BRASÍLIA - Após quatro meses de tramitação no Senado, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da reforma tributária foi aprovada nesta quarta-feira, 8 - e agora retornará à Câmara para nova análise dos deputados.
Para conseguir os votos, o relator da reforma na Casa, senador Eduardo Braga (MDB-AM), teve de ceder em vários pontos, incluindo novos setores nas listas de tratamento tributário diferenciado – via alíquota reduzida ou regime específico. Dentre eles, saneamento, turismo, clubes de futebol e profissionais liberais, como médicos e advogados.
De última hora, o relator ainda acatou outras seis emendas, prevendo, por exemplo, alíquota reduzida para o setor de eventos, além de uma subemenda criando um fundo para os Estados do Norte.
Os senadores também tornaram obrigatório o sistema de cashback (devolução do imposto) na conta de luz e na compra do gás de cozinha pela população de baixa renda. Na busca por apoio dos governadores, o Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional (FNDR) ganhou um aporte extra de R$ 20 bilhões, chegando a R$ 60 bilhões.
Veja a seguir as principais mudanças que a proposta sofreu no Senado em relação ao texto aprovado na Câmara, no dia 6 de julho.
Alíquota reduzida
O relator da reforma tributária, senador Eduardo Braga (MDB-AM), ampliou o número de setores que terão tratamento diferenciado no novo sistema de impostos. Os seguintes segmentos foram contemplados na lista de alíquota reduzida, ou seja, com desconto de 60% na alíquota-padrão do IVA (Imposto sobre Valor Agregado):
- Comunicação institucional
- Produtos de limpeza (limitado a produtos majoritariamente consumidos por famílias de baixa renda)
- Setor de eventos
- Nutrição enteral ou parenteral (que previnem ou tratam complicações da desnutrição)
Já os serviços de transporte coletivo intermunicipal e interestadual saíram da alíquota reduzida e foram para o regime específico.
Para atender ao lobby da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Braga criou, ainda, uma quarta alíquota do IVA, com desconto de 30%, para beneficiar os profissionais liberais que têm atividades regulamentadas.
Nesta categoria estão médicos, advogados, contadores, engenheiros, dentistas, arquitetos, dentre outros. Na avaliação do relator, o texto aprovado na Câmara aumentava muito a cobrança sobre esses profissionais. Por isso a criação de uma faixa intermediária.
O texto impôs a obrigatoriedade de revisão a cada cinco anos das chamadas exceções, para avaliação de custo-benefício.
Regimes específicos
O Senado também ampliou a lista de setores que serão contemplados no regime específico de tributação.
- Agências de viagem
- Concessão de rodovias
- Missões diplomáticas
- Serviços de saneamento
- Telecomunicações
- Sociedades Anônimas do Futebol
Isenções
Os senadores concederam, ainda, isenção (alíquota zero) para os seguintes segmentos:
- Serviços prestados por Instituição Científica, Tecnológica e de Inovação (ICT) sem fins lucrativos
- Aquisição de medicamentos e dispositivos médicos adquiridos pela Administração Pública e por entidades de assistência social sem fins lucrativos
- Atividades de reabilitação urbana de zonas históricas e de áreas críticas de recuperação e reconversão urbanística
- Compra de automóveis por taxistas
Imposto seletivo
O relator ampliou a extensão do Imposto Seletivo (IS), também chamado de “imposto do pecado”, que vai incidir sobre produtos danosos à saúde ou ao meio ambiente. Na extração - de produtos como petróleo e minério -, será cobrada uma alíquota de até 1%.
O imposto seletivo também vai incidir sobre armas e munições, exceto quando destinadas à administração pública. O texto diz, porém, que o tributo não será cobrado sobre energia elétrica e telecomunicações.
Cesta básica
O relator atendeu a um pedido do Ministério da Fazenda e criou dois tipos de cesta básica. Uma totalmente desonerada, formada por itens de alimentação voltados à população de baixa renda. E outra estendida, que terá alíquota reduzida e um sistema de cashback (devolução dos tributos pagos) voltado exclusivamente às famílias mais pobres.
O desenho atende a apelos da equipe econômica, que busca restringir o número de itens alimentícios com IVA zero. De olho nas leis complementares que vão regulamentar a reforma, a Associação Brasileira de Supermercados (Abras) já se movimenta para garantir a inclusão de itens que considera essenciais na cesta básica isenta.
