Há risco para o governo se meta de receita não for cumprida, diz relator de projeto dos super-ricos


Deputado Pedro Paulo (PSD-RJ) afirma que frustração pode fazer com que governo tenha de ampliar bloqueio de despesas em 2024 e se indispor com ministros indicados pela base aliada; texto passa por ajustes

Por Mariana Carneiro
Foto: Marina Ramos/Câmara dos Deputados
Entrevista comPedro PauloDeputado federal pelo PSD-RJ

BRASÍLIA - O deputado Pedro Paulo (PSD-RJ) assumiu a relatoria de um dos principais projetos planejados pelo governo para ampliar a arrecadação: a taxação dos fundos de investidores de alta renda no Brasil (chamados de exclusivos) e os sediados em paraísos fiscais (offshore). O Ministério da Fazenda espera arrecadar R$ 20 bilhões de largada com a taxação desses fundos.

Ainda que seja crítico da estratégia da equipe econômica de alcançar o ajuste apenas pelo aumento de receita, Pedro Paulo avalia que o tempo se esgota sem que alternativas tenham sido colocadas. O principal risco apontado pelo deputado é o governo não conseguir sustentar politicamente uma execução mais dura do Orçamento em 2024, quando estreia o novo arcabouço fiscal, em caso de frustração na arrecadação.

Caso as receitas programadas pelo governo não se cumpram, a Fazenda terá de contingenciar (bloquear) parte dos gastos previstos para 2024.

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“Será que o Congresso vai suportar um governo federal que esteja com o seu Orçamento todo contingenciado, comprometido, logo na largada? Imagina, no ano que vem, os ministérios com os orçamentos todos contingenciados em ano de eleição”, afirma.

Nesta entrevista exclusiva ao Estadão, Pedro Paulo apontou a principal preocupação que tem ouvido em conversas com investidores e tributaristas do mercado financeiro. Eles estão apreensivos com a diferença tributária aberta entre os fundos no Brasil, que ele chama de onshore, e os fundos no exterior, os offshore.

“O raciocínio é: ‘já que eu vou ser cobrado em 22,5%, será que eu volto para o Brasil para ser taxado como os demais fundos em 15% ou eu atualizo meu patrimônio e saio de vez?’”, afirma, referindo-se ao risco de investidores de alto calibre deixarem o País.

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Este é um tema que pode retardar a votação do projeto em mais uma semana, ainda que o presidente em exercício, Marcos Pereira (Republicanos-SP) tenha demonstrado interesse em colocá-lo para votar nesta terça (17) ou quarta-feira (18). Arthur Lira (PP-AL) e os principais líderes partidários da Casa estão em viagem no exterior.

Pedro Paulo também já achou a fórmula para atender à bancada do agronegócio, que se queixou de mudanças no número de cotistas exigido do Fiagro (Fundo de Investimentos do Agronegócio). A proposta dele será limitar que esses fundos sejam compostos majoritariamente (acima de 50%) de cotistas da mesma família com grau de parentesco de segundo grau.

A seguir os principais trechos da entrevista:

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Para o Deputado Pedro Paulo, mudar a meta fiscal no ano que vem seria um 'suicídio' Foto: Agência Câmara
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O sr. tem feito conversas com investidores e tributaristas sobre a taxação dos fundos de super-ricos. Quais são as preocupações que tem ouvido?

Tenho ouvido relatos quanto à assimetria criada pelo projeto de lei entre os fundos onshore (ou fundos exclusivos) e os offshore (sediados em paraísos fiscais). (O ganho obtido no) fundo offshore vai ser tributado anualmente em 22,5%. Porque a régua que o governo criou é muito baixa. Até R$ 6 mil (de ganhos) terão alíquota zero, de R$ 6 mil a R$ 50 mil, será 15%, mas a maioria vai ficar no topo, em que os ganhos anuais superam R$ 50 mil e serão taxados em 22,5%. Já nos fundos exclusivos, no Brasil, haverá as alíquotas de 15% (para fundos de perfil de longo prazo) e 20% (para fundos de curto prazo), como funciona o come-cotas tradicional. Então, essa diferença entre os 15% (do onshore) e os 22,5% (do offshore) está chamando atenção.

Como pretende resolver?

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Estamos conversando, porque o mercado de fundos de investimento no Brasil é um mercado de R$ 8 trilhões. Se a gente olhar só os fundos exclusivos, a gente pode estar falando, a depender do recorte, de cerca de R$ 1 trilhão de patrimônio. Quando se fala em offshore, podemos estar falando de outro R$ 1 trilhão só pela métrica do patrimônio da aquisição, sem contar o valor atualizado. Então, olha o volume de recursos com que nós estamos mexendo na tributação. A preocupação que eu venho trazendo é qual é o impacto no fim da linha no mercado de capitais com uma medida tributária como essa. Vamos acabar com os fundos exclusivos? Não. Mas talvez haja uma diversificação desses ativos, reduzindo esse mercado, uma vez que ele perde o seu principal pilar de atração, que é a vantagem tributária em relação aos fundos de condomínio aberto.

E o que pode acontecer?

A questão é para onde vão esses recursos. Provavelmente vão buscar ativos que preservem o incentivo tributário. Mas daí os CRAs e os CRIS (certificados de recebíveis do agronegócio e imobiliário), as LCAs e LCIs (letras de crédito do agronegócio e imobiliária), as debêntures de infraestrutura, os fundos de ações vão suportar esse movimento? E o que vai acontecer com o offshore? Esse investidor vai repatriar esse recurso ou um super-rico desses vai aproveitar o gancho, com a xepa que ele vai ter de (pagar Imposto de Renda de) 6% para atualizar o patrimônio e vai querer fazer a mudança de domicílio fiscal? O raciocínio é: ‘já que eu vou ser cobrado em 22,5%, será que eu volto para o Brasil para ser taxado como os demais fundos em 15% ou eu atualizo meu patrimônio em 6%, que é uma alíquota excelente, e saio de vez?’. É importante lembrar que se ele realizar hoje este investimento, se der a baixa, ele paga 27,5% (de IR sobre os ganhos auferidos).

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Há risco de eles deixarem o País?

Toda vez que você muda uma alíquota ou imputa uma alíquota que não existia, ainda mais neste mercado, onde os recursos são muito voláteis, é preciso ter muito cuidado. A gente sabe que alguma base vai erodir, vai migrar, mas a gente não sabe quais são todos os efeitos disso. O efeito da arrecadação lógico, o governo precisa e nós estamos juntos para ajudar nessa tarefa que o governo escolheu, de fechar o arcabouço fiscal com arrecadação, independentemente das nossas concordâncias ou não. Agora, e o passo seguinte? O importante é pensar que esses investidores de fundos offshore são pessoas que têm acesso aos mercados, que têm gestores profissionais, grandes advogados pensando em soluções em que o sujeito possa ter um planejamento que pague menos imposto.

Pretende igualar as condições do onshore e offshore?

Ainda que haja algo de justiça nessa diferença, vejo que o governo tem a expectativa de repatriar algum recurso (com incentivo para os investidores de fundos offshore voltarem para o Brasil). Mas o mercado reclamou. Quais seriam então os efeitos de se igualar? E qual o impacto sobre a arrecadação? Vai aqui minha reclamação: a Receita Federal não abriu esses dados, o quanto desse volume de arrecadação esperada é de atualização do patrimônio e o quanto é de arrecadação do come-cotas. Então, é difícil também fazer uma recalibragem, porque não se sabe os efeitos naquilo que o governo está mais obcecado, que é a arrecadação.

A Receita informou qual será o impacto na arrecadação com a redução na tributação da atualização do patrimônio de 10% para 6%?

Não houve cálculo, mas muita expectativa deles é de que haveria uma compensação. Que a redução seria compensada com o maior interesse de investidores, no caso dos offshore, em que isso é facultativo, de aproveitar a alíquota mais baixa e atualizar o patrimônio.

O governo pediu uma alteração no seu texto, prevendo que os contribuintes comecem a pagar em dezembro de 2023 pela atualização do patrimônio nos fundos e não em maio, como o sr. previu. Qual o impacto nas contas deste ano?

É uma questão de estratégia de caixa do governo, não me oponho. É importante lembrar que o projeto original que eles mandaram já tinha previsto um pagamento em dezembro e o resto parcelado em 4 vezes. O que o governo quer fazer é antecipar uma parcela desses recursos para 2023 e deixar o resto para 2024. Deve dar algo próximo de R$ 700 milhões a R$ 1 bilhão em dezembro (de arrecadação para o governo).

Sobre o Fiagro (Fundo de Investimento do Agronegócio) e o FII (Fundo de Investimento Imobiliário), o sr. tem dito que deve fazer alterações para atender à bancada do agronegócio, que se queixou da exigência desses fundos terem no mínimo 300 cotistas para ter a isenção tributária. Como serão essas alterações?

