Mudanças em impostos sobre patrimônio abrem caminho para Estados e municípios aumentarem arrecadação


Reforma tributária altera tributos que incidem sobre carro, lancha, jato, imóvel e herança, além de contribuição embutida na conta de luz; apenas a ampliação do IPVA pode gerar R$ 10,4 bi em novas receitas aos governadores

Por Bianca Lima e Daniel Weterman
Atualização:

BRASÍLIA – As negociações políticas em torno da reforma tributária e a necessidade do governo federal de angariar apoio à proposta abriram caminho para que Estados e municípios aumentassem o seu potencial arrecadatório, sobretudo na taxação do patrimônio.

São alterações em impostos que incidem sobre carro, lancha, jato, imóvel e herança, e que há muito eram pleiteadas por governadores e prefeitos. As discussões, no entanto, esbarravam em entraves jurídicos e legais – inclusive em decisões do Supremo Tribunal Federal (STF).

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A estratégia foi aproveitar a Emenda à Constituição dos impostos sobre o consumo para antecipar as mudanças na taxação do patrimônio, que é de competência de governadores e prefeitos. Parte dessas modificações foi detalhada no último projeto de lei complementar enviado pelo Ministério da Fazenda ao Congresso e ainda pendente de deliberação por parte dos parlamentares. Antes de entrarem em vigor, as novas regras também terão de passar pelos legislativos locais.

No caso dos municípios, a reforma também traz mudanças em uma contribuição embutida na conta de luz, que passará a bancar gastos que vão além da iluminação pública. Não há aumento da cobrança, mas especialistas no setor alertam que isso poderá ocorrer no futuro. Já os Estados também conseguiram angariar quatro fundos de compensação financiados pela União – dois deles direcionados à região Norte. A regulamentação desses mecanismos bilionários está pendente de lei ordinária, e ainda há dúvidas sobre como serão acomodados dentro do Orçamento federal.

Com a reforma, prefeitos ganham mais autonomia em relação ao IPTU, já que poderão atualizar a base de cálculo do imposto por meio de decreto.  Foto: VALERIA GONCALVEZ/ESTADAO
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“Estados e municípios estão aproveitando a reforma da tributação sobre o consumo para aumentar suas receitas livremente. Virou uma corrida por arrecadação”, avalia o pesquisador do Insper e tributarista do Mannrich e Vasconcelos Advogados, Breno Vasconcelos. “Isso ocorrerá às custas do contribuinte, claro.”

Um dos princípios da reforma – que prevê a substituição de cinco tributos por um Imposto sobre Valor Agregado (IVA) – é a manutenção da carga sobre o consumo. O problema é que as alterações nos tributos sobre o patrimônio não entram nesse escopo e significarão, inevitavelmente, uma oneração dos contribuintes.

“Provavelmente (haverá aumento da tributação), mas é importante destacar que é uma tributação do patrimônio no sentido de quem tem mais, paga mais. E quem tem menos, paga menos. Ou seja, uma cobrança progressiva, o que não ocorre no consumo”, afirma o auditor fiscal e representante técnico da Frente Nacional dos Prefeitos (FNP) na Comissão de Sistematização da reforma, Alberto Macedo.

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Ele também alega que os grandes municípios perderão arrecadação na reforma devido à extinção do ISS, hoje o principal imposto das capitais, e que essa seria uma forma de ajudar a “equilibrar as receitas”.

O temor é de que a regulamentação das mudanças no Congresso amplie ainda mais o alcance desses tributos. “Se tiver alteração que onere o consumidor, não passa”, afirma o deputado Luiz Carlos Hauly (Podemos-PR), um dos integrantes do grupo de trabalho da reforma na Câmara. “Pessoalmente, eu gostaria que a reforma focasse na arrecadação do País, que é o IVA, por meio do IBS (IVA estadual e municipal) e da CBS (IVA federal). O que tinha de ser feito sobre imposto patrimonial nós já fizemos na PEC”, afirmou o parlamentar.

Procurado pela reportagem, o Comsefaz, comitê que reúne os secretários estaduais de Fazenda, não comentou o assunto. Já o Ministério da Fazenda afirmou, em nota, que “as alterações nos tributos patrimoniais foram incluídas no PLP 108 (lei complementar enviada ao Congresso) a pedido das entidades representativas de Estados e municípios, inclusive para regulamentar as mudanças introduzidas pela EC 132/2023″. O objetivo, segundo a pasta, não é elevar a arrecadação, mas tornar a legislação mais clara.

