BRASÍLIA - A aprovação da reforma tributária pela Câmara dos Deputados na madrugada desta sexta-feira, 7, inflamou a disputa entre Estados do Nordeste e do Sudeste em torno da divisão de recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional (FNDR), que será criado para diminuir as disparidades regionais.
Os Estados do Nordeste vão buscar, no Senado, apoio do Norte e do Centro-Oeste para colocar na Constituição os critérios da divisão do dinheiro do fundo, que será bancado pelo governo federal.
Os governadores do Nordeste se sentiram traídos nas negociações porque o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que é uma liderança política da região, aceitou que o modelo de partilha só seja definido em legislação complementar, fora do texto da Constituição. Segundo apurou o Estadão, esse foi um pedido do governador de São Paulo, Tarcísio Gomes de Freitas (Republicanos), abraçado por Lira.
A insatisfação foi maior porque, para atender a Tarcísio, foi incluído no texto da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 45 o modelo de governança do Conselho Federativo, instância que vai gerir o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). O novo tributo vai unificar o ICMS (estadual) e o ISS (municipal). Para os representantes do Nordeste, não há justificativa para a governança do Conselho ter ficado no texto constitucional e a partilha do fundo, fora.
Segundo apurou o Estadão, Lira acenou que vai resolver a divisão na legislação complementar e prometeu a líderes e governadores garantir o apoio de um quórum de PEC, ou seja, 308 votos a favor -- sendo que a aprovação de uma lei complementar exige 257 votos. Os Estados do Nordeste querem, no entanto, resolver a fatura ainda na reforma tributária, durante a tramitação no Senado, e desejam também pressionar a União a elevar o valor reservado ao fundo da previsão atual de R$ 40 bilhões para R$ 75 bilhões.
Uma das saída aventadas para isso é deslocar parte do valor do fundo de compensação ao fim de benefícios fiscais, também criado pela PEC, para o FNDR. O fundo de compensação vai vigorar de 2025 a 2032, também será financiado pela União e terá, no total, R$ 160 bilhões.
Até pouco antes do início da votação, os Estados do Nordeste contavam que a divisão do dinheiro ficaria no texto. Mas o relator da reforma, Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), acabou retirando esse ponto da proposta para não prejudicar o andamento da votação, uma vez que não havia consenso sobre os critérios de divisão.
Os Estados do Nordeste tentam emplacar a divisão pelo chamado “PIB invertido”, em que os mais pobres recebem mais. Os governadores do Sul e Sudeste admitem receber menos, mas querem inserir algum tipo de mecanismo adicional que permita o acesso a uma fatia maior de recursos do que se fosse utilizado apenas o critério da renda. O impasse, que já dura meses, não cessou até a votação, o que desagradou aos nordestinos.
“Vamos buscar colocar na PEC, durante a votação no Senado, os critérios de divisão do fundo de desenvolvimento do mesmo jeito que colocaram a demanda dos Estados do Sul e Sudeste”, disse o governador do Piauí, Rafael Fonteles (PT), durante a votação da reforma na Câmara.
Leia Também:
No dia seguinte, Raquel Lyra (PSDB), governadora de Pernambuco, endossou a fala de Fonteles. “É necessário que o critério de distribuição do fundo seja inversamente proporcional ao PIB per capita de cada Estado. É claro que quem tem menos precisa de mais. Caso contrário, não falaremos de incentivar o desenvolvimento regional, mas da manutenção das desigualdades existentes”, disse. “Não descansarei até garantir que sejamos colocados na posição necessária e justa.”
Nesse caldo de insatisfações sobrou até para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que optou por tomar distância da reforma tributária. Os nordestinos esperavam, por sua vez, que ele se empenhasse pelo menos para ajudar nesse ponto na negociação com Fernando Haddad. Os governadores são críticos da atuação do governo Lula no convencimento do ministro da Fazenda.
A intenção inicial deles era divulgar uma carta de repúdio pela falta dos critérios de divisão do fundo na reforma. Mas, como muitos dos governadores do Nordeste pertencem a partidos da base do governo, a opção foi não se opor em conjunto e se manifestar individualmente nas redes sociais.
Em seu comentário, postado nesta sexta, 7, Paulo Dantas (MDB), governador de Alagoas, Estado de Arthur Lira, sugeriu que os nordestinos poderão reabrir as discussões sobre a governança do Conselho Federativo no Senado, onde têm maioria, dada a insatisfação coletiva.
“Queremos estabelecer critérios de distribuição que ajudem a reduzir as desigualdades econômicas. E um Conselho em que todos os Estados tenham pesos iguais nas decisões”, escreveu.
O Nordeste tem 27 votos no Senado, e o Norte, 21. A proposta precisa de 49 votos favoráveis para ser aprovada.
Conselho Federativo
Os Estados do Nordeste, Norte e Centro-Estado temem que, além de “mandar” no Conselho, os Estados mais populosos do Sul e Sudeste também fiquem com os recursos do FNDR, que levou à inclusão do nome “nacional” no título -- justamente para possibilitar a divisão entre todos as unidades federativas.
Já o critério escolhido para as decisões do Conselho é populacional. Esse ponto foi definitivo para que o governo de São Paulo aceitasse apoiar a reforma, uma vez que esse Conselho vai administrar a arrecadação de todos os Estados e municípios de forma centralizada.
Durante a votação da reforma em plenário, no entanto, os secretários de Fazenda de Sudeste e Nordeste assistiram juntos à votação. “Apesar das divergências, nosso diálogo foi muito colaborativo”, disse Kinoshita, de São Paulo.
Os critérios de divisão do FNDR são objeto de discussão no Comitê Nacional de Secretários de Fazenda dos Estados (Comsefaz) há semanas, sem consenso.
“Vivemos num País continental com diferenças regionais muito grandes. Meu papel era conciliar os interesses. Apesar de divergências, aqui e acolá , foi uma votação histórica”, disse o presidente do Comsefaz, Carlos Eduardo Xavier, que é secretário do Rio Grande do Norte.
O secretário de Fazenda do Rio de Janeiro, Leonardo Lobo, disse que o texto avançou muito, embora ainda haja diferenças a serem sanadas no Senado. “Foi um avanço gigantesco”, afirmou. “O que a reforma faz é acabar com o fratricídio que havia antes”.
A secretária de Fazenda de Alagoas, Renata dos Santos, disse que, ainda não haja a descrição dos critérios de divisão do FNDR na PEC, o avanço se deu porque existe a sua previsão constitucional, com financiamento bancado pela União. As negociações, até então, empurravam toda a discussão para legislação complementar.