Recebi boas sugestões sobre isso. Em vez de ficar nessa de vendedor de carros ‘não é 300 nem 50, são 150 cotistas’, tentando reduzir o número de cotistas para evitar os arranjos familiares, a gente resolve isso com outra exigência. Por exemplo, a CVM (Comissão de Valores Mobiliários) define que esses fundos têm de ter alguns requisitos básicos. O primeiro é que cada CPF não pode ter mais de 10% das cotas desses fundos, e segundo é que sejam listados na B3. Então, uma ideia é não deixar que a gestão do fundo seja feita por familiares que fazem isso a partir da junção de cotas de parentes com vínculo de até segundo grau. Não deixar, por exemplo, que haja um fundo em que mais de 50% dos cotistas sejam parentes com relação de até segundo grau (irmãos ou avós e netos). Isso para evitar que esses fundos se tornem só um conluio familiar para pagar menos imposto.

Por que não fazer o corte pelo número de cotistas?

Há preocupação no mercado que há muitos fundos que têm 50, 70 cotistas e que não necessariamente estão em grandes bancos. Eles reclamam que se a régua subir para 300 cotistas ou 500 cotistas, esses fundos só vão funcionar se estiverem em uma estrutura bancária gigante, para enxertar cotistas. Isso vai encarecer o mercado que foi criado para gerar crédito para grandes projetos imobiliários e projetos agro-industriais.

Isso atenderia à bancada do agronegócio?

100%, estou trabalhando com a bancada do agronegócio.

O sr. demonstrou discordância com o ajuste baseado na arrecadação. Esse assunto ainda divide os deputados ou está pacificado na Câmara?

Ou é isso ou é isso, né? Porque o arcabouço não fica de pé se não fechar a conta com arrecadação. Isso é absolutamente explícito. Cada um desses projetos de arrecadação, seja esse dos fundos de investimentos, seja o do JCP (Juros sobre Capital Próprio) e a MP 1185 (do ICMS), se não aprovar, como fecha a conta do resultado primário? Ou como fica de pé o Orçamento do ano que vem? Vamos abrir o ano que vem com um super-contingenciamento? Então, é isso ou é isso. O problema é que o prazo está acabando.

Não vê chance de entrar nesse cálculo alguma medida pelo lado da redução da despesa ou de o governo mudar a meta de zerar o déficit no ano que vem?

Eu acho que seria um suicídio para um governo que está construindo a sua credibilidade. Porque não é só mudar a meta, permitir ter um déficit maior em 2024. O problema é o seguinte: o arcabouço está engatilhado. Como faz com a regra que diz que se a receita que você previu não se realizar e, com isso, tiver de fazer um contingenciamento (bloqueio de despesas)? Será que o Congresso vai suportar um governo federal que esteja com o seu Orçamento todo contingenciado, comprometido, logo na largada? Imagina se não produzir esses resultados de receita, no ano que vem, os ministérios com os orçamentos todos contingenciados em ano de eleição.

Então acredita que o Congresso vai alterar a meta para evitar o contingenciamento?

Eu não desejo isso, eu sou da linha dos que defendem que o governo precisa tratar de despesa. Se não, corre o risco de, além de não bater a meta, ter de mudar o arcabouço para o governo cumprir seus compromissos que estão no Orçamento. Porque eu vejo com muito receio aquelas expectativas de receita serem concretizadas.

O problema se restringe ao meio político e ao risco de não cumprir compromissos políticos?

Tem um problema político e reputacional também. O mercado está todo desconfiado. Antes, havia uma esperança e até uma euforia com o arcabouço e a reforma tributária. Agora, eu acho que quanto mais vai chegando próximo do limite, mais gente acredita que o governo não vai conseguir realizar o resultado primário com o caminho que foi traçado. E que então algo vai acontecer. Ou ele traz despesa para o jogo ou vai apertar o setor privado, por exemplo, com mudanças de alíquota, tirar da cartola algum tipo de aumento de carga tributária, ou simplesmente mudar a meta.

É inviável contingenciar no ano que vem?

Acredito que haverá dificuldade, politicamente, em um contingenciamento. Pode ter gente dentro da Fazenda com a recomendação e a determinação para isso. Mas como segurar o resto do governo? E não digo apenas o núcleo da base do governo, que, aliás, sequer acredita no arcabouço e no conceito de equilíbrio fiscal e déficit zero, mas também a base estendida do governo. Ou a base super estendida, que naturalmente também pressiona por orçamento e que vai ter a sua dose de reclamação de ter um orçamento contingenciado. Por exemplo, os ministérios do Transporte (entregue ao MDB), da Agricultura (ao PSD), do Esporte (ao PP), que não estão sendo ocupados pelo núcleo duro da base do governo, mas é uma base estendida.

Ainda assim, o sr. não acredita que o governo deva rever a meta?

De forma alguma, na minha opinião seria um desastre.

No início da tramitação do projeto de tributação dos fundos dos super-ricos, o sr. se propôs a tratar da mudança tributária dos juros sobre capital próprio (JCP) - um tipo de benefício tributário concedido a empresas na remuneração de seus acionistas. Desistiu ou ainda fará uma nova tentativa?

Vamos separar. Percebi que o assunto está muito verde e se a gente colocar agora vai atrapalhar a velocidade de aprovação (da taxação) dos fundos. A ideia é continuar a discussão do JCP e até acelerar, porque eu acredito que um mérito trazido com a discussão foi o de retirar o debate do 0 ou 1. Ou acaba com o JCP ou empurra com a barriga do jeito que está agora. Todos os atores estão discutindo a reformulação do JCP, não o fim dele.

O sr. acredita que a taxação dos fundos será votada nesta semana?

Há um esforço, capitaneado pelo presidente em exercício Marcos Pereira (Republicanos-SP) para colocar para votar no dia 17. Mas a minha opinião é que, com esses pontos que ainda estão em aberto, como os offshore, acho que o mais provável é que a gente consiga votar no dia 24. Independentemente disso, do dia 24, não passa. Pelo menos essa é a minha percepção.

BRASÍLIA - O deputado Pedro Paulo (PSD-RJ) assumiu a relatoria de um dos principais projetos planejados pelo governo para ampliar a arrecadação: a taxação dos fundos de investidores de alta renda no Brasil (chamados de exclusivos) e os sediados em paraísos fiscais (offshore). O Ministério da Fazenda espera arrecadar R$ 20 bilhões de largada com a taxação desses fundos.

Ainda que seja crítico da estratégia da equipe econômica de alcançar o ajuste apenas pelo aumento de receita, Pedro Paulo avalia que o tempo se esgota sem que alternativas tenham sido colocadas. O principal risco apontado pelo deputado é o governo não conseguir sustentar politicamente uma execução mais dura do Orçamento em 2024, quando estreia o novo arcabouço fiscal, em caso de frustração na arrecadação.

Caso as receitas programadas pelo governo não se cumpram, a Fazenda terá de contingenciar (bloquear) parte dos gastos previstos para 2024.

“Será que o Congresso vai suportar um governo federal que esteja com o seu Orçamento todo contingenciado, comprometido, logo na largada? Imagina, no ano que vem, os ministérios com os orçamentos todos contingenciados em ano de eleição”, afirma.

Nesta entrevista exclusiva ao Estadão, Pedro Paulo apontou a principal preocupação que tem ouvido em conversas com investidores e tributaristas do mercado financeiro. Eles estão apreensivos com a diferença tributária aberta entre os fundos no Brasil, que ele chama de onshore, e os fundos no exterior, os offshore.

“O raciocínio é: ‘já que eu vou ser cobrado em 22,5%, será que eu volto para o Brasil para ser taxado como os demais fundos em 15% ou eu atualizo meu patrimônio e saio de vez?’”, afirma, referindo-se ao risco de investidores de alto calibre deixarem o País.

Este é um tema que pode retardar a votação do projeto em mais uma semana, ainda que o presidente em exercício, Marcos Pereira (Republicanos-SP) tenha demonstrado interesse em colocá-lo para votar nesta terça (17) ou quarta-feira (18). Arthur Lira (PP-AL) e os principais líderes partidários da Casa estão em viagem no exterior.

Pedro Paulo também já achou a fórmula para atender à bancada do agronegócio, que se queixou de mudanças no número de cotistas exigido do Fiagro (Fundo de Investimentos do Agronegócio). A proposta dele será limitar que esses fundos sejam compostos majoritariamente (acima de 50%) de cotistas da mesma família com grau de parentesco de segundo grau.

A seguir os principais trechos da entrevista:

Para o Deputado Pedro Paulo, mudar a meta fiscal no ano que vem seria um 'suicídio' Foto: Agência Câmara

O sr. tem feito conversas com investidores e tributaristas sobre a taxação dos fundos de super-ricos. Quais são as preocupações que tem ouvido?

Tenho ouvido relatos quanto à assimetria criada pelo projeto de lei entre os fundos onshore (ou fundos exclusivos) e os offshore (sediados em paraísos fiscais). (O ganho obtido no) fundo offshore vai ser tributado anualmente em 22,5%. Porque a régua que o governo criou é muito baixa. Até R$ 6 mil (de ganhos) terão alíquota zero, de R$ 6 mil a R$ 50 mil, será 15%, mas a maioria vai ficar no topo, em que os ganhos anuais superam R$ 50 mil e serão taxados em 22,5%. Já nos fundos exclusivos, no Brasil, haverá as alíquotas de 15% (para fundos de perfil de longo prazo) e 20% (para fundos de curto prazo), como funciona o come-cotas tradicional. Então, essa diferença entre os 15% (do onshore) e os 22,5% (do offshore) está chamando atenção.

