‘Temos de resguardar interesses de SP na reforma tributária’, diz secretário estadual da Fazenda


Em sua primeira entrevista no cargo, Samuel Kinoshita afirma que governo paulista apoia modernização da legislação, mas tem de garantir futuro das políticas públicas para os 46 milhões de brasileiros que vivem no Estado

Por José Fucs
Atualização:
Entrevista comSamuel KinoshitaSecretário estadual da Fazenda e Planejamento de São Paulo

O novo secretário estadual da Fazenda e Planejamento de São Paulo, Samuel Kinoshita, de 42 anos, passou por um “batismo de fogo” no setor público como assessor especial do ex-ministro da Economia, Paulo Guedes, a quem chama carinhosamente de “professor”, após uma bem-sucedida trajetória no mercado financeiro.

Formado em economia pelo Insper, em São Paulo, com mestrados na Universidade Pompeu Fabra, na Espanha, e na Universidade Columbia, em Nova York, Kinoshita aproximou-se do governador paulista, Tarcísio de Freitas, ao trabalhar em sua campanha eleitoral para o Palácio dos Bandeirantes, por indicação de Guedes. “Acho que ele gostou de mim, porque estou aqui até hoje”, diz.

Em sua primeira entrevista no cargo, ele afirma que São Paulo quer contribuir “de maneira ativa” para a reforma tributária, mesmo que inicialmente o Estado tenha perda de arrecadação, mas ressalta que é preciso garantir os recursos necessários para atender a população do Estado.

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“São Paulo tem uma postura cooperativa, não hostil, em relação à reforma tributária. São Paulo pode perder alguma coisa no início, mas a gente acredita que ao longo do tempo isso vai ser bom: bom para o Brasil, bom para São Paulo e bom para a população”, diz. “Agora, eu preciso resguardar as políticas públicas que esses recursos viabilizam para os mais de 46 milhões de brasileiros que vivem em São Paulo.”

Nesta entrevista ao Estadão, ele fala também sobre os primeiros passos do governo Lula na economia, sobre a necessidade de manter a “higidez” nas contas estaduais, no atual momento de incertezas no País e no exterior, e sobre o Plano Plurianual que deverá ser divulgado até o meio do ano, com os projetos prioritários e as principais diretrizes para a gestão orçamentária do Estado.

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Como o sr. está vendo os primeiros movimentos do governo Lula na economia?

Não acredito que caiba ao secretário da Fazenda de São Paulo tomar uma posição frontalmente crítica em relação ao governo federal. Como brasileiro e como secretário de Fazenda, torço muito pelo sucesso da administração federal, porque quero que o Brasil vá bem. Agora, de maneira geral, a impressão é de que o governo Lula ainda precisa avançar com mais clareza em relação às medidas que pretende tomar. Entre os economistas, há muitas incertezas sobre as perspectivas econômicas do País. Não dá para saber ainda se as alterações de rota em relação às últimas gestões, anunciadas de forma verbal pelo governo desde a transição, como na política fiscal e na condução das estatais, serão, de fato, implementadas.

Que incertezas são essas que o sr. diz?

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Alguns indicadores, de preços, de confiança e outros, estão mostrando um quadro preocupante. Desde o fim do ano passado, existe certo arrefecimento da atividade econômica. A chamada “curva de juros”, que revela as expectativas do mercado em relação ao futuro, está em patamares elevados. Evidentemente, isso tem um efeito instantâneo na economia, porque baliza o posicionamento dos empreendedores, das pessoas que tomam a decisão de alocar capital. Agora, ainda estamos numa fase muito inicial do governo. As medidas que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, está elaborando, nas áreas fiscal e tributária, ainda estão por se revelar. Vamos torcer para que sejam boas e aguardar os próximos capítulos.

Minha torcida é para que não haja um retrocesso de maneira ampla.

Samuel Kinoshita, secretário estadual da Fazenda e Planejamento de São Paulo

O sr. falou que ainda é preciso ver se algumas medidas anunciadas verbalmente serão mesmo implementadas, mas algumas já se transformaram em realidade. O governo implodiu o teto de gastos, conseguiu aprovar a PEC da Transição, ampliando as despesas em cerca de R$ 200 bilhões neste ano, e agora promoveu a taxação das exportações de petróleo. Como isso se encaixa no que o sr. falou?

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Em pouco mais de meia década, o Brasil passou por um processo de modernização relevante. A gente fez muita coisa – e não me refiro só à a administração passada, da qual eu fiz parte. As mudanças atravessaram mais de uma administração. Estou falando da reforma da Previdência, dos novos marcos regulatórios, como o do saneamento, que foi talvez a reforma mais importante que a gente fez desde o Plano Real, da autonomia do Banco Central, da digitalização, para dentro e para fora, da administração pública, e também da reforma trabalhista, que, na minha opinião, é mais do que uma ideia que vai trazer resultados ao longo do tempo. Quem se atentar aos números do mercado de trabalho vai ver que a reforma trabalhista já está produzindo resultados palpáveis. A gente tem hoje um mercado de trabalho melhor do que a situação sugeriria se a reforma não tivesse ocorrido. Então, minha torcida é para que não haja um retrocesso de maneira ampla, para que medidas que talvez eu não julgue como as melhores, como a PEC da Transição, sejam circunstanciais.

Qual a sua avaliação sobre a da PEC da Transição?

Quando você abre um processo de elevação de gastos significativo, como ocorreu com a PEC, a curva de juros sobe concomitantemente, como falei há pouco. Ou seja, o custo de rolar a dívida pública, que é muito elevada para um País de renda média como o Brasil, também sobe. Então, não acho uma medida produtiva, porque, de certa forma, você acaba perdendo aquilo que, em tese, acha que está ganhando ao aumentar os gastos. Agora, mais uma vez, há algumas sinalizações de que o ministro Haddad está trabalhando no sentido benigno e tentando fazer coisas mais sensatas, como o novo arcabouço fiscal. Não conheço os termos do novo arcabouço, mas, pelo que eles estão dizendo, ensejaria uma perspectiva fiscal sólida.

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O presidente Lula e muitos de seus aliados têm criticado a política de juros altos do Banco Central, a autonomia da instituição e até seu comandante, Roberto Campos Neto. Alguns apoiadores de Lula sugerem até que haveria viés político na decisão de manter a taxa básica (Selic) em 13,75% ao ano, para prejudicar o governo. Como o sr. vê essa questão?

No bojo dessas reformas que foram feitas em pouco mais de meia década, a autonomia do Banco Central foi uma das medidas mais importantes. Vamos lembrar que autonomia não é propriamente independência, como muita gente diz, porque o presidente e a diretoria do Banco Central têm de prestar contas ao Congresso de suas decisões e de seus resultados. As pessoas que hoje estão à frente do Banco Central, não só o Roberto Campos Neto, mas integrantes da diretoria que eu conheço, são altamente técnicas, honestas e estão lá com o firme propósito de servir ao País. É preciso deixar essa esfera técnica se manifestar, se posicionar e tomar as decisões, dentro das funções que a gente atribuiu a ela. Acredito que as coisas vão acabar se desenrolando de maneira positiva. Realmente, não me parece que esse processo de elevação dos juros tenha um componente político. O Banco Central começou o ciclo de alta dos juros antes dos demais países e manteve até agora uma taxa que alguns julgam alta demais. Mas, se houvesse motivação política na gestão dos juros, o Banco Central poderia ter segurado ou até diminuído a taxa no período eleitoral, o que não aconteceu.

Um dos aspectos mais importantes da reforma tributária é a mudança na tributação do consumo.

Samuel Kinoshita, secretário estadual da Fazenda e Planejamento de São Paulo

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Pelas declarações do ministro Fernando Haddad e de outros integrantes do governo, uma das prioridades no momento é a reforma tributária. Qual é a sua posição em relação à reforma tributária?

Entre as reformas que faltaram, acredito que a tributária é muito importante para o Brasil. O governador Tarcísio e o secretário de Fazenda de São Paulo apoiam uma modernização na legislação tributária. A última grande reforma tributária no País foi realizada em meados dos anos 1960. De lá para cá, a tributação degringolou de forma muito pronunciada. A gente criou desfuncionalidades, principalmente na forma como nós tributamos o consumo, que precisa passar por uma modernização em direção às melhores práticas globais.

Como o sr. analisa as principais propostas de reforma tributária que estão em discussão no Congresso Nacional?

A gente ainda não tem um texto para analisar. Não sei exatamente qual é o texto que será colocado em votação. No momento, o que há são propostas que já foram feitas e a gente está elucubrando em cima de ideias. Do que está sendo debatido, um dos aspectos mais importantes é justamente a mudança na tributação do consumo, com a criação de um Imposto sobre Valor Agregado (IVA), que está prevista nas duas principais propostas em discussão no Congresso, a PEC 45 e a PEC 110. Um bom IVA é aquele em que cada etapa da cadeia produtiva paga apenas o imposto referente ao valor adicionado ao produto ou serviço e no fim da linha há a cobrança de uma alíquota sobre o consumo. Há estudos que mostram que o PIB (Produto Interno Bruto) potencial brasileiro subiria de 10% a 20%, caso a gente fizesse essa reformulação na tributação do consumo. Então, eu acredito que, neste caso, especificamente, a gente precisa realmente avançar.

Segundo Kinoshita, São Paulo quer contribuir 'de maneira ativa' para a reforma tributária.  Foto: Felipe Rau/Estadão

Em relação à proposta de mudança na tributação das operações que hoje estão sujeitas ao recolhimento de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), que passaria a ser feita no destino e não mais na origem, qual a sua avaliação?

Tanto a PEC 45 como a PEC 110 contemplam a mudança da tributação da origem para o destino. Hoje, uma parte do ICMS é tributada na origem e outra no destino. Há múltiplas regras e é algo extremamente complexo. Se a tributação se der só no destino, a gente vai passar por uma simplificação enorme do processo. O problema é que, quando você sai da tributação origem/destino apenas para a tributação no destino, os Estados que produzem muito, como é o caso de São Paulo, podem, em tese, ter uma perda instantânea.

São Paulo quer participar de forma ativa da discussão da reforma tributária.

Samuel Kinoshita, secretário estadual da Fazenda e Planejamento de São Paulo

Por causa dessa possível perda de receita, alguns políticos e analistas dizem que São Paulo está trabalhando contra a reforma tributária. É isso mesmo?

O que mais ouço nesses fóruns dos quais eu faço parte, com os demais secretários de Fazenda, é “Ah, mas São Paulo é rico”, “Ah, mas São Paulo é rico”. Eles querem dizer que, no fundo, São Paulo vai acabar pagando a conta da reforma e que, por isso, estaria obstaculizando a mudança. Isso não é verdade. São Paulo tem uma postura cooperativa, não hostil, em relação à reforma tributária. São Paulo quer o bem do Brasil, quer contribuir para que haja essa evolução. A gente tanto quer a evolução do País, a modernização do sistema tributário, que estaria até disposto, em prol do bem da nação, a discutir a mudança da tributação da origem para o destino. São Paulo pode perder alguma coisa no início, mas a gente acredita que ao longo do tempo vai ser bom: bom para o Brasil, bom para São Paulo e bom para os brasileiros. Agora, mesmo levando em conta que existem mecanismos de manutenção do padrão de receitas vindouras para o Estado nessas propostas que estão sendo debatidas, eu preciso resguardar os interesses do Estado – e não só de caixa. Na verdade, nem estou pensando nisso, mas nas políticas públicas que esses recursos viabilizam para os mais de 46 milhões de brasileiros que vivem em São Paulo.

O sr. tem falado que quer retomar o protagonismo de São Paulo na discussão da reforma tributária. O que isso significa na prática?

