Reforma tributária: ‘Modelo não tem aplicabilidade na vida real’, diz Caiado


O governador de Goiás diz que Estados e municípios vão depender de ‘mesada’ e prevê ‘a maior judicialização que já se viu no mundo quando o IBS começar a funcionar’

Por Cleide Silva
Foto: Wilton Junior/Estadão
Entrevista comRonaldo CaiadoGovernador de Goiás

ESPECIAL PARA O ESTADÃO - Ele já definiu a reforma tributária como um manicômio tributário que vai virar um inferno. O governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil), é a voz política mais forte contrária ao projeto que já passou pela Câmara e agora está no Senado. Para ele, a maior parte das promessas do governo, como simplificação, menor judicialização e atração de investimentos terão efeitos ao contrário.

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“Vai ser a maior judicialização que já se viu no mundo quando o IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) começar a funcionar”, diz. Ele afirma que tem conversado com investidores que estão assustados e podem retirar seus dólares do País. E que o modelo da reforma “não tem aplicabilidade na vida real”. A seguir, trechos da entrevista.

O sr. sempre foi crítico à reforma tributária. Com a regulamentação do texto no Senado, ainda dá para fazer alguma mudança?

Nós temos de dividir essa reforma em dois momentos. A CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços, que reúne impostos federais) é uma arrecadação feita pela Receita Federal, tem um controle e faz a distribuição. Essa tributação, com a qual eu concordo, já tinha sido proposta ao Congresso pelo governo anterior. O problema é a segunda etapa, que é o IBS (Imposto sobre Bens e Serviços, que junta ISS e ICMS e é recolhido por Estados e municípios). É algo impossível de ser aplicado.

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Por quê?

Não se faz uma mudança que envolve 5.568 prefeituras de 26 Estados e um Distrito Federal dentro de uma emenda constitucional que diz que as prerrogativas dos governadores serão secundárias e que um comitê gestor vai deliberar sobre a partilha da arrecadação aos municípios e aos Estados. Isso é de uma complexidade que não tem similar no mundo. Na União Europeia, onde todos os países operam com a mesma moeda, cada país tem seu IVA. Por que então não fazer como os Estados Unidos, onde cada Estado tem um modelo de IVA de acordo com sua situação?

O sr. acha que não será possível manter o imposto em 26,5%?

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Nós já tivemos uma situação ridícula quando, em 1988, a Constituição estabeleceu que a taxa de juros não poderia ultrapassar 12% ao ano e, no primeiro ano, a medida já não foi cumprida. Ainda assim, só depois de 15 anos o Brasil percebeu que não é na Constituição que se define o juro, e a medida foi revogada. Agora, o iluminado (apelido dado por Caiado ao secretário extraordinário de Reforma Tributária do Ministério da Fazenda, Bernard Appy) decidiu fazer algo semelhante e estabeleceu em lei complementar uma taxa uniforme que não pode passar de 26,5%. Não tem nenhuma projeção, não se viu nenhum trabalho ou um ensaio para verificar se pode dar certo. Além do mais, já se fala que esse porcentual pode ir a 30% por causa das exceções que estão colocando no texto. O Instituto de Ensino e Pesquisa de Goiás fez um cálculo mostrando que pode chegar a 32%. Eu espero que não demore 15 anos para a população ver que a medida não foi cumprida nem no seu primeiro ano. Como o governo vai fazer para manter o custeio da máquina, dos Estados, de investimentos, de infraestrutura? É lógico que vai aumentar a carga tributária. Eu já pedi várias vezes ao Appy a fórmula que ele fez para chegar aos 26,5%, e ele nunca entregou.

Governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil): 'Acho que poderíamos fazer a simplificação com a legislação que já existe' Foto: WILTON JUNIOR

É um tema que vem sendo estudado há muitos anos…

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Dessa forma, feita por legislação complementar e outros decretos que virão, é uma coisa muito fora da lógica. Vai ter um mesmo IVA do Amapá ao Rio Grande do Sul, de Pernambuco ao Acre, que têm situações totalmente diferentes. Por exemplo, em Goiás estamos realizando uma campanha para que as pessoas peçam nota fiscal. Até damos prêmios para tentar conscientizar a população de que isso é bom porque é dinheiro que vai para a saúde, a educação etc. Mas grande parte das pessoas não tem essa cultura. Imagine você ter um IVA de 30%, 32%? A pessoa vende o produto e pergunta se é com nota ou sem nota. Quem está numa situação de pobreza ou é da classe média não vai se sentir confortável em pagar 30% de tributos para o governo.