Como pretende resolver?

Estamos conversando, porque o mercado de fundos de investimento no Brasil é um mercado de R$ 8 trilhões. Se a gente olhar só os fundos exclusivos, a gente pode estar falando, a depender do recorte, de cerca de R$ 1 trilhão de patrimônio. Quando se fala em offshore, podemos estar falando de outro R$ 1 trilhão só pela métrica do patrimônio da aquisição, sem contar o valor atualizado. Então, olha o volume de recursos com que nós estamos mexendo na tributação. A preocupação que eu venho trazendo é qual é o impacto no fim da linha no mercado de capitais com uma medida tributária como essa. Vamos acabar com os fundos exclusivos? Não. Mas talvez haja uma diversificação desses ativos, reduzindo esse mercado, uma vez que ele perde o seu principal pilar de atração, que é a vantagem tributária em relação aos fundos de condomínio aberto.

E o que pode acontecer?

A questão é para onde vão esses recursos. Provavelmente vão buscar ativos que preservem o incentivo tributário. Mas daí os CRAs e os CRIS (certificados de recebíveis do agronegócio e imobiliário), as LCAs e LCIs (letras de crédito do agronegócio e imobiliária), as debêntures de infraestrutura, os fundos de ações vão suportar esse movimento? E o que vai acontecer com o offshore? Esse investidor vai repatriar esse recurso ou um super-rico desses vai aproveitar o gancho, com a xepa que ele vai ter de (pagar Imposto de Renda de) 6% para atualizar o patrimônio e vai querer fazer a mudança de domicílio fiscal? O raciocínio é: ‘já que eu vou ser cobrado em 22,5%, será que eu volto para o Brasil para ser taxado como os demais fundos em 15% ou eu atualizo meu patrimônio em 6%, que é uma alíquota excelente, e saio de vez?’. É importante lembrar que se ele realizar hoje este investimento, se der a baixa, ele paga 27,5% (de IR sobre os ganhos auferidos).

Há risco de eles deixarem o País?

Toda vez que você muda uma alíquota ou imputa uma alíquota que não existia, ainda mais neste mercado, onde os recursos são muito voláteis, é preciso ter muito cuidado. A gente sabe que alguma base vai erodir, vai migrar, mas a gente não sabe quais são todos os efeitos disso. O efeito da arrecadação lógico, o governo precisa e nós estamos juntos para ajudar nessa tarefa que o governo escolheu, de fechar o arcabouço fiscal com arrecadação, independentemente das nossas concordâncias ou não. Agora, e o passo seguinte? O importante é pensar que esses investidores de fundos offshore são pessoas que têm acesso aos mercados, que têm gestores profissionais, grandes advogados pensando em soluções em que o sujeito possa ter um planejamento que pague menos imposto.

Pretende igualar as condições do onshore e offshore?

Ainda que haja algo de justiça nessa diferença, vejo que o governo tem a expectativa de repatriar algum recurso (com incentivo para os investidores de fundos offshore voltarem para o Brasil). Mas o mercado reclamou. Quais seriam então os efeitos de se igualar? E qual o impacto sobre a arrecadação? Vai aqui minha reclamação: a Receita Federal não abriu esses dados, o quanto desse volume de arrecadação esperada é de atualização do patrimônio e o quanto é de arrecadação do come-cotas. Então, é difícil também fazer uma recalibragem, porque não se sabe os efeitos naquilo que o governo está mais obcecado, que é a arrecadação.

A Receita informou qual será o impacto na arrecadação com a redução na tributação da atualização do patrimônio de 10% para 6%?

Não houve cálculo, mas muita expectativa deles é de que haveria uma compensação. Que a redução seria compensada com o maior interesse de investidores, no caso dos offshore, em que isso é facultativo, de aproveitar a alíquota mais baixa e atualizar o patrimônio.

O governo pediu uma alteração no seu texto, prevendo que os contribuintes comecem a pagar em dezembro de 2023 pela atualização do patrimônio nos fundos e não em maio, como o sr. previu. Qual o impacto nas contas deste ano?

É uma questão de estratégia de caixa do governo, não me oponho. É importante lembrar que o projeto original que eles mandaram já tinha previsto um pagamento em dezembro e o resto parcelado em 4 vezes. O que o governo quer fazer é antecipar uma parcela desses recursos para 2023 e deixar o resto para 2024. Deve dar algo próximo de R$ 700 milhões a R$ 1 bilhão em dezembro (de arrecadação para o governo).

Sobre o Fiagro (Fundo de Investimento do Agronegócio) e o FII (Fundo de Investimento Imobiliário), o sr. tem dito que deve fazer alterações para atender à bancada do agronegócio, que se queixou da exigência desses fundos terem no mínimo 300 cotistas para ter a isenção tributária. Como serão essas alterações?

Recebi boas sugestões sobre isso. Em vez de ficar nessa de vendedor de carros ‘não é 300 nem 50, são 150 cotistas’, tentando reduzir o número de cotistas para evitar os arranjos familiares, a gente resolve isso com outra exigência. Por exemplo, a CVM (Comissão de Valores Mobiliários) define que esses fundos têm de ter alguns requisitos básicos. O primeiro é que cada CPF não pode ter mais de 10% das cotas desses fundos, e segundo é que sejam listados na B3. Então, uma ideia é não deixar que a gestão do fundo seja feita por familiares que fazem isso a partir da junção de cotas de parentes com vínculo de até segundo grau. Não deixar, por exemplo, que haja um fundo em que mais de 50% dos cotistas sejam parentes com relação de até segundo grau (irmãos ou avós e netos). Isso para evitar que esses fundos se tornem só um conluio familiar para pagar menos imposto.

Por que não fazer o corte pelo número de cotistas?

Há preocupação no mercado que há muitos fundos que têm 50, 70 cotistas e que não necessariamente estão em grandes bancos. Eles reclamam que se a régua subir para 300 cotistas ou 500 cotistas, esses fundos só vão funcionar se estiverem em uma estrutura bancária gigante, para enxertar cotistas. Isso vai encarecer o mercado que foi criado para gerar crédito para grandes projetos imobiliários e projetos agro-industriais.

Isso atenderia à bancada do agronegócio?

100%, estou trabalhando com a bancada do agronegócio.

O sr. demonstrou discordância com o ajuste baseado na arrecadação. Esse assunto ainda divide os deputados ou está pacificado na Câmara?

Ou é isso ou é isso, né? Porque o arcabouço não fica de pé se não fechar a conta com arrecadação. Isso é absolutamente explícito. Cada um desses projetos de arrecadação, seja esse dos fundos de investimentos, seja o do JCP (Juros sobre Capital Próprio) e a MP 1185 (do ICMS), se não aprovar, como fecha a conta do resultado primário? Ou como fica de pé o Orçamento do ano que vem? Vamos abrir o ano que vem com um super-contingenciamento? Então, é isso ou é isso. O problema é que o prazo está acabando.

Não vê chance de entrar nesse cálculo alguma medida pelo lado da redução da despesa ou de o governo mudar a meta de zerar o déficit no ano que vem?

Eu acho que seria um suicídio para um governo que está construindo a sua credibilidade. Porque não é só mudar a meta, permitir ter um déficit maior em 2024. O problema é o seguinte: o arcabouço está engatilhado. Como faz com a regra que diz que se a receita que você previu não se realizar e, com isso, tiver de fazer um contingenciamento (bloqueio de despesas)? Será que o Congresso vai suportar um governo federal que esteja com o seu Orçamento todo contingenciado, comprometido, logo na largada? Imagina se não produzir esses resultados de receita, no ano que vem, os ministérios com os orçamentos todos contingenciados em ano de eleição.

Então acredita que o Congresso vai alterar a meta para evitar o contingenciamento?

Eu não desejo isso, eu sou da linha dos que defendem que o governo precisa tratar de despesa. Se não, corre o risco de, além de não bater a meta, ter de mudar o arcabouço para o governo cumprir seus compromissos que estão no Orçamento. Porque eu vejo com muito receio aquelas expectativas de receita serem concretizadas.

O problema se restringe ao meio político e ao risco de não cumprir compromissos políticos?

Tem um problema político e reputacional também. O mercado está todo desconfiado. Antes, havia uma esperança e até uma euforia com o arcabouço e a reforma tributária. Agora, eu acho que quanto mais vai chegando próximo do limite, mais gente acredita que o governo não vai conseguir realizar o resultado primário com o caminho que foi traçado. E que então algo vai acontecer. Ou ele traz despesa para o jogo ou vai apertar o setor privado, por exemplo, com mudanças de alíquota, tirar da cartola algum tipo de aumento de carga tributária, ou simplesmente mudar a meta.

É inviável contingenciar no ano que vem?

