BRASÍLIA – O relatório do grupo de trabalho da reforma tributária na Câmara, que apresentou diretrizes para a mudança nos impostos que incidem sobre bens e serviços, pavimentou o caminho para a votação da proposta ainda no primeiro semestre, mas adiou definições sobre temas sensíveis como as novas alíquotas e o aporte de recursos da União no fundo bilionário que compensará Estados e municípios pelo fim da guerra fiscal no País.
Numa definição que não estava no radar até agora, os deputados recomendaram que o Fundo de Desenvolvimento Regional, a ser bancado “primordialmente” pela União e repassado para Estados, não seja limitado pelo teto de gastos do novo arcabouço fiscal, que ainda está sendo apreciado no Senado. “Sugere-se, ainda, que a entrega dos recursos do fundo seja obrigatória e excetuada das bases de cálculo consideradas nas regras fiscais”, diz o relatório.
O relator da reforma na Câmara, deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), adiantou que a previsão de votação da proposta no plenário da Casa é na primeira semana de julho. A deputados, o relator informou que deverá apresentar o texto a ser votado em dez dias.
Durante a leitura do relatório do grupo de trabalho, que apresentou diretrizes para a proposta a ser elaborada por Ribeiro, o relator enfatizou que a mudança na tributação do consumo não acarretará em aumento da carga tributária.
“A transição será feita de modo a manter a arrecadação dos tributos atuais como proporção do PIB. Em nenhuma hipótese haverá aumento da carga tributária. Ponto.”, afirmou Ribeiro, enfatizando o trecho durante a leitura do relatório do grupo de trabalho. A fala está em sintonia com o sentimento que predomina na Câmara, crítica a aumentos de impostos.
Partiram de deputados sugestões como a previsão de que o IPVA seja cobrado de lanchas e jatinhos de pessoas de alta renda, vinda do deputado Mauro Benevides (PDT-CE), e que a questão ambiental seja levada em conta na definição de sobretaxa de itens que tenham efeitos negativos, a chamada seletividade.
Ribeiro, no entanto, evitou confrontos no estágio atual da reforma. Na questão da seletividade, por exemplo, informou que especificidades serão tratadas em legislação infraconstitucional. Como esperado, o relator também não previu alíquotas para setores ou o prazo de transição até a implementação efetiva do IVA (Imposto sobre Valor Adicionado). As alíquotas dependem de cálculos a serem feitos pela equipe técnica do Ministério da Fazenda.
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Já sobre a transição, o prazo é sensível e divide setores que desejam uma implementação mais rápida e outros que usufruem de benefícios tributários já concedidos e que serão extintos no novo regime.
Ribeiro admitiu, durante a leitura de seu relatório, que a escolha pelo IVA dual também atendeu ao princípio da menor resistência. O IVA dual cria um regime para a tributação da União (PIS,Cofins e IPI) e outro para a de Estados e municípios (ICMS e ISS), com estruturas de administração diferenciadas. A mistura já provocava críticas de prefeitos como Ricardo Nunes (MDB), de São Paulo.
“No próprio grupo, criou-se um movimento em que alguns preferiam um IVA único e ninguém tinha resistência ao IVA dual. Preferimos o caminho da sensatez”, disse Ribeiro.
O texto do relatório foi costurado com resposta às críticas que surgiram ao longo da discussão do grupo de trabalho, como o trecho dedicado ao conselho federativo, em que o relator explica porque ele é indispensável para o desenho da reforma e que não irá reduzir a autonomia dos fiscos locais.
No caso do Fundo do Desenvolvimento Regional, que bancará programas estaduais de atração a empresas hoje atendidas por benefícios tributários, Ribeiro optou por apenas indicar a conta para a União, informando que “seja financiado, primordialmente, com recursos da União”, o que vai ao encontro do que desejam governadores e prefeitos mas ainda não teve o valor fechado pelo ministro Fernando Haddad.
As falas foram aplaudidas por governistas, que veem a reforma tributária como um ativo importante para o governo Lula. Ribeiro e o coordenador do grupo de trabalho da reforma, Reginaldo Lopes (PT-MG), afirmaram que a pauta não tem cores políticas. “Reforma tributária não é ideológica, não é de esquerda, nem de direita, é do Estado”, afirmou Ribeiro.
Lopes ainda que o texto pode alcançar um placar próximo de 400 votos na votação. O placar na Câmara é importante para viabilizar a votação no Senado, pois indica amplo apoio de deputados, o que não poderia ser refutado por senadores.
Aceno a Haddad
O relator fez uma menção especial a Fernando Haddad, por ter tido a compreensão de priorizar a reforma e “entender” tudo que o governo discutiu ao longo dos anos. “O ministro Haddad que tem tido compreensão muito serena e um diagnóstico muito razoável, que fez o governo entender e soube priorizar a reforma”, disse Aguinaldo.
O líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE) afirmou que, ainda que o tema engaje diferentes partidos, a aprovação da reforma será um ganho político para o governo Lula. “Nós vamos aprovar a reforma”, disse Guimarães ao Estadão. “O governo Lula, quando terminar, terá duas grandes marcas, que ninguém tira, uma a de restabelecer a democracia e interditar um golpe. E a segunda a reforma tributária. São pautas que não estavam no script no dia a dia”.
Guimarães acrescentou que o governo empenhará a força da base e de aliados em prol da aprovação ainda no primeiro semestre. “Já começamos a conversar com os líderes, com o envolvimento do ministro Haddad como fizemos no arcabouço fiscal”, disse Guimarães. “Essa matéria interessa ao País e o governo não pode estar ausente nesse momento. O que for acordado e acertado com o ministro Haddad a gente banca”.
Lobby evangélico
Após a apresentação do texto, o deputado Eli Borges (PL-TO) se disse preocupado com a diretiva que pode permitir que as prefeituras possam atualizar valores de IPTU por meio de decreto. Ele preside a Frente Parlamentar Evangélica (FPE) e registrou que espera que igrejas e templos tenham tratamento diferenciado na reforma.
Como resposta, Reginaldo Lopes afirmou que a reforma atual não mexerá com a imunidade tributária e que trata apenas da tributação de bens e serviços.
Numa sessão recheada de frases de efeito sobre a importância da reforma, o deputado Luiz Philippe de Orléans e Bragança (PL-SP), foi voz destoante. Mesmo integrante do grupo de trabalho, o deputado disse que não concorda com a reforma e alertou. Ele alertou para o risco de a reforma ser feita no atropelo e ressaltou que há pontos de muitas divergências. “É espinhoso. O tema vai picar.”