Os administradores de condomínios, síndicos e moradores estão precisando lidar com uma novidade: o aluguel de curta temporada nas grandes cidades por meio de plataformas online como o Airbnb.
Funciona assim: o proprietário cadastra o imóvel inteiro ou apenas um dos quartos no site, adiciona fotos, valores e explica as regras da acomodação. O usuário que deseja se hospedar pesquisa a melhor opção e pede para reservar. Se o anfitrião aceitar, o inquilino agenda e paga pelo portal. Depois de dar entrada no imóvel, é descontada a taxa administrativa do site, e o dinheiro vai para o proprietário.
Esse movimento de hóspedes em condomínios residenciais é comum em cidades de praia ou de campo, durante feriados e alta temporada. Mas em metrópoles acostumadas apenas com hotelaria, a circulação de novas pessoas em condomínios residenciais criou um fato novo para esses conjuntos.
Em São Paulo, o síndico Tiago Monteiro, do condomínio Inn Berrini, na zona sul, conta que o prédio está se adaptando às mudanças. "Alguns moradores, no início, questionaram o sistema, porque não sabem quem chega e quem sai. Mas, na verdade, já estávamos acostumados com a rotatividade, porque várias unidades são de companhias que recebem executivos de outras cidades", diz. Tiago também consultou advogados para entender quais as regras que regulamentam esse tipo de locação.
"Não podemos impedir que o proprietário alugue o imóvel. Nossa alternativa é regulamentar internamente." No Inn Berrini, é necessário comunicar com antecedência a portaria e a administração, indicando nome, número de documento e duração do aluguel. "Não enxergamos essas plataformas como algo ruim, pensando até financeiramente diante da crise. Mas, para apoiar, o condomínio precisa que os proprietários façam a parte deles."
Raquel Nicastro é síndica de um condomínio na Bela Vista que tem 144 apartamentos - 15 deles estão disponíveis em sites como Airbnb, Booking.com e Alugue Temporada.
Para gerenciar o vaivém, ela criou um grupo no Whatsapp com os proprietários que também alugam e definiu normas. "Cada apartamento tem de ter um quadro com todas as regras de convivência do condomínio e nossos funcionários não podem dar informação, ficar com chaves ou prestar serviço para esses inquilinos temporários. Isso tudo é de responsabilidade do anfitrião", conta Raquel, que afirma nunca ter tido problemas com esses hóspedes. "Já tive mais trabalho com inquilino fixo, que agrediu funcionário."
Receio. Síndico de um prédio em Copacabana, no Rio de Janeiro, Henrique Pinto diz que vários proprietários alugaram apartamentos durante a Copa e a Olimpíada, mas um casal costuma locar em feriados ou finais de semana para reforçar o orçamento. "Quando você aluga por um ano, via imobiliária, você tem uma certa segurança. É diferente de alugar por três, quatro dias. Aqui no prédio, nossos porteiros trabalham das 6h às 20h. Durante a noite, para entrar é preciso de um código. Eu me sinto vulnerável dando essa senha para várias pessoas que não conheço", diz Pinto.
Para evitar essa sensação, um condomínio da Vila Olímpia, em São Paulo, onde Valquíria Bento é síndica, proibiu o aluguel por períodos curtos, por meio de plataformas online. A decisão, tomada em assembleia e registrada no regimento, surgiu depois de um trauma: a incorporadora responsável pela construção faliu e os proprietários que compraram os imóveis na planta tiveram que lidar com a Justiça para conseguir a entrega dos apartamentos.
"Nós tivemos que terminar o condomínio por nossa conta e isso nos deixou receosos. Então, na primeira assembleia, definimos que só seria permitido aluguéis de longo prazo."
Valquíria, porém, afirma que a decisão pode ser revista, caso haja interesse dos proprietários. "Naquele momento da finalização das obras e entrega dos imóveis era inviável aceitar. Precisaríamos de um treinamento melhor dos porteiros e daríamos um volume maior de afazeres para os nossos funcionários", diz. "Mas se novos moradores - ou mesmo os antigos - questionarem, podemos reconsiderar a decisão."
Em Curitiba, onde um condomínio havia proibido esse tipo de locação, um proprietário recorreu à Justiça e seu pedido foi acatado pela juíza. Segundo a decisão provisória que suspendeu os efeitos da assembleia, "não é possível a restrição à propriedade, cujo direito está previsto na Constituição Federal, conferindo ao proprietário o direito de usar, fruir, dispor e gozar de seu bem, respeitada a função social da propriedade".
Com a intenção de evitar conflitos no prédio onde mora, mesmo nunca tendo sido questionada, T.P. não conta aos vizinhos que aluga um quarto no seu apartamento. "Deixo nome e número de RG dos hóspedes na portaria, mas não dou satisfação sobre quem eles são. Por segurança, já que sou mulher e moro sozinha, informo apenas a minha vizinha de porta." A anfitriã aluga o quarto no Airbnb desde 2015 e já recebeu 15 hóspedes. "Não tive problema e ninguém nunca causou danos ao condomínio. Tomo todos os cuidados sugeridos pelo Airbnb e também deixo as regras do condomínio bem claras no site", conta. A paulistana começou a alugar o quarto porque queria juntar dinheiro para reformar o apartamento. Logo depois, foi demitida e a locação a ajudou a pagar as contas. "Se alguém faz algo errado, ele será mal avaliado ou denunciado no site, o que ajuda a evitar que esse mau hóspede alugue a casa de outras pessoas."
