Diante dos efeitos defasados do aperto monetário, da persistência da inflação, dos riscos geopolíticos e da crise energética — que poderá ganhar força na chegada do inverno europeu —, a Europa está vendo uma desaceleração em diversos setores econômicos. Com crescimentos modestos, analistas consultados pelo Estadão/Broadcast destacam que a zona do euro e o Reino Unido devem enfrentar uma recessão branda, mas persistente.
O Produto Interno Bruto (PIB) da zona do euro caiu 0,1% no primeiro trimestre, na comparação com o anterior, de acordo com a terceira estimativa do dado, publicada nesta quinta-feira, 8, pela agência oficial de estatísticas da União Europeia, a Eurostat. Além disso, o PIB do quarto trimestre foi revisado, de estabilidade ante o terceiro trimestre de 2022 para uma queda de 0,1%. Com isso, os números mostram recessão técnica na zona do euro no período, com queda no PIB em dois trimestres consecutivos.
Após apresentar duas contrações trimestrais seguidas em seu PIB, a Alemanha foi o primeiro país do G7 a entrar em recessão técnica. E, segundo o Commerzbank, segundo maior banco comercial do país, a fraqueza deverá se seguir no segundo semestre deste ano.
“Em média, as recessões desencadeadas por taxas de juros mais altas duram cinco trimestres na Alemanha. O comprimento varia consideravelmente. Por exemplo, a fase fraca após o estouro da bolha do mercado de ações em 2000 durou cerca de quatro anos, com três períodos em que o PIB caiu por pelo menos dois trimestres consecutivos”, relembra o banco alemão.
A situação confirmou temores de que o aperto monetário do Banco Central Europeu (BCE) e das principais economias esteja começando a prejudicar a atividade econômica.
Apesar de, até o momento, a Alemanha ser o único país da zona do euro a registrar duas contrações trimestrais seguidas do PIB, ele não deve ser o último, segundo analistas. Com crescimentos mais modestos, outras economias vêm flertando com o território negativo, ficando perto da estabilidade ou apresentando quedas do PIB na comparação entre trimestres.
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Para o professor André Galhardo, consultor econômico da Remessa Online, o crescimento da zona do euro vem sendo “anêmico” e abaixo das expectativas desde 2008, mesmo quando as taxas de juros estavam próximas ou igual a zero. Agora, com o aumento do aperto e diante de uma população “desacostumada” a juros altos, junto a uma inflação alta, a situação deverá apertar ainda mais para a região. “A Alemanha entrar em recessão técnica é um prenúncio de uma desaceleração mais forte de outros parques industriais europeus, como França e Itália”, indica o professor.
Galhardo prevê que a crise econômica que deverá ocorrer na zona do euro será branda, porém crônica, “que se renova” e que será difícil sair dessa posição. “Acho que todos os países da zona do euro estão expostos de modo geral, mas certamente a Espanha também possui um risco, assim como Estônia, Lituânia… É um risco meio generalizado”, especifica o professor.
Ele destaca ainda que, apesar de a guerra da Ucrânia já estar precificada, ainda tem um peso que poderá se desenvolver em mais riscos, ainda movimentando o mercado, também em relação aos preços de energia, que poderão aumentar caso haja uma nova movimentação agressiva do conflito.
Segundo ele, entretanto, a reeleição de Recep Tayyip Erdogan como presidente da Turquia traz um pouco de “tranquilidade”, visto que ele “tem trazido o presidente russo, Vladimir Putin, para perto do presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, para um acordo de transporte de commodities pelo Mar Negro”. Entretanto, alerta para o “risco do acordo acabar, da guerra ficar pior, de prejudicar o abastecimento de fertilizantes, aço, energia, petróleo, gás”.
De qualquer forma, uma recessão branda é o cenário-base da Oxford Economics, que aposta na continuidade da desaceleração, mas aponta como “improvável” uma queda total dos empréstimos. A desaceleração além do esperado da inflação da zona do euro em maio e o tom considerado “hawkish” (incisivo) da presidente do Banco Central, Christine Lagarde, alimentam preocupações de “aperto excessivo”.
Reino Unido
Fora da zona do euro, mas seguindo a situação europeia, o Reino Unido escapou do cenário de recessão após conseguir crescer 0,1% no quatro trimestre ante o terceiro, após ter tido contração de 0,3% no terceiro trimestre. A avaliação, segundo o último relatório do Fundo Monetário Internacional (FMI), é que o país evite uma recessão e consiga um crescimento de 0,3% em 2023.
Entretanto, a visão do fundo não é a mesma da Capital Economics, que indica que, mesmo com o país registrando ligeiro crescimento no primeiro trimestre, ainda poderá enfrentar uma recessão no horizonte de curto prazo, com os efeitos defasados do aperto monetário vigente pelo Banco da Inglaterra (BoE).
“Achamos que a recessão começará mais tarde do que pensávamos anteriormente e, como as famílias e as empresas estão atualmente em uma posição mais forte, será menor do que pensávamos anteriormente. Agora acreditamos que uma recessão começará no segundo semestre deste ano e continuará no início de 2024 e que o declínio do PIB real será de cerca de 0,5%, em vez de 1,0%”, destaca a consultoria britânica.
Já o economista Russ Mould, da AJ Bell, apesar de confirmar a possibilidade de recessão, destaca que o crescimento do país vem apresentando taxas de crescimento pouco “impressionantes”, destacando os riscos para a economia do Reino Unido.
“A pior coisa que poderia acontecer agora seria outra alta no preço do petróleo. Preços mais altos de combustível e energia são um fardo para as margens de lucro das empresas e efetivamente um imposto sobre os bolsos dos consumidores. Petróleo mais alto também, potencialmente, alimentaria mais inflação, alimentaria mais demandas salariais e criaria o tipo de círculo vicioso visto na década de 1970 que deixou o Reino Unido lutando contra a estagflação”, diz.
Para o RaboBank, entretanto, a inflação do Reino Unido, na verdade, deixa o BoE sem escolha. “Dados muito rígidos da inflação no Reino Unido provocaram preocupações de que o BoE possa ter pouca opção a não ser empurrar a economia para a recessão a fim de controlar as pressões sobre os preços”, afirma.