O que eu quero dizer é que São Paulo quer participar dessa discussão de maneira ativa. É importante ter esse papel ativo, participar desses fóruns e contribuir, colocar quais são os pontos de resguardo que devem ser considerados, não só os de São Paulo, mas os de outros Estados também. De novo, a gente tem que resguardar o futuro das políticas públicas aplicadas para mais de 46 milhões de brasileiros que vivem em São Paulo. Não é pouca coisa. É uma responsabilidade muito grande, que exige muita reflexão. Nós estamos fazendo essa reflexão na Secretaria de Fazenda de maneira minuciosa. A gente avançou em diversos aspectos nos estudos, tem apresentado isso nos fóruns, conversado com o secretário (Extraordinário de Reforma Tributária) Bernard Appy sobre isso, colocado essas dúvidas. Vamos avançar nesse debate. A nossa postura tem sido construtiva, no sentido de contemplar essas dúvidas e preocupações.

Além dessa questão da mudança da tributação da origem para o destino, que outros pontos o preocupam na reforma tributária?

Existem pontos fundamentais na reforma tributária que geram grande incerteza, muita insegurança, pela diminuição da autonomia dos Estados e dos municípios, e que estão sendo debatidos entre secretários de Fazenda e economistas. A centralização da arrecadação, constante nas duas PECs, é um exemplo. A PEC 45, que propõe a criação de um IVA nacional, englobando tributos federais, estaduais e municipais, prevê até a criação de um órgão para fazer isso. No caso da PEC 110, que propõe um IVA dual, com a criação de um tributo federal, que reuniria o PIS (Programa de Integração Social) e a Cofins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social), e de um tributo local, que incluiria o ICMS, cobrado pelos Estados, e o ISS (Imposto sobre Serviços), cobrado pelos municípios, isso aconteceria sem a participação da União. Há muitas dúvidas em relação a essa questão, inclusive de gente que não é das regiões sul e sudeste. Uma proposta alternativa que está circulando entre secretários e economistas é criar uma “câmara de compensação” que calcularia a posição líquida entre o que cada Estado tem a receber e a pagar ao fim de cada dia.

O que mais está gerando incerteza em relação à reforma tributária?

Outro ponto de incerteza é o chamado Fundo de Desenvolvimento Regional, que deverá receber de 3% a 5% da arrecadação centralizada. Puxa vida, será que a gente não deveria falar de desenvolvimento local em vez de regional? Há pequenas regiões em todo o País que merecem apoio ao desenvolvimento. O norte de Minas, por exemplo, tem o Vale do Jequitinhonha. O Rio de Janeiro tem a Baixada Fluminense. Mesmo em São Paulo há bolsões desfavorecidos. Outra questão importante: se você quer promover o desenvolvimento, isso não deveria transitar pelo Orçamento? Caso não queiram fazer pelo Orçamento, isso não deveria sair do governo federal? Por que precisa envolver os entes da Federação? Muitos Estados, não só São Paulo, têm dúvidas em relação a isso. Outra coisa: ok, vamos dizer que eu abasteça esse fundo com 3% a 5% da arrecadação, qual será a destinação dos recursos? Isso não está nas PECs. Vai para lei complementar, a ser aprovada no ano que vem. A gente vai dar um “de acordo” em algo que nem sabe o que é? É complicado.

É difícil conseguir 308 votos na Câmara para votar uma reforma que envolve tantos interesses.

Samuel Kinoshita, secretário estadual da Fazenda e Planejamento de São Paulo

O governo federal está querendo aprovar a reforma tributária ainda em 2023. Diante dessas questões que o sr. está colocando, qual a sua visão em relação a esse cronograma?

Acho um grande desafio esse calendário proposto. Uma reforma de fôlego como se está propondo ainda vai precisar de muito debate para avançar. Acredito que existe espaço para um avanço significativo na tributação do consumo. Qual será esse avanço, se vai ser um IVA nacional ou IVA dual, é algo que ainda precisa ser melhor discutido. Talvez, a melhor saída seja trabalhar primeiro no aspecto federal, nessa junção de PIS e Cofins, que já foi inclusive tentada em administrações anteriores. Foi tentada na administração passada, com o ministro Paulo Guedes, com a proposta de criação da chamada CDS (Contribuição sobre Bens e Serviços). Foi tentada lá atrás também com o (ex-ministro da Fazenda) Joaquim Levy, mas não andou. Essa reforma toda envolve uma costura política muito complicada, superdesafiadora. É difícil você conseguir 308 votos na Câmara, no painel, para votar uma reforma que envolve tantos interesses – interesses setoriais, de setores de grande porte, com muita representação parlamentar, de municípios grandes, que têm pouco interesse numa formatação desse tipo, e de Estados que têm muitas dúvidas sobre as propostas que estão em discussão.

No que se refere à gestão financeira do Estado propriamente dita, como o sr. encontrou as finanças estaduais? Qual a sua avaliação da situação financeira do Estado hoje?

Quando você olha um horizonte mais amplo, de dez, vinte anos, a situação de caixa do governo estadual está bem melhor do que no passado recente. Em alguns momentos, o Estado de São Paulo passou por um aperto considerável de caixa e teve até dificuldades financeiras. Hoje, temos um caixa que nos dá um certo conforto, mas isso representa uma espécie de colchão de proteção para as finanças do Estado, dentro da diretriz de manter a higidez das contas fiscais que o governador nos deu. É uma proteção para as políticas que vem sendo implementadas, de fomento e proteção da população brasileira que vive em São Paulo. Como eu falei, a gente está num cenário que comporta riscos de múltiplas frentes e várias incertezas, tanto relacionados ao cenário macro internacional, com inflação e juros elevados em países desenvolvidos, que normalmente não é algo associado a bons resultados para países emergentes como o Brasil, quanto a como vai se desenrolar a condução da política econômica no País e a como vai se processar a questão tributária, que também é muito importante.

De quanto exatamente é esse “colchão de proteção” hoje?

Hoje, o caixa do Estado é de pouco mais de R$ 30 bilhões, que equivalem a cerca de três meses de despesas. Considerando o nosso orçamento para 2023, de R$ 317 bilhões, é o equivalente a cerca de 10% do total. Apesar de ser um valor que nos dá uma situação mais confortável do que no passado recente, não dá tanta autonomia assim, em caso de uma crise mais grave. Na verdade, o que você precisa é processar as políticas corretas para a população, mantendo a higidez fiscal do Estado.

A gente quer aumentar o investimento, mas nosso intuito é atrair capitais privados, internos e externos.

Samuel Kinoshita, secretário estadual da Fazenda e Planejamento de São Paulo

O governo federal reclama muito da falta de dinheiro público para investimento, apesar de ter conseguido aprovar a PEC da Transição. No caso de São Paulo, como o sr. acabou de dizer, o Estado tem esse caixa e deve até ter um superávit primário em 2023. Esse dinheiro não deveria ser usado para impulsionar os investimentos, dar um gás na economia paulista, como o governo federal quer fazer?

Certamente a gente quer aumentar o investimento no Estado de São Paulo, mas nosso intuito é sempre atrair capitais privados, internos e externos, para investir. Como você faz isso? Fazendo com que a economia paulista seja atrativa para os investimentos. A gente quer melhorar muito o chamado custo São Paulo, fazer com que São Paulo se torne mais atraente, para que seja um lugar de grande investimento do setor privado. O governador Tarcísio é, na minha opinião, a maior autoridade em infraestrutura que a gente tem no Brasil. Ele foi desde engenheiro de estrada até ministro da área e conhece todo o processo. Com certeza, ele tem uma carteira de projetos para ampliar os investimentos do Estado nesse campo, mas que se volta muito para o uso de capitais privados, como ele fez no Ministério de Infraestrutura, onde ele obteve resultados excepcionais, com um orçamento relativamente restrito. Se me lembro bem, o orçamento do ministério para investimentos era algo entre R$ 6 bilhões e R$ 8 bilhões ao ano e o investimento do setor privado era um múltiplo disso. Agora, é óbvio que investimento público é importante. As obras não vão parar e serão terminadas. Também haverá novas obras. Mas, de novo, sempre respeitando a higidez fiscal e com uma cabeça de atrair parceiros privados, para alavancar o crescimento da economia paulista. Você não precisa implementar todo o seu plano imediatamente. Tem de fazer isso à medida que o cenário for se desvendando.

Diante das reclamações dos Estados sobre o impacto do corte do ICMS sobre os combustíveis, o ex-ministro Paulo Guedes dizia que os Estados estavam com os cofres cheios, tinham recebido bilhões do governo federal e que não tinham do que reclamar. No caso de São Paulo, esses R$ 30 bilhões de caixa refletem essa visão dele ou tem outras razões?

De fato, o governo federal deu muito suporte aos governos locais durante a pandemia, mas há outros fatores que explicam isso. A gente teve um processo de recuperação econômica do País bem mais acentuado do que se esperava. No período imediatamente pós-pandemia, o consumo continuou a se concentrar por um tempo no setor de bens, em detrimento do setor de serviços. Isso também favoreceu a economia paulista, a arrecadação do ICMS. A arrecadação foi bem boa. É claro que depois, com a redução da tributação de combustíveis, energia elétrica, telecomunicações e outras atividades, a gente pagou um preço, com a drenagem de recursos do caixa do Estado, mas o saldo geral ainda foi positivo.

Como estão as receitas hoje?

Nos últimos meses ou nas últimas seis semanas do ano passado, a gente observou um arrefecimento da atividade econômica. São Paulo vinha num processo de elevação significativa da receita ao longo de 2022 e do fim do ano para cá deu uma arrefecida. Hoje, a receita está mais ou menos estável em relação ao mesmo período do ano passado. Por enquanto, o que a gente percebe, que imagino que outros estados também estejam percebendo, é um arrefecimento na margem. Não houve nenhuma descontinuidade do processo.

Temos de rever com olhar crítico, analítico, econômico, os programas constantes do Orçamento.

Samuel Kinoshita, secretário estadual da Fazenda e Planejamento de São Paulo

Do lado das despesas, como o sr. avalia o quadro que encontrou?

Do lado das despesas, acredito que a gente precisa implementar uma avaliação econômica mais substancial do que é política pública no Estado de São Paulo. Temos de rever com olhar crítico, analítico, econômico, os programas constantes do Orçamento. Hoje, existe um termo que está em voga, o chamado “spending review”, que é simplesmente passar um pente fino nos programas constante no Orçamento. É uma discussão bastante ampla que está sendo feita no momento. A ministra Simone Tebet (do Planejamento) tem falado bastante sobre isso. Da forma como os orçamentos se processam no Brasil – isso não é uma particularidade de São Paulo – vários programas estão no Orçamento há muito tempo. Alguns têm muito mérito e boa eficácia, mas vários deles, provavelmente, não. Há sobreposição de programas, vários programas com pequena dotação que não são encerrados.

Outro aspecto de política pública que precisa ser analisado do lado da despesa são os benefícios tributários, as renúncias fiscais, concedidos ao longo dos anos. Isso já vinha da última administração e a gente está incrementando esse processo. Será que um determinado benefício concedido para certo setor faz sentido? Ele tem impacto sobre o emprego? Gerou impacto sobre a arrecadação? Gerou impacto no bem estar da sociedade? Um dos intuitos da minha administração, pelo qual tenho bastante carinho, é incrementar essas avaliações, do Orçamento e dos benefícios tributários. Esse processo de avaliação consegue ensejar muito mais eficiência no gasto público, de forma que a gente diminua os desperdícios e consiga fazer mais pela população com o mesmo montante de recursos.

Para finalizar, gostaria de abordar a questão do planejamento, que também faz parte das atribuições da secretaria. O que o sr. pretende fazer nessa área?

Para o ano que vem, além da LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) e da LOA (Lei Orçamentária Anual), a gente vai apresentar o PPA (Plano Plurianual), que ainda está em elaboração e acredito que deva ser concluído até o meio do ano. É evidente que há uma série de projetos, tratados recentemente pelo governador numa reunião com o secretário de parcerias Rafael Benini, que chamam muita atenção, como a possível expansão do metrô e o trem Campinas e Jundiaí a São Paulo. Mas a gente tem outros aspectos muito caros ao governador que devem ser contemplados no PPA. Na questão da educação, por exemplo, o secretário Renato Feder, que teve muito sucesso no Paraná, tem a missão bastante importante de colocar São Paulo no primeiro lugar dos rankings nacionais de educação. Uma das formas de atrair investimentos para São Paulo é conferir essa proeminência ao capital humano. É o PPA que vai dar as recomendações para essas alocações, indicar por onde vamos caminhar na elaboração das LDOs e das LOAs.