Acredito que haverá dificuldade, politicamente, em um contingenciamento. Pode ter gente dentro da Fazenda com a recomendação e a determinação para isso. Mas como segurar o resto do governo? E não digo apenas o núcleo da base do governo, que, aliás, sequer acredita no arcabouço e no conceito de equilíbrio fiscal e déficit zero, mas também a base estendida do governo. Ou a base super estendida, que naturalmente também pressiona por orçamento e que vai ter a sua dose de reclamação de ter um orçamento contingenciado. Por exemplo, os ministérios do Transporte (entregue ao MDB), da Agricultura (ao PSD), do Esporte (ao PP), que não estão sendo ocupados pelo núcleo duro da base do governo, mas é uma base estendida.

Ainda assim, o sr. não acredita que o governo deva rever a meta?

De forma alguma, na minha opinião seria um desastre.

No início da tramitação do projeto de tributação dos fundos dos super-ricos, o sr. se propôs a tratar da mudança tributária dos juros sobre capital próprio (JCP) - um tipo de benefício tributário concedido a empresas na remuneração de seus acionistas. Desistiu ou ainda fará uma nova tentativa?

Vamos separar. Percebi que o assunto está muito verde e se a gente colocar agora vai atrapalhar a velocidade de aprovação (da taxação) dos fundos. A ideia é continuar a discussão do JCP e até acelerar, porque eu acredito que um mérito trazido com a discussão foi o de retirar o debate do 0 ou 1. Ou acaba com o JCP ou empurra com a barriga do jeito que está agora. Todos os atores estão discutindo a reformulação do JCP, não o fim dele.

O sr. acredita que a taxação dos fundos será votada nesta semana?

Há um esforço, capitaneado pelo presidente em exercício Marcos Pereira (Republicanos-SP) para colocar para votar no dia 17. Mas a minha opinião é que, com esses pontos que ainda estão em aberto, como os offshore, acho que o mais provável é que a gente consiga votar no dia 24. Independentemente disso, do dia 24, não passa. Pelo menos essa é a minha percepção.

BRASÍLIA - O deputado Pedro Paulo (PSD-RJ) assumiu a relatoria de um dos principais projetos planejados pelo governo para ampliar a arrecadação: a taxação dos fundos de investidores de alta renda no Brasil (chamados de exclusivos) e os sediados em paraísos fiscais (offshore). O Ministério da Fazenda espera arrecadar R$ 20 bilhões de largada com a taxação desses fundos.

Ainda que seja crítico da estratégia da equipe econômica de alcançar o ajuste apenas pelo aumento de receita, Pedro Paulo avalia que o tempo se esgota sem que alternativas tenham sido colocadas. O principal risco apontado pelo deputado é o governo não conseguir sustentar politicamente uma execução mais dura do Orçamento em 2024, quando estreia o novo arcabouço fiscal, em caso de frustração na arrecadação.

Caso as receitas programadas pelo governo não se cumpram, a Fazenda terá de contingenciar (bloquear) parte dos gastos previstos para 2024.

“Será que o Congresso vai suportar um governo federal que esteja com o seu Orçamento todo contingenciado, comprometido, logo na largada? Imagina, no ano que vem, os ministérios com os orçamentos todos contingenciados em ano de eleição”, afirma.

Nesta entrevista exclusiva ao Estadão, Pedro Paulo apontou a principal preocupação que tem ouvido em conversas com investidores e tributaristas do mercado financeiro. Eles estão apreensivos com a diferença tributária aberta entre os fundos no Brasil, que ele chama de onshore, e os fundos no exterior, os offshore.

“O raciocínio é: ‘já que eu vou ser cobrado em 22,5%, será que eu volto para o Brasil para ser taxado como os demais fundos em 15% ou eu atualizo meu patrimônio e saio de vez?’”, afirma, referindo-se ao risco de investidores de alto calibre deixarem o País.

Este é um tema que pode retardar a votação do projeto em mais uma semana, ainda que o presidente em exercício, Marcos Pereira (Republicanos-SP) tenha demonstrado interesse em colocá-lo para votar nesta terça (17) ou quarta-feira (18). Arthur Lira (PP-AL) e os principais líderes partidários da Casa estão em viagem no exterior.

Pedro Paulo também já achou a fórmula para atender à bancada do agronegócio, que se queixou de mudanças no número de cotistas exigido do Fiagro (Fundo de Investimentos do Agronegócio). A proposta dele será limitar que esses fundos sejam compostos majoritariamente (acima de 50%) de cotistas da mesma família com grau de parentesco de segundo grau.

A seguir os principais trechos da entrevista:

Para o Deputado Pedro Paulo, mudar a meta fiscal no ano que vem seria um 'suicídio' Foto: Agência Câmara

O sr. tem feito conversas com investidores e tributaristas sobre a taxação dos fundos de super-ricos. Quais são as preocupações que tem ouvido?

Tenho ouvido relatos quanto à assimetria criada pelo projeto de lei entre os fundos onshore (ou fundos exclusivos) e os offshore (sediados em paraísos fiscais). (O ganho obtido no) fundo offshore vai ser tributado anualmente em 22,5%. Porque a régua que o governo criou é muito baixa. Até R$ 6 mil (de ganhos) terão alíquota zero, de R$ 6 mil a R$ 50 mil, será 15%, mas a maioria vai ficar no topo, em que os ganhos anuais superam R$ 50 mil e serão taxados em 22,5%. Já nos fundos exclusivos, no Brasil, haverá as alíquotas de 15% (para fundos de perfil de longo prazo) e 20% (para fundos de curto prazo), como funciona o come-cotas tradicional. Então, essa diferença entre os 15% (do onshore) e os 22,5% (do offshore) está chamando atenção.

Como pretende resolver?

Estamos conversando, porque o mercado de fundos de investimento no Brasil é um mercado de R$ 8 trilhões. Se a gente olhar só os fundos exclusivos, a gente pode estar falando, a depender do recorte, de cerca de R$ 1 trilhão de patrimônio. Quando se fala em offshore, podemos estar falando de outro R$ 1 trilhão só pela métrica do patrimônio da aquisição, sem contar o valor atualizado. Então, olha o volume de recursos com que nós estamos mexendo na tributação. A preocupação que eu venho trazendo é qual é o impacto no fim da linha no mercado de capitais com uma medida tributária como essa. Vamos acabar com os fundos exclusivos? Não. Mas talvez haja uma diversificação desses ativos, reduzindo esse mercado, uma vez que ele perde o seu principal pilar de atração, que é a vantagem tributária em relação aos fundos de condomínio aberto.

E o que pode acontecer?

A questão é para onde vão esses recursos. Provavelmente vão buscar ativos que preservem o incentivo tributário. Mas daí os CRAs e os CRIS (certificados de recebíveis do agronegócio e imobiliário), as LCAs e LCIs (letras de crédito do agronegócio e imobiliária), as debêntures de infraestrutura, os fundos de ações vão suportar esse movimento? E o que vai acontecer com o offshore? Esse investidor vai repatriar esse recurso ou um super-rico desses vai aproveitar o gancho, com a xepa que ele vai ter de (pagar Imposto de Renda de) 6% para atualizar o patrimônio e vai querer fazer a mudança de domicílio fiscal? O raciocínio é: ‘já que eu vou ser cobrado em 22,5%, será que eu volto para o Brasil para ser taxado como os demais fundos em 15% ou eu atualizo meu patrimônio em 6%, que é uma alíquota excelente, e saio de vez?’. É importante lembrar que se ele realizar hoje este investimento, se der a baixa, ele paga 27,5% (de IR sobre os ganhos auferidos).

Há risco de eles deixarem o País?

Toda vez que você muda uma alíquota ou imputa uma alíquota que não existia, ainda mais neste mercado, onde os recursos são muito voláteis, é preciso ter muito cuidado. A gente sabe que alguma base vai erodir, vai migrar, mas a gente não sabe quais são todos os efeitos disso. O efeito da arrecadação lógico, o governo precisa e nós estamos juntos para ajudar nessa tarefa que o governo escolheu, de fechar o arcabouço fiscal com arrecadação, independentemente das nossas concordâncias ou não. Agora, e o passo seguinte? O importante é pensar que esses investidores de fundos offshore são pessoas que têm acesso aos mercados, que têm gestores profissionais, grandes advogados pensando em soluções em que o sujeito possa ter um planejamento que pague menos imposto.

Pretende igualar as condições do onshore e offshore?

Ainda que haja algo de justiça nessa diferença, vejo que o governo tem a expectativa de repatriar algum recurso (com incentivo para os investidores de fundos offshore voltarem para o Brasil). Mas o mercado reclamou. Quais seriam então os efeitos de se igualar? E qual o impacto sobre a arrecadação? Vai aqui minha reclamação: a Receita Federal não abriu esses dados, o quanto desse volume de arrecadação esperada é de atualização do patrimônio e o quanto é de arrecadação do come-cotas. Então, é difícil também fazer uma recalibragem, porque não se sabe os efeitos naquilo que o governo está mais obcecado, que é a arrecadação.

A Receita informou qual será o impacto na arrecadação com a redução na tributação da atualização do patrimônio de 10% para 6%?