O sr. acredita que haverá mais evasão fiscal?

Muito mais. Os grandes centros consumidores e as grandes empresas são fiscalizadas, mas não vão conseguir implantar isso em todo o País. Vai ser um rastilho de pólvora no Brasil inteiro. Vamos voltar àquela tese antiga de aceitar cheque pré-datado para não dar nota fiscal. Outro problema é o hiato que vai ter até 2033 em que o empresário vai ter de conviver com a legislação atual e com o novo IVA. As informações que tenho é de que isso já vem assustando as empresas de outros países aqui instaladas.

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Um dos benefícios da reforma citados pelo governo é a atração de mais investimentos, pois a burocracia e os custos das empresas vão diminuir. O sr. acha que será o contrário?

A fala do governo tem um divórcio enorme com a vida dos empresários. Eu tenho participado de muitos debates pelo Brasil e vejo que todos eles estão preocupados e não sabem como convencer seus sócios no exterior sobre como conviver com duas legislações. O empresário não vai conviver com essa insegurança jurídica, sem saber o que vai prevalecer lá na frente. Ele vai pegar seus dólares e esperar o que vai acontecer para se decidir depois.

Na sua visão, o sistema de cobrança e distribuição de tributos não é confiável?

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Criaram um negócio com nome bonito, um tal de split payment e dizem que ele acessa em dois minutos todos os computadores, a IA, todos os algoritmos. A pessoa compra carne, paga e se sabe que ela está na extrema pobreza e o dinheiro já volta para ela. E dizem que vão fazer uma distribuição correta (dos tributos) para Estados e municípios e implantar um fundo de compensação para os créditos que eles têm hoje. Tudo sem nenhuma experiência feita previamente. Por isso eu elegi o Bernard Appy como o iluminado, porque ele deve estar à frente da Inteligência Artificial.

Mas esse período de transição, que vai de 2026 a 2033, não seria também para um teste?

Quando você impõe a todas as empresas e a todo cidadão que respondam ao código tributário atual e a um código tributário que está sendo construído, não é possível colocar isso para aplicabilidade na vida real. O código tributário brasileiro tem cerca de 200 artigos. O texto da reforma encaminhado à Câmara tem 499 artigos. Agora soma tudo isso. Primeiro tem uma tentativa de saber como tudo isso vai se dar, em que progressão poderemos avançar. Ainda tem toda a legislação complementar e não se sabe como vão conseguir atender a tantas exceções. O governo não fez nenhum teste sobre a quantidade de pessoas que vai sonegar nota nem da quantidade de ações judiciais que vão vir dos Estados e municípios.

O sr. avalia que vai ter muitas ações na Justiça?

Vai ser a maior judicialização que já se viu no mundo quando esse IBS começar a funcionar. Nós vamos ter os 5.568 municípios e os 26 Estados mais o Distrito Federal com ações no Supremo Tribunal Federal. Vão reclamar do valor de repasse da arrecadação, vão alegar que uns ganham mais do que outros, vão questionar a responsabilidade do comitê gestor. Eu acho que essa proposta do governo é infeliz, é concentradora sobre Brasília, retira 100% da representatividade, da capacidade de gestão e de governança dos governadores e dos prefeitos e transfere para aquilo que chamei inicialmente de Comitê Venezuelano. Simplesmente vai ficar na mão deles a distribuição de R$ 1 trilhão. Quem gerir o comitê terá o cargo mais importante do País.


É essa distribuição que o sr. chama de mesada?

O representante do comitê vai ter mais poder do que o governador. Ele é quem vai avisar o governador: sua mesada chega amanhã e vai ser de tantos milhões de reais. Eu apresentei um plano de governo, fui eleito, encontrei um Estado quebrado, endividado, que não conseguia fazer empréstimos, e hoje Goiás é um Estado com equilíbrio fiscal, progrediu, tem dinheiro em caixa, tem investimento, tem saúde e educação. E aí vou ter de governar com uma mesada.

E a simplificação tributária prevista vai ocorrer?

Acho que poderíamos fazer a simplificação com a legislação que já existe. Já que o ICMS é um IVA, porque não reajustá-lo, reorganizá-lo, simplificá-lo e agir com transparência em vez de ter essa situação de milhares e milhares de decretos.

Como seria esse projeto?