O novo secretário estadual da Fazenda e Planejamento de São Paulo, Samuel Kinoshita, de 42 anos, passou por um “batismo de fogo” no setor público como assessor especial do ex-ministro da Economia, Paulo Guedes, a quem chama carinhosamente de “professor”, após uma bem-sucedida trajetória no mercado financeiro.

Formado em economia pelo Insper, em São Paulo, com mestrados na Universidade Pompeu Fabra, na Espanha, e na Universidade Columbia, em Nova York, Kinoshita aproximou-se do governador paulista, Tarcísio de Freitas, ao trabalhar em sua campanha eleitoral para o Palácio dos Bandeirantes, por indicação de Guedes. “Acho que ele gostou de mim, porque estou aqui até hoje”, diz.

Em sua primeira entrevista no cargo, ele afirma que São Paulo quer contribuir “de maneira ativa” para a reforma tributária, mesmo que inicialmente o Estado tenha perda de arrecadação, mas ressalta que é preciso garantir os recursos necessários para atender a população do Estado.

“São Paulo tem uma postura cooperativa, não hostil, em relação à reforma tributária. São Paulo pode perder alguma coisa no início, mas a gente acredita que ao longo do tempo isso vai ser bom: bom para o Brasil, bom para São Paulo e bom para a população”, diz. “Agora, eu preciso resguardar as políticas públicas que esses recursos viabilizam para os mais de 46 milhões de brasileiros que vivem em São Paulo.”

Nesta entrevista ao Estadão, ele fala também sobre os primeiros passos do governo Lula na economia, sobre a necessidade de manter a “higidez” nas contas estaduais, no atual momento de incertezas no País e no exterior, e sobre o Plano Plurianual que deverá ser divulgado até o meio do ano, com os projetos prioritários e as principais diretrizes para a gestão orçamentária do Estado.

Como o sr. está vendo os primeiros movimentos do governo Lula na economia?

Não acredito que caiba ao secretário da Fazenda de São Paulo tomar uma posição frontalmente crítica em relação ao governo federal. Como brasileiro e como secretário de Fazenda, torço muito pelo sucesso da administração federal, porque quero que o Brasil vá bem. Agora, de maneira geral, a impressão é de que o governo Lula ainda precisa avançar com mais clareza em relação às medidas que pretende tomar. Entre os economistas, há muitas incertezas sobre as perspectivas econômicas do País. Não dá para saber ainda se as alterações de rota em relação às últimas gestões, anunciadas de forma verbal pelo governo desde a transição, como na política fiscal e na condução das estatais, serão, de fato, implementadas.

Que incertezas são essas que o sr. diz?

Alguns indicadores, de preços, de confiança e outros, estão mostrando um quadro preocupante. Desde o fim do ano passado, existe certo arrefecimento da atividade econômica. A chamada “curva de juros”, que revela as expectativas do mercado em relação ao futuro, está em patamares elevados. Evidentemente, isso tem um efeito instantâneo na economia, porque baliza o posicionamento dos empreendedores, das pessoas que tomam a decisão de alocar capital. Agora, ainda estamos numa fase muito inicial do governo. As medidas que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, está elaborando, nas áreas fiscal e tributária, ainda estão por se revelar. Vamos torcer para que sejam boas e aguardar os próximos capítulos.

Minha torcida é para que não haja um retrocesso de maneira ampla.

Samuel Kinoshita, secretário estadual da Fazenda e Planejamento de São Paulo

O sr. falou que ainda é preciso ver se algumas medidas anunciadas verbalmente serão mesmo implementadas, mas algumas já se transformaram em realidade. O governo implodiu o teto de gastos, conseguiu aprovar a PEC da Transição, ampliando as despesas em cerca de R$ 200 bilhões neste ano, e agora promoveu a taxação das exportações de petróleo. Como isso se encaixa no que o sr. falou?

Em pouco mais de meia década, o Brasil passou por um processo de modernização relevante. A gente fez muita coisa – e não me refiro só à a administração passada, da qual eu fiz parte. As mudanças atravessaram mais de uma administração. Estou falando da reforma da Previdência, dos novos marcos regulatórios, como o do saneamento, que foi talvez a reforma mais importante que a gente fez desde o Plano Real, da autonomia do Banco Central, da digitalização, para dentro e para fora, da administração pública, e também da reforma trabalhista, que, na minha opinião, é mais do que uma ideia que vai trazer resultados ao longo do tempo. Quem se atentar aos números do mercado de trabalho vai ver que a reforma trabalhista já está produzindo resultados palpáveis. A gente tem hoje um mercado de trabalho melhor do que a situação sugeriria se a reforma não tivesse ocorrido. Então, minha torcida é para que não haja um retrocesso de maneira ampla, para que medidas que talvez eu não julgue como as melhores, como a PEC da Transição, sejam circunstanciais.

Qual a sua avaliação sobre a da PEC da Transição?

Quando você abre um processo de elevação de gastos significativo, como ocorreu com a PEC, a curva de juros sobe concomitantemente, como falei há pouco. Ou seja, o custo de rolar a dívida pública, que é muito elevada para um País de renda média como o Brasil, também sobe. Então, não acho uma medida produtiva, porque, de certa forma, você acaba perdendo aquilo que, em tese, acha que está ganhando ao aumentar os gastos. Agora, mais uma vez, há algumas sinalizações de que o ministro Haddad está trabalhando no sentido benigno e tentando fazer coisas mais sensatas, como o novo arcabouço fiscal. Não conheço os termos do novo arcabouço, mas, pelo que eles estão dizendo, ensejaria uma perspectiva fiscal sólida.

O presidente Lula e muitos de seus aliados têm criticado a política de juros altos do Banco Central, a autonomia da instituição e até seu comandante, Roberto Campos Neto. Alguns apoiadores de Lula sugerem até que haveria viés político na decisão de manter a taxa básica (Selic) em 13,75% ao ano, para prejudicar o governo. Como o sr. vê essa questão?

No bojo dessas reformas que foram feitas em pouco mais de meia década, a autonomia do Banco Central foi uma das medidas mais importantes. Vamos lembrar que autonomia não é propriamente independência, como muita gente diz, porque o presidente e a diretoria do Banco Central têm de prestar contas ao Congresso de suas decisões e de seus resultados. As pessoas que hoje estão à frente do Banco Central, não só o Roberto Campos Neto, mas integrantes da diretoria que eu conheço, são altamente técnicas, honestas e estão lá com o firme propósito de servir ao País. É preciso deixar essa esfera técnica se manifestar, se posicionar e tomar as decisões, dentro das funções que a gente atribuiu a ela. Acredito que as coisas vão acabar se desenrolando de maneira positiva. Realmente, não me parece que esse processo de elevação dos juros tenha um componente político. O Banco Central começou o ciclo de alta dos juros antes dos demais países e manteve até agora uma taxa que alguns julgam alta demais. Mas, se houvesse motivação política na gestão dos juros, o Banco Central poderia ter segurado ou até diminuído a taxa no período eleitoral, o que não aconteceu.

Um dos aspectos mais importantes da reforma tributária é a mudança na tributação do consumo.

Samuel Kinoshita, secretário estadual da Fazenda e Planejamento de São Paulo

Pelas declarações do ministro Fernando Haddad e de outros integrantes do governo, uma das prioridades no momento é a reforma tributária. Qual é a sua posição em relação à reforma tributária?

Entre as reformas que faltaram, acredito que a tributária é muito importante para o Brasil. O governador Tarcísio e o secretário de Fazenda de São Paulo apoiam uma modernização na legislação tributária. A última grande reforma tributária no País foi realizada em meados dos anos 1960. De lá para cá, a tributação degringolou de forma muito pronunciada. A gente criou desfuncionalidades, principalmente na forma como nós tributamos o consumo, que precisa passar por uma modernização em direção às melhores práticas globais.

Como o sr. analisa as principais propostas de reforma tributária que estão em discussão no Congresso Nacional?

A gente ainda não tem um texto para analisar. Não sei exatamente qual é o texto que será colocado em votação. No momento, o que há são propostas que já foram feitas e a gente está elucubrando em cima de ideias. Do que está sendo debatido, um dos aspectos mais importantes é justamente a mudança na tributação do consumo, com a criação de um Imposto sobre Valor Agregado (IVA), que está prevista nas duas principais propostas em discussão no Congresso, a PEC 45 e a PEC 110. Um bom IVA é aquele em que cada etapa da cadeia produtiva paga apenas o imposto referente ao valor adicionado ao produto ou serviço e no fim da linha há a cobrança de uma alíquota sobre o consumo. Há estudos que mostram que o PIB (Produto Interno Bruto) potencial brasileiro subiria de 10% a 20%, caso a gente fizesse essa reformulação na tributação do consumo. Então, eu acredito que, neste caso, especificamente, a gente precisa realmente avançar.

Segundo Kinoshita, São Paulo quer contribuir 'de maneira ativa' para a reforma tributária.  Foto: Felipe Rau/Estadão

Em relação à proposta de mudança na tributação das operações que hoje estão sujeitas ao recolhimento de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), que passaria a ser feita no destino e não mais na origem, qual a sua avaliação?

Tanto a PEC 45 como a PEC 110 contemplam a mudança da tributação da origem para o destino. Hoje, uma parte do ICMS é tributada na origem e outra no destino. Há múltiplas regras e é algo extremamente complexo. Se a tributação se der só no destino, a gente vai passar por uma simplificação enorme do processo. O problema é que, quando você sai da tributação origem/destino apenas para a tributação no destino, os Estados que produzem muito, como é o caso de São Paulo, podem, em tese, ter uma perda instantânea.

São Paulo quer participar de forma ativa da discussão da reforma tributária.

Samuel Kinoshita, secretário estadual da Fazenda e Planejamento de São Paulo

Por causa dessa possível perda de receita, alguns políticos e analistas dizem que São Paulo está trabalhando contra a reforma tributária. É isso mesmo?

O que mais ouço nesses fóruns dos quais eu faço parte, com os demais secretários de Fazenda, é “Ah, mas São Paulo é rico”, “Ah, mas São Paulo é rico”. Eles querem dizer que, no fundo, São Paulo vai acabar pagando a conta da reforma e que, por isso, estaria obstaculizando a mudança. Isso não é verdade. São Paulo tem uma postura cooperativa, não hostil, em relação à reforma tributária. São Paulo quer o bem do Brasil, quer contribuir para que haja essa evolução. A gente tanto quer a evolução do País, a modernização do sistema tributário, que estaria até disposto, em prol do bem da nação, a discutir a mudança da tributação da origem para o destino. São Paulo pode perder alguma coisa no início, mas a gente acredita que ao longo do tempo vai ser bom: bom para o Brasil, bom para São Paulo e bom para os brasileiros. Agora, mesmo levando em conta que existem mecanismos de manutenção do padrão de receitas vindouras para o Estado nessas propostas que estão sendo debatidas, eu preciso resguardar os interesses do Estado – e não só de caixa. Na verdade, nem estou pensando nisso, mas nas políticas públicas que esses recursos viabilizam para os mais de 46 milhões de brasileiros que vivem em São Paulo.

O sr. tem falado que quer retomar o protagonismo de São Paulo na discussão da reforma tributária. O que isso significa na prática?

O que eu quero dizer é que São Paulo quer participar dessa discussão de maneira ativa. É importante ter esse papel ativo, participar desses fóruns e contribuir, colocar quais são os pontos de resguardo que devem ser considerados, não só os de São Paulo, mas os de outros Estados também. De novo, a gente tem que resguardar o futuro das políticas públicas aplicadas para mais de 46 milhões de brasileiros que vivem em São Paulo. Não é pouca coisa. É uma responsabilidade muito grande, que exige muita reflexão. Nós estamos fazendo essa reflexão na Secretaria de Fazenda de maneira minuciosa. A gente avançou em diversos aspectos nos estudos, tem apresentado isso nos fóruns, conversado com o secretário (Extraordinário de Reforma Tributária) Bernard Appy sobre isso, colocado essas dúvidas. Vamos avançar nesse debate. A nossa postura tem sido construtiva, no sentido de contemplar essas dúvidas e preocupações.

