O sócio-fundador da consultoria de análise macroeconômica MB Associados, José Roberto Mendonça de Barros, diz que a reforma tributária vai "andar" no Congresso, tenha o governo enviado a sua proposta ou não. Para ele, que apoia o projeto do economista Bernard Appy encampado pela Câmara e que está em análise na Comissão Especial da Casa, a aprovação de um novo desenho tributário tem grandes chances de ocorrer já no primeiro semestre do ano que vem.
Mas, ainda que as reformas - tanto da Previdência quanto a tributária - passem, o País sofrerá com baixo crescimento até ao menos 2021, diz. "Quatro anos após a maior recessão da história moderna do Brasil, esse crescimento de fato é medíocre e muito dificilmente vai mudar", afirmou.
Um dos pontos de tração que estão faltando, afirma o ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda no governo de Fernando Henrique Cardoso, são os investimentos. "Se isso não andar, não vamos voltar a crescer."
Mas há um alento: olhando os planos do Ministério da Infraestrutura, dá para dizer que, se a regulação for adequada e os projetos forem bem feitos, teremos um rol de leilões importantes em 2020 e, portanto, em 2021, um grande canteiro de obras, aposta Mendonça de Barros. Leia a entrevista a seguir.
Depois da reforma da Previdência, qual o próximo passo importante a ser dado?
Sem dúvida, a reforma tributária entrou na discussão. E, embora seja difícil ser aprovada neste ano, é razoável acreditar que até o fim do primeiro semestre de 2020 isso ocorra. Isso é muito positivo para a recuperação econômica. Existe uma questão que é qual reforma vai entrar. A que está no Senado, originada no projeto do ex-deputado (Luiz Carlos) Hauly, traz um imposto seletivo convivendo com um de valor adicionado. É um sistema híbrido e não acho que seja razoável. A doAppy me parece a mais sensata do ponto de vista econômico e que encaminha melhor as questões. E agora os Estados resolveram, por unanimidade, se incorporar à reforma do Appy. Na verdade, aceitam os conceitos que estão lá e propõe uma governança dos Estados, e não da União.
É a primeira vez que há essa unanimidade?
Sim, a primeira vez. O que é animador. Claro, não é que todos ficaram bonzinhos, é porque há uma crise fiscal monumental nos Estados. Mas não interessa a razão. O fato é que é muito bem-vinda e de bom senso juntar essa parte dos Estados na reforma que está sendo votada.
E o governo federal?
Há duas dificuldades. Primeiro, formalmente, o governo federal não mostrou sua reforma e é surpreendente não termos isso após dez meses do início do governo. Tínhamos apenas a proposta de uma CPMF e uma sugestão de que haveria algumas mudanças no Imposto de Renda da pessoa física e da jurídica, a união apenas do PIS como a Cofins e, em troca da CPMF, uma redução da contribuição patronal sobre a folha de pagamentos. Eu achava muito pouco convincente tanto a proposta da CPMF como a ideia de que a desoneração da folha de salários daria impacto significativo no emprego. Toda evidência disponível sugere que o grosso dessa redução de tributo sobre a folha acaba ficando na recomposição de margem das empresas e dá pouco resultado do ponto de vista de emprego.
Apesar de tudo isso em andamento, a economia segue minguada. O que poderia dar tração ao crescimento?
Nossa percepção aqui na MB Associados é que neste ano e no próximo, infelizmente, o crescimento ainda será medíocre. Projetamos 0,9% para 2019 e 1,6% para 2020. Quatro anos após a maior recessão da história moderna do Brasil esse crescimento de fato é medíocre e muito dificilmente vai mudar. Não dá tempo para acontecer.
Por quê?
Para que a gente possa crescer com mais robustez, o que é possível a partir de 2021/2022, precisamos ter coisas a mais que não temos hoje. Primeiro, é preciso consolidar a percepção de que a questão fiscal não vai nos engolir. Isso inclui acabar mesmo a reforma da Previdência, avançar na tributária e iniciar, ainda que tardiamente, alguma coisa no sentido de redução de gastos obrigatórios.
O que mais falta ?
A segunda coisa, que está em andamento, mas leva tempo, é a continuidade da queda da taxa de juros pelo Banco Central, a continuidade das mudanças regulatórias ligadas a crédito e a possibilidade de as fintechs (startups do setor financeiro) levarem a uma redução dos juros na ponta do tomador, pois o spread segue muito alto. Nossa projeção é de uma Selic a 4,75% no fim do ano. Essas quedas já estão tendo efeitos positivos no mercado de crédito.
Como o que?
Pela primeira vez na história, neste ano, do total de crédito concedido ao agronegócio, mais da metade vem do mercado de crédito privado. E está sustentando uma safra que vai ser recorde. Essa é uma área onde os efeitos práticos já podem ser vistos. Outra coisa é que a mudança da regulação e aumento da competição no segmento de maquininhas que aceitam cartões provocaram uma revolução. Primeiro, o custo das maquininhas caiu a zero e o número de participantes nesse mercado aumentou muito. Reduz custos, facilita a venda e o empresário recebe antes. Não há crescimento econômico sem crédito. Só que leva um certo tempo, não é instantâneo construir esse mercado.