Já que estamos tratando de ICMS e ISS — e já tem projetos de simplificação tramitando no Congresso — por que não fazer essa flexibilização com critérios bem definidos? Nós temos de entender que o Brasil tem situações totalmente distintas e que não dá para tratar Estado que tem renda per capita inferior a um salário mínimo do mesmo jeito que outros que têm renda bem mais alta. Acredito que, se fôssemos fazendo alguns testes com o ICMS e o ISS, o controle seria mais fácil e não teria esse desastre anunciado que vai ser o IBS.

O que o sr. pretende fazer para alterar ou incluir algum item que avalia ser necessário para a reforma antes de ser votada no Senado?

Já fiz muito. Debati em todos os congressos no Brasil, participei de todos os eventos sobre o tema, debati no Senado por mais de uma hora e meia só eu falando, fui para a Câmara dos Deputados.

Mas, ao que parece, o sr. não conseguiu convencer muitos deputados. Por quê?

O governo fala como se esse projeto fosse algo de modernidade, de transparência, de simplificação da legislação, que gera emprego. Na verdade, só veremos as consequências em 2033. Hoje todos acompanham o líder na votação. E esse líder se chama Pix, ou seja, o voto pelo sim é de acordo com a distribuição das emendas para as prefeituras. Mas qual é a argumentação, o conhecimento do texto, o conteúdo, os detalhes? Como isso vai interferir na vida dos Estados? Ninguém sabe. É como aquele cidadão que entra no cinema, assiste ao filme, não entende mas diz que é bom porque todos estão dizendo que é. Mas eu diria que hoje já estou tendo um apoio bem maior do que tive há oito meses. As pessoas estão começando a enxergar melhor como é essa reforma.

Mas então porque o sr. não lidera um grupo para propor mudanças até a votação no Senado?

A partir da aprovação da PEC (em dezembro de 2023), essas mudanças são apenas acessórios e não vão alterar as sequelas que já implantou em termos de consequências reais à população. Não adianta querer tratar uma fratura exposta com band aid.

O sr. continua sendo pré-candidato à presidência em 2026?

Cem por cento pré-candidato. Em março de 2026 disputarei a convenção do partido. Nos finais de semana, já tenho andado pelos Estados, tenho discutido uma pauta que precisa ser conhecida para que a gente possa chegar a uma condição de competitividade em 2026.

Se for eleito, pretende mudar algo dessa reforma?

Sem dúvida alguma, farei mudanças substantivas, e não é só nessa parte, mas no arcabouço fiscal também, porque não adianta elaborar a lei, colocar uma meta, dizer que vai zerar este ano, depois que vai ser só no próximo governo. Chegando à Presidência da República, vou mostrar que a democracia exige que as pessoas tenham compartilhamento do poder para desenvolver um país que hoje caminha para o atraso, só é competitivo no mundo no nosso setor da agropecuária, pois no restante somos caudatários dos outros países, inclusive daqueles em que anteriormente éramos referência em desenvolvimento. Não é estrangulando a estrutura municipal e a estadual e concentrando tudo em Brasília que vão resolver os assuntos do Brasil. Está mais do que demonstrado que o Brasil não tem mais condições de continuar nesse nível de perda de espaço no cenário internacional.

ESPECIAL PARA O ESTADÃO - Ele já definiu a reforma tributária como um manicômio tributário que vai virar um inferno. O governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil), é a voz política mais forte contrária ao projeto que já passou pela Câmara e agora está no Senado. Para ele, a maior parte das promessas do governo, como simplificação, menor judicialização e atração de investimentos terão efeitos ao contrário.

“Vai ser a maior judicialização que já se viu no mundo quando o IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) começar a funcionar”, diz. Ele afirma que tem conversado com investidores que estão assustados e podem retirar seus dólares do País. E que o modelo da reforma “não tem aplicabilidade na vida real”. A seguir, trechos da entrevista.

O sr. sempre foi crítico à reforma tributária. Com a regulamentação do texto no Senado, ainda dá para fazer alguma mudança?

Nós temos de dividir essa reforma em dois momentos. A CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços, que reúne impostos federais) é uma arrecadação feita pela Receita Federal, tem um controle e faz a distribuição. Essa tributação, com a qual eu concordo, já tinha sido proposta ao Congresso pelo governo anterior. O problema é a segunda etapa, que é o IBS (Imposto sobre Bens e Serviços, que junta ISS e ICMS e é recolhido por Estados e municípios). É algo impossível de ser aplicado.