Além dessa questão da mudança da tributação da origem para o destino, que outros pontos o preocupam na reforma tributária?

Existem pontos fundamentais na reforma tributária que geram grande incerteza, muita insegurança, pela diminuição da autonomia dos Estados e dos municípios, e que estão sendo debatidos entre secretários de Fazenda e economistas. A centralização da arrecadação, constante nas duas PECs, é um exemplo. A PEC 45, que propõe a criação de um IVA nacional, englobando tributos federais, estaduais e municipais, prevê até a criação de um órgão para fazer isso. No caso da PEC 110, que propõe um IVA dual, com a criação de um tributo federal, que reuniria o PIS (Programa de Integração Social) e a Cofins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social), e de um tributo local, que incluiria o ICMS, cobrado pelos Estados, e o ISS (Imposto sobre Serviços), cobrado pelos municípios, isso aconteceria sem a participação da União. Há muitas dúvidas em relação a essa questão, inclusive de gente que não é das regiões sul e sudeste. Uma proposta alternativa que está circulando entre secretários e economistas é criar uma “câmara de compensação” que calcularia a posição líquida entre o que cada Estado tem a receber e a pagar ao fim de cada dia.

O que mais está gerando incerteza em relação à reforma tributária?

Outro ponto de incerteza é o chamado Fundo de Desenvolvimento Regional, que deverá receber de 3% a 5% da arrecadação centralizada. Puxa vida, será que a gente não deveria falar de desenvolvimento local em vez de regional? Há pequenas regiões em todo o País que merecem apoio ao desenvolvimento. O norte de Minas, por exemplo, tem o Vale do Jequitinhonha. O Rio de Janeiro tem a Baixada Fluminense. Mesmo em São Paulo há bolsões desfavorecidos. Outra questão importante: se você quer promover o desenvolvimento, isso não deveria transitar pelo Orçamento? Caso não queiram fazer pelo Orçamento, isso não deveria sair do governo federal? Por que precisa envolver os entes da Federação? Muitos Estados, não só São Paulo, têm dúvidas em relação a isso. Outra coisa: ok, vamos dizer que eu abasteça esse fundo com 3% a 5% da arrecadação, qual será a destinação dos recursos? Isso não está nas PECs. Vai para lei complementar, a ser aprovada no ano que vem. A gente vai dar um “de acordo” em algo que nem sabe o que é? É complicado.

É difícil conseguir 308 votos na Câmara para votar uma reforma que envolve tantos interesses.

Samuel Kinoshita, secretário estadual da Fazenda e Planejamento de São Paulo

O governo federal está querendo aprovar a reforma tributária ainda em 2023. Diante dessas questões que o sr. está colocando, qual a sua visão em relação a esse cronograma?

Acho um grande desafio esse calendário proposto. Uma reforma de fôlego como se está propondo ainda vai precisar de muito debate para avançar. Acredito que existe espaço para um avanço significativo na tributação do consumo. Qual será esse avanço, se vai ser um IVA nacional ou IVA dual, é algo que ainda precisa ser melhor discutido. Talvez, a melhor saída seja trabalhar primeiro no aspecto federal, nessa junção de PIS e Cofins, que já foi inclusive tentada em administrações anteriores. Foi tentada na administração passada, com o ministro Paulo Guedes, com a proposta de criação da chamada CDS (Contribuição sobre Bens e Serviços). Foi tentada lá atrás também com o (ex-ministro da Fazenda) Joaquim Levy, mas não andou. Essa reforma toda envolve uma costura política muito complicada, superdesafiadora. É difícil você conseguir 308 votos na Câmara, no painel, para votar uma reforma que envolve tantos interesses – interesses setoriais, de setores de grande porte, com muita representação parlamentar, de municípios grandes, que têm pouco interesse numa formatação desse tipo, e de Estados que têm muitas dúvidas sobre as propostas que estão em discussão.

No que se refere à gestão financeira do Estado propriamente dita, como o sr. encontrou as finanças estaduais? Qual a sua avaliação da situação financeira do Estado hoje?

Quando você olha um horizonte mais amplo, de dez, vinte anos, a situação de caixa do governo estadual está bem melhor do que no passado recente. Em alguns momentos, o Estado de São Paulo passou por um aperto considerável de caixa e teve até dificuldades financeiras. Hoje, temos um caixa que nos dá um certo conforto, mas isso representa uma espécie de colchão de proteção para as finanças do Estado, dentro da diretriz de manter a higidez das contas fiscais que o governador nos deu. É uma proteção para as políticas que vem sendo implementadas, de fomento e proteção da população brasileira que vive em São Paulo. Como eu falei, a gente está num cenário que comporta riscos de múltiplas frentes e várias incertezas, tanto relacionados ao cenário macro internacional, com inflação e juros elevados em países desenvolvidos, que normalmente não é algo associado a bons resultados para países emergentes como o Brasil, quanto a como vai se desenrolar a condução da política econômica no País e a como vai se processar a questão tributária, que também é muito importante.

De quanto exatamente é esse “colchão de proteção” hoje?

Hoje, o caixa do Estado é de pouco mais de R$ 30 bilhões, que equivalem a cerca de três meses de despesas. Considerando o nosso orçamento para 2023, de R$ 317 bilhões, é o equivalente a cerca de 10% do total. Apesar de ser um valor que nos dá uma situação mais confortável do que no passado recente, não dá tanta autonomia assim, em caso de uma crise mais grave. Na verdade, o que você precisa é processar as políticas corretas para a população, mantendo a higidez fiscal do Estado.

A gente quer aumentar o investimento, mas nosso intuito é atrair capitais privados, internos e externos.

Samuel Kinoshita, secretário estadual da Fazenda e Planejamento de São Paulo

O governo federal reclama muito da falta de dinheiro público para investimento, apesar de ter conseguido aprovar a PEC da Transição. No caso de São Paulo, como o sr. acabou de dizer, o Estado tem esse caixa e deve até ter um superávit primário em 2023. Esse dinheiro não deveria ser usado para impulsionar os investimentos, dar um gás na economia paulista, como o governo federal quer fazer?

Certamente a gente quer aumentar o investimento no Estado de São Paulo, mas nosso intuito é sempre atrair capitais privados, internos e externos, para investir. Como você faz isso? Fazendo com que a economia paulista seja atrativa para os investimentos. A gente quer melhorar muito o chamado custo São Paulo, fazer com que São Paulo se torne mais atraente, para que seja um lugar de grande investimento do setor privado. O governador Tarcísio é, na minha opinião, a maior autoridade em infraestrutura que a gente tem no Brasil. Ele foi desde engenheiro de estrada até ministro da área e conhece todo o processo. Com certeza, ele tem uma carteira de projetos para ampliar os investimentos do Estado nesse campo, mas que se volta muito para o uso de capitais privados, como ele fez no Ministério de Infraestrutura, onde ele obteve resultados excepcionais, com um orçamento relativamente restrito. Se me lembro bem, o orçamento do ministério para investimentos era algo entre R$ 6 bilhões e R$ 8 bilhões ao ano e o investimento do setor privado era um múltiplo disso. Agora, é óbvio que investimento público é importante. As obras não vão parar e serão terminadas. Também haverá novas obras. Mas, de novo, sempre respeitando a higidez fiscal e com uma cabeça de atrair parceiros privados, para alavancar o crescimento da economia paulista. Você não precisa implementar todo o seu plano imediatamente. Tem de fazer isso à medida que o cenário for se desvendando.

Diante das reclamações dos Estados sobre o impacto do corte do ICMS sobre os combustíveis, o ex-ministro Paulo Guedes dizia que os Estados estavam com os cofres cheios, tinham recebido bilhões do governo federal e que não tinham do que reclamar. No caso de São Paulo, esses R$ 30 bilhões de caixa refletem essa visão dele ou tem outras razões?

De fato, o governo federal deu muito suporte aos governos locais durante a pandemia, mas há outros fatores que explicam isso. A gente teve um processo de recuperação econômica do País bem mais acentuado do que se esperava. No período imediatamente pós-pandemia, o consumo continuou a se concentrar por um tempo no setor de bens, em detrimento do setor de serviços. Isso também favoreceu a economia paulista, a arrecadação do ICMS. A arrecadação foi bem boa. É claro que depois, com a redução da tributação de combustíveis, energia elétrica, telecomunicações e outras atividades, a gente pagou um preço, com a drenagem de recursos do caixa do Estado, mas o saldo geral ainda foi positivo.

Como estão as receitas hoje?

Nos últimos meses ou nas últimas seis semanas do ano passado, a gente observou um arrefecimento da atividade econômica. São Paulo vinha num processo de elevação significativa da receita ao longo de 2022 e do fim do ano para cá deu uma arrefecida. Hoje, a receita está mais ou menos estável em relação ao mesmo período do ano passado. Por enquanto, o que a gente percebe, que imagino que outros estados também estejam percebendo, é um arrefecimento na margem. Não houve nenhuma descontinuidade do processo.

Temos de rever com olhar crítico, analítico, econômico, os programas constantes do Orçamento.

Samuel Kinoshita, secretário estadual da Fazenda e Planejamento de São Paulo

Do lado das despesas, como o sr. avalia o quadro que encontrou?

Do lado das despesas, acredito que a gente precisa implementar uma avaliação econômica mais substancial do que é política pública no Estado de São Paulo. Temos de rever com olhar crítico, analítico, econômico, os programas constantes do Orçamento. Hoje, existe um termo que está em voga, o chamado “spending review”, que é simplesmente passar um pente fino nos programas constante no Orçamento. É uma discussão bastante ampla que está sendo feita no momento. A ministra Simone Tebet (do Planejamento) tem falado bastante sobre isso. Da forma como os orçamentos se processam no Brasil – isso não é uma particularidade de São Paulo – vários programas estão no Orçamento há muito tempo. Alguns têm muito mérito e boa eficácia, mas vários deles, provavelmente, não. Há sobreposição de programas, vários programas com pequena dotação que não são encerrados.

Outro aspecto de política pública que precisa ser analisado do lado da despesa são os benefícios tributários, as renúncias fiscais, concedidos ao longo dos anos. Isso já vinha da última administração e a gente está incrementando esse processo. Será que um determinado benefício concedido para certo setor faz sentido? Ele tem impacto sobre o emprego? Gerou impacto sobre a arrecadação? Gerou impacto no bem estar da sociedade? Um dos intuitos da minha administração, pelo qual tenho bastante carinho, é incrementar essas avaliações, do Orçamento e dos benefícios tributários. Esse processo de avaliação consegue ensejar muito mais eficiência no gasto público, de forma que a gente diminua os desperdícios e consiga fazer mais pela população com o mesmo montante de recursos.

Para finalizar, gostaria de abordar a questão do planejamento, que também faz parte das atribuições da secretaria. O que o sr. pretende fazer nessa área?

Para o ano que vem, além da LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) e da LOA (Lei Orçamentária Anual), a gente vai apresentar o PPA (Plano Plurianual), que ainda está em elaboração e acredito que deva ser concluído até o meio do ano. É evidente que há uma série de projetos, tratados recentemente pelo governador numa reunião com o secretário de parcerias Rafael Benini, que chamam muita atenção, como a possível expansão do metrô e o trem Campinas e Jundiaí a São Paulo. Mas a gente tem outros aspectos muito caros ao governador que devem ser contemplados no PPA. Na questão da educação, por exemplo, o secretário Renato Feder, que teve muito sucesso no Paraná, tem a missão bastante importante de colocar São Paulo no primeiro lugar dos rankings nacionais de educação. Uma das formas de atrair investimentos para São Paulo é conferir essa proeminência ao capital humano. É o PPA que vai dar as recomendações para essas alocações, indicar por onde vamos caminhar na elaboração das LDOs e das LOAs.