E os investimentos, quando virão?
O investimento em infraestrutura é uma terceira parte para a retomada, mas que ainda está na estaca quase zero. Se isso não andar, não vamos voltar a crescer. Primeiro porque esse tipo de investimento é o único movimento que permite aumentar o emprego de forma significativa no prazo relativamente curto. Como sobra espaço na indústria e no comércio, o único lugar onde tem espaço para investimentos é na infraestrutura. Esse, aliás, aumenta a produtividade da economia brasileira no curto prazo. E como os Tesouros (das três esferas de governo) quebraram, a única forma de fazer é via investimento privado, com concessões e privatizações.
Nesse sentido, qual a sua perspectiva sobre os anúncios que o governo vem fazendo?
Olhando os planos do Ministério da Infraestrutura especialmente dá para dizer que, se a regulação for adequada e os projetos forem bem feitos, teremos um rol de leilões importantes em 2020, portanto, em 2021, um grande canteiro de obras. Daí podemos dizer que vamos ter um crescimento mais medíocre neste e no ano que vem e, a partir de 2021, pode melhorar. Mesmo que avance na parte fiscal e de crédito, se não tiver investimento, não tem como crescer. Não há melhora no consumo se não melhorar o mercado de trabalho e este último depende da melhora da construção civil. Estamos recomeçando a rodar a máquina e isso inclui concessão, que eu acho até mais importante do que a privatização, porque é descentralizada. E dentro disso, saneamento, que acho importantíssimo.
O que exatamente do ambiente externo pode ser negativo para o Brasil?
Há muita incerteza, que está afetando agora. Guerra comercial entre Estados Unidos e China, problemas na Europa. Não faltam problemas no mundo, que caminha para crescer menos e leva muitas empresas a serem mais cautelosas na hora de decidir investimentos. Também pode nos atrapalhar através da taxa de câmbio, ajudando na arrancada do dólar e dando mais volatilidade ao mercado. Ainda que não seja uma coisa grande, a nossa indústria exporta. Quanto mais protecionismo e recessão, menos vamos vender. Se o mundo vai para uma situação mais recessiva, os instintos protecionistas aumentam. É possível ter algo positivo. Para mim, um subproduto da guerra comercial é que os chineses decidiram fazer do Brasil e da América do Sul o seu parceiro preferencial para a importação de alimentos e outras coisas. Olhando para frente, os chineses irão importar cada vez mais porque têm maior dificuldade de aumentar produção lá dentro e, até recentemente, os EUA sempre foram parceiros preferenciais, dada a simbiose entre os dois lados, mas que Donald Trump rompeu. Na minha avaliação, do ponto de vista dos chineses, não dá para depender dos EUA em uma área tão crítica que é importar alimentos.
É uma boa vantagem?
Mas temos de prestar atenção para não perder. Recentemente, em um congresso da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), veio da China para cá o presidente da chinesa Cofco, maior trading de alimentos. Ele falou que iriam comprar mais do Brasil, mas que era preciso ter mais sustentabilidade. Ele usou a palavra sustentabilidade 12 vezes em meia hora. E disse que eles têm uma pesquisa entre consumidores chineses entre 18 e 35 anos e metade respondeu que quer saber onde e como foi produzida a comida que eles comem. Isso é uma coisa que os consumidores europeus e americanos já têm há um tempo. Então, dá para imaginar o peso que têm questões como a da Amazônia. O que o governo precisa perceber é que a questão da sustentabilidade não é uma invenção de ONGs, é uma mudança efetiva do consumidor moderno, do mercado e é por isso que as empresas do agronegócio ficam tão aflitas.
Para além das vendas, o senhor contempla em seu cenário uma crise financeira?
No nosso cenário básico, vemos os Estados Unidos, centro dessa história, muito alavancados e vemos também uma reversão do ciclo do crescimento até o fim do primeiro trimestre do ano que vem. E aí teremos uma desalavancagem desorganizada. O que vai acontecer, ninguém sabe. Só tem uma coisa que é menos ruim que 2008: os bancos não têm a alavancagem que tinham naquela época. Assim, uma crise bancária é mais improvável que antes. A expansão está ocorrendo em cima do mercado de capitais e, em havendo uma crise, ela não terá o efeito multiplicador de uma crise bancária.
Mesmo assim, não afeta sua previsão para o crescimento do Brasil em 2021?
É que um crescimento de 2,5% é muito pouco e o que está em jogo são, fundamentalmente, as causas internas, porque, ao contrário da Argentina, temos um setor externo muito robusto, com pouca dívida externa pública, as empresas estão trocando seu endividamento também. Pela primeira vez na história, o Brasil não tem o efeito desestabilizador via câmbio que tivemos em todas as vezes em que houve crise. Nossa restrição hoje é a fraqueza fiscal. Assim, mesmo um cenário feio lá fora, não produz um impacto negativo que impeça a gente de crescer por volta de 2% se essas coisas que falamos estiverem caminhando.