BRASÍLIA - Depois de focar nos grandes “jabutis tributários”, a Receita Federal agora fará um pente-fino nos mais de 200 benefícios fiscais existentes no País. A maioria deles é considerada “invisível” por ter valores menos substanciais — na casa dos milhões e não dos bilhões ― , e pelo fato de o governo ter pouca informação e controle sobre eles.
A proposta, que consta de um Projeto de Lei enviado ao Congresso, é que as empresas sejam obrigadas a preencher uma declaração eletrônica listando todos os incentivos que possuem. A partir daí, o Fisco identificará as companhias em situação irregular, ou seja, que usufruem dos benefícios sem ter direito, e fará, então, a exclusão.
“Muitos desses benefícios são aprovados pelo Congresso sem nenhum tipo de possibilidade de controle, porque eles são de autofruição (não tem pré-requisitos). O contribuinte recebe o benefício e simplesmente deixa de pagar o tributo”, afirma o secretário da Receita Federal, Robinson Barreirinhas. “Isso tira a governança do poder público em relação a essas centenas de regimes”, diz.
Segundo o secretário, o formulário será da fácil preenchimento, sem necessidade de envio de documentação. “A Receita vai puxar do sistema os documentos e verificar se a empresa preenche os requisitos para aqueles benefícios. Em seguida, informará se ela tem ou não direito”, diz.
Uma companhia que tenha sido condenada pela Lei de Improbidade, por exemplo, não poderá fazer uso desses benefícios. Outros impedimentos podem estar relacionados à Lei Anticorrupção ou a legislações ambientais. Se estiver usufruindo do benefício indevidamente, o contribuinte estará sujeito a punições, além da exclusão do regime diferenciado.
Atualmente, afirma Barreirinhas, o governo não consegue enxergar quem está sendo beneficiado por esses incentivos, com quais valores e se os objetivos da política pública estão, de fato, sendo atingidos. “Com esse controle eletrônico, que será muito simples, nós daremos instrumentos para, eventualmente, os Ministérios da Agricultura, do Desenvolvimento e da Indústria analisarem os dados e os resultados da política”, diz.
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A ideia é que o mapeamento também auxilie o governo na tarefa de reduzir esses benefícios — como determina a própria Constituição. Isso porque, em 2021, o Congresso aprovou uma emenda que estabelece que, até 2029, o custo dessas medidas, em termos de renúncia fiscal, esteja limitado a 2% do PIB. Atualmente, a estimativa é que elas equivalham a 4,5% do PIB.
“Quem sabe, na hora que a gente classificar e orientar o contribuinte, mostrando que ele não tem direito, a gente, sem revogar nenhum incentivo, consiga reduzir esse porcentual (de 4,5%). É uma forma inteligente de enxergar esses benefícios antes de sair cortando”, afirma o secretário.
Segundo o Fisco, os benefícios fiscais serão incluídos nessa análise progressivamente. Os incentivos ligados ao Imposto de Renda da Pessoa Física, por exemplo, não entrarão no curto prazo, já que serão alvo de uma proposta de reforma que deve ser enviada pelo governo ao Congresso até o fim de março. O Simples Nacional, que tem uma dinâmica mais clara de entrada e saída do contribuinte, também não será analisado.
Já o Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse), que, segundo o Fisco, vem sendo utilizado indevidamente, será um dos focos mais imediatos desse pente-fino. “Teremos um controle mais amplo do Perse. Ele é preocupante, sempre foi e está no nosso foco”, afirma Barreirinhas.
Além da revisão dos benefícios fiscais, o Projeto de Lei enviado ao Congresso estabelece novas diretrizes aos programas de conformidade, para premiar os bons pagadores de impostos, e cria uma espécie de lista do “nome sujo” para os devedores contumazes.
Dentre as recompensas previstas aos bons contribuintes estão a redução progressiva no pagamento da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), de até 3%, e a possibilidade de autorregulação em um prazo de 60 dias. Há também vedação de arrolamento de bens e preferência em licitações.
Segundo Barreirinhas, a ideia que norteia o projeto é o de uma Receita Federal que deixa de ser “punitiva” para ser “orientadora” dos contribuintes. O próximo passo será negociar o texto - que foi enviado com urgência constitucional, ou seja, prevendo tramitação acelerada - com os parlamentares, que retomam as atividades legislativas na próxima semana.