O novo secretário estadual da Fazenda e Planejamento de São Paulo, Samuel Kinoshita, de 42 anos, passou por um “batismo de fogo” no setor público como assessor especial do ex-ministro da Economia, Paulo Guedes, a quem chama carinhosamente de “professor”, após uma bem-sucedida trajetória no mercado financeiro.

Formado em economia pelo Insper, em São Paulo, com mestrados na Universidade Pompeu Fabra, na Espanha, e na Universidade Columbia, em Nova York, Kinoshita aproximou-se do governador paulista, Tarcísio de Freitas, ao trabalhar em sua campanha eleitoral para o Palácio dos Bandeirantes, por indicação de Guedes. “Acho que ele gostou de mim, porque estou aqui até hoje”, diz.

Em sua primeira entrevista no cargo, ele afirma que São Paulo quer contribuir “de maneira ativa” para a reforma tributária, mesmo que inicialmente o Estado tenha perda de arrecadação, mas ressalta que é preciso garantir os recursos necessários para atender a população do Estado.

“São Paulo tem uma postura cooperativa, não hostil, em relação à reforma tributária. São Paulo pode perder alguma coisa no início, mas a gente acredita que ao longo do tempo isso vai ser bom: bom para o Brasil, bom para São Paulo e bom para a população”, diz. “Agora, eu preciso resguardar as políticas públicas que esses recursos viabilizam para os mais de 46 milhões de brasileiros que vivem em São Paulo.”

Nesta entrevista ao Estadão, ele fala também sobre os primeiros passos do governo Lula na economia, sobre a necessidade de manter a “higidez” nas contas estaduais, no atual momento de incertezas no País e no exterior, e sobre o Plano Plurianual que deverá ser divulgado até o meio do ano, com os projetos prioritários e as principais diretrizes para a gestão orçamentária do Estado.

Como o sr. está vendo os primeiros movimentos do governo Lula na economia?

Não acredito que caiba ao secretário da Fazenda de São Paulo tomar uma posição frontalmente crítica em relação ao governo federal. Como brasileiro e como secretário de Fazenda, torço muito pelo sucesso da administração federal, porque quero que o Brasil vá bem. Agora, de maneira geral, a impressão é de que o governo Lula ainda precisa avançar com mais clareza em relação às medidas que pretende tomar. Entre os economistas, há muitas incertezas sobre as perspectivas econômicas do País. Não dá para saber ainda se as alterações de rota em relação às últimas gestões, anunciadas de forma verbal pelo governo desde a transição, como na política fiscal e na condução das estatais, serão, de fato, implementadas.

Que incertezas são essas que o sr. diz?

Alguns indicadores, de preços, de confiança e outros, estão mostrando um quadro preocupante. Desde o fim do ano passado, existe certo arrefecimento da atividade econômica. A chamada “curva de juros”, que revela as expectativas do mercado em relação ao futuro, está em patamares elevados. Evidentemente, isso tem um efeito instantâneo na economia, porque baliza o posicionamento dos empreendedores, das pessoas que tomam a decisão de alocar capital. Agora, ainda estamos numa fase muito inicial do governo. As medidas que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, está elaborando, nas áreas fiscal e tributária, ainda estão por se revelar. Vamos torcer para que sejam boas e aguardar os próximos capítulos.

Minha torcida é para que não haja um retrocesso de maneira ampla.

Samuel Kinoshita, secretário estadual da Fazenda e Planejamento de São Paulo

O sr. falou que ainda é preciso ver se algumas medidas anunciadas verbalmente serão mesmo implementadas, mas algumas já se transformaram em realidade. O governo implodiu o teto de gastos, conseguiu aprovar a PEC da Transição, ampliando as despesas em cerca de R$ 200 bilhões neste ano, e agora promoveu a taxação das exportações de petróleo. Como isso se encaixa no que o sr. falou?

Em pouco mais de meia década, o Brasil passou por um processo de modernização relevante. A gente fez muita coisa – e não me refiro só à a administração passada, da qual eu fiz parte. As mudanças atravessaram mais de uma administração. Estou falando da reforma da Previdência, dos novos marcos regulatórios, como o do saneamento, que foi talvez a reforma mais importante que a gente fez desde o Plano Real, da autonomia do Banco Central, da digitalização, para dentro e para fora, da administração pública, e também da reforma trabalhista, que, na minha opinião, é mais do que uma ideia que vai trazer resultados ao longo do tempo. Quem se atentar aos números do mercado de trabalho vai ver que a reforma trabalhista já está produzindo resultados palpáveis. A gente tem hoje um mercado de trabalho melhor do que a situação sugeriria se a reforma não tivesse ocorrido. Então, minha torcida é para que não haja um retrocesso de maneira ampla, para que medidas que talvez eu não julgue como as melhores, como a PEC da Transição, sejam circunstanciais.

Qual a sua avaliação sobre a da PEC da Transição?

Quando você abre um processo de elevação de gastos significativo, como ocorreu com a PEC, a curva de juros sobe concomitantemente, como falei há pouco. Ou seja, o custo de rolar a dívida pública, que é muito elevada para um País de renda média como o Brasil, também sobe. Então, não acho uma medida produtiva, porque, de certa forma, você acaba perdendo aquilo que, em tese, acha que está ganhando ao aumentar os gastos. Agora, mais uma vez, há algumas sinalizações de que o ministro Haddad está trabalhando no sentido benigno e tentando fazer coisas mais sensatas, como o novo arcabouço fiscal. Não conheço os termos do novo arcabouço, mas, pelo que eles estão dizendo, ensejaria uma perspectiva fiscal sólida.

O presidente Lula e muitos de seus aliados têm criticado a política de juros altos do Banco Central, a autonomia da instituição e até seu comandante, Roberto Campos Neto. Alguns apoiadores de Lula sugerem até que haveria viés político na decisão de manter a taxa básica (Selic) em 13,75% ao ano, para prejudicar o governo. Como o sr. vê essa questão?

No bojo dessas reformas que foram feitas em pouco mais de meia década, a autonomia do Banco Central foi uma das medidas mais importantes. Vamos lembrar que autonomia não é propriamente independência, como muita gente diz, porque o presidente e a diretoria do Banco Central têm de prestar contas ao Congresso de suas decisões e de seus resultados. As pessoas que hoje estão à frente do Banco Central, não só o Roberto Campos Neto, mas integrantes da diretoria que eu conheço, são altamente técnicas, honestas e estão lá com o firme propósito de servir ao País. É preciso deixar essa esfera técnica se manifestar, se posicionar e tomar as decisões, dentro das funções que a gente atribuiu a ela. Acredito que as coisas vão acabar se desenrolando de maneira positiva. Realmente, não me parece que esse processo de elevação dos juros tenha um componente político. O Banco Central começou o ciclo de alta dos juros antes dos demais países e manteve até agora uma taxa que alguns julgam alta demais. Mas, se houvesse motivação política na gestão dos juros, o Banco Central poderia ter segurado ou até diminuído a taxa no período eleitoral, o que não aconteceu.

Um dos aspectos mais importantes da reforma tributária é a mudança na tributação do consumo.

Samuel Kinoshita, secretário estadual da Fazenda e Planejamento de São Paulo

Pelas declarações do ministro Fernando Haddad e de outros integrantes do governo, uma das prioridades no momento é a reforma tributária. Qual é a sua posição em relação à reforma tributária?

Entre as reformas que faltaram, acredito que a tributária é muito importante para o Brasil. O governador Tarcísio e o secretário de Fazenda de São Paulo apoiam uma modernização na legislação tributária. A última grande reforma tributária no País foi realizada em meados dos anos 1960. De lá para cá, a tributação degringolou de forma muito pronunciada. A gente criou desfuncionalidades, principalmente na forma como nós tributamos o consumo, que precisa passar por uma modernização em direção às melhores práticas globais.

Como o sr. analisa as principais propostas de reforma tributária que estão em discussão no Congresso Nacional?

A gente ainda não tem um texto para analisar. Não sei exatamente qual é o texto que será colocado em votação. No momento, o que há são propostas que já foram feitas e a gente está elucubrando em cima de ideias. Do que está sendo debatido, um dos aspectos mais importantes é justamente a mudança na tributação do consumo, com a criação de um Imposto sobre Valor Agregado (IVA), que está prevista nas duas principais propostas em discussão no Congresso, a PEC 45 e a PEC 110. Um bom IVA é aquele em que cada etapa da cadeia produtiva paga apenas o imposto referente ao valor adicionado ao produto ou serviço e no fim da linha há a cobrança de uma alíquota sobre o consumo. Há estudos que mostram que o PIB (Produto Interno Bruto) potencial brasileiro subiria de 10% a 20%, caso a gente fizesse essa reformulação na tributação do consumo. Então, eu acredito que, neste caso, especificamente, a gente precisa realmente avançar.

Segundo Kinoshita, São Paulo quer contribuir 'de maneira ativa' para a reforma tributária.  Foto: Felipe Rau/Estadão

Em relação à proposta de mudança na tributação das operações que hoje estão sujeitas ao recolhimento de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), que passaria a ser feita no destino e não mais na origem, qual a sua avaliação?

Tanto a PEC 45 como a PEC 110 contemplam a mudança da tributação da origem para o destino. Hoje, uma parte do ICMS é tributada na origem e outra no destino. Há múltiplas regras e é algo extremamente complexo. Se a tributação se der só no destino, a gente vai passar por uma simplificação enorme do processo. O problema é que, quando você sai da tributação origem/destino apenas para a tributação no destino, os Estados que produzem muito, como é o caso de São Paulo, podem, em tese, ter uma perda instantânea.

São Paulo quer participar de forma ativa da discussão da reforma tributária.

Samuel Kinoshita, secretário estadual da Fazenda e Planejamento de São Paulo

Por causa dessa possível perda de receita, alguns políticos e analistas dizem que São Paulo está trabalhando contra a reforma tributária. É isso mesmo?

O que mais ouço nesses fóruns dos quais eu faço parte, com os demais secretários de Fazenda, é “Ah, mas São Paulo é rico”, “Ah, mas São Paulo é rico”. Eles querem dizer que, no fundo, São Paulo vai acabar pagando a conta da reforma e que, por isso, estaria obstaculizando a mudança. Isso não é verdade. São Paulo tem uma postura cooperativa, não hostil, em relação à reforma tributária. São Paulo quer o bem do Brasil, quer contribuir para que haja essa evolução. A gente tanto quer a evolução do País, a modernização do sistema tributário, que estaria até disposto, em prol do bem da nação, a discutir a mudança da tributação da origem para o destino. São Paulo pode perder alguma coisa no início, mas a gente acredita que ao longo do tempo vai ser bom: bom para o Brasil, bom para São Paulo e bom para os brasileiros. Agora, mesmo levando em conta que existem mecanismos de manutenção do padrão de receitas vindouras para o Estado nessas propostas que estão sendo debatidas, eu preciso resguardar os interesses do Estado – e não só de caixa. Na verdade, nem estou pensando nisso, mas nas políticas públicas que esses recursos viabilizam para os mais de 46 milhões de brasileiros que vivem em São Paulo.

O sr. tem falado que quer retomar o protagonismo de São Paulo na discussão da reforma tributária. O que isso significa na prática?

O que eu quero dizer é que São Paulo quer participar dessa discussão de maneira ativa. É importante ter esse papel ativo, participar desses fóruns e contribuir, colocar quais são os pontos de resguardo que devem ser considerados, não só os de São Paulo, mas os de outros Estados também. De novo, a gente tem que resguardar o futuro das políticas públicas aplicadas para mais de 46 milhões de brasileiros que vivem em São Paulo. Não é pouca coisa. É uma responsabilidade muito grande, que exige muita reflexão. Nós estamos fazendo essa reflexão na Secretaria de Fazenda de maneira minuciosa. A gente avançou em diversos aspectos nos estudos, tem apresentado isso nos fóruns, conversado com o secretário (Extraordinário de Reforma Tributária) Bernard Appy sobre isso, colocado essas dúvidas. Vamos avançar nesse debate. A nossa postura tem sido construtiva, no sentido de contemplar essas dúvidas e preocupações.

