BRASÍLIA - Às vésperas da votação do primeiro projeto de regulamentação da reforma tributária, deputados e representantes de setores e entidades da sociedade civil estão debruçados sobre seis principais temas que seguem indefinidos.
São pleitos com impacto direto na alíquota padrão do novo Imposto sobre Valor Agregado (o IVA, que vai unificar cinco tributos). Atualmente, essa alíquota é calculada em 26,5%, e a orientação do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), é de que qualquer flexibilização nas regras seja compensada, para não haver aumento na tributação.
As conversas giram em torno, principalmente, dos seguintes itens:
- Composição da cesta básica com imposto zero, sobretudo a inclusão das proteínas;
- Mudanças na tributação dos medicamentos, com isenção aos remédios tarjados;
- Ampliações do cashback, o sistema de devolução de tributos aos mais pobres;
- Imposto Seletivo, também chamado de “imposto do pecado”, que alcançará inclusive carros elétricos;
- Benefício concedido a montadoras do Nordeste, o qual foi revelado pelo Estadão;
- Tributação das entidades fechadas de previdência complementar.
Os líderes partidários e os membros do grupo de trabalho da reforma ainda se reunirão com as bancadas para fechar a versão final do parecer, e as negociações devem se estender pela madrugada. O objetivo é alcançar o maior número possível de consensos para que a votação possa ser iniciada nesta quarta-feira, 10.
Com a chegada do projeto ao plenário, os deputados ainda terão de analisar centenas de emendas: até o início da noite, mais de 300 já tinham sido apresentadas. Muitas, porém, dizem respeito aos temas mais polêmicos, que devem ser alvo de acordo prévio.
“Vamos conversar com as bancadas, porque a definição do presidente Arthur Lira com o colegiado de líderes é de que amanhã a matéria será pautada para poder ser votada, a partir das 10h”, disse o deputado Claudio Cajado (PP-BA), que integra o GT da reforma.
“Com essas apresentações nas respectivas bancadas, noite adentro, nós vamos fechar o relatório e poder, enfim, fazer com que seja aberta a discussão para votação”, afirmou. Os deputados aprovaram nesta terça-feira um requerimento de urgência para que a proposta pule a etapa das comissões e seja analisada diretamente no plenário nesta quarta.
Mais cedo, as lideranças e os membros dos GTs se reuniram com Lira e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, na residência oficial da Câmara. Também estava presente o secretário extraordinário da Reforma Tributária, Bernard Appy, que entregou aos parlamentares uma lista dos potenciais impactos das mudanças na alíquota padrão do IVA.
A inclusão das carnes na cesta básica sem imposto, por exemplo, significará um aumento de 0,53 ponto pelos cálculos da Fazenda e de 0,57 ponto nos números do Banco Mundial. Já a isenção aos remédios tarjados significaria uma elevação de 0,21 ponto.
“O governo vai fazer todos os esforços para continuar municiando os líderes dos cálculos. Hoje, foi feita uma apresentação detalhada de como eles são feitos para dar segurança aos deputados de que a Fazenda está cumprindo o seu papel. A decisão política é do Congresso, é quem vai dar a última palavra sobre a reforma, mas o Congresso não vai poder dizer que nós não prestamos as informações devidas”, afirmou Haddad após o encontro com parlamentares.
Carne na cesta básica gera ‘guerra’ de cálculos
A discussão sobre incluir ou não as carnes na cesta básica isenta ainda se arrasta. Uma decisão final não foi tomada, relataram fontes que acompanham as tratativas ao Estadão/Broadcast. O principal impasse da negociação é o tamanho do impacto da isenção na alíquota geral do IVA. Há contraste entre os números apresentados pela equipe econômica e pelo setor produtivo, respectivamente, de 0,53 ponto porcentual e 0,2 ponto porcentual.
Cajado avaliou que é possível incluir a carne na cesta básica zerada, mas que a decisão será política. O impasse ainda não foi resolvido. Segundo o deputado, a alíquota de 26,5% do IVA é um “dogma” para o GT. Ou seja, qualquer mudança no relatório tem de partir do pressuposto de não alteração desse porcentual.
O parlamentar citou as diferenças de metodologias das projeções do governo com relação às do setor produtivo, que estão sendo usadas pela Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA).
“São modelos diferentes. Esse modelo da Abras (usado pela bancada do agro), que é a associação dos supermercados, diverge do modelo do governo, amparado no Banco Mundial. O deles (FPA) não é, por exemplo, com base em notas fiscais, como é o do governo federal, e das compras públicas”, disse o parlamentar.
Em meio ao debate sobre a inclusão das carnes na cesta, Haddad afirmou que uma alternativa para evitar essa flexibilização seria aumentar o cashback. “Aumentar a parcela do imposto que é devolvida para as pessoas que estão no Cadastro Único é uma coisa que tem efeitos distributivos importantes. Às vezes, não é incluir toda a carne, mas aumentar o cashback de quem não pode pagar o valor cheio. Foi discutido tudo isso com muita tranquilidade, em uma reunião muito educada”, disse.
Ampliação do cashback
O governo propôs o sistema de cashback para todos os bens e serviços, mas alguns itens terão devolução mais expressiva. É o caso de botijão de gás e contas de luz, água e esgoto e gás encanado. O tamanho do cashback vai variar de acordo com o item:
- 100% da CBS (IVA federal) para aquisição de botijão de gás (13 kg);
- 50% da CBS para as contas de luz, de água e esgoto e de gás encanado;
- 20% da CBS e do IBS (IVA estadual e municipal) sobre os todos demais produtos.
Os deputados decidem agora se incluirão também os serviços de telecomunicações na lista, tema que já é alvo de emenda de plenário. Além disso, há pleitos, sobretudo dentro do PT, para se ampliar para 100% a devolução para as contas de luz, água, esgoto e gás encanado.
Na lista de cashback, há exceções dos itens que sofrem incidência do Imposto Seletivo, que são: bebidas alcoólicas e açucaradas, cigarro, carro, embarcação e aeronave, minerais extraídos e apostas online e físicas. Esses não poderão ter cashback.
Carros elétricos pressionam para sair do Seletivo
O relatório apresentado pelos sete deputados do GT incluiu o carro elétrico na lista de itens que terão incidência do “imposto do pecado”. Por outro lado, houve forte repercussão a não inclusão das armas de fogo e também dos caminhões a óleo diesel, que são altamente poluentes.
A justificativa dos deputados é de que os caminhões são fundamentais para o transporte de cargas no País e um aumento de tributação teria impacto sobre a produtividade da economia.
Já a não inclusão das armas foi decisão do plenário da Câmara, durante a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da reforma, no final do ano passado. Para o carro elétrico, o argumento é de que as baterias são poluentes e a análise teria que ser feita em todo o ciclo de vida dos produtos, “do berço ao túmulo”.
Apesar da recomendação do Ministério da Saúde e pressão de entidades da sociedade civil, os alimentos ultraprocessados ficaram de fora dessa lista. Esses temas, porém, deverão ser alvo de debate no plenário./Com Fernanda Trisotto e Isadora Duarte