receber 28,2% menos. A menor distância salarial foi observada entre os professores do ensino fundamental, em que as mulheres recebem remuneração 9,5% menor.
Fiscalização
Para Alícia Shore, diretora executiva da Daniel Advogados e uma das autoras do projeto de equiparação que resultou no aumento salarial de Bruna, a proposta de multar empresas pode se tornar ineficiente caso não haja fiscalização. "Provavelmente vai ser inócua, mais uma lei que não dá em nada."
Na opinião da diretora, falta "vontade política" das companhias para eliminar as distorções no quadro de funcionários. "É preciso haver campanhas de conscientização nos ambientes de trabalho. A iniciativa tem que partir do empresariado." Segundo Alícia, as organizações têm capacidade para mudar, basta querer colocar em prática políticas que garantam a igualdade de gênero. Na Daniel Advogados, diz, hoje a equidade salarial é adotada em toda a empresa.
Para fomentar a discussão e promover igualdade, algumas organizações concedem certificações a empresas pelo seu comprometimento com o tema. A Philip Morris Brasil, por exemplo, foi a primeira companhia do País a ganhar o certificado internacional de igualdade salarial Equal-Salary, concedido pela Equal-Salary Foundation, organização suíça sem fins lucrativos.
De acordo com Karen Ramirez, diretora de RH da Philip Morris, é importante fomentar as discussões de gênero no ambiente de trabalho para garantir a igualdade, assim como assegurar que todos os profissionais se sintam acolhidos. "Temos um comitê interno de diversidade e inclusão, que pensa a questão das mulheres e garante que estejamos sempre atualizados."
Para ganhar o certificado, a empresa é auditada e deve preencher vários requisitos, como possuir menos de 5% de distorção salarial entre homens e mulheres, de forma geral e não apenas no mesmo cargo. "Tínhamos apenas 0,2%."
Outra empresa que estabeleceu formalmente o compromisso com promover a igualdade foi a Maria Farinha Filmes. No dia 8 de maio, a produtora assinou a WEP (Princípios de Empoderamento das Mulheres, na sigla em inglês) da ONU, que inclui responsabilidades como "estabelecer liderança corporativa sensível à igualdade de gênero" e "promover educação, capacitação e desenvolvimento profissional para as mulheres".
Com isso, a produtora passa a integrar uma rede local e global da ONU, que tem o objetivo de estimular a troca de experiências em políticas de igualdade de gênero entre empresas. O integrante da WEP também pode participar de workshops e oficinas promovidos pela ONU, além de ter acesso a cartilhas e manuais.