A decisão do governo Lula de manter a isenção tributária para encomendas internacionais de até US$ 50 em transações sem fins comerciais entre pessoas físicas mostra as dificuldades que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, terá pela frente na tentativa de viabilizar as metas do arcabouço fiscal entregue ao Congresso nesta terça-feira, 18. A opinião é de economistas ouvidos pelo Estadão.
Haddad defende o fim dos chamados “jabutis tributários” para engordar a arrecadação do governo em até R$ 150 bilhões. O valor viabilizaria as metas propostas no arcabouço. Para isso, ele propôs a taxação de comércios eletrônicos que driblam as regras da Receita Federal e chamou o não pagamento de impostos por empresas de “contrabando”. As estimativas do governo apontam perdas de até R$ 8 bilhões.
Empresas estariam fracionando compras em pacotes pequenos e usando nomes de pessoas físicas para burlar as regras. O governo, então, anunciou o fim da isenção para as encomendas vindas do exterior, mas a repercussão da medida foi tão negativa nas redes sociais que o próprio presidente Lula pediu na segunda, 17, que Haddad tentasse resolver o problema de sonegação de plataformas estrangeiras, primeiro, com medidas administrativas, aumentando o poder de fiscalização da Receita Federal. O ministro teve de recuar.
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Para o economista Armando Castelar, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), o recuo do governo é um exemplo das futuras dificuldades que o Executivo terá para viabilizar a proposta de arcabouço fiscal.
“Quando é apenas o número, é mais fácil. Mas quando você começa, efetivamente, a individualizar quem são os pagadores dessa carga tributária mais alta, aí começa a reação do público, o que gera um desgaste político”, afirma.
Segundo Castellar, a decisão em meio a pressão popular é um sinal de que realizar o ajuste fiscal através do aumento da carga tributária será mais difícil do que, talvez, o governo tenha projetado.
Ele pontua que a área técnica da Fazenda que trabalhava a medida há algum tempo acabou saindo “derrotada” pela ala política, que cedeu à pressão popular. “O governo deveria convergir internamente primeiro, para depois trazer suas propostas publicamente”, diz. Para ele, o governo terá que convencer a população sobre a “necessidade dessas modificações na regra.”
Cristina Helena Pinto de Melo, professora do curso de economia da PUC-SP, diz que o recuo pode ser entendido como um bom sinal na relação do governo com a população, mas a situação mostra que o governo errou na forma como deu publicidade ao seu projeto e como ele foi anunciado ao público.
“Hoje, o desafio do governo é como ele fará esse enfrentamento. O que eu acredito é que falta explicar a motivação da mudança. É uma questão de transparência”, diz.
Segundo ela, o desgaste político no caso deve ser momentâneo e isolado, sem afetar outras pautas em torno dos temas da reforma tributária ou do arcabouço fiscal que possam vir a ser discutidas no futuro. “Vamos entender que a pressão existe sempre. O fato do governo recuar de uma pressão popular não significa que ele recuará diante de todas as outras, só que ele está escolhendo quais batalhas quer lutar e isso faz parte do jogo político”, afirma a professora.
Medida impopular
O professor André Félix Ricotta de Oliveira, do Instituto Brasileiro de Estudos Tributários, afirma que classificar as compras internacionais como contrabando digital “pegou mal”.
Segundo ele, embora uma portaria do Ministério da Fazenda fale em isenção de imposto de importação para produtos de até US$ 50, por lei a isenção de compras internacionais é de até US$ 100, não importando se quem vende o produto é pessoa física ou jurídica.
“Pegou mal porque falaram que era contrabando digital, mas há uma lei que efetivamente diz que o destinatário tem isenção de até US$ 100. Houve pressão dos sites chineses e foi uma medida impopular tentar acabar com a isenção. A ideia seria tributar as plataformas, mas, no fim, o ônus fiscal ficaria com a pessoa física e ainda inviabilizaria esse tipo de negócio”, diz.
Ele lembra haver uma disputa entre os varejistas brasileiros e os estrangeiros. “A pressão pelo fim da isenção do imposto de importação é um clamor do varejo. Quando uma empresa brasileira vende para o consumidor, paga ICMS, PIS/Cofins e IPI. O site estrangeiro não paga nada. Não tem como competir contra uma empresa que não paga imposto”, diz.