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Impostos ‘penetras’ e o impacto em carro, barco e jato

Dentre os impostos “penetras”, que nada têm a ver com o consumo de bens e serviços, mas que tiveram sua legislação alterada na atual reforma, está o Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA). De competência dos governadores, ele passou a incidir, além dos carros, sobre lanchas e jatos, sob a justificativa de ampliar a justiça social.

Esse tipo de incidência já havia sido proibida pelo STF em mais de uma ocasião. O objetivo dos Estados, portanto, foi o de superar esse impedimento por meio da mudança na Constituição. A emenda também determinou que as alíquotas do imposto poderão variar em função do valor e do impacto ambiental do veículo – antes, era apenas em função do tipo e utilização.

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O Sindifisco Nacional, sindicato que reúne os auditores da Receita Federal, estima que a nova cobrança sobre aeronaves e embarcações significará R$ 10,4 bilhões a mais nos cofres dos Estados anualmente, considerando uma alíquota hipotética de 4%. Nesse cenário, São Paulo concentraria quase um terço do incremento de receita: R$ 3 bilhões.

O Rio de Janeiro, por exemplo, já discute na sua Assembleia Legislativa uma regulamentação para esse tipo de cobrança, e prevê arrecadar R$ 600 milhões por ano com a tributação, praticando uma alíquota de 4%.

Rio de Janeiro prevê arrecadar R$ 600 milhões por ano com IPVA sobre veículos aquáticos e aéreos; tema está em discussão na Alerj.  Foto: Pedro Kirilos/Estadão - 07/09/2022
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Por pressão de setores produtivos, alguns tipos de veículos foram blindados da nova cobrança, como aeronaves agrícolas e tratores e máquinas usadas no campo. Também ficaram de fora embarcações que pratiquem pesca industrial, artesanal, científica e de subsistência, bem como aquelas que pertençam a pessoas jurídicas e prestem serviços de transporte aquaviário.

O presidente do Sindifisco Nacional, Isac Falcão, vê a alteração com bons olhos: “Torna o sistema menos regressivo, pois tais veículos costumam pertencer a pessoas com maior capacidade contribuitiva”. Ele teme, porém, a regulamentação das exceções: “Elas podem criar iniquidades, pois fazem com que pessoas com a mesma capacidade econômica sejam tributadas de forma diferente – além de facilitar o planejamento tributário abusivo”.

Estados miram em herança no exterior e preparam alíquotas progressivas

A reforma determina que o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD), de competência dos governadores, passe a ser progressivo em relação ao valor da transmissão. Ou seja: quanto maior o montante recebido pelo herdeiro ou beneficiário da doação, maior a alíquota aplicada. O Estado também pode optar por criar uma faixa de isenção e realizar uma cobrança única acima desse patamar. Em todos os casos, a alíquota máxima não pode ultrapassar 8%.

Antes da emenda constitucional, 14 Estados e o Distrito Federal já contavam com tributações progressivas (veja tabela abaixo). As outras 12 unidades da federação ainda não ajustaram as legislações, mas a expectativa é que o façam em breve. As modificações, porém, não terão efeito imediato, pois precisam seguir os princípios da anterioridade nonagesimal (só cobrar após 90 dias da publicação da lei) e anual (no exercício seguinte). Ou seja, se aprovadas neste ano, só valeriam em 2025.

Há, ainda, a regulamentação da cobrança do ITCMD sobre heranças e doações no exterior – barrada pelo STF em 2021 devido à falta de legislação em âmbito nacional. À época do julgamento, a Secretaria da Fazenda e Planejamento de São Paulo estimou uma perda de arrecadação de R$ 5,4 bilhões em um período de cinco anos, devido à impossibilidade da taxação.

Agora, a reforma vai além e prevê regulamentar a incidência do imposto também para os chamados “trusts”, mecanismos usados pelos super-ricos para proteger o patrimônio no exterior e reduzir a incidência de tributos nos investimentos.

Essa taxação ocorreria em três hipóteses, não cumulativas: falecimento do instituidor; doação, se ocorrida durante a vida do instituidor; ou no caso de o instituidor abdicar, em caráter irrevogável, ao direito sobre uma parcela do patrimônio. Trata-se de uma tentativa da equipe econômica de seguir fechando o cerco tributário aos trusts, que já tiveram as regras para o Imposto de Renda modificadas em 2023.