Além dessa questão da mudança da tributação da origem para o destino, que outros pontos o preocupam na reforma tributária?

Existem pontos fundamentais na reforma tributária que geram grande incerteza, muita insegurança, pela diminuição da autonomia dos Estados e dos municípios, e que estão sendo debatidos entre secretários de Fazenda e economistas. A centralização da arrecadação, constante nas duas PECs, é um exemplo. A PEC 45, que propõe a criação de um IVA nacional, englobando tributos federais, estaduais e municipais, prevê até a criação de um órgão para fazer isso. No caso da PEC 110, que propõe um IVA dual, com a criação de um tributo federal, que reuniria o PIS (Programa de Integração Social) e a Cofins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social), e de um tributo local, que incluiria o ICMS, cobrado pelos Estados, e o ISS (Imposto sobre Serviços), cobrado pelos municípios, isso aconteceria sem a participação da União. Há muitas dúvidas em relação a essa questão, inclusive de gente que não é das regiões sul e sudeste. Uma proposta alternativa que está circulando entre secretários e economistas é criar uma “câmara de compensação” que calcularia a posição líquida entre o que cada Estado tem a receber e a pagar ao fim de cada dia.

O que mais está gerando incerteza em relação à reforma tributária?

Outro ponto de incerteza é o chamado Fundo de Desenvolvimento Regional, que deverá receber de 3% a 5% da arrecadação centralizada. Puxa vida, será que a gente não deveria falar de desenvolvimento local em vez de regional? Há pequenas regiões em todo o País que merecem apoio ao desenvolvimento. O norte de Minas, por exemplo, tem o Vale do Jequitinhonha. O Rio de Janeiro tem a Baixada Fluminense. Mesmo em São Paulo há bolsões desfavorecidos. Outra questão importante: se você quer promover o desenvolvimento, isso não deveria transitar pelo Orçamento? Caso não queiram fazer pelo Orçamento, isso não deveria sair do governo federal? Por que precisa envolver os entes da Federação? Muitos Estados, não só São Paulo, têm dúvidas em relação a isso. Outra coisa: ok, vamos dizer que eu abasteça esse fundo com 3% a 5% da arrecadação, qual será a destinação dos recursos? Isso não está nas PECs. Vai para lei complementar, a ser aprovada no ano que vem. A gente vai dar um “de acordo” em algo que nem sabe o que é? É complicado.

É difícil conseguir 308 votos na Câmara para votar uma reforma que envolve tantos interesses.

Samuel Kinoshita, secretário estadual da Fazenda e Planejamento de São Paulo

O governo federal está querendo aprovar a reforma tributária ainda em 2023. Diante dessas questões que o sr. está colocando, qual a sua visão em relação a esse cronograma?

Acho um grande desafio esse calendário proposto. Uma reforma de fôlego como se está propondo ainda vai precisar de muito debate para avançar. Acredito que existe espaço para um avanço significativo na tributação do consumo. Qual será esse avanço, se vai ser um IVA nacional ou IVA dual, é algo que ainda precisa ser melhor discutido. Talvez, a melhor saída seja trabalhar primeiro no aspecto federal, nessa junção de PIS e Cofins, que já foi inclusive tentada em administrações anteriores. Foi tentada na administração passada, com o ministro Paulo Guedes, com a proposta de criação da chamada CDS (Contribuição sobre Bens e Serviços). Foi tentada lá atrás também com o (ex-ministro da Fazenda) Joaquim Levy, mas não andou. Essa reforma toda envolve uma costura política muito complicada, superdesafiadora. É difícil você conseguir 308 votos na Câmara, no painel, para votar uma reforma que envolve tantos interesses – interesses setoriais, de setores de grande porte, com muita representação parlamentar, de municípios grandes, que têm pouco interesse numa formatação desse tipo, e de Estados que têm muitas dúvidas sobre as propostas que estão em discussão.

No que se refere à gestão financeira do Estado propriamente dita, como o sr. encontrou as finanças estaduais? Qual a sua avaliação da situação financeira do Estado hoje?

Quando você olha um horizonte mais amplo, de dez, vinte anos, a situação de caixa do governo estadual está bem melhor do que no passado recente. Em alguns momentos, o Estado de São Paulo passou por um aperto considerável de caixa e teve até dificuldades financeiras. Hoje, temos um caixa que nos dá um certo conforto, mas isso representa uma espécie de colchão de proteção para as finanças do Estado, dentro da diretriz de manter a higidez das contas fiscais que o governador nos deu. É uma proteção para as políticas que vem sendo implementadas, de fomento e proteção da população brasileira que vive em São Paulo. Como eu falei, a gente está num cenário que comporta riscos de múltiplas frentes e várias incertezas, tanto relacionados ao cenário macro internacional, com inflação e juros elevados em países desenvolvidos, que normalmente não é algo associado a bons resultados para países emergentes como o Brasil, quanto a como vai se desenrolar a condução da política econômica no País e a como vai se processar a questão tributária, que também é muito importante.

De quanto exatamente é esse “colchão de proteção” hoje?

Hoje, o caixa do Estado é de pouco mais de R$ 30 bilhões, que equivalem a cerca de três meses de despesas. Considerando o nosso orçamento para 2023, de R$ 317 bilhões, é o equivalente a cerca de 10% do total. Apesar de ser um valor que nos dá uma situação mais confortável do que no passado recente, não dá tanta autonomia assim, em caso de uma crise mais grave. Na verdade, o que você precisa é processar as políticas corretas para a população, mantendo a higidez fiscal do Estado.

A gente quer aumentar o investimento, mas nosso intuito é atrair capitais privados, internos e externos.

Samuel Kinoshita, secretário estadual da Fazenda e Planejamento de São Paulo

O governo federal reclama muito da falta de dinheiro público para investimento, apesar de ter conseguido aprovar a PEC da Transição. No caso de São Paulo, como o sr. acabou de dizer, o Estado tem esse caixa e deve até ter um superávit primário em 2023. Esse dinheiro não deveria ser usado para impulsionar os investimentos, dar um gás na economia paulista, como o governo federal quer fazer?

Certamente a gente quer aumentar o investimento no Estado de São Paulo, mas nosso intuito é sempre atrair capitais privados, internos e externos, para investir. Como você faz isso? Fazendo com que a economia paulista seja atrativa para os investimentos. A gente quer melhorar muito o chamado custo São Paulo, fazer com que São Paulo se torne mais atraente, para que seja um lugar de grande investimento do setor privado. O governador Tarcísio é, na minha opinião, a maior autoridade em infraestrutura que a gente tem no Brasil. Ele foi desde engenheiro de estrada até ministro da área e conhece todo o processo. Com certeza, ele tem uma carteira de projetos para ampliar os investimentos do Estado nesse campo, mas que se volta muito para o uso de capitais privados, como ele fez no Ministério de Infraestrutura, onde ele obteve resultados excepcionais, com um orçamento relativamente restrito. Se me lembro bem, o orçamento do ministério para investimentos era algo entre R$ 6 bilhões e R$ 8 bilhões ao ano e o investimento do setor privado era um múltiplo disso. Agora, é óbvio que investimento público é importante. As obras não vão parar e serão terminadas. Também haverá novas obras. Mas, de novo, sempre respeitando a higidez fiscal e com uma cabeça de atrair parceiros privados, para alavancar o crescimento da economia paulista. Você não precisa implementar todo o seu plano imediatamente. Tem de fazer isso à medida que o cenário for se desvendando.

Diante das reclamações dos Estados sobre o impacto do corte do ICMS sobre os combustíveis, o ex-ministro Paulo Guedes dizia que os Estados estavam com os cofres cheios, tinham recebido bilhões do governo federal e que não tinham do que reclamar. No caso de São Paulo, esses R$ 30 bilhões de caixa refletem essa visão dele ou tem outras razões?

De fato, o governo federal deu muito suporte aos governos locais durante a pandemia, mas há outros fatores que explicam isso. A gente teve um processo de recuperação econômica do País bem mais acentuado do que se esperava. No período imediatamente pós-pandemia, o consumo continuou a se concentrar por um tempo no setor de bens, em detrimento do setor de serviços. Isso também favoreceu a economia paulista, a arrecadação do ICMS. A arrecadação foi bem boa. É claro que depois, com a redução da tributação de combustíveis, energia elétrica, telecomunicações e outras atividades, a gente pagou um preço, com a drenagem de recursos do caixa do Estado, mas o saldo geral ainda foi positivo.

Como estão as receitas hoje?

Nos últimos meses ou nas últimas seis semanas do ano passado, a gente observou um arrefecimento da atividade econômica. São Paulo vinha num processo de elevação significativa da receita ao longo de 2022 e do fim do ano para cá deu uma arrefecida. Hoje, a receita está mais ou menos estável em relação ao mesmo período do ano passado. Por enquanto, o que a gente percebe, que imagino que outros estados também estejam percebendo, é um arrefecimento na margem. Não houve nenhuma descontinuidade do processo.

Temos de rever com olhar crítico, analítico, econômico, os programas constantes do Orçamento.

Samuel Kinoshita, secretário estadual da Fazenda e Planejamento de São Paulo

Do lado das despesas, como o sr. avalia o quadro que encontrou?

Do lado das despesas, acredito que a gente precisa implementar uma avaliação econômica mais substancial do que é política pública no Estado de São Paulo. Temos de rever com olhar crítico, analítico, econômico, os programas constantes do Orçamento. Hoje, existe um termo que está em voga, o chamado “spending review”, que é simplesmente passar um pente fino nos programas constante no Orçamento. É uma discussão bastante ampla que está sendo feita no momento. A ministra Simone Tebet (do Planejamento) tem falado bastante sobre isso. Da forma como os orçamentos se processam no Brasil – isso não é uma particularidade de São Paulo – vários programas estão no Orçamento há muito tempo. Alguns têm muito mérito e boa eficácia, mas vários deles, provavelmente, não. Há sobreposição de programas, vários programas com pequena dotação que não são encerrados.

Outro aspecto de política pública que precisa ser analisado do lado da despesa são os benefícios tributários, as renúncias fiscais, concedidos ao longo dos anos. Isso já vinha da última administração e a gente está incrementando esse processo. Será que um determinado benefício concedido para certo setor faz sentido? Ele tem impacto sobre o emprego? Gerou impacto sobre a arrecadação? Gerou impacto no bem estar da sociedade? Um dos intuitos da minha administração, pelo qual tenho bastante carinho, é incrementar essas avaliações, do Orçamento e dos benefícios tributários. Esse processo de avaliação consegue ensejar muito mais eficiência no gasto público, de forma que a gente diminua os desperdícios e consiga fazer mais pela população com o mesmo montante de recursos.

Para finalizar, gostaria de abordar a questão do planejamento, que também faz parte das atribuições da secretaria. O que o sr. pretende fazer nessa área?

Para o ano que vem, além da LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) e da LOA (Lei Orçamentária Anual), a gente vai apresentar o PPA (Plano Plurianual), que ainda está em elaboração e acredito que deva ser concluído até o meio do ano. É evidente que há uma série de projetos, tratados recentemente pelo governador numa reunião com o secretário de parcerias Rafael Benini, que chamam muita atenção, como a possível expansão do metrô e o trem Campinas e Jundiaí a São Paulo. Mas a gente tem outros aspectos muito caros ao governador que devem ser contemplados no PPA. Na questão da educação, por exemplo, o secretário Renato Feder, que teve muito sucesso no Paraná, tem a missão bastante importante de colocar São Paulo no primeiro lugar dos rankings nacionais de educação. Uma das formas de atrair investimentos para São Paulo é conferir essa proeminência ao capital humano. É o PPA que vai dar as recomendações para essas alocações, indicar por onde vamos caminhar na elaboração das LDOs e das LOAs.

O novo secretário estadual da Fazenda e Planejamento de São Paulo, Samuel Kinoshita, de 42 anos, passou por um “batismo de fogo” no setor público como assessor especial do ex-ministro da Economia, Paulo Guedes, a quem chama carinhosamente de “professor”, após uma bem-sucedida trajetória no mercado financeiro.

