No País onde um produto feito na Zona Franca de Manaus pode se tornar mais barato quando viaja a São Paulo, antes de chegar a um consumidor no Nordeste - exclusivamente por questões tributárias -, os departamentos de logística das empresas têm fervido desde que os contornos da reforma tributária começaram a ser aprovados.
“Tivemos de reforçar o time de engenharia de projetos porque a demanda cresceu muito neste ano”, afirma Djalma Vilela, presidente da Multilog, empresa de logística integrada que deve fechar o ano com faturamento de R$ 1,4 bilhão. “Apesar de a conclusão da reforma tributária estar prevista para daqui a dez anos, as empresas que se posicionarem antes terão vantagem competitiva em relação aos concorrentes.”
Isso porque, até agora, as empresas constroem suas malhas logísticas, incluindo fábricas, centros de distribuição e compras de fornecedores, em função dos benefícios fiscais e créditos de ICMS que tenham a compensar, nos diferentes Estados. Mas a situação deve mudar.
“A reforma tende a neutralizar a guerra tributária e a diferença de carga em relação ao ICMS entre os Estados”, afirma Cristiano Rios, diretor executivo sênior da área de transformação de negócios da FTI. “Mesmo que ainda haja exceções e detalhes a serem validados por lei complementar, a tendência é de simplificação e as empresas já estão preparando cenários em cima das premissas atuais.”
É uma corrida contra o tempo, dizem os especialistas. “Depois de 2033, a tributação sobre o consumo vai deixar de ser um diferencial competitivo em relação ao que é hoje, quando parte importante dos resultados das empresas se dá em cima de incentivos fiscais ou de organização dos créditos tributários a serem compensados”, afirma Orlando Dalcin, sócio da consultoria PwC. “As corporações querem pegar o melhor do modelo atual, antes de decidir onde abrir o próximo armazém ou a nova fábrica.”
Rios afirma que, pelo menos, 60% dos grandes clientes começaram a fazer essa modelagem de cenários futuros, já que precisam saber como posicionar sua logística quando os benefícios forem neutralizados.
“No momento, estão sendo rodados modelos computacionais que podem indicar se, na ausência de um benefício fiscal ou um regime especial, valerá à pena mudar um centro de distribuição para estar mais próximo ao consumidor”, diz ele. “É um processo demorado buscar imóveis, transportadoras, fornecedores e treinamento de pessoal — e quem avançar antes vai estar mais bem preparado para capturar os resultados.”
Os ganhos, é claro, não serão apenas financeiros. Além da menor emissão de carbono — uma conta que tende a ser mais valorizada para todas as empresas —, há ainda a redução no prazo de entrega das mercadorias, o melhor serviço prestado ao cliente e a redução no tempo de faturamento. Apesar das incertezas envolvidas no tema, os ganhos têm sido superiores a 10% em alguns casos, segundo Rios.
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Para Jean Mellé, sócio da consultoria PwC, as empresas não terão necessariamente redução de custos, já que a proposta da reforma é ser neutra do ponto de vista de carga tributária. Porém, benefícios, isenções e inteligência nas compensações de crédito e débito tributários deixarão de ser um diferencial em relação à concorrência. “O que será o direcionador do negócio será o negócio em si e não mais o imposto”, diz.
Para ele, a situação vai chacoalhar, num primeiro momento, varejo, companhias de bem de consumo e de distribuição. “É mais difícil mudar uma fábrica do que um centro de distribuição, mas as empresas não precisarão mais pagar mais caro por um galpão porque ele fica em Minas, quando seu cliente está em São Paulo”, diz.
Assim, uma cidade bem atendida por rodovias e ferrovias, hoje fora do radar logístico, entrará no mapa das companhias. “Vai ter um momento em que esses lugares ficarão caros - e o segredo é chegar lá antes da concorrência”, afirma.
Como funciona o passeio tributário?
Não é fácil entender como um produto que fica “passeando” pelo País pode pagar um imposto menor do que um que vai direto de um ponto a outro - e são distorções como essa que a reforma tributária pretende combater.
Segundo Orlando Dalcin, sócio da PwC, um exemplo recorrente que pode ser útil para ilustrar esse tipo de situação envolve produtos fabricados na Zona Franca de Manaus (AM) a serem vendidos por estabelecimentos localizados em Estados com incentivos fiscais que implicam em estornos dos créditos de entrada (como, por exemplo, o Rio Grande do Norte), passando antes por Estados do Sudeste (por exemplo, Minas Gerais) para reduzir essa alíquota de entrada e, consequentemente, o estorno de créditos.
“Neste caso, a operação no Rio Grande do Norte tem incentivo fiscal que garante uma carga tributária de x% (normalmente algo entre 1% e 3%), em vez de uma alíquota interestadual de 12%, independente dos créditos de entrada (baseado nas aquisições) que devem ser estornados”, diz. “A alíquota interestadual em uma operação do Amazonas para o Rio Grande do Norte seria de 12% sobre o valor da aquisição, que seria integralmente estornado em decorrência do incentivo fiscal no RN.”
“Já a alíquota interestadual em uma operação de Minas para o Rio Grande do Norte seria de 7%, e este valor, neste exemplo hipotético, seria igualmente estornado devido ao incentivo fiscal potiguar. Já em MG, o produto entrou com crédito de 12% e saiu com débito 7% e esta diferença poderá ser utilizada em outras operações no Estado (sem estorno).”
Assim, em resumo, ao fazer uma operação AM-MG-RN, em vez de AM-RN diretamente, há uma redução de 5% no custo.
Normalmente esta diferença tributária é superior ao valor do frete da operação, o que justifica uma operação que em um ambiente de negócios com tributação indireta neutra não ocorreria.