Não houve cálculo, mas muita expectativa deles é de que haveria uma compensação. Que a redução seria compensada com o maior interesse de investidores, no caso dos offshore, em que isso é facultativo, de aproveitar a alíquota mais baixa e atualizar o patrimônio.

O governo pediu uma alteração no seu texto, prevendo que os contribuintes comecem a pagar em dezembro de 2023 pela atualização do patrimônio nos fundos e não em maio, como o sr. previu. Qual o impacto nas contas deste ano?

É uma questão de estratégia de caixa do governo, não me oponho. É importante lembrar que o projeto original que eles mandaram já tinha previsto um pagamento em dezembro e o resto parcelado em 4 vezes. O que o governo quer fazer é antecipar uma parcela desses recursos para 2023 e deixar o resto para 2024. Deve dar algo próximo de R$ 700 milhões a R$ 1 bilhão em dezembro (de arrecadação para o governo).

Sobre o Fiagro (Fundo de Investimento do Agronegócio) e o FII (Fundo de Investimento Imobiliário), o sr. tem dito que deve fazer alterações para atender à bancada do agronegócio, que se queixou da exigência desses fundos terem no mínimo 300 cotistas para ter a isenção tributária. Como serão essas alterações?

Recebi boas sugestões sobre isso. Em vez de ficar nessa de vendedor de carros ‘não é 300 nem 50, são 150 cotistas’, tentando reduzir o número de cotistas para evitar os arranjos familiares, a gente resolve isso com outra exigência. Por exemplo, a CVM (Comissão de Valores Mobiliários) define que esses fundos têm de ter alguns requisitos básicos. O primeiro é que cada CPF não pode ter mais de 10% das cotas desses fundos, e segundo é que sejam listados na B3. Então, uma ideia é não deixar que a gestão do fundo seja feita por familiares que fazem isso a partir da junção de cotas de parentes com vínculo de até segundo grau. Não deixar, por exemplo, que haja um fundo em que mais de 50% dos cotistas sejam parentes com relação de até segundo grau (irmãos ou avós e netos). Isso para evitar que esses fundos se tornem só um conluio familiar para pagar menos imposto.

Por que não fazer o corte pelo número de cotistas?

Há preocupação no mercado que há muitos fundos que têm 50, 70 cotistas e que não necessariamente estão em grandes bancos. Eles reclamam que se a régua subir para 300 cotistas ou 500 cotistas, esses fundos só vão funcionar se estiverem em uma estrutura bancária gigante, para enxertar cotistas. Isso vai encarecer o mercado que foi criado para gerar crédito para grandes projetos imobiliários e projetos agro-industriais.

Isso atenderia à bancada do agronegócio?

100%, estou trabalhando com a bancada do agronegócio.

O sr. demonstrou discordância com o ajuste baseado na arrecadação. Esse assunto ainda divide os deputados ou está pacificado na Câmara?

Ou é isso ou é isso, né? Porque o arcabouço não fica de pé se não fechar a conta com arrecadação. Isso é absolutamente explícito. Cada um desses projetos de arrecadação, seja esse dos fundos de investimentos, seja o do JCP (Juros sobre Capital Próprio) e a MP 1185 (do ICMS), se não aprovar, como fecha a conta do resultado primário? Ou como fica de pé o Orçamento do ano que vem? Vamos abrir o ano que vem com um super-contingenciamento? Então, é isso ou é isso. O problema é que o prazo está acabando.

Não vê chance de entrar nesse cálculo alguma medida pelo lado da redução da despesa ou de o governo mudar a meta de zerar o déficit no ano que vem?

Eu acho que seria um suicídio para um governo que está construindo a sua credibilidade. Porque não é só mudar a meta, permitir ter um déficit maior em 2024. O problema é o seguinte: o arcabouço está engatilhado. Como faz com a regra que diz que se a receita que você previu não se realizar e, com isso, tiver de fazer um contingenciamento (bloqueio de despesas)? Será que o Congresso vai suportar um governo federal que esteja com o seu Orçamento todo contingenciado, comprometido, logo na largada? Imagina se não produzir esses resultados de receita, no ano que vem, os ministérios com os orçamentos todos contingenciados em ano de eleição.

Então acredita que o Congresso vai alterar a meta para evitar o contingenciamento?

Eu não desejo isso, eu sou da linha dos que defendem que o governo precisa tratar de despesa. Se não, corre o risco de, além de não bater a meta, ter de mudar o arcabouço para o governo cumprir seus compromissos que estão no Orçamento. Porque eu vejo com muito receio aquelas expectativas de receita serem concretizadas.

O problema se restringe ao meio político e ao risco de não cumprir compromissos políticos?

Tem um problema político e reputacional também. O mercado está todo desconfiado. Antes, havia uma esperança e até uma euforia com o arcabouço e a reforma tributária. Agora, eu acho que quanto mais vai chegando próximo do limite, mais gente acredita que o governo não vai conseguir realizar o resultado primário com o caminho que foi traçado. E que então algo vai acontecer. Ou ele traz despesa para o jogo ou vai apertar o setor privado, por exemplo, com mudanças de alíquota, tirar da cartola algum tipo de aumento de carga tributária, ou simplesmente mudar a meta.

É inviável contingenciar no ano que vem?

Acredito que haverá dificuldade, politicamente, em um contingenciamento. Pode ter gente dentro da Fazenda com a recomendação e a determinação para isso. Mas como segurar o resto do governo? E não digo apenas o núcleo da base do governo, que, aliás, sequer acredita no arcabouço e no conceito de equilíbrio fiscal e déficit zero, mas também a base estendida do governo. Ou a base super estendida, que naturalmente também pressiona por orçamento e que vai ter a sua dose de reclamação de ter um orçamento contingenciado. Por exemplo, os ministérios do Transporte (entregue ao MDB), da Agricultura (ao PSD), do Esporte (ao PP), que não estão sendo ocupados pelo núcleo duro da base do governo, mas é uma base estendida.

Ainda assim, o sr. não acredita que o governo deva rever a meta?

De forma alguma, na minha opinião seria um desastre.

No início da tramitação do projeto de tributação dos fundos dos super-ricos, o sr. se propôs a tratar da mudança tributária dos juros sobre capital próprio (JCP) - um tipo de benefício tributário concedido a empresas na remuneração de seus acionistas. Desistiu ou ainda fará uma nova tentativa?

Vamos separar. Percebi que o assunto está muito verde e se a gente colocar agora vai atrapalhar a velocidade de aprovação (da taxação) dos fundos. A ideia é continuar a discussão do JCP e até acelerar, porque eu acredito que um mérito trazido com a discussão foi o de retirar o debate do 0 ou 1. Ou acaba com o JCP ou empurra com a barriga do jeito que está agora. Todos os atores estão discutindo a reformulação do JCP, não o fim dele.

O sr. acredita que a taxação dos fundos será votada nesta semana?

Há um esforço, capitaneado pelo presidente em exercício Marcos Pereira (Republicanos-SP) para colocar para votar no dia 17. Mas a minha opinião é que, com esses pontos que ainda estão em aberto, como os offshore, acho que o mais provável é que a gente consiga votar no dia 24. Independentemente disso, do dia 24, não passa. Pelo menos essa é a minha percepção.

BRASÍLIA - O deputado Pedro Paulo (PSD-RJ) assumiu a relatoria de um dos principais projetos planejados pelo governo para ampliar a arrecadação: a taxação dos fundos de investidores de alta renda no Brasil (chamados de exclusivos) e os sediados em paraísos fiscais (offshore). O Ministério da Fazenda espera arrecadar R$ 20 bilhões de largada com a taxação desses fundos.

Ainda que seja crítico da estratégia da equipe econômica de alcançar o ajuste apenas pelo aumento de receita, Pedro Paulo avalia que o tempo se esgota sem que alternativas tenham sido colocadas. O principal risco apontado pelo deputado é o governo não conseguir sustentar politicamente uma execução mais dura do Orçamento em 2024, quando estreia o novo arcabouço fiscal, em caso de frustração na arrecadação.

Caso as receitas programadas pelo governo não se cumpram, a Fazenda terá de contingenciar (bloquear) parte dos gastos previstos para 2024.

“Será que o Congresso vai suportar um governo federal que esteja com o seu Orçamento todo contingenciado, comprometido, logo na largada? Imagina, no ano que vem, os ministérios com os orçamentos todos contingenciados em ano de eleição”, afirma.

Nesta entrevista exclusiva ao Estadão, Pedro Paulo apontou a principal preocupação que tem ouvido em conversas com investidores e tributaristas do mercado financeiro. Eles estão apreensivos com a diferença tributária aberta entre os fundos no Brasil, que ele chama de onshore, e os fundos no exterior, os offshore.

“O raciocínio é: ‘já que eu vou ser cobrado em 22,5%, será que eu volto para o Brasil para ser taxado como os demais fundos em 15% ou eu atualizo meu patrimônio e saio de vez?’”, afirma, referindo-se ao risco de investidores de alto calibre deixarem o País.