Por quê?

Não se faz uma mudança que envolve 5.568 prefeituras de 26 Estados e um Distrito Federal dentro de uma emenda constitucional que diz que as prerrogativas dos governadores serão secundárias e que um comitê gestor vai deliberar sobre a partilha da arrecadação aos municípios e aos Estados. Isso é de uma complexidade que não tem similar no mundo. Na União Europeia, onde todos os países operam com a mesma moeda, cada país tem seu IVA. Por que então não fazer como os Estados Unidos, onde cada Estado tem um modelo de IVA de acordo com sua situação?

O sr. acha que não será possível manter o imposto em 26,5%?

Nós já tivemos uma situação ridícula quando, em 1988, a Constituição estabeleceu que a taxa de juros não poderia ultrapassar 12% ao ano e, no primeiro ano, a medida já não foi cumprida. Ainda assim, só depois de 15 anos o Brasil percebeu que não é na Constituição que se define o juro, e a medida foi revogada. Agora, o iluminado (apelido dado por Caiado ao secretário extraordinário de Reforma Tributária do Ministério da Fazenda, Bernard Appy) decidiu fazer algo semelhante e estabeleceu em lei complementar uma taxa uniforme que não pode passar de 26,5%. Não tem nenhuma projeção, não se viu nenhum trabalho ou um ensaio para verificar se pode dar certo. Além do mais, já se fala que esse porcentual pode ir a 30% por causa das exceções que estão colocando no texto. O Instituto de Ensino e Pesquisa de Goiás fez um cálculo mostrando que pode chegar a 32%. Eu espero que não demore 15 anos para a população ver que a medida não foi cumprida nem no seu primeiro ano. Como o governo vai fazer para manter o custeio da máquina, dos Estados, de investimentos, de infraestrutura? É lógico que vai aumentar a carga tributária. Eu já pedi várias vezes ao Appy a fórmula que ele fez para chegar aos 26,5%, e ele nunca entregou.

Governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil): 'Acho que poderíamos fazer a simplificação com a legislação que já existe' Foto: WILTON JUNIOR

É um tema que vem sendo estudado há muitos anos…

Dessa forma, feita por legislação complementar e outros decretos que virão, é uma coisa muito fora da lógica. Vai ter um mesmo IVA do Amapá ao Rio Grande do Sul, de Pernambuco ao Acre, que têm situações totalmente diferentes. Por exemplo, em Goiás estamos realizando uma campanha para que as pessoas peçam nota fiscal. Até damos prêmios para tentar conscientizar a população de que isso é bom porque é dinheiro que vai para a saúde, a educação etc. Mas grande parte das pessoas não tem essa cultura. Imagine você ter um IVA de 30%, 32%? A pessoa vende o produto e pergunta se é com nota ou sem nota. Quem está numa situação de pobreza ou é da classe média não vai se sentir confortável em pagar 30% de tributos para o governo.

O sr. acredita que haverá mais evasão fiscal?

Muito mais. Os grandes centros consumidores e as grandes empresas são fiscalizadas, mas não vão conseguir implantar isso em todo o País. Vai ser um rastilho de pólvora no Brasil inteiro. Vamos voltar àquela tese antiga de aceitar cheque pré-datado para não dar nota fiscal. Outro problema é o hiato que vai ter até 2033 em que o empresário vai ter de conviver com a legislação atual e com o novo IVA. As informações que tenho é de que isso já vem assustando as empresas de outros países aqui instaladas.

Um dos benefícios da reforma citados pelo governo é a atração de mais investimentos, pois a burocracia e os custos das empresas vão diminuir. O sr. acha que será o contrário?

A fala do governo tem um divórcio enorme com a vida dos empresários. Eu tenho participado de muitos debates pelo Brasil e vejo que todos eles estão preocupados e não sabem como convencer seus sócios no exterior sobre como conviver com duas legislações. O empresário não vai conviver com essa insegurança jurídica, sem saber o que vai prevalecer lá na frente. Ele vai pegar seus dólares e esperar o que vai acontecer para se decidir depois.

Na sua visão, o sistema de cobrança e distribuição de tributos não é confiável?