A Fazenda, a pedido dos governadores, chegou a propor a cobrança do ITCMD também sobre planos de previdência privada, como PGBL e VGBL com fins sucessórios. A medida, porém, foi retirada do texto final após repercussão de reportagem do Estadão, a pedido do presidente Lula.

Prefeitos focam em IPTU e ampliam escopo de contribuição na conta de luz

Para os municípios, a reforma prevê mudanças em três tributos que não guardam nenhuma relação com o consumo de bens e serviços. No caso do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU), a PEC permitiu que as prefeituras atualizassem a base de cálculo por meio de decreto, a partir de critérios estabelecidos em lei municipal.

O objetivo, expresso na emenda constitucional pelo relator à época, o deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), era de que as “administrações municipais alcançassem o potencial arrecadatório de imóveis com alta valorização”. Ou seja: reforçar o caixa das prefeituras, que reclamam de dados defasados para a aplicação do tributo.

“O município de São Paulo, por exemplo, tem 3,5 milhões de imóveis. Ou seja, são 3,5 milhões de fatos geradores de IPTU por ano”, afirma Macedo, da FNP, ao ser questionado sobre o potencial arrecadatório do imposto.

Ele pondera, porém, ser difícil mensurar qual será o incremento após a mudança na legislação: “O IPTU é um imposto socialmente muito sensível. O prefeito, ainda que possa alterar (a base de cálculo) por ato infralegal, há uma questão social sensível. É difícil precisar até que ponto ele terá liberdade política para aumentar (essa cobrança)”.

O temor, segundo tributaristas, é de que a alteração abra brecha para decisões arbitrárias por parte dos gestores locais. Isso porque a atualização do valor venal dos imóveis, que é a base de cobrança do IPTU, não será mais debatida nas câmaras de vereadores, podendo ser definida por meio de decreto assinado pelo prefeito.

Ainda na seara dos imóveis, o Ministério da Fazenda, a pedido dos municípios, antecipou a cobrança do Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) para o momento da assinatura da escritura, como mostrou o Estadão. Hoje, a taxação está prevista na efetiva transferência da propriedade, que só é concluída após o registro no cartório e a alteração na matrícula do bem.

Advogados ouvidos pela reportagem apontaram alto risco de judicialização na mudança, que iria na contramão do que diz o Código Civil e do que foi decidido pelo STF e pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Essa alteração não consta na emenda constitucional, apenas do projeto de lei complementar.

Por fim, a reforma abriu caminho para os municípios usarem uma contribuição embutida na conta luz para bancar câmeras, sensores, construção de centros de vigilância e outras obras relacionadas à iluminação pública e ao monitoramento para segurança e prevenção de desastres. Na prática, a proposta amplia o uso do recurso proveniente da Contribuição para o Custeio do Serviço de Iluminação Pública (Cosip), originalmente destinado apenas à iluminação das cidades.

De acordo com a FNP, a medida vai trazer qualidade de vida para a população. Já a Abrace, associação que representa os grandes consumidores de energia, aponta risco de aumento da conta de luz e diz que a contribuição pode virar a próxima CDE (Conta de Desenvolvimento Energético) – hoje o maior encargo do segmento, que deve ultrapassar R$ 37 bilhões neste ano.

BRASÍLIA – As negociações políticas em torno da reforma tributária e a necessidade do governo federal de angariar apoio à proposta abriram caminho para que Estados e municípios aumentassem o seu potencial arrecadatório, sobretudo na taxação do patrimônio.

São alterações em impostos que incidem sobre carro, lancha, jato, imóvel e herança, e que há muito eram pleiteadas por governadores e prefeitos. As discussões, no entanto, esbarravam em entraves jurídicos e legais – inclusive em decisões do Supremo Tribunal Federal (STF).

A estratégia foi aproveitar a Emenda à Constituição dos impostos sobre o consumo para antecipar as mudanças na taxação do patrimônio, que é de competência de governadores e prefeitos. Parte dessas modificações foi detalhada no último projeto de lei complementar enviado pelo Ministério da Fazenda ao Congresso e ainda pendente de deliberação por parte dos parlamentares. Antes de entrarem em vigor, as novas regras também terão de passar pelos legislativos locais.

