Bianca Soares/Especial para O Estado
O confeiteiro Thiago Paladini, 28 anos, entra e sai de casa várias vezes ao dia. Pela manhã e pela tarde prepara encomendas e faz entregas. Nunca se preocupa em trancar a porta, desligar os eletrodomésticos ou apagar as luzes. Resolve tudo com toque no smartphone, onde está seu assistente virtual da Apple.
A casa de Paladini, em Barueri, na Grande São Paulo, está entre os 2% de lares brasileiros que, segundo a Associação Brasileira de Automação Residencial e Predial (Aureside), contam com algum nível de automação. Ainda incipiente, o mercado interno prioriza controle de iluminação, sistema de som e de câmeras. Serviços como cortinas motorizadas, fechaduras biométricas, aspiração central e irrigação automatizada estão entre os dez mais procurados, mostra estudo da instituição.
A tecnologia não é mera comodidade, diz Paladini. "Percebi que minha conta de energia está mais barata. Também ganhei tempo, porque deixei de fazer pequenas coisas." O café da manhã é um exemplo. Quando acorda, ainda na cama programa a cafeteira, que prepara a bebida enquanto ele se troca. "Moro numa casa de dois andares, não preciso mais ficar subindo e descendo enquanto me arrumo."
O primeiro item de automação do confeiteiro foi a fechadura eletrônica, comprada em dezembro de 2016 por US$ 260 em um site americano. Após solicitar uma instalação profissional, ele mesmo configurou o equipamento no HomeKit, plataforma da Apple com diversos produtos "inteligentes". "É muito simples. A fechadura vem com um código barras. A câmera do celular lê esse código e pronto, já estão conectados."
Além de poder fechar e abrir a porta remotamente, o aplicativo envia uma notificação para Paladini toda vez que alguém entra na casa. Também o ajuda em situações corriqueiras, como permitir a entrada da diarista na residência em horários nos quais ninguém está.
Não é comum no Brasil as pessoas montarem seus próprios sistemas de automação, afirma o engenheiro José Roberto Muratori, diretor executivo da Aureside. "Esse comportamento é mais comum nos Estados Unidos, que têm uma cultura do faça você mesmo." Aqui a exceção é formada por jovens como Paladini, acostumados a lidar com a tecnologia no cotidiano.
Muratori aponta para a tendência de construtoras já oferecerem a automação em seus projetos. "E não são apenas unidades de luxo. Apartamentos compactos, voltados para o público jovem, também têm aderido. Antes, o diferencial era a decoração, hoje é o estilo despojado e tecnológico."
É no que vem apostando, há cinco anos, a construtora Porte. Os novos empreendimentos são entregues com persianas elétricas, portas biométricas, sistema de iluminação e ar condicionado integrados num painel de controle, que também pode ser manipulado pelo celular.
Em 2018, a empresa entregará dois edifícios de alto padrão no Tatuapé, na zona leste. "O bairro é um exemplo de público emergente, jovem e que demanda esse tipo de serviço", diz João Cláudio Fernandes, gerente comercial da construtora. Bem aceita pelos jovens, a automação sofre resistência dos compradores mais velhos, conta. "No primeiro momento, tende a afastá-los. Temos de ter o cuidado de mostrar como a tecnologia facilita o cotidiano."
A mesma estratégia é adotada pela Avanço Realizações, no Rio de Janeiro. Com tíquete médio de R$ 400 mil, os lançamentos da empresa oferecem um kit automação que integra, de acordo com o gosto do comprador, até 12 equipamentos. Junto com as chaves, o morador recebe o controle do painel e o acesso remoto, via smartphone.
O próximo empreendimento da construtora será lançado em outubro. As unidades contarão com fechadura biométrica e um sistema de som que interliga suíte, sala e varanda. "O serviço não é cobrado à parte. Percebemos que os compradores já esperam algo do tipo, temos de atender e estar atentos às novidades do mercado das casas inteligentes", afirma Sanderson Fernandes, diretor da Avanço.
Não tão inovador... Os serviços oferecidos pelas construtoras são atrativos, mas ainda distante do gigantesco potencial da "internet das coisas". A expressão diz respeito à capacidade de integração de objetos e dispositivos inteligentes a pessoas. Lembra um pouco o universo futurístico do desenho animado The Jetsons. exibido na década de 1960.
