BRASÍLIA - Frases de efeito, hashtags, profusão de estudos e até petição. Na regulamentação da reforma tributária, é amplo o arsenal usado por setores e empresas para tentar escapar ou ao menos reduzir a incidência do “imposto do pecado”, que será cobrado sobre produtos considerados nocivos à saúde ou ao meio ambiente.
Tecnicamente chamado de Seletivo, o tributo mira bebidas alcoólicas e açucaradas, cigarro, carro, barco, aeronave, bens minerais e apostas físicas e online - esse último item acrescentado pelo grupo de trabalho da Câmara dos Deputados. Mas há debates para a inclusão de alimentos ultraprocessados, além de armas e munições.
A expectativa é de que o texto seja votado ainda nesta semana ou, no máximo, na seguinte, antes do recesso parlamentar – o que deve acirrar os lobbies dos segmentos que não foram atendidos no relatório apresentado pelos deputados.
As entidades da sociedade civil contra-atacam com números, evidências empíricas e campanhas e alegam que se trata de oportunidade única para Congresso e governo inibirem comportamentos danosos – sobretudo à saúde, os quais geram bilhões de reais em gastos públicos anualmente.
A indústria das bebidas alcoólicas é o melhor exemplo dessa guerra de slogans, travada desde o início do ano, mas intensificada agora, com a proximidade da votação do primeiro projeto de lei complementar da reforma na Câmara.
Com a frase “Álcool é álcool”, que também virou hashtag nas redes sociais, os fabricantes de destilados defendem alíquotas homogêneas do Seletivo, sem relação com o teor alcoólico. O argumento é de que as doses padrão de cachaça, vodka, gin e whisky têm a mesma quantidade de etanol (álcool puro) do que cerveja e vinho, por exemplo, que são bebidas fermentadas. E, por isso, pedem uma “dose de igualdade”.
Além disso, argumentam que a cerveja representa 90% do consumo de álcool no País. “Pesquisa realizada na América Latina comprovou que, no Brasil, a cerveja foi a bebida mais consumida antes de acidentes”, afirmou José Eduardo Macedo, presidente da Associação Brasileira de Bebidas Destiladas (ABBD), durante audiência pública na Câmara realizada no fim de junho.
Os produtores de cerveja vão na direção oposta e defendem uma tributação totalmente proporcional à quantidade de álcool. Pela proposta do governo, haveria um modelo misto: uma taxação em reais, de acordo com o teor alcoólico e o tamanho do recipiente; e uma alíquota em porcentual, que incidiria sobre o preço do produto.
“É uma proposta bizarra falar que bebidas com 40%, 50% de teor alcoólico têm de pagar o mesmo imposto que bebidas com 4%. Isso não funciona em nenhum lugar do mundo”, rebateu Márcio Maciel, presidente do Sindicato Nacional da Indústria da Cerveja (Sindicerv), na mesma sessão da Câmara. Ele destaca que a taxação proporcional é o modelo recomendado por organismos internacionais como OCDE, OMS e FMI.
As cervejarias também articulam para garantir a manutenção da sua carga tributária - ou seja, não querem que o Seletivo signifique uma oneração ao setor. E pleiteiam, ainda, a isenção do “imposto do pecado” aos fabricantes enquadrados no Simples Nacional, o que beneficiaria os pequenos produtores de todas as bebidas alcoólicas.
No caso das cervejarias, eles são a maior parte do mercado: 83%, segundo dados do Sindicerv. Para dar fôlego ao movimento, a Associação Brasileira de Cerveja Artesanal (Abracerva) lançou uma petição contra o Seletivo. A iniciativa usa o slogan “Cerveja não é pecado” para recolher assinaturas de internautas.
Com os lobbies cada vez mais ativos dentro do Congresso, a Vital Strategies, uma organização global de saúde pública, também decidiu investir em mensagens de impacto aos parlamentares. Para isso, lançou a campanha “Quer uma dose de realidade?”.
São imagens fortes de pessoas impactadas pelos danos provocados pelo consumo de bebidas, as quais foram espalhadas nas vias de acesso ao Congresso. Na legenda, há mensagens como: “O álcool é um dos maiores causadores de câncer de mama e de cólon. Parlamentar, se o álcool provoca mortes, tem de pagar mais imposto”.
Pesquisa realizada pela organização aponta que a maioria da população brasileira (61%) é favorável à cobrança de impostos para reduzir o consumo desse tipo de bebida. E praticamente o mesmo porcentual (62%) concorda que uma maior tributação levaria as pessoas a efetivamente beber menos.
Indústria do fumo: ‘mais imposto, mais contrabando’
A indústria do fumo engrossa o coro das cervejarias pela manutenção da carga tributária. “O setor de tabaco não suporta mais aumento de imposto”, afirmou Edimilson Alves, gerente-executivo da Associação Brasileira da Indústria do Fumo (Abifumo), durante sessão com os deputados.
O argumento é de que mais tributação significará mais contrabando. “Dizer que aumentar o preço do cigarro vai diminuir o consumo é uma inverdade. Se aumentar, vai jogar a população para consumir o cigarro do contrabando, do Paraguai, que não tem a qualidade do nosso, que é controlado pela Anvisa”, disse Alves.
O Ministério da Fazenda, no entanto, aponta que a taxação dos produtos fumígenos está defasada. Isso porque a alíquota O Ministério da Fazenda, no entanto, aponta que a taxação dos produtos fumígenos está defasada. Isso porque a alíquota específica, no valor de R$ 1,50 por maço, está congelada há oito anos. “A carga tributária do cigarro é muito inferior ao que era em 2016, última vez em que a alíquota teve atualização”, afirmou Nelson Leitão Paes, assessor da Secretaria Extraordinária da Reforma Tributária durante exposição na Câmara.
Por esse motivo, Paes defende que a alíquota específica (que terá valor fixo, em reais) seja atualizada anualmente pela inflação, como prevê o projeto enviado pela equipe econômica. Além dessa taxação fixa, também haverá uma segunda alíquota, que será um porcentual sobre o preço do produto.
Fabricantes de refrigerantes veem discriminação
Já a indústria de refrigerantes investe em expressões como discriminação e contrasenso para pedir a exclusão das bebidas açucaradas da lista do Seletivo.
“A proposta do governo incluiu as bebidas açucaradas como o único alimento causador de obesidade. A gente entende que isso é discriminação, porque obesidade é uma questão multifatorial”, afirmou Victor Bicca Neto, presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Refrigerantes e Bebidas Não Alcóolicas (Abir), em apresentação aos parlamentares.
Ele também vê contradição no fato de o açúcar ter sido incluído na cesta básica com imposto zero, enquanto o refrigerante será sobretaxado. “Então, o açúcar que a gente usa em casa não faz mal à saúde, só o da bebida açucarada”, ironizou Neto.
A recomendação do Ministério da Saúde, porém, vai na direção contrária: de que os estudos demonstram a efetividade do Seletivo nas escolhas de consumo e que, por isso, é fundamental manter a sobretaxa nesse tipo de bebida.
Segundo a diretora do Departamento de Análise Epidemiológica da pasta, Letícia Cardoso, doenças crônicas não transmissíveis como obesidade, diabetes e complicações cardiovasculares matam cerca de 760 mil pessoas no País por ano. “O Seletivo é altamente efetivo na prevenção e promoção da saúde da nossa população”, afirmou a especialista.