No caso dos municípios, a reforma também traz mudanças em uma contribuição embutida na conta de luz, que passará a bancar gastos que vão além da iluminação pública. Não há aumento da cobrança, mas especialistas no setor alertam que isso poderá ocorrer no futuro. Já os Estados também conseguiram angariar quatro fundos de compensação financiados pela União – dois deles direcionados à região Norte. A regulamentação desses mecanismos bilionários está pendente de lei ordinária, e ainda há dúvidas sobre como serão acomodados dentro do Orçamento federal.

Com a reforma, prefeitos ganham mais autonomia em relação ao IPTU, já que poderão atualizar a base de cálculo do imposto por meio de decreto.  Foto: VALERIA GONCALVEZ/ESTADAO

“Estados e municípios estão aproveitando a reforma da tributação sobre o consumo para aumentar suas receitas livremente. Virou uma corrida por arrecadação”, avalia o pesquisador do Insper e tributarista do Mannrich e Vasconcelos Advogados, Breno Vasconcelos. “Isso ocorrerá às custas do contribuinte, claro.”

Um dos princípios da reforma – que prevê a substituição de cinco tributos por um Imposto sobre Valor Agregado (IVA) – é a manutenção da carga sobre o consumo. O problema é que as alterações nos tributos sobre o patrimônio não entram nesse escopo e significarão, inevitavelmente, uma oneração dos contribuintes.

“Provavelmente (haverá aumento da tributação), mas é importante destacar que é uma tributação do patrimônio no sentido de quem tem mais, paga mais. E quem tem menos, paga menos. Ou seja, uma cobrança progressiva, o que não ocorre no consumo”, afirma o auditor fiscal e representante técnico da Frente Nacional dos Prefeitos (FNP) na Comissão de Sistematização da reforma, Alberto Macedo.

Ele também alega que os grandes municípios perderão arrecadação na reforma devido à extinção do ISS, hoje o principal imposto das capitais, e que essa seria uma forma de ajudar a “equilibrar as receitas”.

O temor é de que a regulamentação das mudanças no Congresso amplie ainda mais o alcance desses tributos. “Se tiver alteração que onere o consumidor, não passa”, afirma o deputado Luiz Carlos Hauly (Podemos-PR), um dos integrantes do grupo de trabalho da reforma na Câmara. “Pessoalmente, eu gostaria que a reforma focasse na arrecadação do País, que é o IVA, por meio do IBS (IVA estadual e municipal) e da CBS (IVA federal). O que tinha de ser feito sobre imposto patrimonial nós já fizemos na PEC”, afirmou o parlamentar.

Procurado pela reportagem, o Comsefaz, comitê que reúne os secretários estaduais de Fazenda, não comentou o assunto. Já o Ministério da Fazenda afirmou, em nota, que “as alterações nos tributos patrimoniais foram incluídas no PLP 108 (lei complementar enviada ao Congresso) a pedido das entidades representativas de Estados e municípios, inclusive para regulamentar as mudanças introduzidas pela EC 132/2023″. O objetivo, segundo a pasta, não é elevar a arrecadação, mas tornar a legislação mais clara.

Impostos ‘penetras’ e o impacto em carro, barco e jato

Dentre os impostos “penetras”, que nada têm a ver com o consumo de bens e serviços, mas que tiveram sua legislação alterada na atual reforma, está o Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA). De competência dos governadores, ele passou a incidir, além dos carros, sobre lanchas e jatos, sob a justificativa de ampliar a justiça social.

Esse tipo de incidência já havia sido proibida pelo STF em mais de uma ocasião. O objetivo dos Estados, portanto, foi o de superar esse impedimento por meio da mudança na Constituição. A emenda também determinou que as alíquotas do imposto poderão variar em função do valor e do impacto ambiental do veículo – antes, era apenas em função do tipo e utilização.

O Sindifisco Nacional, sindicato que reúne os auditores da Receita Federal, estima que a nova cobrança sobre aeronaves e embarcações significará R$ 10,4 bilhões a mais nos cofres dos Estados anualmente, considerando uma alíquota hipotética de 4%. Nesse cenário, São Paulo concentraria quase um terço do incremento de receita: R$ 3 bilhões.

O Rio de Janeiro, por exemplo, já discute na sua Assembleia Legislativa uma regulamentação para esse tipo de cobrança, e prevê arrecadar R$ 600 milhões por ano com a tributação, praticando uma alíquota de 4%.

