Um potencial pedido de recuperação judicial por parte da Light, especialmente em sua concessionária de distribuição, enfrentará forte resistência da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Segundo o diretor-geral do órgão regulador, Sandoval Feitosa, caso a empresa tente esse instrumento, a agência vai questionar a medida “em todas as instâncias possíveis”, uma vez que esse caminho poderia provocar um “caos inominável”.
“Permitir que uma distribuidora de um serviço essencial entre em recuperação judicial é temerário e diria até caótico. Coloca em xeque toda a estrutura de encadeamento de pagamentos que o setor elétrico possui hoje e que é um exemplo de sucesso da economia como um todo”, disse Feitosa, em entrevista ao Estadão/Broadcast.
Ele referiu-se ao fato de que em um processo de recuperação judicial a renegociação dos créditos seria feita com todos os credores, não apenas instituições financeiras, com as quais a empresa tenta hoje um acordo. Isso incluiria diversas geradoras e transmissoras de energia, com as quais a distribuidora tem contratos de fornecimento, e também o governo, tendo em vista que a concessionária tem encargos setoriais, que patrocinam políticas públicas.
“O legislador foi sábio a vetar recuperação judicial em concessões (de energia)... Imagina o caos que seria hoje uma distribuidora sentar com quase uma centena de transmissoras, com o governo federal e dizer eu ‘não vou pagar a tarifa social de baixa renda’, ou ‘não vou pagar o desconto do fio’, é um caos inominável”, disse.
Conforme apurou a Coluna do Broadcast, ainda que a recuperação judicial seja proibida às distribuidoras de energia por uma lei de 2012, a Light já desenha essa saída, caso fracasse o processo de mediação pelo qual passa após obter uma liminar na Justiça. A mediação tem, inicialmente, prazo de 30 dias, a contar de 12 de abril, prorrogáveis por mais 30 dias. Mas, segundo fontes, é possível que o caminho da recuperação judicial seja tomado ainda em maio, à medida que ficar claro não haver possibilidade de negociação. Já há sinais de resistência entre credores a essa estratégia. Um grupo de gestoras, que tem R$ 4,7 bilhões em debêntures, reclamou na Justiça.
Para quebrar a resistência e chegar à recuperação judicial, a Light pode buscar alguns caminhos. Um deles, de acordo com fontes, é chegar à Justiça com pedido de recuperação judicial das outras empresas do grupo, com a distribuidora se beneficiando de algumas matérias da lei, caso o juiz entenda que alguns direitos poderiam ser estendidos à concessionária.
Leia mais
Outro caminho seria testar a lei 14.112 de 2020, que começou a vigorar em 2021 e alterou a lei 11.101 de recuperação judicial de 2005. A nova versão cita as empresas que podem usufruir da lei e omite as concessionárias de energia. Isso poderia leva a duas interpretações: como a nova lei não revogou a anterior, a vedação para as concessionárias continua a vigorar. Outra alternativa é que, ao apontar as que podem usar esse instrumento, a lei antiga está superada.
Feitosa disse que, mesmo sob risco de um eventual pedido de recuperação judicial, não haveria nada que o regulador possa fazer. “A Aneel não tem o que fazer, porque a lei proíbe recuperação judicial. Se a lei proíbe, significa que se a empresa entrar com uma recuperação judicial, imediatamente a Aneel vai ser intransigente, vai buscar a Justiça e vai apurar as responsabilidades dos administradores da empresa, se assim procederem. Então da nossa perspectiva, tudo está sobre controle.”
A mesma lei em vigor que proíbe recuperação judicial de concessões de energia prevê a possibilidade de intervenção na distribuidora, visando assegurar prestação adequada e cumprimento do contrato e da regulação. Mas Feitosa afastou essa possibilidade. “A Light cumpre todas as obrigações regulatórias e setoriais, ela está adimplente com todas suas obrigações, mantém um nível de prestação de serviço adequado - com problemas, como toda a concessão tem. Então, sobre essa perspectiva, a Aneel acompanha e monitora a prestação de serviço.”
O diretor-geral da Aneel evitou opinar sobre a iniciativa da Light de buscar renegociar dívidas com credores privados por meio da mediação. “É uma decisão dela. Aparentemente a Justiça concorda com isso porque aprovou essa mediação que está sendo executada. Então se não houver nenhuma ofensa à prestação de serviço, a Aneel apenas acompanha a situação”, disse.
Questionado sobre uma eventual mudança na lei, que estaria sendo gestada para permitir a recuperação judicial, ele disse que não houve qualquer questionamento à Aneel. “Eu entendo que deve permanecer a lei nos seus estritos termos. Se legisladores quiserem alterar, é decisão soberana do voto popular, e claro que a Aneel vai poder se manifestar, e outros reguladores, e isso com certeza ocorreria dentro de um amplo debate”, afirmou.