Este é um tema que pode retardar a votação do projeto em mais uma semana, ainda que o presidente em exercício, Marcos Pereira (Republicanos-SP) tenha demonstrado interesse em colocá-lo para votar nesta terça (17) ou quarta-feira (18). Arthur Lira (PP-AL) e os principais líderes partidários da Casa estão em viagem no exterior.

Pedro Paulo também já achou a fórmula para atender à bancada do agronegócio, que se queixou de mudanças no número de cotistas exigido do Fiagro (Fundo de Investimentos do Agronegócio). A proposta dele será limitar que esses fundos sejam compostos majoritariamente (acima de 50%) de cotistas da mesma família com grau de parentesco de segundo grau.

A seguir os principais trechos da entrevista:

Para o Deputado Pedro Paulo, mudar a meta fiscal no ano que vem seria um 'suicídio' Foto: Agência Câmara

O sr. tem feito conversas com investidores e tributaristas sobre a taxação dos fundos de super-ricos. Quais são as preocupações que tem ouvido?

Tenho ouvido relatos quanto à assimetria criada pelo projeto de lei entre os fundos onshore (ou fundos exclusivos) e os offshore (sediados em paraísos fiscais). (O ganho obtido no) fundo offshore vai ser tributado anualmente em 22,5%. Porque a régua que o governo criou é muito baixa. Até R$ 6 mil (de ganhos) terão alíquota zero, de R$ 6 mil a R$ 50 mil, será 15%, mas a maioria vai ficar no topo, em que os ganhos anuais superam R$ 50 mil e serão taxados em 22,5%. Já nos fundos exclusivos, no Brasil, haverá as alíquotas de 15% (para fundos de perfil de longo prazo) e 20% (para fundos de curto prazo), como funciona o come-cotas tradicional. Então, essa diferença entre os 15% (do onshore) e os 22,5% (do offshore) está chamando atenção.

Como pretende resolver?

Estamos conversando, porque o mercado de fundos de investimento no Brasil é um mercado de R$ 8 trilhões. Se a gente olhar só os fundos exclusivos, a gente pode estar falando, a depender do recorte, de cerca de R$ 1 trilhão de patrimônio. Quando se fala em offshore, podemos estar falando de outro R$ 1 trilhão só pela métrica do patrimônio da aquisição, sem contar o valor atualizado. Então, olha o volume de recursos com que nós estamos mexendo na tributação. A preocupação que eu venho trazendo é qual é o impacto no fim da linha no mercado de capitais com uma medida tributária como essa. Vamos acabar com os fundos exclusivos? Não. Mas talvez haja uma diversificação desses ativos, reduzindo esse mercado, uma vez que ele perde o seu principal pilar de atração, que é a vantagem tributária em relação aos fundos de condomínio aberto.

E o que pode acontecer?

A questão é para onde vão esses recursos. Provavelmente vão buscar ativos que preservem o incentivo tributário. Mas daí os CRAs e os CRIS (certificados de recebíveis do agronegócio e imobiliário), as LCAs e LCIs (letras de crédito do agronegócio e imobiliária), as debêntures de infraestrutura, os fundos de ações vão suportar esse movimento? E o que vai acontecer com o offshore? Esse investidor vai repatriar esse recurso ou um super-rico desses vai aproveitar o gancho, com a xepa que ele vai ter de (pagar Imposto de Renda de) 6% para atualizar o patrimônio e vai querer fazer a mudança de domicílio fiscal? O raciocínio é: ‘já que eu vou ser cobrado em 22,5%, será que eu volto para o Brasil para ser taxado como os demais fundos em 15% ou eu atualizo meu patrimônio em 6%, que é uma alíquota excelente, e saio de vez?’. É importante lembrar que se ele realizar hoje este investimento, se der a baixa, ele paga 27,5% (de IR sobre os ganhos auferidos).

Há risco de eles deixarem o País?

Toda vez que você muda uma alíquota ou imputa uma alíquota que não existia, ainda mais neste mercado, onde os recursos são muito voláteis, é preciso ter muito cuidado. A gente sabe que alguma base vai erodir, vai migrar, mas a gente não sabe quais são todos os efeitos disso. O efeito da arrecadação lógico, o governo precisa e nós estamos juntos para ajudar nessa tarefa que o governo escolheu, de fechar o arcabouço fiscal com arrecadação, independentemente das nossas concordâncias ou não. Agora, e o passo seguinte? O importante é pensar que esses investidores de fundos offshore são pessoas que têm acesso aos mercados, que têm gestores profissionais, grandes advogados pensando em soluções em que o sujeito possa ter um planejamento que pague menos imposto.

Pretende igualar as condições do onshore e offshore?

Ainda que haja algo de justiça nessa diferença, vejo que o governo tem a expectativa de repatriar algum recurso (com incentivo para os investidores de fundos offshore voltarem para o Brasil). Mas o mercado reclamou. Quais seriam então os efeitos de se igualar? E qual o impacto sobre a arrecadação? Vai aqui minha reclamação: a Receita Federal não abriu esses dados, o quanto desse volume de arrecadação esperada é de atualização do patrimônio e o quanto é de arrecadação do come-cotas. Então, é difícil também fazer uma recalibragem, porque não se sabe os efeitos naquilo que o governo está mais obcecado, que é a arrecadação.

A Receita informou qual será o impacto na arrecadação com a redução na tributação da atualização do patrimônio de 10% para 6%?

Não houve cálculo, mas muita expectativa deles é de que haveria uma compensação. Que a redução seria compensada com o maior interesse de investidores, no caso dos offshore, em que isso é facultativo, de aproveitar a alíquota mais baixa e atualizar o patrimônio.

O governo pediu uma alteração no seu texto, prevendo que os contribuintes comecem a pagar em dezembro de 2023 pela atualização do patrimônio nos fundos e não em maio, como o sr. previu. Qual o impacto nas contas deste ano?

É uma questão de estratégia de caixa do governo, não me oponho. É importante lembrar que o projeto original que eles mandaram já tinha previsto um pagamento em dezembro e o resto parcelado em 4 vezes. O que o governo quer fazer é antecipar uma parcela desses recursos para 2023 e deixar o resto para 2024. Deve dar algo próximo de R$ 700 milhões a R$ 1 bilhão em dezembro (de arrecadação para o governo).

Sobre o Fiagro (Fundo de Investimento do Agronegócio) e o FII (Fundo de Investimento Imobiliário), o sr. tem dito que deve fazer alterações para atender à bancada do agronegócio, que se queixou da exigência desses fundos terem no mínimo 300 cotistas para ter a isenção tributária. Como serão essas alterações?

Recebi boas sugestões sobre isso. Em vez de ficar nessa de vendedor de carros ‘não é 300 nem 50, são 150 cotistas’, tentando reduzir o número de cotistas para evitar os arranjos familiares, a gente resolve isso com outra exigência. Por exemplo, a CVM (Comissão de Valores Mobiliários) define que esses fundos têm de ter alguns requisitos básicos. O primeiro é que cada CPF não pode ter mais de 10% das cotas desses fundos, e segundo é que sejam listados na B3. Então, uma ideia é não deixar que a gestão do fundo seja feita por familiares que fazem isso a partir da junção de cotas de parentes com vínculo de até segundo grau. Não deixar, por exemplo, que haja um fundo em que mais de 50% dos cotistas sejam parentes com relação de até segundo grau (irmãos ou avós e netos). Isso para evitar que esses fundos se tornem só um conluio familiar para pagar menos imposto.

Por que não fazer o corte pelo número de cotistas?

Há preocupação no mercado que há muitos fundos que têm 50, 70 cotistas e que não necessariamente estão em grandes bancos. Eles reclamam que se a régua subir para 300 cotistas ou 500 cotistas, esses fundos só vão funcionar se estiverem em uma estrutura bancária gigante, para enxertar cotistas. Isso vai encarecer o mercado que foi criado para gerar crédito para grandes projetos imobiliários e projetos agro-industriais.

Isso atenderia à bancada do agronegócio?

100%, estou trabalhando com a bancada do agronegócio.

O sr. demonstrou discordância com o ajuste baseado na arrecadação. Esse assunto ainda divide os deputados ou está pacificado na Câmara?

Ou é isso ou é isso, né? Porque o arcabouço não fica de pé se não fechar a conta com arrecadação. Isso é absolutamente explícito. Cada um desses projetos de arrecadação, seja esse dos fundos de investimentos, seja o do JCP (Juros sobre Capital Próprio) e a MP 1185 (do ICMS), se não aprovar, como fecha a conta do resultado primário? Ou como fica de pé o Orçamento do ano que vem? Vamos abrir o ano que vem com um super-contingenciamento? Então, é isso ou é isso. O problema é que o prazo está acabando.

Não vê chance de entrar nesse cálculo alguma medida pelo lado da redução da despesa ou de o governo mudar a meta de zerar o déficit no ano que vem?

