Poucos sabem, mas uma nova síndrome foi identificada em decorrência da pandemia: a forto ou fear of returning to the office (medo de voltar ao escritório, em tradução livre). E, ao que parece, vem alcançando um número expressivo de profissionais, dentre os quais me incluo.
Todos pensam como nós? De maneira nenhuma. Há, sim, aqueles que anseiam pelo retorno presencial. Seja porque encontraram dificuldades na conexão com as pessoas pela tela do computador, seja porque não possuem condições ideais para trabalhar em suas casas ou simplesmente por quererem retornar à rotina anterior. No meu caso, a pandemia e a reclusão obrigatória me fizeram uma pessoa e uma profissional diferentes e mudaram a maneira como me relaciono com o trabalho e no trabalho. Explico.
Nunca fui adepta ao home office, uma escolha pessoal minha, embora como gestora sempre tenha respeitado e incentivado as políticas nesse sentido. Necessitava ir ao escritório para trabalhar na minha mesa, dentro da minha sala, no meu computador. Nem aderente ao dress code casual eu era. Achava que a profissional "nascia" justamente ao vestir as roupas, sapatos e acessórios, religiosamente, todos os dias pela manhã.
Mudei. E, diante da possibilidade de voltar aos velhos hábitos, me sinto assustada. As causas da minha angústia não estão em qualquer tipo de aversão a pessoas. A interação virtual vem funcionando muito bem para mim e não impediu de me conectar com gente.
Ao contrário, interajo mais, consigo estar mais disponível, mais concentrada, e com a enorme vantagem de as conversas começarem e terminarem na hora marcada. Porque, afinal, as trocas presenciais eram mais calorosas, mas muitas vezes interrompidas pelo telefone, por batidas na porta, por gente entrando na sala, entre outras distrações.
Meu medo não é voltar ao convívio com as pessoas, até porque sempre estive próxima delas. Meu receio é voltar para o que não era bom: o ritmo alucinante de trabalho e deslocamentos, as horas desperdiçadas em aeroportos, o trânsito, o salto alto, a meia fina, a impontualidade, a impaciência, o desconforto.
Não quero abrir mão das coisas boas das quais aprendi a gostar e que incorporei à minha rotina nos últimos meses. Trabalhar de tênis e camiseta, regularidade em exercício e dieta, estar próxima dos meus filhos, tomar 15 minutos de sol após o almoço, curtir minha casa, não pegar trânsito, ter algum controle sobre a agenda, ler e escrever com regularidade. Foram coisas que conquistei nos últimos meses e se tornaram muito valiosas para deixá-las ir.
Se a volta ao trabalho presencial significar perder a leveza que a minha vida adquiriu, minha resposta é não. Todos esses ganhos me fizeram uma profissional melhor, mais comprometida e engajada, mais disponível, mais empática e mais sensível. Trabalho mais e sou mais feliz.
Tudo isso explica os sintomas da síndrome: sofro de forto ou de algo próximo a isso e hei de achar um jeito de superá-la - não vou morrer disso. Consola-me saber que não estou sozinha, embora nós, os acometidos por essa síndrome, sejamos mais silenciosos do que os que pensam e sentem o contrário.
Como tratá-la? Creio que com altas doses de empatia e a resiliência. Sempre elas. Todos nós mudamos e é pouco provável que antigos modelos consigam endereçar todas as necessidades atuais. É intuitivo imaginar que um trauma tão grande como o que vivemos criará a necessidade de mudarmos a forma de nos relacionarmos com o trabalho e no trabalho. Para mim, a resposta é quase óbvia: o modelo híbrido de trabalho, que une o melhor do presencial e do remoto.
Da mesma forma que vejo ganhos incríveis no trabalho virtual, também me vejo diante do desafio de resgatar as vantagens de estar presencialmente no escritório. Elas, as vantagens, certamente existem. Estarão lá, e só teremos que resgatá-las.
Encontraremos pessoas diferentes quando retornarmos ao presencial. Seremos pessoas diferentes vivendo de um jeito diferente num mundo que mudou. A adaptação a tudo isso exigirá esforço de todos. Chegaremos a um lugar melhor, sendo pessoas (e profissionais) melhores, não tenho dúvida disso.
Enquanto isso, peço paciência. Comigo e com todos os que pensam assim. Estamos genuinamente sofrendo por uma ameaça real de perdermos algo precioso que conquistamos. Afinal, com forto ou sem forto, todos nós queremos conforto: de podermos expressar nossas opiniões, expormos vulnerabilidades, aplacarmos as angústias e, especialmente, acolhermos os anseios de todos.
* Glaucia Lauletta Frascino é sócia do escritório de advocacia Mattos Filho