Depois de muita pesquisa, a gestora de recursos humanos Fernanda Ramos comprou seu primeiro imóvel no início do ano passado, em Maringá, no Paraná. O processo de pesquisa foi longo e contou com uma análise da construtora responsável pela obra, que será entregue em meados do ano que vem. “Conversei com amigos que já conheciam a empresa, até com pessoas que eu conhecia que trabalhavam lá. O meu medo era a construtora não entregar o imóvel ou entregar com atraso”, explica Ramos.
O que ela não considerava era que a reforma tributária poderia afetar os preços dos imóveis nos próximos anos ou até afetar a saúde financeira de algumas construtoras. “Confesso que estava bem desantenada nessa parte, acabei nem pensando sobre isso”, comenta.
De fato, com a regulamentação da reforma tributária ainda em curso, é difícil prever alterações definitivas nesse momento. Mesmo assim, com base na discussão atual, representantes do setor apontam para um possível aumento de carga tributária nos imóveis. Além disso, as mudanças nas regras tributárias, se não calculadas corretamente, podem afetar a saúde financeira de empresas do setor, o que acende mais um alerta em que estuda comprar um imóvel novo.
Carga maior
Representantes do setor apontam para um possível aumento de carga tributária sobre imóveis a partir da reforma, em especial para imóveis mais caros, o que traria uma progressividade na cobrança dos tributos. Segundo o advogado tributarista Victor Tavares Castro, da Ayres Ribeiro Advogados, a atual alíquota geral do setor fica em torno de 8,65%, considerando uma estimativa de tributação acumulativa de diferentes impostos, como PIS, Cofins e ISS.
Com a reforma, a alíquota de impostos do setor pode ficar entre 21% e 22%, considerando uma redução de 20% proposta pelo governo, o que a torna menor do que a alíquota geral do IVA dual (estimada em 26,5%), mas ainda maior do que a alíquota atual.
“Embora você tenha uma alíquota nominal bem mais alta, haverá também uma redução efetiva da carga tributária por conta da tomada de créditos, o que não é permitido atualmente”, pondera Castro.
Haverá ainda a possibilidade de redução de R$ 100 mil na base de cálculo do IVA para imóveis novos, o chamado “redutor social”. A ideia do governo é que isso contribua para uma menor taxação de imóveis populares, como os que se enquadram nos requisitos do programa Minha Casa, Minha Vida. Além disso, os custos gastos com a compra do terreno também poderão ser deduzidos pela construtora, o que diminuiria a alíquota cobrada sobre cada unidade construída, o chamado “redutor de ajuste”.
Efeito nos preços
Segundo representantes do setor, a carga tributária pode ser ainda maior, em especial para imóveis mais caros, o que pode levar ao aumento de preços. Como mostrou o Estadão, estimativas de lideranças do setor apresentadas ao Ministério da Fazenda apontam que imóveis com custo de R$ 500 mil teriam um aumento de carga dos atuais 8% para 14%. Imóveis de R$ 1 milhão iriam de 8% para 15,8%, enquanto os de R$ 2 milhões, de 8% para 16,3%.
O setor defende uma redução de alíquota maior, que chegue a 60%, para que não ocorra aumento de carga tributária. “No final das contas, o maior atingido será o contribuinte, o poder de compra vai ser menor, o que pode levar até mesmo a uma crise imobiliária, porque quem comprava imóvel não poderá comprar mais”, afirma o advogado tributarista Rafael Ujvari, da Briganti Advogados, sobre um cenário em que a carga tributária dos imóveis leve a um aumento de preços.
Leia Também:
Além disso, outro custo que pode aumentar com a reforma é o pagamento de 3% do valor do imóvel como Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis (ITBI). Atualmente, esse custo deve ser pago no momento de inserir o nome do proprietário na matrícula do cartório, o que era adiado por muitos compradores. Segundo o texto de regulamentação da reforma enviado pelo governo, esse imposto passaria a ser pago já no momento da transação, agora sob o nome de Imposto sobre Transmissão Inter Vivos, por Ato Oneroso, de Bens Imóveis e de Direitos a Eles Relativos.
Cuidado na transição
Além das alíquotas, as regras do período de transição não foram definidas completamente, o que torna difícil compreender como serão as regras para os imóveis vendidos e, em especial, construídos durante esse período.
Segundo os advogados ouvidos pela reportagem, é pouco provável que um aumento de alíquota afete os contratos de quem já comprou um imóvel com a incidência dos impostos antigos e leve a uma elevação dos valores de parcelas futuras, por exemplo. Isso ocorre porque o comprador não pode ser obrigado a pagar por um valor nem sequer definido no momento que assinou o contrato.
“O contribuinte agora, ou daqui três anos, não tem com o que se preocupar (com relação à mudança de valores). E, caso algo ocorra, cabe a judicialização, para se defender dos seus direitos, já que o que vale é o seu direito hoje”, pontua Ujvari.
Segundo Castro, da Ayres Ribeiro Advogados, porém, o atual texto de regulamentação da reforma não é claro sobre a situação dos pagamentos de imóveis que começam a ser feitos na tributação atual e terminam na vigência das novas regras. “Podem ter situações em que todo o valor já tenha sido tributado pelo regime tributário anterior, mas em situações que esses valores são tributados na medida do recebimento, eles serão tributados pelos novos tributos”, afirma o advogado.
“É possível que existam cláusulas nos contratos que estabeleçam necessidade de reequilíbrio, caso a carga tributaria aumente. Isso pode ser até um motivo de futuros litígios”, complementa. A situação, porém, pode variar, a depender de alterações feitas no decorrer das discussões sobre a reforma.
Já para João Eloi Olenike, presidente do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), a atenção deve se voltar para a precificação dos imóveis por parte das incorporadoras. “Quem vende o imóvel tem que estar muito bem preparado com especialistas na área tributária que ajustem o valor que será cobrado em cada ano”, explica Olenike, em referência ao período de transição.
Segundo ele, esse ponto reforça a necessidade de os compradores estudarem sobre o histórico da empresa que está vendendo o imóvel, já que uma precificação feita de forma errada pode afetar a saúde financeira da companhia, o que pode levar, em última instância, à não conclusão da obra.