A Mitsubishi lançou no ano passado um ar condicionado capaz de enviar diferentes temperaturas de ar, a depender da sensação térmica e da altura da pessoa que está no ambiente. A Samsung anunciou uma geladeira multitarefa. Por meio de uma tela de 21,5 polegadas fixada na superfície frontal é possível fazer lista de compras, com acesso remoto pelo celular, tirar fotos, assistir televisão e ouvir música. Internamente, três câmeras tiram foto dos alimentos toda vez que a porta é fechada. Quando o dono está no mercado, pode ver no aplicativo o que está em falta.
Patrícia Silva, gerente da Munddo, empresa distribuidora e responsável pela instalação de equipamentos inteligentes, diz ser possível interligar aparelhos e automatizar qualquer tipo de residência, sem necessidade de grandes reformas. "Se o ambiente está vazio, os aparelhos de ar condicionados são desligados; se alguém chega em determinado horário, a câmera tira uma foto e envia por e-mail; ao chegar em casa, liga-se a TV no canal preferido", diz.
Muratori lembra, ainda, que a casa pode ser programada para responder de maneira diferente de acordo com quem entra. "Acesso através de reconhecimento facial distingue o dono de um funcionário e limita o acesso a determinadas áreas."
Ameaça à segurança digital
Julia Levenstein, de 23 anos, segue religiosamente um ritual dominical. No horário programado, as luzes de seu quarto começam a acender paulatinamente, enquanto as caixas de som ecoam uma playlist feita para a ocasião.
A "cena", como é chamada tecnicamente, é relativamente simples de criar. Funciona assim: por meio do aplicativo, o usuário agenda o horário para as mudança na luz e no som, além de controlar remotamente os eletrodomésticos de casa.
Parece perfeito, como outros serviços de automação, mas a comodidade pode colocar em risco a segurança digital da pessoa, adverte Alexandre Barbosa de Lima, professor de engenharia elétrica da PUC-SP. "A chance de informações privadas serem roubadas é enorme", alerta. Segundo Lima, redes não criptografas estão sujeitas à invasão. "Alguns vírus simples podem infectar o computador ou o celular e 'entrar' no teclado, por exemplo, onde senhas são digitadas, inclusive de contas bancárias."
O professor de Ciência da Computação do Instituto Mauá de Tecnologia João Carlos Lopes é mais otimista em relação ao assunto. Para ele, os serviços costumam estar hospedados em redes seguras. Mas alerta para cuidados básicos, como senhas seguras e uso constante de antivírus.
"Existe a possibilidade de roubo do acesso à porta eletrônica, mas arrombamentos sempre existiram", diz. A diferença é que uma casa inteligente estaria pronta para emitir sinais e, inclusive, ligar para a polícia e enviar para o celular do proprietário fotos do momento.
A ameaça à segurança digital derivada da automação é um contrassenso, já que a preocupação com a proteção do lar é o principal motivo para a adoção do sistema. Estudo da GfK, empresa alemã de pesquisas de mercado, mostra que, com exceção dos boomers, que priorizam economia de recursos, todas as demais gerações veem a automação como um meio de garantir a segurança (Veja quadro acima).
Barbosa Lima reconhece os benefícios da automação, mas insiste no que classifica como "calcanhar de Aquiles". "Sem treinamento adequado, estamos expostos aos perigos." Lopes lembra, ainda, que a situação é especialmente crítica no Brasil, um dos países com maior número de hackers.
Lar doce Lar. A próxima compra de Julia será uma fechadura eletrônica. Depois, pretende adicionar à sua "cena de domingo preguiçoso" cortinas motorizadas que serão acionadas com os primeiros raios de sol. Ela não é muito atenta à tecnologia, mas diz ser "neurótica" por economia de água e energia. "Ao sair de casa, aperto um botãozinho que desliga tudo. Quando eu era pequena, a casa dos meus pais pegou fogo, acho que isso me deixou meio obcecada. Confiro pelo aplicativo se está tudo apagado mesmo."
COM JOÃO ABEL - Estagiário sob supervisão do editor de Suplementos, Daniel Fernandes