BRASÍLIA – A JBS, empresa de proteína animal dos irmãos Batista, que alçou a dupla Joesley e Wesley à primeira fila da classe econômica e política do País, mobilizou e quase alterou o resultado da regulamentação da reforma tributária na Câmara – que por pouco não deixou as carnes de fora da cesta básica com imposto zero.
A proximidade da JBS com o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva virou munição de críticos durante o debate e foi assunto de uma conversa a portas fechadas entre o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e o ex-presidente Jair Bolsonaro.
Foi na etapa final da votação, após as 21h, que o plenário da Câmara decidiu isentar as carnes da tributação do novo Imposto sobre Valor Agregado (IVA).
A inclusão não estava prevista nem na proposta original do Ministério da Fazenda nem no texto levado a plenário pelo relator Reginaldo Lopes (PT-MG). Apesar da pressão de deputados ligados ao agronegócio e de falas de Lula apoiando a inclusão das carnes, Lira argumentou até a hora da votação que a manobra iria fazer com que a tributação do novo IVA acabasse no mais elevado patamar do mundo – o que, por fim, deve acontecer.
Pelos cálculos feitos pela Fazenda, a entrada das carnes na cesta básica fará aumentar a alíquota de referência cobrada de todas as demais atividades econômicas do País em 0,53 ponto porcentual. Nas contas do Banco Mundial, o impacto será de 0,57. O IVA, então estimado em 26,5%, subiria para a casa dos 27%.
Por volta de 10h de quarta-feira, Lira e o líder do PL na Câmara, Altineu Côrtes (PL-RJ) foram ao encontro do ex-presidente Jair Bolsonaro. Interessado em apressar a votação com o menor número de tentativas de alteração ao texto principal, o presidente da Câmara queria convencer Bolsonaro a demover o PL de defender a desoneração das carnes. A reportagem procurou Bolsonaro e Lira, mas eles não se posicionaram.
Para pessoas próximas a Lira, ele temia ser apontado como o culpado pelo resultado final da alíquota do tributo e buscava garantias de que não haveria surpresas durante a votação. Poucos dias antes, ele havia indicado que a melhor saída seria aumentar o cashback (devolução de impostos) aos mais pobres – o que evitaria a contaminação na alíquota de referência.
Pessoas próximas a Bolsonaro relatam que o ex-presidente saiu da conversa convencido a não desonerar as carnes. O argumento citado por cinco fontes ouvidas pela reportagem sob condição de anonimato é que Bolsonaro disse acreditar que a desoneração iria beneficiar a JBS, empresa dos irmãos Batista, “amigos do Lula”. Com menos impostos, ela venderia mais. Procurada, a JBS não se manifestou.
Depois desse encontro, o PL se recolheu e a ordem, ao meio-dia, era a de que o partido não iria apoiar nem propor nenhuma mudança de texto para desonerar as carnes.
Àquela altura, o posicionamento do partido era importante porque, primeiro, é a maior bancada da Casa, com 99 deputados; e, segundo, é formado por muitos integrantes que também compõem a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA).
O PP, do presidente da FPA, Pedro Lupion (PP-PR), não poderia ser o autor da mudança por ser do mesmo partido de Lira, e o presidente da Câmara já havia neutralizado outras tentativas de mobilização, como no União Brasil.
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Um grupo de deputados do PL foi então a Bolsonaro com a missão de fazê-lo mudar de ideia. O argumento usado foi o oposto e também tratou da JBS: a tributação seria positiva para a empresa, uma vez que os pequenos concorrentes internos sofreriam mais do que ela com o aumento da carga tributária, já que, como exportadora, ela ficaria isenta da taxação em boa parte da operação. Ou seja, para atrapalhar a JBS dos “amigos do Lula”, o ideal era isentar as carnes.
A reunião durou mais de uma hora e, por volta de 14h, Bolsonaro deu o sinal verde para o PL voltar a defender a desoneração das carnes com a inclusão do produto na cesta básica.
Enquanto isso, no plenário da Câmara, deputados se revezavam desde a manhã com falas contra e a favor da reforma, tendo a desoneração (ou não) das carnes como um dos principais chamarizes. Da esquerda à direita, o nome da JBS foi mencionado.
“Nós sabemos que a tributação da carne neste País beneficiaria somente a JBS, somente os amigos do rei que exportam carne e não são taxados na exportação, prejudicando os pequenos e médios frigoríficos no Brasil, prejudicando a pecuária do Brasil, os produtores rurais e os pecuaristas. E sabemos, também, que a conta sairia no bolso do povo brasileiro”, disse Rodolfo Nogueira (PL-MS), reproduzindo ao microfone o discurso que, nos bastidores, bolsonaristas repetiam para tomar distância da JBS.
Pessoas envolvidas na negociação afirmam que a empresa, assim como os demais frigoríficos, atuaram na defesa da desoneração das carnes por meio de grupos empresariais que se articularam para o lobby do setor, como a Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec). Mesmo assim, a JBS não foi poupada nem por governistas.
“Vamos falar a verdade para o povo que está nos assistindo, que está lá fora: nós vamos estar beneficiando quem faz o seu churrasquinho no final de semana ou vamos estar beneficiando os donos da JBS?”, questionou Glauber Braga (PSOL-RJ), ao criticar a possibilidade de a isenção tributária virar margem de lucro para as companhias.
Lira só assimilou a virada minutos antes da votação da alteração proposta pelo PL. O texto principal com as regras da reforma tributária já havia sido aprovado e as mudanças de redação foram destacadas e colocadas à votação, uma a uma.
Pouco antes do início da votação do destaque do PL sobre as carnes, Lira foi informado por líderes de que a inclusão das proteínas havia ganhado força nas bancadas partidárias e que era difícil prever o placar – eram necessários 257 votos para manter o texto original, sem as carnes.
Alguns deles se juntaram ao redor do presidente da Câmara para debater; havia o risco de perder. Até o relator na Câmara da emenda constitucional que instituiu a reforma tributária, Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), informou a Lira ser a favor da isenção das carnes. A proposta apresentada pelo PL, que havia iniciado o dia morta pela decisão de Bolsonaro de punir a JBS, foi o veículo eleito para a alteração e poderia ser aprovada.
O presidente da Câmara narrou a jornalistas, ao fim da votação, como foi o desfecho da negociação: “(O acordo) foi fechado ali dentro no plenário. Os líderes embaixo, depois vários subiram (à mesa diretora) na reta final, antes da votação dos destaques”, descreveu.
Segundo ele, a previsão de que, no futuro, o assunto volte a ser discutido, com a previsão de um nível desejável de alíquota de referência em torno de 26,5%, abriu a porta para um acordo.
“O que deu conforto foi essa trava de 26,5% que foi colocada no texto. Se bater perto, vai ter que ter alteração, vai ter que rever. Deu conforto em uma votação que poderia dar qualquer coisa, qualquer lado poderia alcançar os 257 votos”, disse.
A isenção de impostos para as carnes foi aprovada na Câmara com amplo placar de 477 apoiadores (de um total de 513).