Criaram um negócio com nome bonito, um tal de split payment e dizem que ele acessa em dois minutos todos os computadores, a IA, todos os algoritmos. A pessoa compra carne, paga e se sabe que ela está na extrema pobreza e o dinheiro já volta para ela. E dizem que vão fazer uma distribuição correta (dos tributos) para Estados e municípios e implantar um fundo de compensação para os créditos que eles têm hoje. Tudo sem nenhuma experiência feita previamente. Por isso eu elegi o Bernard Appy como o iluminado, porque ele deve estar à frente da Inteligência Artificial.

Mas esse período de transição, que vai de 2026 a 2033, não seria também para um teste?

Quando você impõe a todas as empresas e a todo cidadão que respondam ao código tributário atual e a um código tributário que está sendo construído, não é possível colocar isso para aplicabilidade na vida real. O código tributário brasileiro tem cerca de 200 artigos. O texto da reforma encaminhado à Câmara tem 499 artigos. Agora soma tudo isso. Primeiro tem uma tentativa de saber como tudo isso vai se dar, em que progressão poderemos avançar. Ainda tem toda a legislação complementar e não se sabe como vão conseguir atender a tantas exceções. O governo não fez nenhum teste sobre a quantidade de pessoas que vai sonegar nota nem da quantidade de ações judiciais que vão vir dos Estados e municípios.

O sr. avalia que vai ter muitas ações na Justiça?

Vai ser a maior judicialização que já se viu no mundo quando esse IBS começar a funcionar. Nós vamos ter os 5.568 municípios e os 26 Estados mais o Distrito Federal com ações no Supremo Tribunal Federal. Vão reclamar do valor de repasse da arrecadação, vão alegar que uns ganham mais do que outros, vão questionar a responsabilidade do comitê gestor. Eu acho que essa proposta do governo é infeliz, é concentradora sobre Brasília, retira 100% da representatividade, da capacidade de gestão e de governança dos governadores e dos prefeitos e transfere para aquilo que chamei inicialmente de Comitê Venezuelano. Simplesmente vai ficar na mão deles a distribuição de R$ 1 trilhão. Quem gerir o comitê terá o cargo mais importante do País.


É essa distribuição que o sr. chama de mesada?

O representante do comitê vai ter mais poder do que o governador. Ele é quem vai avisar o governador: sua mesada chega amanhã e vai ser de tantos milhões de reais. Eu apresentei um plano de governo, fui eleito, encontrei um Estado quebrado, endividado, que não conseguia fazer empréstimos, e hoje Goiás é um Estado com equilíbrio fiscal, progrediu, tem dinheiro em caixa, tem investimento, tem saúde e educação. E aí vou ter de governar com uma mesada.

E a simplificação tributária prevista vai ocorrer?

Acho que poderíamos fazer a simplificação com a legislação que já existe. Já que o ICMS é um IVA, porque não reajustá-lo, reorganizá-lo, simplificá-lo e agir com transparência em vez de ter essa situação de milhares e milhares de decretos.

Como seria esse projeto?

Já que estamos tratando de ICMS e ISS — e já tem projetos de simplificação tramitando no Congresso — por que não fazer essa flexibilização com critérios bem definidos? Nós temos de entender que o Brasil tem situações totalmente distintas e que não dá para tratar Estado que tem renda per capita inferior a um salário mínimo do mesmo jeito que outros que têm renda bem mais alta. Acredito que, se fôssemos fazendo alguns testes com o ICMS e o ISS, o controle seria mais fácil e não teria esse desastre anunciado que vai ser o IBS.

O que o sr. pretende fazer para alterar ou incluir algum item que avalia ser necessário para a reforma antes de ser votada no Senado?

Já fiz muito. Debati em todos os congressos no Brasil, participei de todos os eventos sobre o tema, debati no Senado por mais de uma hora e meia só eu falando, fui para a Câmara dos Deputados.

Mas, ao que parece, o sr. não conseguiu convencer muitos deputados. Por quê?

O governo fala como se esse projeto fosse algo de modernidade, de transparência, de simplificação da legislação, que gera emprego. Na verdade, só veremos as consequências em 2033. Hoje todos acompanham o líder na votação. E esse líder se chama Pix, ou seja, o voto pelo sim é de acordo com a distribuição das emendas para as prefeituras. Mas qual é a argumentação, o conhecimento do texto, o conteúdo, os detalhes? Como isso vai interferir na vida dos Estados? Ninguém sabe. É como aquele cidadão que entra no cinema, assiste ao filme, não entende mas diz que é bom porque todos estão dizendo que é. Mas eu diria que hoje já estou tendo um apoio bem maior do que tive há oito meses. As pessoas estão começando a enxergar melhor como é essa reforma.