Rio de Janeiro prevê arrecadar R$ 600 milhões por ano com IPVA sobre veículos aquáticos e aéreos; tema está em discussão na Alerj.  Foto: Pedro Kirilos/Estadão - 07/09/2022

Por pressão de setores produtivos, alguns tipos de veículos foram blindados da nova cobrança, como aeronaves agrícolas e tratores e máquinas usadas no campo. Também ficaram de fora embarcações que pratiquem pesca industrial, artesanal, científica e de subsistência, bem como aquelas que pertençam a pessoas jurídicas e prestem serviços de transporte aquaviário.

O presidente do Sindifisco Nacional, Isac Falcão, vê a alteração com bons olhos: “Torna o sistema menos regressivo, pois tais veículos costumam pertencer a pessoas com maior capacidade contribuitiva”. Ele teme, porém, a regulamentação das exceções: “Elas podem criar iniquidades, pois fazem com que pessoas com a mesma capacidade econômica sejam tributadas de forma diferente – além de facilitar o planejamento tributário abusivo”.

Estados miram em herança no exterior e preparam alíquotas progressivas

A reforma determina que o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD), de competência dos governadores, passe a ser progressivo em relação ao valor da transmissão. Ou seja: quanto maior o montante recebido pelo herdeiro ou beneficiário da doação, maior a alíquota aplicada. O Estado também pode optar por criar uma faixa de isenção e realizar uma cobrança única acima desse patamar. Em todos os casos, a alíquota máxima não pode ultrapassar 8%.

Antes da emenda constitucional, 14 Estados e o Distrito Federal já contavam com tributações progressivas (veja tabela abaixo). As outras 12 unidades da federação ainda não ajustaram as legislações, mas a expectativa é que o façam em breve. As modificações, porém, não terão efeito imediato, pois precisam seguir os princípios da anterioridade nonagesimal (só cobrar após 90 dias da publicação da lei) e anual (no exercício seguinte). Ou seja, se aprovadas neste ano, só valeriam em 2025.

Há, ainda, a regulamentação da cobrança do ITCMD sobre heranças e doações no exterior – barrada pelo STF em 2021 devido à falta de legislação em âmbito nacional. À época do julgamento, a Secretaria da Fazenda e Planejamento de São Paulo estimou uma perda de arrecadação de R$ 5,4 bilhões em um período de cinco anos, devido à impossibilidade da taxação.

Agora, a reforma vai além e prevê regulamentar a incidência do imposto também para os chamados “trusts”, mecanismos usados pelos super-ricos para proteger o patrimônio no exterior e reduzir a incidência de tributos nos investimentos.

Essa taxação ocorreria em três hipóteses, não cumulativas: falecimento do instituidor; doação, se ocorrida durante a vida do instituidor; ou no caso de o instituidor abdicar, em caráter irrevogável, ao direito sobre uma parcela do patrimônio. Trata-se de uma tentativa da equipe econômica de seguir fechando o cerco tributário aos trusts, que já tiveram as regras para o Imposto de Renda modificadas em 2023.

A Fazenda, a pedido dos governadores, chegou a propor a cobrança do ITCMD também sobre planos de previdência privada, como PGBL e VGBL com fins sucessórios. A medida, porém, foi retirada do texto final após repercussão de reportagem do Estadão, a pedido do presidente Lula.

Prefeitos focam em IPTU e ampliam escopo de contribuição na conta de luz

Para os municípios, a reforma prevê mudanças em três tributos que não guardam nenhuma relação com o consumo de bens e serviços. No caso do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU), a PEC permitiu que as prefeituras atualizassem a base de cálculo por meio de decreto, a partir de critérios estabelecidos em lei municipal.

O objetivo, expresso na emenda constitucional pelo relator à época, o deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), era de que as “administrações municipais alcançassem o potencial arrecadatório de imóveis com alta valorização”. Ou seja: reforçar o caixa das prefeituras, que reclamam de dados defasados para a aplicação do tributo.

“O município de São Paulo, por exemplo, tem 3,5 milhões de imóveis. Ou seja, são 3,5 milhões de fatos geradores de IPTU por ano”, afirma Macedo, da FNP, ao ser questionado sobre o potencial arrecadatório do imposto.

Ele pondera, porém, ser difícil mensurar qual será o incremento após a mudança na legislação: “O IPTU é um imposto socialmente muito sensível. O prefeito, ainda que possa alterar (a base de cálculo) por ato infralegal, há uma questão social sensível. É difícil precisar até que ponto ele terá liberdade política para aumentar (essa cobrança)”.