Cashback
Além de prever devolução do imposto pago a famílias de baixa renda na cesta básica estendida, o texto aprovado no Senado instituiu um cashback obrigatório na conta de luz e no botijão de gás adquiridos por famílias vulneráveis.
Trava para evitar aumento da carga tributária
O relator criou uma trava para evitar o aumento da carga tributária. A trava institui um teto de referência, com base na média da arrecadação no período de 2012 a 2021, em relação ao Produto Interno Bruto (PIB).
A alíquota de referência dos novos tributos que serão criados com a reforma será reduzida caso exceda esse teto de referência. Essa foi uma demanda do setor produtivo, temeroso de aumento dos impostos pelo governo federal, Estados e municípios com a mudança do sistema tributário.
Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional
Em busca de apoio dos governadores, Braga elevou de R$ 40 bilhões para R$ 60 bilhões o valor do aporte da União ao Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional (FNDR), que vai compensar o fim dos incentivos fiscais para os Estados.
O relator também definiu os critérios para o rateio do fundo, que haviam ficado em aberto no texto da Câmara: 70% será distribuído segundo o Fundo de Participação dos Estados (FPE) e 30% via tamanho da população.
Novo fundo
Em um acordo de última hora, o relator fez uma nova concessão para contemplar Estados da região Norte que têm Áreas de Livre Comércio. Uma subemenda de Braga, aprovada após a votação em primeiro turno, instituiu o Fundo de Desenvolvimento Sustentável dos Estados da Amazônia Ocidental (que inclui Amazonas, Acre, Rondônia e Roraima) e do Amapá.
Setor automotivo e biocombustível
O texto prorroga até 31 de dezembro de 2032 incentivos tributários concedidos a montadoras instaladas nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. A regra vale para projetos aprovados até 31 de dezembro de 2024 e proíbe a majoração do benefício.
Braga também acolheu emendas que estendem os benefícios fiscais ao setor automotivo a projetos relacionados à produção de veículos movidos a biodiesel, isoladamente ou em conjunto com gasolina, nos termos de lei complementar.
As emendas atendem a interesses do agronegócio, sobretudo dos produtores de soja que se beneficiam da cadeia do biodiesel, e também de governadores do Nordeste e Centro-Oeste.
Bancos
Braga acatou uma emenda que prevê a manutenção, em caráter geral, da carga tributária das operações financeiras e, em específico, das realizadas no âmbito do FGTS e dos demais fundos garantidores.
Zona Franca
A Cide, tributo que já existe, poderá incidir sobre importação, produção ou comercialização de bens que concorram com itens produzidos na Zona Franca de Manaus.
Premiação a esforço arrecadatório para evitar ‘caroneiros’
O texto incorpora uma mudança na regra de divisão do IBS, o Imposto sobre Bens e Serviços, que será de competência de Estados e municípios, com o objetivo de criar estímulos para os gestores locais melhorarem a eficiência da arrecadação e evitar os chamados “caroneiros” - governadores e prefeitos que pegam carona no aumento de receita dos vizinhos, sem esforço para ampliar a própria base de tributação.
Isso porque, durante as primeiras décadas da transição, a maior parte da receita que cada Estado e prefeitura vai receber seria proporcional à média da arrecadação entre 2024 e 2028 de cada ente. Assim, havia o temor de que, após um incentivo inicial, os gestores “relaxem”, porque não haveria mais estímulos para ampliar a receita – uma vez que a fatia de cada um já estará estipulada.
O novo texto cria então um fator de ajuste, de forma que os entes que aumentarem sua arrecadação ao longo do tempo, comparativamente aos demais, receberão uma parcela maior do montante a ser redistribuído.
Comitê Gestor
O texto instituiu o Comitê Gestor no lugar do Conselho Federativo, órgão para gerir o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), que será criado para substituir e unificar o ISS (municipal) e o ICMS (estadual);
O Congresso Nacional poderá convocar o presidente do Comitê Gestor e solicitar informações, como já acontece com os ministros.
O relator acatou ainda uma emenda que atende a um pleito dos Fiscos, que determina que a representação do órgão será feita por integrantes das carreiras da administração tributária e das procuradorias dos Estados, Distrito Federal e municípios.