Especial para o Estadão
Indicado pela ONU como uma das quatro megatendências para o século 21, o envelhecimento populacional abre um oceano de oportunidades para negócios dos mais variados setores. No Brasil, que será o sexto país do mundo com maior número de pessoas acima de 60 anos em 2050, a longevidade também deve ter impacto na economia como um todo. O mercado imobiliário tem a faca e o queijo na mão para atender a essa demanda, mas deve ficar atento. Ela pode parecer pontual e específica à primeira vista, mas na verdade é extremamente diversificada e complexa.
Segundo Bete Marin, cofundadora da consultoria de marketing Hype50+, o mercado precisa quebrar paradigmas e estereótipos para poder atender o público sênior. "Tem de entender o que essas pessoas desejam porque, atualmente, elas não estão sendo atendidas em suas vontades e necessidades", diz.
No caso do mercado imobiliário, Bete fala que o primeiro passo é as empresas do segmento se darem conta do porcentual de pessoas com mais de 60 anos que formam sua clientela. "Quando passam a olhar os números, elas até se assustam."
Bete sublinha que se trata de um público heterogêneo, com diferenças por faixa etária, gênero, região, classe social e histórico de vida. Uma coisa, porém, a maioria tem em comum. "Eles querem viver com o máximo de independência financeira e autonomia física e cognitiva. A moradia muda de acordo com isso", explica.
Arquiteta e urbanista pós-graduada em gerontologia, a mineira Flavia Ranieri afirma que o objetivo da geroarquitetura (focada nos longevos) é enxergar o processo de envelhecimento como um todo, não só do lado biológico, mas também psicossocial. "A maior preocupação deles é manter a autonomia para continuar a fazer o que sempre fizeram", relata. "É uma parcela da população que busca apartamentos menores e mais práticos, mas não quer o estúdio porque tem uma carga física de histórias, móveis e objetos que carrega consigo."
À frente da Tuai - consultoria especializada na transformação e atualização da casa dos mais velhos -, a arquiteta explica que os produtos do mercado precisam associar funcionalidade e design para atender à demanda. Isso vai das áreas comuns, que devem oferecer opções que integrem essas pessoas à vida social do condomínio, ao interior das unidades. Ela está até desenvolvendo com a Deca uma barra de apoio mais moderna, que vai servir também como porta-objetos no box do chuveiro. "Muitos têm uma resistência a instalar a barra porque é como se ela jogasse na cara uma fragilidade", diz. "Por isso o design e a funcionalidade são fundamentais."
Alguns players já estão apostando nesse mercado. Um deles é a Cyrela, que lançou, já em 2018, o Vintage Senior Residence. Localizado em Porto Alegre, o empreendimento tem uma área multiúso onde é possível organizar cursos ou fazer ioga, espaço de gestão de saúde, piscina com barras de apoio para entrar e sair com facilidade e serviços de bem-estar como massoterapia, atividades culturais e aulas de informática, línguas, música e pintura.
Na mesma linha, o BIOOS, que deve ser lançado ainda neste semestre pela construtora Laguna em Curitiba, foi idealizado para o público acima de 60 anos dentro do conceito "age in place", em que é a casa que deve se ajustar às necessidades da pessoa ao longo do processo de envelhecimento. O projeto terá forte foco na integração entre os moradores. Além dos 108 apartamentos de alto padrão e de uma torre médica que será construída ao lado da torre residencial, as áreas comuns vão proporcionar atividades de entretenimento que façam sentido para esse momento de vida.
Pós-aposentadoria
Do outro lado da mesa, o mercado deve ficar de olho no potencial profissional dos mais velhos. Como corretores, eles demonstram mais paciência, escuta e resiliência, além de usarem a própria experiência de vida para acertar nas negociações, segundo Bete Marin. É o caso da aposentada Sonia Sanchez, de 72 anos, que trabalhou por 30 anos no ramo de joias e, aos 62, decidiu vender sua empresa de anéis de formatura e entrar nesse ramo. Apaixonada por gente, como se define, ela fechou bons negócios mesmo na pandemia.
"A última venda foi para um psiquiatra aposentado que queria comprar a casa de uma senhora de 62 anos, enquanto ela queria reinvestir o dinheiro em apartamentos menores para colocar no Airbnb", diz a corretora sênior.