O temor, segundo tributaristas, é de que a alteração abra brecha para decisões arbitrárias por parte dos gestores locais. Isso porque a atualização do valor venal dos imóveis, que é a base de cobrança do IPTU, não será mais debatida nas câmaras de vereadores, podendo ser definida por meio de decreto assinado pelo prefeito.

Ainda na seara dos imóveis, o Ministério da Fazenda, a pedido dos municípios, antecipou a cobrança do Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) para o momento da assinatura da escritura, como mostrou o Estadão. Hoje, a taxação está prevista na efetiva transferência da propriedade, que só é concluída após o registro no cartório e a alteração na matrícula do bem.

Advogados ouvidos pela reportagem apontaram alto risco de judicialização na mudança, que iria na contramão do que diz o Código Civil e do que foi decidido pelo STF e pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Essa alteração não consta na emenda constitucional, apenas do projeto de lei complementar.

Por fim, a reforma abriu caminho para os municípios usarem uma contribuição embutida na conta luz para bancar câmeras, sensores, construção de centros de vigilância e outras obras relacionadas à iluminação pública e ao monitoramento para segurança e prevenção de desastres. Na prática, a proposta amplia o uso do recurso proveniente da Contribuição para o Custeio do Serviço de Iluminação Pública (Cosip), originalmente destinado apenas à iluminação das cidades.

De acordo com a FNP, a medida vai trazer qualidade de vida para a população. Já a Abrace, associação que representa os grandes consumidores de energia, aponta risco de aumento da conta de luz e diz que a contribuição pode virar a próxima CDE (Conta de Desenvolvimento Energético) – hoje o maior encargo do segmento, que deve ultrapassar R$ 37 bilhões neste ano.

BRASÍLIA – As negociações políticas em torno da reforma tributária e a necessidade do governo federal de angariar apoio à proposta abriram caminho para que Estados e municípios aumentassem o seu potencial arrecadatório, sobretudo na taxação do patrimônio.

São alterações em impostos que incidem sobre carro, lancha, jato, imóvel e herança, e que há muito eram pleiteadas por governadores e prefeitos. As discussões, no entanto, esbarravam em entraves jurídicos e legais – inclusive em decisões do Supremo Tribunal Federal (STF).

A estratégia foi aproveitar a Emenda à Constituição dos impostos sobre o consumo para antecipar as mudanças na taxação do patrimônio, que é de competência de governadores e prefeitos. Parte dessas modificações foi detalhada no último projeto de lei complementar enviado pelo Ministério da Fazenda ao Congresso e ainda pendente de deliberação por parte dos parlamentares. Antes de entrarem em vigor, as novas regras também terão de passar pelos legislativos locais.

No caso dos municípios, a reforma também traz mudanças em uma contribuição embutida na conta de luz, que passará a bancar gastos que vão além da iluminação pública. Não há aumento da cobrança, mas especialistas no setor alertam que isso poderá ocorrer no futuro. Já os Estados também conseguiram angariar quatro fundos de compensação financiados pela União – dois deles direcionados à região Norte. A regulamentação desses mecanismos bilionários está pendente de lei ordinária, e ainda há dúvidas sobre como serão acomodados dentro do Orçamento federal.

Com a reforma, prefeitos ganham mais autonomia em relação ao IPTU, já que poderão atualizar a base de cálculo do imposto por meio de decreto.  Foto: VALERIA GONCALVEZ/ESTADAO

“Estados e municípios estão aproveitando a reforma da tributação sobre o consumo para aumentar suas receitas livremente. Virou uma corrida por arrecadação”, avalia o pesquisador do Insper e tributarista do Mannrich e Vasconcelos Advogados, Breno Vasconcelos. “Isso ocorrerá às custas do contribuinte, claro.”

Um dos princípios da reforma – que prevê a substituição de cinco tributos por um Imposto sobre Valor Agregado (IVA) – é a manutenção da carga sobre o consumo. O problema é que as alterações nos tributos sobre o patrimônio não entram nesse escopo e significarão, inevitavelmente, uma oneração dos contribuintes.

“Provavelmente (haverá aumento da tributação), mas é importante destacar que é uma tributação do patrimônio no sentido de quem tem mais, paga mais. E quem tem menos, paga menos. Ou seja, uma cobrança progressiva, o que não ocorre no consumo”, afirma o auditor fiscal e representante técnico da Frente Nacional dos Prefeitos (FNP) na Comissão de Sistematização da reforma, Alberto Macedo.