Mas então porque o sr. não lidera um grupo para propor mudanças até a votação no Senado?

A partir da aprovação da PEC (em dezembro de 2023), essas mudanças são apenas acessórios e não vão alterar as sequelas que já implantou em termos de consequências reais à população. Não adianta querer tratar uma fratura exposta com band aid.

O sr. continua sendo pré-candidato à presidência em 2026?

Cem por cento pré-candidato. Em março de 2026 disputarei a convenção do partido. Nos finais de semana, já tenho andado pelos Estados, tenho discutido uma pauta que precisa ser conhecida para que a gente possa chegar a uma condição de competitividade em 2026.

Se for eleito, pretende mudar algo dessa reforma?

Sem dúvida alguma, farei mudanças substantivas, e não é só nessa parte, mas no arcabouço fiscal também, porque não adianta elaborar a lei, colocar uma meta, dizer que vai zerar este ano, depois que vai ser só no próximo governo. Chegando à Presidência da República, vou mostrar que a democracia exige que as pessoas tenham compartilhamento do poder para desenvolver um país que hoje caminha para o atraso, só é competitivo no mundo no nosso setor da agropecuária, pois no restante somos caudatários dos outros países, inclusive daqueles em que anteriormente éramos referência em desenvolvimento. Não é estrangulando a estrutura municipal e a estadual e concentrando tudo em Brasília que vão resolver os assuntos do Brasil. Está mais do que demonstrado que o Brasil não tem mais condições de continuar nesse nível de perda de espaço no cenário internacional.

ESPECIAL PARA O ESTADÃO - Ele já definiu a reforma tributária como um manicômio tributário que vai virar um inferno. O governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil), é a voz política mais forte contrária ao projeto que já passou pela Câmara e agora está no Senado. Para ele, a maior parte das promessas do governo, como simplificação, menor judicialização e atração de investimentos terão efeitos ao contrário.

“Vai ser a maior judicialização que já se viu no mundo quando o IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) começar a funcionar”, diz. Ele afirma que tem conversado com investidores que estão assustados e podem retirar seus dólares do País. E que o modelo da reforma “não tem aplicabilidade na vida real”. A seguir, trechos da entrevista.

O sr. sempre foi crítico à reforma tributária. Com a regulamentação do texto no Senado, ainda dá para fazer alguma mudança?

Nós temos de dividir essa reforma em dois momentos. A CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços, que reúne impostos federais) é uma arrecadação feita pela Receita Federal, tem um controle e faz a distribuição. Essa tributação, com a qual eu concordo, já tinha sido proposta ao Congresso pelo governo anterior. O problema é a segunda etapa, que é o IBS (Imposto sobre Bens e Serviços, que junta ISS e ICMS e é recolhido por Estados e municípios). É algo impossível de ser aplicado.

Por quê?

Não se faz uma mudança que envolve 5.568 prefeituras de 26 Estados e um Distrito Federal dentro de uma emenda constitucional que diz que as prerrogativas dos governadores serão secundárias e que um comitê gestor vai deliberar sobre a partilha da arrecadação aos municípios e aos Estados. Isso é de uma complexidade que não tem similar no mundo. Na União Europeia, onde todos os países operam com a mesma moeda, cada país tem seu IVA. Por que então não fazer como os Estados Unidos, onde cada Estado tem um modelo de IVA de acordo com sua situação?

O sr. acha que não será possível manter o imposto em 26,5%?

Nós já tivemos uma situação ridícula quando, em 1988, a Constituição estabeleceu que a taxa de juros não poderia ultrapassar 12% ao ano e, no primeiro ano, a medida já não foi cumprida. Ainda assim, só depois de 15 anos o Brasil percebeu que não é na Constituição que se define o juro, e a medida foi revogada. Agora, o iluminado (apelido dado por Caiado ao secretário extraordinário de Reforma Tributária do Ministério da Fazenda, Bernard Appy) decidiu fazer algo semelhante e estabeleceu em lei complementar uma taxa uniforme que não pode passar de 26,5%. Não tem nenhuma projeção, não se viu nenhum trabalho ou um ensaio para verificar se pode dar certo. Além do mais, já se fala que esse porcentual pode ir a 30% por causa das exceções que estão colocando no texto. O Instituto de Ensino e Pesquisa de Goiás fez um cálculo mostrando que pode chegar a 32%. Eu espero que não demore 15 anos para a população ver que a medida não foi cumprida nem no seu primeiro ano. Como o governo vai fazer para manter o custeio da máquina, dos Estados, de investimentos, de infraestrutura? É lógico que vai aumentar a carga tributária. Eu já pedi várias vezes ao Appy a fórmula que ele fez para chegar aos 26,5%, e ele nunca entregou.

Governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil): 'Acho que poderíamos fazer a simplificação com a legislação que já existe' Foto: WILTON JUNIOR

É um tema que vem sendo estudado há muitos anos…

Dessa forma, feita por legislação complementar e outros decretos que virão, é uma coisa muito fora da lógica. Vai ter um mesmo IVA do Amapá ao Rio Grande do Sul, de Pernambuco ao Acre, que têm situações totalmente diferentes. Por exemplo, em Goiás estamos realizando uma campanha para que as pessoas peçam nota fiscal. Até damos prêmios para tentar conscientizar a população de que isso é bom porque é dinheiro que vai para a saúde, a educação etc. Mas grande parte das pessoas não tem essa cultura. Imagine você ter um IVA de 30%, 32%? A pessoa vende o produto e pergunta se é com nota ou sem nota. Quem está numa situação de pobreza ou é da classe média não vai se sentir confortável em pagar 30% de tributos para o governo.

O sr. acredita que haverá mais evasão fiscal?

Muito mais. Os grandes centros consumidores e as grandes empresas são fiscalizadas, mas não vão conseguir implantar isso em todo o País. Vai ser um rastilho de pólvora no Brasil inteiro. Vamos voltar àquela tese antiga de aceitar cheque pré-datado para não dar nota fiscal. Outro problema é o hiato que vai ter até 2033 em que o empresário vai ter de conviver com a legislação atual e com o novo IVA. As informações que tenho é de que isso já vem assustando as empresas de outros países aqui instaladas.

Um dos benefícios da reforma citados pelo governo é a atração de mais investimentos, pois a burocracia e os custos das empresas vão diminuir. O sr. acha que será o contrário?

A fala do governo tem um divórcio enorme com a vida dos empresários. Eu tenho participado de muitos debates pelo Brasil e vejo que todos eles estão preocupados e não sabem como convencer seus sócios no exterior sobre como conviver com duas legislações. O empresário não vai conviver com essa insegurança jurídica, sem saber o que vai prevalecer lá na frente. Ele vai pegar seus dólares e esperar o que vai acontecer para se decidir depois.

Na sua visão, o sistema de cobrança e distribuição de tributos não é confiável?

Criaram um negócio com nome bonito, um tal de split payment e dizem que ele acessa em dois minutos todos os computadores, a IA, todos os algoritmos. A pessoa compra carne, paga e se sabe que ela está na extrema pobreza e o dinheiro já volta para ela. E dizem que vão fazer uma distribuição correta (dos tributos) para Estados e municípios e implantar um fundo de compensação para os créditos que eles têm hoje. Tudo sem nenhuma experiência feita previamente. Por isso eu elegi o Bernard Appy como o iluminado, porque ele deve estar à frente da Inteligência Artificial.

Mas esse período de transição, que vai de 2026 a 2033, não seria também para um teste?

Quando você impõe a todas as empresas e a todo cidadão que respondam ao código tributário atual e a um código tributário que está sendo construído, não é possível colocar isso para aplicabilidade na vida real. O código tributário brasileiro tem cerca de 200 artigos. O texto da reforma encaminhado à Câmara tem 499 artigos. Agora soma tudo isso. Primeiro tem uma tentativa de saber como tudo isso vai se dar, em que progressão poderemos avançar. Ainda tem toda a legislação complementar e não se sabe como vão conseguir atender a tantas exceções. O governo não fez nenhum teste sobre a quantidade de pessoas que vai sonegar nota nem da quantidade de ações judiciais que vão vir dos Estados e municípios.

O sr. avalia que vai ter muitas ações na Justiça?

Vai ser a maior judicialização que já se viu no mundo quando esse IBS começar a funcionar. Nós vamos ter os 5.568 municípios e os 26 Estados mais o Distrito Federal com ações no Supremo Tribunal Federal. Vão reclamar do valor de repasse da arrecadação, vão alegar que uns ganham mais do que outros, vão questionar a responsabilidade do comitê gestor. Eu acho que essa proposta do governo é infeliz, é concentradora sobre Brasília, retira 100% da representatividade, da capacidade de gestão e de governança dos governadores e dos prefeitos e transfere para aquilo que chamei inicialmente de Comitê Venezuelano. Simplesmente vai ficar na mão deles a distribuição de R$ 1 trilhão. Quem gerir o comitê terá o cargo mais importante do País.