Essa é a dica dada também pelo presidente da Associação dos Síndicos de Condomínios Comerciais e Residenciais do Estado de São Paulo (Assosíndicos), Renato Tichauer, que é síndico em dez condomínios. "É a nova economia, a economia compartilhada. Muita gente está usando isso para ganhar dinheiro e sair da crise. Não é viável ir contra. O que a gente pode fazer é criar formas de garantir a proteção do condomínio e dos outros moradores, ao mesmo tempo em que facilitamos que as hospedagens sejam bem feitas", afirma.
Plataforma movimenta economia e faz novos negócios surgirem
As hospedagens pelo Airbnb movimentaram US$ 39,9 milhões em São Paulo, em 2016, segundo resultados parciais de um estudo da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), coordenado pelo professor Eduardo Haddad. Os dados foram adiantados pelo portal e indicam que a capital paulista hospedou, pelo site, 101.000 visitantes, responsáveis por movimentarem, no município, US$ 20,1 milhões.No Rio de Janeiro, o impacto foi maior: US$ 436,6 milhões, recebendo 360.000 hóspedes. O acréscimo ao PIB local foi de US$ 228,1 milhões, segundo a pesquisa.
Negócios. Além da locação, as plataformas online de aluguel por temporada estão influenciando novos negócios. O publicitário Mario Coutinho, e a jornalista Camila, sua mulher, ajudaram a irmã dele a alugar o apartamento pelo site. De repente, o casal estava cuidando de 14 propriedades. "Nossos amigos queriam dinheiro extra, mas não tinham tempo para responder às perguntas no Airbnb, cuidar das chaves, dos cadastros nos condomínios, da troca de roupa de cama etc. Então nos pediam para olhar tudo isso."
O casal resolveu oficializar o negócio e na última quinta-feira lançou o Bnb Host, que presta serviços de coanfitrião. Ou seja, auxilia na criação e manutenção de anúncios nos sites de aluguel, na intermediação da contratação de limpeza ou até de arquitetos que fazem decoração para curta temporada.
Mario diz estar preparado para resolver sufocos. No Carnaval, o vaso sanitário de um imóvel alugado quebrou. "O proprietário não estava na cidade para ajudar o hóspede, então fizemos a manutenção para não estragar nem a experiência dos turistas nem a do anfitrião."
Atividade causa divergência de interpretação legal
Enquanto condomínios vão se adaptando a esse tipo de locação, há quem aponte irregularidade nesse tipo de atividade em condomínios. Para o advogado Rodrigo Karpat, o Airbnb não é proibido, mas infringe algumas convenções. "Hospedagem é algo exclusivo de estabelecimentos regulamentados para esse fim, por meio de portaria do Ministério do Turismo." Karpat diz que um condomínio pode receber hóspedes desde que tenha isto instituído em seu regimento. "Se a destinação daquele empreendimento é estritamente residencial, a recepção de hóspedes e o aluguel por diárias é desvio de finalidade, porque há caracterização de atividade hoteleira e comercial, principalmente se houver serviços de café da manhã ou camareira."
Essa, entretanto, não é uma posição predominante. Há outro entendimento. Segundo o Código Civil, são direitos do condômino usar e fruir livremente de suas unidades. "O proprietário tem de respeitar as regras do condomínio para não prejudicar o sossego e a segurança dos demais moradores, mas tem assegurado pela Constituição o direito à propriedade", diz o advogado Antonio Carlos de Oliveira Freitas.
Ele lembra que a locação por temporada, que não excede os 90 dias, está prevista na lei e é um direito do proprietário, sem que haja desvio de finalidade. "A atividade é frequente há tempos em cidades de praia." Segundo Freitas, proibir um proprietário de alugar seu imóvel, mesmo que através do regimento do condomínio, é inconstitucional. "É possível procurar a justiça para pedir a revogação de possíveis impedimentos ou punições definidas em uma assembleia, por exemplo."
"Se a Justiça for acionada, vai depender do entendimento do juiz, que avalia a constância, a rotatividade e os serviços prestados dentro do imóvel", diz a advogada Andrea Coutinho.
'Oferecemos segurança', diz empresa
Procurada, a plataforma respondeu por e-mail: "O Airbnb conecta hóspedes e anfitriões, que realizam entre si um aluguel de temporada, conforme está previsto na Lei do Inquilinato. Além de oferecer ferramentas de segurança, como verificação de documentos dos usuários, atendimento 24h no mundo inteiro e um seguro de 1 milhão de dólares para danos de propriedade, a plataforma estimula os usuários a se comunicarem com clareza e detalhes sobre as "regras da casa", além das regras dos prédios ou condomínios, para garantir uma boa experiência para todos. O Airbnb já registrou mais de 160 milhões de pessoas hospedadas desde seu lançamento e incidentes negativos são extremamente raros."