Eu acho que seria um suicídio para um governo que está construindo a sua credibilidade. Porque não é só mudar a meta, permitir ter um déficit maior em 2024. O problema é o seguinte: o arcabouço está engatilhado. Como faz com a regra que diz que se a receita que você previu não se realizar e, com isso, tiver de fazer um contingenciamento (bloqueio de despesas)? Será que o Congresso vai suportar um governo federal que esteja com o seu Orçamento todo contingenciado, comprometido, logo na largada? Imagina se não produzir esses resultados de receita, no ano que vem, os ministérios com os orçamentos todos contingenciados em ano de eleição.

Então acredita que o Congresso vai alterar a meta para evitar o contingenciamento?

Eu não desejo isso, eu sou da linha dos que defendem que o governo precisa tratar de despesa. Se não, corre o risco de, além de não bater a meta, ter de mudar o arcabouço para o governo cumprir seus compromissos que estão no Orçamento. Porque eu vejo com muito receio aquelas expectativas de receita serem concretizadas.

O problema se restringe ao meio político e ao risco de não cumprir compromissos políticos?

Tem um problema político e reputacional também. O mercado está todo desconfiado. Antes, havia uma esperança e até uma euforia com o arcabouço e a reforma tributária. Agora, eu acho que quanto mais vai chegando próximo do limite, mais gente acredita que o governo não vai conseguir realizar o resultado primário com o caminho que foi traçado. E que então algo vai acontecer. Ou ele traz despesa para o jogo ou vai apertar o setor privado, por exemplo, com mudanças de alíquota, tirar da cartola algum tipo de aumento de carga tributária, ou simplesmente mudar a meta.

É inviável contingenciar no ano que vem?

Acredito que haverá dificuldade, politicamente, em um contingenciamento. Pode ter gente dentro da Fazenda com a recomendação e a determinação para isso. Mas como segurar o resto do governo? E não digo apenas o núcleo da base do governo, que, aliás, sequer acredita no arcabouço e no conceito de equilíbrio fiscal e déficit zero, mas também a base estendida do governo. Ou a base super estendida, que naturalmente também pressiona por orçamento e que vai ter a sua dose de reclamação de ter um orçamento contingenciado. Por exemplo, os ministérios do Transporte (entregue ao MDB), da Agricultura (ao PSD), do Esporte (ao PP), que não estão sendo ocupados pelo núcleo duro da base do governo, mas é uma base estendida.

Ainda assim, o sr. não acredita que o governo deva rever a meta?

De forma alguma, na minha opinião seria um desastre.

No início da tramitação do projeto de tributação dos fundos dos super-ricos, o sr. se propôs a tratar da mudança tributária dos juros sobre capital próprio (JCP) - um tipo de benefício tributário concedido a empresas na remuneração de seus acionistas. Desistiu ou ainda fará uma nova tentativa?

Vamos separar. Percebi que o assunto está muito verde e se a gente colocar agora vai atrapalhar a velocidade de aprovação (da taxação) dos fundos. A ideia é continuar a discussão do JCP e até acelerar, porque eu acredito que um mérito trazido com a discussão foi o de retirar o debate do 0 ou 1. Ou acaba com o JCP ou empurra com a barriga do jeito que está agora. Todos os atores estão discutindo a reformulação do JCP, não o fim dele.

O sr. acredita que a taxação dos fundos será votada nesta semana?

Há um esforço, capitaneado pelo presidente em exercício Marcos Pereira (Republicanos-SP) para colocar para votar no dia 17. Mas a minha opinião é que, com esses pontos que ainda estão em aberto, como os offshore, acho que o mais provável é que a gente consiga votar no dia 24. Independentemente disso, do dia 24, não passa. Pelo menos essa é a minha percepção.

BRASÍLIA - O deputado Pedro Paulo (PSD-RJ) assumiu a relatoria de um dos principais projetos planejados pelo governo para ampliar a arrecadação: a taxação dos fundos de investidores de alta renda no Brasil (chamados de exclusivos) e os sediados em paraísos fiscais (offshore). O Ministério da Fazenda espera arrecadar R$ 20 bilhões de largada com a taxação desses fundos.

Ainda que seja crítico da estratégia da equipe econômica de alcançar o ajuste apenas pelo aumento de receita, Pedro Paulo avalia que o tempo se esgota sem que alternativas tenham sido colocadas. O principal risco apontado pelo deputado é o governo não conseguir sustentar politicamente uma execução mais dura do Orçamento em 2024, quando estreia o novo arcabouço fiscal, em caso de frustração na arrecadação.

Caso as receitas programadas pelo governo não se cumpram, a Fazenda terá de contingenciar (bloquear) parte dos gastos previstos para 2024.

“Será que o Congresso vai suportar um governo federal que esteja com o seu Orçamento todo contingenciado, comprometido, logo na largada? Imagina, no ano que vem, os ministérios com os orçamentos todos contingenciados em ano de eleição”, afirma.

Nesta entrevista exclusiva ao Estadão, Pedro Paulo apontou a principal preocupação que tem ouvido em conversas com investidores e tributaristas do mercado financeiro. Eles estão apreensivos com a diferença tributária aberta entre os fundos no Brasil, que ele chama de onshore, e os fundos no exterior, os offshore.

“O raciocínio é: ‘já que eu vou ser cobrado em 22,5%, será que eu volto para o Brasil para ser taxado como os demais fundos em 15% ou eu atualizo meu patrimônio e saio de vez?’”, afirma, referindo-se ao risco de investidores de alto calibre deixarem o País.

Este é um tema que pode retardar a votação do projeto em mais uma semana, ainda que o presidente em exercício, Marcos Pereira (Republicanos-SP) tenha demonstrado interesse em colocá-lo para votar nesta terça (17) ou quarta-feira (18). Arthur Lira (PP-AL) e os principais líderes partidários da Casa estão em viagem no exterior.

Pedro Paulo também já achou a fórmula para atender à bancada do agronegócio, que se queixou de mudanças no número de cotistas exigido do Fiagro (Fundo de Investimentos do Agronegócio). A proposta dele será limitar que esses fundos sejam compostos majoritariamente (acima de 50%) de cotistas da mesma família com grau de parentesco de segundo grau.

A seguir os principais trechos da entrevista:

Para o Deputado Pedro Paulo, mudar a meta fiscal no ano que vem seria um 'suicídio' Foto: Agência Câmara

O sr. tem feito conversas com investidores e tributaristas sobre a taxação dos fundos de super-ricos. Quais são as preocupações que tem ouvido?

Tenho ouvido relatos quanto à assimetria criada pelo projeto de lei entre os fundos onshore (ou fundos exclusivos) e os offshore (sediados em paraísos fiscais). (O ganho obtido no) fundo offshore vai ser tributado anualmente em 22,5%. Porque a régua que o governo criou é muito baixa. Até R$ 6 mil (de ganhos) terão alíquota zero, de R$ 6 mil a R$ 50 mil, será 15%, mas a maioria vai ficar no topo, em que os ganhos anuais superam R$ 50 mil e serão taxados em 22,5%. Já nos fundos exclusivos, no Brasil, haverá as alíquotas de 15% (para fundos de perfil de longo prazo) e 20% (para fundos de curto prazo), como funciona o come-cotas tradicional. Então, essa diferença entre os 15% (do onshore) e os 22,5% (do offshore) está chamando atenção.

Como pretende resolver?

Estamos conversando, porque o mercado de fundos de investimento no Brasil é um mercado de R$ 8 trilhões. Se a gente olhar só os fundos exclusivos, a gente pode estar falando, a depender do recorte, de cerca de R$ 1 trilhão de patrimônio. Quando se fala em offshore, podemos estar falando de outro R$ 1 trilhão só pela métrica do patrimônio da aquisição, sem contar o valor atualizado. Então, olha o volume de recursos com que nós estamos mexendo na tributação. A preocupação que eu venho trazendo é qual é o impacto no fim da linha no mercado de capitais com uma medida tributária como essa. Vamos acabar com os fundos exclusivos? Não. Mas talvez haja uma diversificação desses ativos, reduzindo esse mercado, uma vez que ele perde o seu principal pilar de atração, que é a vantagem tributária em relação aos fundos de condomínio aberto.

E o que pode acontecer?

A questão é para onde vão esses recursos. Provavelmente vão buscar ativos que preservem o incentivo tributário. Mas daí os CRAs e os CRIS (certificados de recebíveis do agronegócio e imobiliário), as LCAs e LCIs (letras de crédito do agronegócio e imobiliária), as debêntures de infraestrutura, os fundos de ações vão suportar esse movimento? E o que vai acontecer com o offshore? Esse investidor vai repatriar esse recurso ou um super-rico desses vai aproveitar o gancho, com a xepa que ele vai ter de (pagar Imposto de Renda de) 6% para atualizar o patrimônio e vai querer fazer a mudança de domicílio fiscal? O raciocínio é: ‘já que eu vou ser cobrado em 22,5%, será que eu volto para o Brasil para ser taxado como os demais fundos em 15% ou eu atualizo meu patrimônio em 6%, que é uma alíquota excelente, e saio de vez?’. É importante lembrar que se ele realizar hoje este investimento, se der a baixa, ele paga 27,5% (de IR sobre os ganhos auferidos).

Há risco de eles deixarem o País?