É essa distribuição que o sr. chama de mesada?

O representante do comitê vai ter mais poder do que o governador. Ele é quem vai avisar o governador: sua mesada chega amanhã e vai ser de tantos milhões de reais. Eu apresentei um plano de governo, fui eleito, encontrei um Estado quebrado, endividado, que não conseguia fazer empréstimos, e hoje Goiás é um Estado com equilíbrio fiscal, progrediu, tem dinheiro em caixa, tem investimento, tem saúde e educação. E aí vou ter de governar com uma mesada.

E a simplificação tributária prevista vai ocorrer?

Acho que poderíamos fazer a simplificação com a legislação que já existe. Já que o ICMS é um IVA, porque não reajustá-lo, reorganizá-lo, simplificá-lo e agir com transparência em vez de ter essa situação de milhares e milhares de decretos.

Como seria esse projeto?

Já que estamos tratando de ICMS e ISS — e já tem projetos de simplificação tramitando no Congresso — por que não fazer essa flexibilização com critérios bem definidos? Nós temos de entender que o Brasil tem situações totalmente distintas e que não dá para tratar Estado que tem renda per capita inferior a um salário mínimo do mesmo jeito que outros que têm renda bem mais alta. Acredito que, se fôssemos fazendo alguns testes com o ICMS e o ISS, o controle seria mais fácil e não teria esse desastre anunciado que vai ser o IBS.

O que o sr. pretende fazer para alterar ou incluir algum item que avalia ser necessário para a reforma antes de ser votada no Senado?

Já fiz muito. Debati em todos os congressos no Brasil, participei de todos os eventos sobre o tema, debati no Senado por mais de uma hora e meia só eu falando, fui para a Câmara dos Deputados.

Mas, ao que parece, o sr. não conseguiu convencer muitos deputados. Por quê?

O governo fala como se esse projeto fosse algo de modernidade, de transparência, de simplificação da legislação, que gera emprego. Na verdade, só veremos as consequências em 2033. Hoje todos acompanham o líder na votação. E esse líder se chama Pix, ou seja, o voto pelo sim é de acordo com a distribuição das emendas para as prefeituras. Mas qual é a argumentação, o conhecimento do texto, o conteúdo, os detalhes? Como isso vai interferir na vida dos Estados? Ninguém sabe. É como aquele cidadão que entra no cinema, assiste ao filme, não entende mas diz que é bom porque todos estão dizendo que é. Mas eu diria que hoje já estou tendo um apoio bem maior do que tive há oito meses. As pessoas estão começando a enxergar melhor como é essa reforma.

Mas então porque o sr. não lidera um grupo para propor mudanças até a votação no Senado?

A partir da aprovação da PEC (em dezembro de 2023), essas mudanças são apenas acessórios e não vão alterar as sequelas que já implantou em termos de consequências reais à população. Não adianta querer tratar uma fratura exposta com band aid.

O sr. continua sendo pré-candidato à presidência em 2026?

Cem por cento pré-candidato. Em março de 2026 disputarei a convenção do partido. Nos finais de semana, já tenho andado pelos Estados, tenho discutido uma pauta que precisa ser conhecida para que a gente possa chegar a uma condição de competitividade em 2026.

Se for eleito, pretende mudar algo dessa reforma?

Sem dúvida alguma, farei mudanças substantivas, e não é só nessa parte, mas no arcabouço fiscal também, porque não adianta elaborar a lei, colocar uma meta, dizer que vai zerar este ano, depois que vai ser só no próximo governo. Chegando à Presidência da República, vou mostrar que a democracia exige que as pessoas tenham compartilhamento do poder para desenvolver um país que hoje caminha para o atraso, só é competitivo no mundo no nosso setor da agropecuária, pois no restante somos caudatários dos outros países, inclusive daqueles em que anteriormente éramos referência em desenvolvimento. Não é estrangulando a estrutura municipal e a estadual e concentrando tudo em Brasília que vão resolver os assuntos do Brasil. Está mais do que demonstrado que o Brasil não tem mais condições de continuar nesse nível de perda de espaço no cenário internacional.

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