Ele também alega que os grandes municípios perderão arrecadação na reforma devido à extinção do ISS, hoje o principal imposto das capitais, e que essa seria uma forma de ajudar a “equilibrar as receitas”.

O temor é de que a regulamentação das mudanças no Congresso amplie ainda mais o alcance desses tributos. “Se tiver alteração que onere o consumidor, não passa”, afirma o deputado Luiz Carlos Hauly (Podemos-PR), um dos integrantes do grupo de trabalho da reforma na Câmara. “Pessoalmente, eu gostaria que a reforma focasse na arrecadação do País, que é o IVA, por meio do IBS (IVA estadual e municipal) e da CBS (IVA federal). O que tinha de ser feito sobre imposto patrimonial nós já fizemos na PEC”, afirmou o parlamentar.

Procurado pela reportagem, o Comsefaz, comitê que reúne os secretários estaduais de Fazenda, não comentou o assunto. Já o Ministério da Fazenda afirmou, em nota, que “as alterações nos tributos patrimoniais foram incluídas no PLP 108 (lei complementar enviada ao Congresso) a pedido das entidades representativas de Estados e municípios, inclusive para regulamentar as mudanças introduzidas pela EC 132/2023″. O objetivo, segundo a pasta, não é elevar a arrecadação, mas tornar a legislação mais clara.

Impostos ‘penetras’ e o impacto em carro, barco e jato

Dentre os impostos “penetras”, que nada têm a ver com o consumo de bens e serviços, mas que tiveram sua legislação alterada na atual reforma, está o Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA). De competência dos governadores, ele passou a incidir, além dos carros, sobre lanchas e jatos, sob a justificativa de ampliar a justiça social.

Esse tipo de incidência já havia sido proibida pelo STF em mais de uma ocasião. O objetivo dos Estados, portanto, foi o de superar esse impedimento por meio da mudança na Constituição. A emenda também determinou que as alíquotas do imposto poderão variar em função do valor e do impacto ambiental do veículo – antes, era apenas em função do tipo e utilização.

O Sindifisco Nacional, sindicato que reúne os auditores da Receita Federal, estima que a nova cobrança sobre aeronaves e embarcações significará R$ 10,4 bilhões a mais nos cofres dos Estados anualmente, considerando uma alíquota hipotética de 4%. Nesse cenário, São Paulo concentraria quase um terço do incremento de receita: R$ 3 bilhões.

O Rio de Janeiro, por exemplo, já discute na sua Assembleia Legislativa uma regulamentação para esse tipo de cobrança, e prevê arrecadar R$ 600 milhões por ano com a tributação, praticando uma alíquota de 4%.

Rio de Janeiro prevê arrecadar R$ 600 milhões por ano com IPVA sobre veículos aquáticos e aéreos; tema está em discussão na Alerj.  Foto: Pedro Kirilos/Estadão - 07/09/2022

Por pressão de setores produtivos, alguns tipos de veículos foram blindados da nova cobrança, como aeronaves agrícolas e tratores e máquinas usadas no campo. Também ficaram de fora embarcações que pratiquem pesca industrial, artesanal, científica e de subsistência, bem como aquelas que pertençam a pessoas jurídicas e prestem serviços de transporte aquaviário.

O presidente do Sindifisco Nacional, Isac Falcão, vê a alteração com bons olhos: “Torna o sistema menos regressivo, pois tais veículos costumam pertencer a pessoas com maior capacidade contribuitiva”. Ele teme, porém, a regulamentação das exceções: “Elas podem criar iniquidades, pois fazem com que pessoas com a mesma capacidade econômica sejam tributadas de forma diferente – além de facilitar o planejamento tributário abusivo”.

Estados miram em herança no exterior e preparam alíquotas progressivas

A reforma determina que o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD), de competência dos governadores, passe a ser progressivo em relação ao valor da transmissão. Ou seja: quanto maior o montante recebido pelo herdeiro ou beneficiário da doação, maior a alíquota aplicada. O Estado também pode optar por criar uma faixa de isenção e realizar uma cobrança única acima desse patamar. Em todos os casos, a alíquota máxima não pode ultrapassar 8%.

Antes da emenda constitucional, 14 Estados e o Distrito Federal já contavam com tributações progressivas (veja tabela abaixo). As outras 12 unidades da federação ainda não ajustaram as legislações, mas a expectativa é que o façam em breve. As modificações, porém, não terão efeito imediato, pois precisam seguir os princípios da anterioridade nonagesimal (só cobrar após 90 dias da publicação da lei) e anual (no exercício seguinte). Ou seja, se aprovadas neste ano, só valeriam em 2025.