Formado em economia pelo Insper, em São Paulo, com mestrados na Universidade Pompeu Fabra, na Espanha, e na Universidade Columbia, em Nova York, Kinoshita aproximou-se do governador paulista, Tarcísio de Freitas, ao trabalhar em sua campanha eleitoral para o Palácio dos Bandeirantes, por indicação de Guedes. “Acho que ele gostou de mim, porque estou aqui até hoje”, diz.

Em sua primeira entrevista no cargo, ele afirma que São Paulo quer contribuir “de maneira ativa” para a reforma tributária, mesmo que inicialmente o Estado tenha perda de arrecadação, mas ressalta que é preciso garantir os recursos necessários para atender a população do Estado.

“São Paulo tem uma postura cooperativa, não hostil, em relação à reforma tributária. São Paulo pode perder alguma coisa no início, mas a gente acredita que ao longo do tempo isso vai ser bom: bom para o Brasil, bom para São Paulo e bom para a população”, diz. “Agora, eu preciso resguardar as políticas públicas que esses recursos viabilizam para os mais de 46 milhões de brasileiros que vivem em São Paulo.”

Nesta entrevista ao Estadão, ele fala também sobre os primeiros passos do governo Lula na economia, sobre a necessidade de manter a “higidez” nas contas estaduais, no atual momento de incertezas no País e no exterior, e sobre o Plano Plurianual que deverá ser divulgado até o meio do ano, com os projetos prioritários e as principais diretrizes para a gestão orçamentária do Estado.

Como o sr. está vendo os primeiros movimentos do governo Lula na economia?

Não acredito que caiba ao secretário da Fazenda de São Paulo tomar uma posição frontalmente crítica em relação ao governo federal. Como brasileiro e como secretário de Fazenda, torço muito pelo sucesso da administração federal, porque quero que o Brasil vá bem. Agora, de maneira geral, a impressão é de que o governo Lula ainda precisa avançar com mais clareza em relação às medidas que pretende tomar. Entre os economistas, há muitas incertezas sobre as perspectivas econômicas do País. Não dá para saber ainda se as alterações de rota em relação às últimas gestões, anunciadas de forma verbal pelo governo desde a transição, como na política fiscal e na condução das estatais, serão, de fato, implementadas.

Que incertezas são essas que o sr. diz?

Alguns indicadores, de preços, de confiança e outros, estão mostrando um quadro preocupante. Desde o fim do ano passado, existe certo arrefecimento da atividade econômica. A chamada “curva de juros”, que revela as expectativas do mercado em relação ao futuro, está em patamares elevados. Evidentemente, isso tem um efeito instantâneo na economia, porque baliza o posicionamento dos empreendedores, das pessoas que tomam a decisão de alocar capital. Agora, ainda estamos numa fase muito inicial do governo. As medidas que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, está elaborando, nas áreas fiscal e tributária, ainda estão por se revelar. Vamos torcer para que sejam boas e aguardar os próximos capítulos.

Minha torcida é para que não haja um retrocesso de maneira ampla.

Samuel Kinoshita, secretário estadual da Fazenda e Planejamento de São Paulo

O sr. falou que ainda é preciso ver se algumas medidas anunciadas verbalmente serão mesmo implementadas, mas algumas já se transformaram em realidade. O governo implodiu o teto de gastos, conseguiu aprovar a PEC da Transição, ampliando as despesas em cerca de R$ 200 bilhões neste ano, e agora promoveu a taxação das exportações de petróleo. Como isso se encaixa no que o sr. falou?

Em pouco mais de meia década, o Brasil passou por um processo de modernização relevante. A gente fez muita coisa – e não me refiro só à a administração passada, da qual eu fiz parte. As mudanças atravessaram mais de uma administração. Estou falando da reforma da Previdência, dos novos marcos regulatórios, como o do saneamento, que foi talvez a reforma mais importante que a gente fez desde o Plano Real, da autonomia do Banco Central, da digitalização, para dentro e para fora, da administração pública, e também da reforma trabalhista, que, na minha opinião, é mais do que uma ideia que vai trazer resultados ao longo do tempo. Quem se atentar aos números do mercado de trabalho vai ver que a reforma trabalhista já está produzindo resultados palpáveis. A gente tem hoje um mercado de trabalho melhor do que a situação sugeriria se a reforma não tivesse ocorrido. Então, minha torcida é para que não haja um retrocesso de maneira ampla, para que medidas que talvez eu não julgue como as melhores, como a PEC da Transição, sejam circunstanciais.

Qual a sua avaliação sobre a da PEC da Transição?

Quando você abre um processo de elevação de gastos significativo, como ocorreu com a PEC, a curva de juros sobe concomitantemente, como falei há pouco. Ou seja, o custo de rolar a dívida pública, que é muito elevada para um País de renda média como o Brasil, também sobe. Então, não acho uma medida produtiva, porque, de certa forma, você acaba perdendo aquilo que, em tese, acha que está ganhando ao aumentar os gastos. Agora, mais uma vez, há algumas sinalizações de que o ministro Haddad está trabalhando no sentido benigno e tentando fazer coisas mais sensatas, como o novo arcabouço fiscal. Não conheço os termos do novo arcabouço, mas, pelo que eles estão dizendo, ensejaria uma perspectiva fiscal sólida.

O presidente Lula e muitos de seus aliados têm criticado a política de juros altos do Banco Central, a autonomia da instituição e até seu comandante, Roberto Campos Neto. Alguns apoiadores de Lula sugerem até que haveria viés político na decisão de manter a taxa básica (Selic) em 13,75% ao ano, para prejudicar o governo. Como o sr. vê essa questão?

No bojo dessas reformas que foram feitas em pouco mais de meia década, a autonomia do Banco Central foi uma das medidas mais importantes. Vamos lembrar que autonomia não é propriamente independência, como muita gente diz, porque o presidente e a diretoria do Banco Central têm de prestar contas ao Congresso de suas decisões e de seus resultados. As pessoas que hoje estão à frente do Banco Central, não só o Roberto Campos Neto, mas integrantes da diretoria que eu conheço, são altamente técnicas, honestas e estão lá com o firme propósito de servir ao País. É preciso deixar essa esfera técnica se manifestar, se posicionar e tomar as decisões, dentro das funções que a gente atribuiu a ela. Acredito que as coisas vão acabar se desenrolando de maneira positiva. Realmente, não me parece que esse processo de elevação dos juros tenha um componente político. O Banco Central começou o ciclo de alta dos juros antes dos demais países e manteve até agora uma taxa que alguns julgam alta demais. Mas, se houvesse motivação política na gestão dos juros, o Banco Central poderia ter segurado ou até diminuído a taxa no período eleitoral, o que não aconteceu.

Um dos aspectos mais importantes da reforma tributária é a mudança na tributação do consumo.

Samuel Kinoshita, secretário estadual da Fazenda e Planejamento de São Paulo

Pelas declarações do ministro Fernando Haddad e de outros integrantes do governo, uma das prioridades no momento é a reforma tributária. Qual é a sua posição em relação à reforma tributária?

Entre as reformas que faltaram, acredito que a tributária é muito importante para o Brasil. O governador Tarcísio e o secretário de Fazenda de São Paulo apoiam uma modernização na legislação tributária. A última grande reforma tributária no País foi realizada em meados dos anos 1960. De lá para cá, a tributação degringolou de forma muito pronunciada. A gente criou desfuncionalidades, principalmente na forma como nós tributamos o consumo, que precisa passar por uma modernização em direção às melhores práticas globais.

Como o sr. analisa as principais propostas de reforma tributária que estão em discussão no Congresso Nacional?

A gente ainda não tem um texto para analisar. Não sei exatamente qual é o texto que será colocado em votação. No momento, o que há são propostas que já foram feitas e a gente está elucubrando em cima de ideias. Do que está sendo debatido, um dos aspectos mais importantes é justamente a mudança na tributação do consumo, com a criação de um Imposto sobre Valor Agregado (IVA), que está prevista nas duas principais propostas em discussão no Congresso, a PEC 45 e a PEC 110. Um bom IVA é aquele em que cada etapa da cadeia produtiva paga apenas o imposto referente ao valor adicionado ao produto ou serviço e no fim da linha há a cobrança de uma alíquota sobre o consumo. Há estudos que mostram que o PIB (Produto Interno Bruto) potencial brasileiro subiria de 10% a 20%, caso a gente fizesse essa reformulação na tributação do consumo. Então, eu acredito que, neste caso, especificamente, a gente precisa realmente avançar.

Segundo Kinoshita, São Paulo quer contribuir 'de maneira ativa' para a reforma tributária.  Foto: Felipe Rau/Estadão

Em relação à proposta de mudança na tributação das operações que hoje estão sujeitas ao recolhimento de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), que passaria a ser feita no destino e não mais na origem, qual a sua avaliação?

Tanto a PEC 45 como a PEC 110 contemplam a mudança da tributação da origem para o destino. Hoje, uma parte do ICMS é tributada na origem e outra no destino. Há múltiplas regras e é algo extremamente complexo. Se a tributação se der só no destino, a gente vai passar por uma simplificação enorme do processo. O problema é que, quando você sai da tributação origem/destino apenas para a tributação no destino, os Estados que produzem muito, como é o caso de São Paulo, podem, em tese, ter uma perda instantânea.

São Paulo quer participar de forma ativa da discussão da reforma tributária.

Samuel Kinoshita, secretário estadual da Fazenda e Planejamento de São Paulo

Por causa dessa possível perda de receita, alguns políticos e analistas dizem que São Paulo está trabalhando contra a reforma tributária. É isso mesmo?

O que mais ouço nesses fóruns dos quais eu faço parte, com os demais secretários de Fazenda, é “Ah, mas São Paulo é rico”, “Ah, mas São Paulo é rico”. Eles querem dizer que, no fundo, São Paulo vai acabar pagando a conta da reforma e que, por isso, estaria obstaculizando a mudança. Isso não é verdade. São Paulo tem uma postura cooperativa, não hostil, em relação à reforma tributária. São Paulo quer o bem do Brasil, quer contribuir para que haja essa evolução. A gente tanto quer a evolução do País, a modernização do sistema tributário, que estaria até disposto, em prol do bem da nação, a discutir a mudança da tributação da origem para o destino. São Paulo pode perder alguma coisa no início, mas a gente acredita que ao longo do tempo vai ser bom: bom para o Brasil, bom para São Paulo e bom para os brasileiros. Agora, mesmo levando em conta que existem mecanismos de manutenção do padrão de receitas vindouras para o Estado nessas propostas que estão sendo debatidas, eu preciso resguardar os interesses do Estado – e não só de caixa. Na verdade, nem estou pensando nisso, mas nas políticas públicas que esses recursos viabilizam para os mais de 46 milhões de brasileiros que vivem em São Paulo.

O sr. tem falado que quer retomar o protagonismo de São Paulo na discussão da reforma tributária. O que isso significa na prática?

O que eu quero dizer é que São Paulo quer participar dessa discussão de maneira ativa. É importante ter esse papel ativo, participar desses fóruns e contribuir, colocar quais são os pontos de resguardo que devem ser considerados, não só os de São Paulo, mas os de outros Estados também. De novo, a gente tem que resguardar o futuro das políticas públicas aplicadas para mais de 46 milhões de brasileiros que vivem em São Paulo. Não é pouca coisa. É uma responsabilidade muito grande, que exige muita reflexão. Nós estamos fazendo essa reflexão na Secretaria de Fazenda de maneira minuciosa. A gente avançou em diversos aspectos nos estudos, tem apresentado isso nos fóruns, conversado com o secretário (Extraordinário de Reforma Tributária) Bernard Appy sobre isso, colocado essas dúvidas. Vamos avançar nesse debate. A nossa postura tem sido construtiva, no sentido de contemplar essas dúvidas e preocupações.

Além dessa questão da mudança da tributação da origem para o destino, que outros pontos o preocupam na reforma tributária?