Toda vez que você muda uma alíquota ou imputa uma alíquota que não existia, ainda mais neste mercado, onde os recursos são muito voláteis, é preciso ter muito cuidado. A gente sabe que alguma base vai erodir, vai migrar, mas a gente não sabe quais são todos os efeitos disso. O efeito da arrecadação lógico, o governo precisa e nós estamos juntos para ajudar nessa tarefa que o governo escolheu, de fechar o arcabouço fiscal com arrecadação, independentemente das nossas concordâncias ou não. Agora, e o passo seguinte? O importante é pensar que esses investidores de fundos offshore são pessoas que têm acesso aos mercados, que têm gestores profissionais, grandes advogados pensando em soluções em que o sujeito possa ter um planejamento que pague menos imposto.

Pretende igualar as condições do onshore e offshore?

Ainda que haja algo de justiça nessa diferença, vejo que o governo tem a expectativa de repatriar algum recurso (com incentivo para os investidores de fundos offshore voltarem para o Brasil). Mas o mercado reclamou. Quais seriam então os efeitos de se igualar? E qual o impacto sobre a arrecadação? Vai aqui minha reclamação: a Receita Federal não abriu esses dados, o quanto desse volume de arrecadação esperada é de atualização do patrimônio e o quanto é de arrecadação do come-cotas. Então, é difícil também fazer uma recalibragem, porque não se sabe os efeitos naquilo que o governo está mais obcecado, que é a arrecadação.

A Receita informou qual será o impacto na arrecadação com a redução na tributação da atualização do patrimônio de 10% para 6%?

Não houve cálculo, mas muita expectativa deles é de que haveria uma compensação. Que a redução seria compensada com o maior interesse de investidores, no caso dos offshore, em que isso é facultativo, de aproveitar a alíquota mais baixa e atualizar o patrimônio.

O governo pediu uma alteração no seu texto, prevendo que os contribuintes comecem a pagar em dezembro de 2023 pela atualização do patrimônio nos fundos e não em maio, como o sr. previu. Qual o impacto nas contas deste ano?

É uma questão de estratégia de caixa do governo, não me oponho. É importante lembrar que o projeto original que eles mandaram já tinha previsto um pagamento em dezembro e o resto parcelado em 4 vezes. O que o governo quer fazer é antecipar uma parcela desses recursos para 2023 e deixar o resto para 2024. Deve dar algo próximo de R$ 700 milhões a R$ 1 bilhão em dezembro (de arrecadação para o governo).

Sobre o Fiagro (Fundo de Investimento do Agronegócio) e o FII (Fundo de Investimento Imobiliário), o sr. tem dito que deve fazer alterações para atender à bancada do agronegócio, que se queixou da exigência desses fundos terem no mínimo 300 cotistas para ter a isenção tributária. Como serão essas alterações?

Recebi boas sugestões sobre isso. Em vez de ficar nessa de vendedor de carros ‘não é 300 nem 50, são 150 cotistas’, tentando reduzir o número de cotistas para evitar os arranjos familiares, a gente resolve isso com outra exigência. Por exemplo, a CVM (Comissão de Valores Mobiliários) define que esses fundos têm de ter alguns requisitos básicos. O primeiro é que cada CPF não pode ter mais de 10% das cotas desses fundos, e segundo é que sejam listados na B3. Então, uma ideia é não deixar que a gestão do fundo seja feita por familiares que fazem isso a partir da junção de cotas de parentes com vínculo de até segundo grau. Não deixar, por exemplo, que haja um fundo em que mais de 50% dos cotistas sejam parentes com relação de até segundo grau (irmãos ou avós e netos). Isso para evitar que esses fundos se tornem só um conluio familiar para pagar menos imposto.

Por que não fazer o corte pelo número de cotistas?

Há preocupação no mercado que há muitos fundos que têm 50, 70 cotistas e que não necessariamente estão em grandes bancos. Eles reclamam que se a régua subir para 300 cotistas ou 500 cotistas, esses fundos só vão funcionar se estiverem em uma estrutura bancária gigante, para enxertar cotistas. Isso vai encarecer o mercado que foi criado para gerar crédito para grandes projetos imobiliários e projetos agro-industriais.

Isso atenderia à bancada do agronegócio?

100%, estou trabalhando com a bancada do agronegócio.

O sr. demonstrou discordância com o ajuste baseado na arrecadação. Esse assunto ainda divide os deputados ou está pacificado na Câmara?

Ou é isso ou é isso, né? Porque o arcabouço não fica de pé se não fechar a conta com arrecadação. Isso é absolutamente explícito. Cada um desses projetos de arrecadação, seja esse dos fundos de investimentos, seja o do JCP (Juros sobre Capital Próprio) e a MP 1185 (do ICMS), se não aprovar, como fecha a conta do resultado primário? Ou como fica de pé o Orçamento do ano que vem? Vamos abrir o ano que vem com um super-contingenciamento? Então, é isso ou é isso. O problema é que o prazo está acabando.

Não vê chance de entrar nesse cálculo alguma medida pelo lado da redução da despesa ou de o governo mudar a meta de zerar o déficit no ano que vem?

Eu acho que seria um suicídio para um governo que está construindo a sua credibilidade. Porque não é só mudar a meta, permitir ter um déficit maior em 2024. O problema é o seguinte: o arcabouço está engatilhado. Como faz com a regra que diz que se a receita que você previu não se realizar e, com isso, tiver de fazer um contingenciamento (bloqueio de despesas)? Será que o Congresso vai suportar um governo federal que esteja com o seu Orçamento todo contingenciado, comprometido, logo na largada? Imagina se não produzir esses resultados de receita, no ano que vem, os ministérios com os orçamentos todos contingenciados em ano de eleição.

Então acredita que o Congresso vai alterar a meta para evitar o contingenciamento?

Eu não desejo isso, eu sou da linha dos que defendem que o governo precisa tratar de despesa. Se não, corre o risco de, além de não bater a meta, ter de mudar o arcabouço para o governo cumprir seus compromissos que estão no Orçamento. Porque eu vejo com muito receio aquelas expectativas de receita serem concretizadas.

O problema se restringe ao meio político e ao risco de não cumprir compromissos políticos?

Tem um problema político e reputacional também. O mercado está todo desconfiado. Antes, havia uma esperança e até uma euforia com o arcabouço e a reforma tributária. Agora, eu acho que quanto mais vai chegando próximo do limite, mais gente acredita que o governo não vai conseguir realizar o resultado primário com o caminho que foi traçado. E que então algo vai acontecer. Ou ele traz despesa para o jogo ou vai apertar o setor privado, por exemplo, com mudanças de alíquota, tirar da cartola algum tipo de aumento de carga tributária, ou simplesmente mudar a meta.

É inviável contingenciar no ano que vem?

Acredito que haverá dificuldade, politicamente, em um contingenciamento. Pode ter gente dentro da Fazenda com a recomendação e a determinação para isso. Mas como segurar o resto do governo? E não digo apenas o núcleo da base do governo, que, aliás, sequer acredita no arcabouço e no conceito de equilíbrio fiscal e déficit zero, mas também a base estendida do governo. Ou a base super estendida, que naturalmente também pressiona por orçamento e que vai ter a sua dose de reclamação de ter um orçamento contingenciado. Por exemplo, os ministérios do Transporte (entregue ao MDB), da Agricultura (ao PSD), do Esporte (ao PP), que não estão sendo ocupados pelo núcleo duro da base do governo, mas é uma base estendida.

Ainda assim, o sr. não acredita que o governo deva rever a meta?

De forma alguma, na minha opinião seria um desastre.

No início da tramitação do projeto de tributação dos fundos dos super-ricos, o sr. se propôs a tratar da mudança tributária dos juros sobre capital próprio (JCP) - um tipo de benefício tributário concedido a empresas na remuneração de seus acionistas. Desistiu ou ainda fará uma nova tentativa?

Vamos separar. Percebi que o assunto está muito verde e se a gente colocar agora vai atrapalhar a velocidade de aprovação (da taxação) dos fundos. A ideia é continuar a discussão do JCP e até acelerar, porque eu acredito que um mérito trazido com a discussão foi o de retirar o debate do 0 ou 1. Ou acaba com o JCP ou empurra com a barriga do jeito que está agora. Todos os atores estão discutindo a reformulação do JCP, não o fim dele.

O sr. acredita que a taxação dos fundos será votada nesta semana?

Há um esforço, capitaneado pelo presidente em exercício Marcos Pereira (Republicanos-SP) para colocar para votar no dia 17. Mas a minha opinião é que, com esses pontos que ainda estão em aberto, como os offshore, acho que o mais provável é que a gente consiga votar no dia 24. Independentemente disso, do dia 24, não passa. Pelo menos essa é a minha percepção.

Entrevista por Mariana Carneiro

Repórter especial de Economia em Brasília. Foi editora da Coluna do Estadão. Graduada em comunicação social pela PUC-Rio, com MBA em mercado financeiro pela B3 e especialização em análise de conjuntura econômica pela UFRJ. Foi correspondente na Argentina (2015) pela Folha de S.Paulo e também trabalhou em O Globo, TV Globo, JB e Jornal do Commercio.

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