Há, ainda, a regulamentação da cobrança do ITCMD sobre heranças e doações no exterior – barrada pelo STF em 2021 devido à falta de legislação em âmbito nacional. À época do julgamento, a Secretaria da Fazenda e Planejamento de São Paulo estimou uma perda de arrecadação de R$ 5,4 bilhões em um período de cinco anos, devido à impossibilidade da taxação.

Agora, a reforma vai além e prevê regulamentar a incidência do imposto também para os chamados “trusts”, mecanismos usados pelos super-ricos para proteger o patrimônio no exterior e reduzir a incidência de tributos nos investimentos.

Essa taxação ocorreria em três hipóteses, não cumulativas: falecimento do instituidor; doação, se ocorrida durante a vida do instituidor; ou no caso de o instituidor abdicar, em caráter irrevogável, ao direito sobre uma parcela do patrimônio. Trata-se de uma tentativa da equipe econômica de seguir fechando o cerco tributário aos trusts, que já tiveram as regras para o Imposto de Renda modificadas em 2023.

A Fazenda, a pedido dos governadores, chegou a propor a cobrança do ITCMD também sobre planos de previdência privada, como PGBL e VGBL com fins sucessórios. A medida, porém, foi retirada do texto final após repercussão de reportagem do Estadão, a pedido do presidente Lula.

Prefeitos focam em IPTU e ampliam escopo de contribuição na conta de luz

Para os municípios, a reforma prevê mudanças em três tributos que não guardam nenhuma relação com o consumo de bens e serviços. No caso do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU), a PEC permitiu que as prefeituras atualizassem a base de cálculo por meio de decreto, a partir de critérios estabelecidos em lei municipal.

O objetivo, expresso na emenda constitucional pelo relator à época, o deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), era de que as “administrações municipais alcançassem o potencial arrecadatório de imóveis com alta valorização”. Ou seja: reforçar o caixa das prefeituras, que reclamam de dados defasados para a aplicação do tributo.

“O município de São Paulo, por exemplo, tem 3,5 milhões de imóveis. Ou seja, são 3,5 milhões de fatos geradores de IPTU por ano”, afirma Macedo, da FNP, ao ser questionado sobre o potencial arrecadatório do imposto.

Ele pondera, porém, ser difícil mensurar qual será o incremento após a mudança na legislação: “O IPTU é um imposto socialmente muito sensível. O prefeito, ainda que possa alterar (a base de cálculo) por ato infralegal, há uma questão social sensível. É difícil precisar até que ponto ele terá liberdade política para aumentar (essa cobrança)”.

O temor, segundo tributaristas, é de que a alteração abra brecha para decisões arbitrárias por parte dos gestores locais. Isso porque a atualização do valor venal dos imóveis, que é a base de cobrança do IPTU, não será mais debatida nas câmaras de vereadores, podendo ser definida por meio de decreto assinado pelo prefeito.

Ainda na seara dos imóveis, o Ministério da Fazenda, a pedido dos municípios, antecipou a cobrança do Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) para o momento da assinatura da escritura, como mostrou o Estadão. Hoje, a taxação está prevista na efetiva transferência da propriedade, que só é concluída após o registro no cartório e a alteração na matrícula do bem.

Advogados ouvidos pela reportagem apontaram alto risco de judicialização na mudança, que iria na contramão do que diz o Código Civil e do que foi decidido pelo STF e pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Essa alteração não consta na emenda constitucional, apenas do projeto de lei complementar.

Por fim, a reforma abriu caminho para os municípios usarem uma contribuição embutida na conta luz para bancar câmeras, sensores, construção de centros de vigilância e outras obras relacionadas à iluminação pública e ao monitoramento para segurança e prevenção de desastres. Na prática, a proposta amplia o uso do recurso proveniente da Contribuição para o Custeio do Serviço de Iluminação Pública (Cosip), originalmente destinado apenas à iluminação das cidades.

De acordo com a FNP, a medida vai trazer qualidade de vida para a população. Já a Abrace, associação que representa os grandes consumidores de energia, aponta risco de aumento da conta de luz e diz que a contribuição pode virar a próxima CDE (Conta de Desenvolvimento Energético) – hoje o maior encargo do segmento, que deve ultrapassar R$ 37 bilhões neste ano.

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