A Câmara aprovou nesta sexta-feira, 15, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da reforma tributária, que modifica o sistema de cobrança de impostos no Brasil.
Atualmente, existem impostos federais, estaduais e municipais, cada um deles com regras próprias e alíquotas diferentes, dependendo do Estado ou do município, cobrados cumulativamente durante todas as etapas da cadeia de produção, o que encarece produtos e itens básicos. A reforma visa simplificar o sistema de impostos brasileiro.
Um dos setores que mais poderia se beneficiar da aprovação da reforma tributária seria o de medicamentos, segundo especialistas ouvidos pelo Estadão. Atualmente, o imposto sobre esses produtos no Brasil (31,3%) é cinco vezes maior que a média mundial (6%), segundo levantamento do Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos no Estado de São Paulo (Sindusfarma).
Com a aprovação da reforma tributária, o sistema seria simplificado através da substituição de cinco impostos (ICMS, ISS, IPI, PIS e Cofins) por dois Impostos de Valor Agregado (o Imposto sobre Bens e Serviços, IBS, e a Contribuição sobre Bens e Serviços, CBS) e um Imposto Seletivo.
Segundo a PwC, a mudança já diminuiria a carga tributária que incide sobre os medicamentos. A incidência do IBS, por exemplo, faria com que a média de imposto caísse de 31,3% para 26,9%, segundo a consultoria.
O novo texto da reforma inclui, entre os itens que poderão ter isenção total de CBS e IBS: serviços de saúde, dispositivos médicos e de acessibilidade para portadores de deficiência, medicamentos e produtos de cuidados básicos à saúde menstrual. A proposta prevê também que haverá medicamentos que terão uma alíquota reduzida equivalente a 40% da padrão, que hoje está em torno de 27,50%, de acordo com cálculos e simulações realizados pela Receita Federal.
Para o coordenador do MBA em gestão financeira e econômica de tributos da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Arnaldo Neto, diante deste cenário é possível que a alíquota dos medicamentos fosse reduzida para 11%.
Ele destaca que o setor de medicamentos tem muitos dos dados sigilosos, mas pontua é um dos setores que mais sofre com a dupla tributação. Um mesmo produto pode muitas vezes ser tributado mais de uma vez ao longo da cadeia produtiva e chegar ainda mais caro para o consumidor final.
Como o sistema de tributação funciona atualmente?
O possível desconto que haverá depende de como será a “tipificação” dos medicamentos e se ela eventualmente será alterada antes da entrada em vigor da reforma tributária, que deve acontecer somente em 2026.
Atualmente, existe a segregação dos medicamentos nas seguintes categorias: positiva, negativa e neutra. A primeira se refere aos medicamentos considerados essenciais, sujeitos à prescrição médica, identificados com tarja vermelha ou preta. Atualmente, eles não enfrentam cobrança de PIS/Cofins, IPI e ICMS.
A lista neutra conta com poucos medicamentos, e os impostos são pagos apenas na venda. Em termos simples, quando a empresa adquire esses produtos, “ganha” um crédito de PIS/Cofins — alíquotas de 0,65%% e 3%, respectivamente — e, quando os vende, tem um débito desses tributos. Esses medicamentos são tributados também pelo IPI e pelo ICMS.
Leia também:
Já a negativa trata dos medicamentos em que há incidência do PIS/Cofins — alíquotas de 2,10% e 9,90%, respectivamente —, mas apenas em uma das fases da cadeia de produção.
Estes medicamentos não estão sujeitos ao regime especial de utilização de crédito presumido destas contribuições como os da lista neutra e, por isso, os tributos são pagos de forma única e com uma alíquota maior, de 12%. Adicionalmente, tais medicamentos são tributados pelo IPI e pelo ICMS.
Considerando apenas a incidência do CBS e o IBS, haveria uma redução de 100% da alíquota para os medicamentos da lista positiva. Já para os medicamentos da lista neutra e negativa, a alíquota seria de 11%.
Como essa redução funcionará na prática?
A pedido do Estadão, Arnaldo Neto, da FGV, realizou simulações de preço e de carga tributária com a tributação no cenário atual (com PIS, Cofins, IPI e ICMS), e no cenário pós-reforma com a existência de CBS e o IBS, a uma alíquota combinada de 27,5%. O cenário base de todos os medicamentos hipotéticos antes da incidência dos tributos seria de R$ 1.000.
Para os medicamentos das listas neutra e negativa, foram atribuídas as alíquotas de 18% para o ICMS e de 10% para o IPI. Para que os cenários pudessem ficar comparáveis, foram considerados que os demais componentes que formam o preço dos medicamentos, como custo, despesa e margem, seriam de igual valor em todas as simulações realizadas.
No caso dos medicamentos da lista positiva, não haveria mudança tanto no cenário com os tributos atuais, quanto naquele com a vigência do CBS e o IBS, considerando que a alíquota seria reduzida em 100%.
Já um medicamento hipotético da lista neutra chegaria para o consumidor final com o preço de R$ 694,23, no cenário com os tributos atuais, enquanto, naquele com a CBS e o IBS, o preço ficaria em R$ 547,02, com uma redução de preço de 21,20%. Com os novos tributos, a carga tributária embutida no preço do produto ficaria reduzida em 71,01% (caindo de R$ 187,01 no modelo atual para R$ 54,21 com a reforma).
Um medicamento hipotético da lista negativa chegaria ao preço de R$ 736,67, com os tributos atuais e, de R$ 560,64, com a incidência dos tributos advindos da reforma tributária, representando uma redução de preço de 23,90%. A carga tributária seria reduziria em 68,63% (caindo de R$ 220,88 para R$ 55,56).
O professor explica que, em qualquer das simulações, a redução nos preços não seria da mesma magnitude da carga tributária porque os efeitos da não cumulatividade sobre os custos e despesas das empresas são distintos em cada companhia.
“Isso provoca o que chamamos de resíduos tributários ao longo da cadeia produtiva. Ou seja, são tributos repassados no preço, de maneira não explícita, por estarem contaminando o custo de todos os integrantes da cadeia produtiva”, afirma Neto.
No levantamento, não foram usados exemplos reais de remédios, pois muitos dos custos que formam o preço final de um medicamento, como o para a sua produção e a sua margem de lucro, não estão explícitos para consulta e são decididos pelas próprias farmacêuticas, impedindo que se chegue a um valor real.