Se aprovado, o texto da reforma tributária destinado ao consumo deve contribuir para mitigar a chamada guerra fiscal, um dos principais nós econômicos do País, avaliam tributaristas consultados pelo Estadão.
Ao longo dos últimos anos, a guerra fiscal tem sido um mecanismo adotado pelos Estados para atrair investimentos. Em busca de novas empresas e criação de empregos, Estados concedem desoneração tributária por meio, sobretudo, do seu principal impostos arrecadatório, o ICMS.
“O problema é que, nessa disputa por atração de empresas, os entes têm suas receitas comprometidas”, afirma Larissa Luzia Longo, pesquisadora do Núcleo de Pesquisas em Tributação do Insper. “Como eles oferecem desonerações tributárias às empresas, diminuem suas arrecadações e, consequentemente, acabam tendo menos recursos para promover políticas públicas à população.”
Leia mais
Os Estados têm um papel fundamental na oferta de serviços públicos para a população. São responsáveis pela saúde, educação e segurança pública, por exemplo. Não faz muito tempo, vários governadores enfrentaram crises severas, com atraso nos salários de servidores e interrupção de investimentos.
A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da reforma tributária tenta colocar um fim nessa guerra tributária ao unificar três tributos federais (IPI, PIS e Cofins), um estadual (ICMS) e um municipal (ISS). Eles vão ser substituídos por um Imposto sobre Valor Agregado (IVA) dual – um federal e outro para Estados e municípios – com três alíquotas e cobrança no destino, ou seja, onde o bem ou serviço será consumido. Hoje, a tributação brasileira tem como base a origem – onde o bem ou serviço é produzido.
“Essa batalha só ocorre por aqui porque a tributação do consumo brasileira é baseada na origem. Por exemplo: o Estado de São Paulo arrecada o ICMS das empresas que nele estão situadas e pode decidir se renuncia a recursos ou não para que determinada empresa invista naquela região”, afirma Larissa.
Pelo texto da reforma tributária, o IVA dual será composto pela Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), que vai unificar IPI, PIS e Cofins, e pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), que vai juntar o ICMS e o ISS.
“O que se pretende com a reforma tributária é, em nível constitucional, dar um tratamento uniforme para praticamente todos os produtos, com algumas poucas exceções”, afirma Gabriel Caldiron Rezende, advogado e sócio de Machado Associados. “Mas o principal ponto é que se quer mudar essa tributação interestadual para o destino. Com isso, por que o Estado vai dar um benefício? Ele vai perder essa possibilidade, porque o imposto vai ser pago por outro Estado.”
Ponto sensível
Mexer na tributação do ICMS sempre foi um ponto sensível em qualquer tentativa de reforma tributária. O imposto é o principal tributo arrecadatório dos governadores e cada unidade de federação tem uma legislação própria, o que contribui ainda mais para emaranhar o nó tributário do País.
Para dar uma dimensão do peso do ICMS nas contas estaduais, nos 12 meses até abril, os governadores arrecadaram R$ 679,4 bilhões com o imposto, o que representou 48% da receita corrente dos Estados, de acordo com dados da Instituição Fiscal Independente (IFI), órgão ligado ao Senado Federal.
Não por acaso, parte dos governadores tem cobrado mais recursos para o Fundo de Desenvolvimento Regional (FDR), que será criado com a reforma e financiado pela União para compensar o fim da guerra fiscal. O parecer inicial do relator na Câmara, deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), previa começar os aportes em 2029, em R$ 8 bilhões, até atingir R$ 40 bilhões em 2033, em valores que serão corrigidos pela inflação ano a ano. Esse montante será aportado anualmente, como contribuição da União para os benefícios regionais. A aplicação dos recursos ficará a cargo dos Estados.
Os governadores, porém, querem aumentar esse valor anual para R$ 75 bilhões. Em entrevista ao Estadão, Ribeiro sinalizou que pode ceder nesse ponto e que o valor é “discutível”.
“Os recursos desse fundo, de acordo com o texto, deverão ser aplicados em fomento à atividade produtiva e investimentos em infraestrutura e inovação, com priorização de projetos ambientalmente sustentáveis. Essa transferência de recursos dos entes para as empresas será mais transparente e mais facilmente passível de avaliação”, explica Larissa, do Insper.
Os governadores também se mostraram contrários à criação do Conselho Federativo, que pelo texto da PEC, será criado para gerir e distribuir a arrecadação do IBS para os Estados. O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), defende a criação de uma câmara de compensação, em que o imposto seria arrecadado no Estado de origem, e haveria uma transferência com base no valor que um Estado deve para o outro.
Críticos à proposta alegam que a reforma falha em acabar com a guerra fiscal ao permitir que os Estados usem o fundo de compensação de benefícios fiscais para bancar investimentos e incentivos. “A mudança maior da reforma não era justamente acabar com a guerra fiscal? Não acabará. Vai perpetuá-la, mas agora com dinheiro da União. Os incentivos vão perdurar, mas agora bancados com o chapéu da União”, afirmou Felipe Salto, economista-chefe da Warren Rena, ao Estadão.
Já o relator da proposta rebate essa posição, afirmando que o investimento não terá relação com os impostos e o modelo será mais transparente. “O que ele (o Estado) vai ter é aporte financeiro que pode usar na estratégia do Estado para inovação, pesquisa, elaboração de projetos de infraestrutura para promover o desenvolvimento do próprio Estado”, disse em entrevista ao Estadão. A busca por empresas vai sempre existir quando você tem um atrativo. Agora, você vai ter um novo modelo de atração, que é mais claro para a sociedade, muito mais transparente.”