Existem pontos fundamentais na reforma tributária que geram grande incerteza, muita insegurança, pela diminuição da autonomia dos Estados e dos municípios, e que estão sendo debatidos entre secretários de Fazenda e economistas. A centralização da arrecadação, constante nas duas PECs, é um exemplo. A PEC 45, que propõe a criação de um IVA nacional, englobando tributos federais, estaduais e municipais, prevê até a criação de um órgão para fazer isso. No caso da PEC 110, que propõe um IVA dual, com a criação de um tributo federal, que reuniria o PIS (Programa de Integração Social) e a Cofins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social), e de um tributo local, que incluiria o ICMS, cobrado pelos Estados, e o ISS (Imposto sobre Serviços), cobrado pelos municípios, isso aconteceria sem a participação da União. Há muitas dúvidas em relação a essa questão, inclusive de gente que não é das regiões sul e sudeste. Uma proposta alternativa que está circulando entre secretários e economistas é criar uma “câmara de compensação” que calcularia a posição líquida entre o que cada Estado tem a receber e a pagar ao fim de cada dia.

O que mais está gerando incerteza em relação à reforma tributária?

Outro ponto de incerteza é o chamado Fundo de Desenvolvimento Regional, que deverá receber de 3% a 5% da arrecadação centralizada. Puxa vida, será que a gente não deveria falar de desenvolvimento local em vez de regional? Há pequenas regiões em todo o País que merecem apoio ao desenvolvimento. O norte de Minas, por exemplo, tem o Vale do Jequitinhonha. O Rio de Janeiro tem a Baixada Fluminense. Mesmo em São Paulo há bolsões desfavorecidos. Outra questão importante: se você quer promover o desenvolvimento, isso não deveria transitar pelo Orçamento? Caso não queiram fazer pelo Orçamento, isso não deveria sair do governo federal? Por que precisa envolver os entes da Federação? Muitos Estados, não só São Paulo, têm dúvidas em relação a isso. Outra coisa: ok, vamos dizer que eu abasteça esse fundo com 3% a 5% da arrecadação, qual será a destinação dos recursos? Isso não está nas PECs. Vai para lei complementar, a ser aprovada no ano que vem. A gente vai dar um “de acordo” em algo que nem sabe o que é? É complicado.

É difícil conseguir 308 votos na Câmara para votar uma reforma que envolve tantos interesses.

Samuel Kinoshita, secretário estadual da Fazenda e Planejamento de São Paulo

O governo federal está querendo aprovar a reforma tributária ainda em 2023. Diante dessas questões que o sr. está colocando, qual a sua visão em relação a esse cronograma?

Acho um grande desafio esse calendário proposto. Uma reforma de fôlego como se está propondo ainda vai precisar de muito debate para avançar. Acredito que existe espaço para um avanço significativo na tributação do consumo. Qual será esse avanço, se vai ser um IVA nacional ou IVA dual, é algo que ainda precisa ser melhor discutido. Talvez, a melhor saída seja trabalhar primeiro no aspecto federal, nessa junção de PIS e Cofins, que já foi inclusive tentada em administrações anteriores. Foi tentada na administração passada, com o ministro Paulo Guedes, com a proposta de criação da chamada CDS (Contribuição sobre Bens e Serviços). Foi tentada lá atrás também com o (ex-ministro da Fazenda) Joaquim Levy, mas não andou. Essa reforma toda envolve uma costura política muito complicada, superdesafiadora. É difícil você conseguir 308 votos na Câmara, no painel, para votar uma reforma que envolve tantos interesses – interesses setoriais, de setores de grande porte, com muita representação parlamentar, de municípios grandes, que têm pouco interesse numa formatação desse tipo, e de Estados que têm muitas dúvidas sobre as propostas que estão em discussão.

No que se refere à gestão financeira do Estado propriamente dita, como o sr. encontrou as finanças estaduais? Qual a sua avaliação da situação financeira do Estado hoje?

Quando você olha um horizonte mais amplo, de dez, vinte anos, a situação de caixa do governo estadual está bem melhor do que no passado recente. Em alguns momentos, o Estado de São Paulo passou por um aperto considerável de caixa e teve até dificuldades financeiras. Hoje, temos um caixa que nos dá um certo conforto, mas isso representa uma espécie de colchão de proteção para as finanças do Estado, dentro da diretriz de manter a higidez das contas fiscais que o governador nos deu. É uma proteção para as políticas que vem sendo implementadas, de fomento e proteção da população brasileira que vive em São Paulo. Como eu falei, a gente está num cenário que comporta riscos de múltiplas frentes e várias incertezas, tanto relacionados ao cenário macro internacional, com inflação e juros elevados em países desenvolvidos, que normalmente não é algo associado a bons resultados para países emergentes como o Brasil, quanto a como vai se desenrolar a condução da política econômica no País e a como vai se processar a questão tributária, que também é muito importante.

De quanto exatamente é esse “colchão de proteção” hoje?

Hoje, o caixa do Estado é de pouco mais de R$ 30 bilhões, que equivalem a cerca de três meses de despesas. Considerando o nosso orçamento para 2023, de R$ 317 bilhões, é o equivalente a cerca de 10% do total. Apesar de ser um valor que nos dá uma situação mais confortável do que no passado recente, não dá tanta autonomia assim, em caso de uma crise mais grave. Na verdade, o que você precisa é processar as políticas corretas para a população, mantendo a higidez fiscal do Estado.

A gente quer aumentar o investimento, mas nosso intuito é atrair capitais privados, internos e externos.

Samuel Kinoshita, secretário estadual da Fazenda e Planejamento de São Paulo

O governo federal reclama muito da falta de dinheiro público para investimento, apesar de ter conseguido aprovar a PEC da Transição. No caso de São Paulo, como o sr. acabou de dizer, o Estado tem esse caixa e deve até ter um superávit primário em 2023. Esse dinheiro não deveria ser usado para impulsionar os investimentos, dar um gás na economia paulista, como o governo federal quer fazer?

Certamente a gente quer aumentar o investimento no Estado de São Paulo, mas nosso intuito é sempre atrair capitais privados, internos e externos, para investir. Como você faz isso? Fazendo com que a economia paulista seja atrativa para os investimentos. A gente quer melhorar muito o chamado custo São Paulo, fazer com que São Paulo se torne mais atraente, para que seja um lugar de grande investimento do setor privado. O governador Tarcísio é, na minha opinião, a maior autoridade em infraestrutura que a gente tem no Brasil. Ele foi desde engenheiro de estrada até ministro da área e conhece todo o processo. Com certeza, ele tem uma carteira de projetos para ampliar os investimentos do Estado nesse campo, mas que se volta muito para o uso de capitais privados, como ele fez no Ministério de Infraestrutura, onde ele obteve resultados excepcionais, com um orçamento relativamente restrito. Se me lembro bem, o orçamento do ministério para investimentos era algo entre R$ 6 bilhões e R$ 8 bilhões ao ano e o investimento do setor privado era um múltiplo disso. Agora, é óbvio que investimento público é importante. As obras não vão parar e serão terminadas. Também haverá novas obras. Mas, de novo, sempre respeitando a higidez fiscal e com uma cabeça de atrair parceiros privados, para alavancar o crescimento da economia paulista. Você não precisa implementar todo o seu plano imediatamente. Tem de fazer isso à medida que o cenário for se desvendando.

Diante das reclamações dos Estados sobre o impacto do corte do ICMS sobre os combustíveis, o ex-ministro Paulo Guedes dizia que os Estados estavam com os cofres cheios, tinham recebido bilhões do governo federal e que não tinham do que reclamar. No caso de São Paulo, esses R$ 30 bilhões de caixa refletem essa visão dele ou tem outras razões?

De fato, o governo federal deu muito suporte aos governos locais durante a pandemia, mas há outros fatores que explicam isso. A gente teve um processo de recuperação econômica do País bem mais acentuado do que se esperava. No período imediatamente pós-pandemia, o consumo continuou a se concentrar por um tempo no setor de bens, em detrimento do setor de serviços. Isso também favoreceu a economia paulista, a arrecadação do ICMS. A arrecadação foi bem boa. É claro que depois, com a redução da tributação de combustíveis, energia elétrica, telecomunicações e outras atividades, a gente pagou um preço, com a drenagem de recursos do caixa do Estado, mas o saldo geral ainda foi positivo.

Como estão as receitas hoje?

Nos últimos meses ou nas últimas seis semanas do ano passado, a gente observou um arrefecimento da atividade econômica. São Paulo vinha num processo de elevação significativa da receita ao longo de 2022 e do fim do ano para cá deu uma arrefecida. Hoje, a receita está mais ou menos estável em relação ao mesmo período do ano passado. Por enquanto, o que a gente percebe, que imagino que outros estados também estejam percebendo, é um arrefecimento na margem. Não houve nenhuma descontinuidade do processo.

Temos de rever com olhar crítico, analítico, econômico, os programas constantes do Orçamento.

Samuel Kinoshita, secretário estadual da Fazenda e Planejamento de São Paulo

Do lado das despesas, como o sr. avalia o quadro que encontrou?

Do lado das despesas, acredito que a gente precisa implementar uma avaliação econômica mais substancial do que é política pública no Estado de São Paulo. Temos de rever com olhar crítico, analítico, econômico, os programas constantes do Orçamento. Hoje, existe um termo que está em voga, o chamado “spending review”, que é simplesmente passar um pente fino nos programas constante no Orçamento. É uma discussão bastante ampla que está sendo feita no momento. A ministra Simone Tebet (do Planejamento) tem falado bastante sobre isso. Da forma como os orçamentos se processam no Brasil – isso não é uma particularidade de São Paulo – vários programas estão no Orçamento há muito tempo. Alguns têm muito mérito e boa eficácia, mas vários deles, provavelmente, não. Há sobreposição de programas, vários programas com pequena dotação que não são encerrados.

Outro aspecto de política pública que precisa ser analisado do lado da despesa são os benefícios tributários, as renúncias fiscais, concedidos ao longo dos anos. Isso já vinha da última administração e a gente está incrementando esse processo. Será que um determinado benefício concedido para certo setor faz sentido? Ele tem impacto sobre o emprego? Gerou impacto sobre a arrecadação? Gerou impacto no bem estar da sociedade? Um dos intuitos da minha administração, pelo qual tenho bastante carinho, é incrementar essas avaliações, do Orçamento e dos benefícios tributários. Esse processo de avaliação consegue ensejar muito mais eficiência no gasto público, de forma que a gente diminua os desperdícios e consiga fazer mais pela população com o mesmo montante de recursos.

Para finalizar, gostaria de abordar a questão do planejamento, que também faz parte das atribuições da secretaria. O que o sr. pretende fazer nessa área?

Para o ano que vem, além da LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) e da LOA (Lei Orçamentária Anual), a gente vai apresentar o PPA (Plano Plurianual), que ainda está em elaboração e acredito que deva ser concluído até o meio do ano. É evidente que há uma série de projetos, tratados recentemente pelo governador numa reunião com o secretário de parcerias Rafael Benini, que chamam muita atenção, como a possível expansão do metrô e o trem Campinas e Jundiaí a São Paulo. Mas a gente tem outros aspectos muito caros ao governador que devem ser contemplados no PPA. Na questão da educação, por exemplo, o secretário Renato Feder, que teve muito sucesso no Paraná, tem a missão bastante importante de colocar São Paulo no primeiro lugar dos rankings nacionais de educação. Uma das formas de atrair investimentos para São Paulo é conferir essa proeminência ao capital humano. É o PPA que vai dar as recomendações para essas alocações, indicar por onde vamos caminhar na elaboração das LDOs e das LOAs.

Entrevista por José Fucs

É repórter especial do Estadão. Jornalista desde 1983, foi repórter especial e editor de Economia da revista Época, editor-chefe da revista Pequenas Empresas & Grandes Negócios, editor-executivo da Exame e repórter do Estadão, da Gazeta Mercantil e da Folha. Leia publicações anteriores a 18/4/23 em www.estadao.com.br/politica/blog-do-fucs/

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