BRASÍLIA – Se prevalecer a regra de divisão proposta pelo relator da reforma tributária no Senado, Eduardo Braga (MDB-AM), São Paulo receberá anualmente do Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional (FNDR) cinco vezes mais do que o Mato Grosso do Sul, e o triplo dos Estados do Espírito Santo e Tocantins.
Os três são Estados que estão no fim da fila, junto com o Distrito Federal, entre os 27 beneficiários do bilionário fundo de desenvolvimento que será criado com a reforma tributária. Lideram o ranking, feito com base em dados de 2023, Bahia (8,10%), São Paulo (7,21%), Minas Gerais (6,45%), Pernambuco (6,03%) e Ceará (5,75%).
O fundo será bancado com recursos do governo federal e, no auge, vai receber R$ 60 bilhões por ano. Ele foi criado com a ideia de ajudar os Estados a bancar investimentos em infraestrutura e educação como forma de atrair empresas, uma vez que os incentivos da guerra fiscal deverão cessar em 2033.
Durante a tramitação na Câmara, os deputados incluíram a permissão para que os Estados possam usar a verba em subvenções a empresas com o objetivo de gerar emprego e renda. Ou seja: será permitido que repassem recursos públicos a empresas em incentivos que deixarão de ser dados por meio de descontos de impostos, como hoje, e passarão a ser explicitados no Orçamento. A mudança foi considerada positiva por parlamentares, mas a divisão da verba, não.
Nesta quinta-feira, 26, uma tabela com a divisão dos recursos por cada unidade da federação, à qual o Estadão teve acesso, circulou entre secretários estaduais de Fazenda e governadores, alguns preocupados em receber uma parte diminuta de recursos em relação a pares que têm mais condições de atrair e reter empresas em seus territórios.
O Estadão apurou que o governador do Mato Grosso do Sul, Eduardo Riedel (PSDB), telefonou para senadores horas após a divulgação do relatório de Eduardo Braga para demonstrar preocupação. O capixaba Renato Casagrande (PSB) e o mato-grossense Mauro Mendes (União) também se dizem contra a divisão proposta, e começaram a se articular para tentar alterar os critérios de distribuição.
“Eu reputo este relatório desconectado com a realidade tributária e com a realidade econômica do País”, disse o governador Mauro Mendes ao Estadão. “Como as regiões mais desenvolvidas recebem mais dinheiro do que as regiões menos desenvolvidas? Isso é fundo de desenvolvimento regional? Isso é um absurdo, contraria o conceito do próprio nome do fundo.”
O argumento de Mendes é que a demanda por infraestrutura nova no Mato Grosso é muito maior do que em São Paulo. “Todas as estradas estaduais paulistas estão asfaltadas; eu tenho 25 mil quilômetros de rodovia para asfaltar ainda em Mato Grosso”, disse.
FPE gera questionamentos
Em seu relatório, Braga adotou o Fundo de Participação dos Estados (FPE) para distribuir 70% dos recursos. A parte restante (30%) será dividida segundo o tamanho da população.
A solução encontrada pelo relator para dividir os recursos do fundo e abarcar a briga em torno do partilha da cifra bilionário foi de adotar um modelo que já era usado, o FPE, mas que já vinha sofrendo críticas.
A própria fórmula de cálculo do FPE já embute indicador que leva em conta a população, mas com um teto e piso – só que a população conta muito pouco.
Em relatório distribuído a clientes da XP, o economista Marcos Mendes, que é pesquisador associado do Insper, afirma que a fórmula do FPE tem problemas.
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“A fórmula do FPE é inconsistente e poderia ser melhorada. Já existe hoje grande resistência a isso. Se o mesmo critério for usado também para o FNDR, o montante de dinheiro envolvido crescerá, ampliando a resistência dos beneficiários a mudar os critérios. Deveria ser aproveitado o momento de criação do FNDR para rever a partilha do FPE, melhorando a alocação dos dois fundos”, afirmou.
Braga defendeu o critério. Em seu relatório, argumentou que o FPE tem, em sua fórmula, critérios que beneficiam mais os Estados mais pobres e que, para compensar os mais populosos, que recebem menos pelo FPE, atribuiu 30% da verba do FDR aos Estados com maior população. Isso fez com que São Paulo aparecesse no topo da lista.
Durante a tramitação da reforma na Câmara, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), defendeu que o Estado também acessasse o fundo, tendo em vista a grande população vulnerável residente no território. Na ocasião, São Paulo defendeu que o fundo levasse no nome também a palavra “social”. A ideia do nome não prosperou, mas Braga fez um concessão a Tarcísio em seu relatório.
“Mesmo Estados mais ricos, se forem muito populosos, terão um contingente populacional em situação de vulnerabilidade não desprezível, quando mensurado em termos absolutos. Os recursos do FNDR devem também criar meios para beneficiar essa população vulnerável”, afirmou Braga.
Mauro Mendes, governador do Mato Grosso, criticou também o elevado valor do fundo, que foi elevado pelo relator de R$ 40 bilhões para R$ 60 bilhões por ano.
“Reforma tributária não deveria ter isso de distribuir dinheirinho, não. A União está apresentando déficit ano após ano, de onde vai sair esses R$ 60 bilhões? O governo federal tem esse dinheiro sobrando para dar para os Estados?”, afirmou.
A avaliação entre técnicos do governo na área econômica é que de Haddad cedeu muito ao aumentar o valor do fundo em mais R$ 20 bilhões, e acabará perdendo mais dinheiro com um novo incremento que deverá ocorrer na votação do plenário.
O ponto em discussão é que reforçar o fundo não aumentou ou diminuiu o apoio à reforma, uma vez que segue a briga em torno da partilha. Nesta quinta-feira, Haddad disse que o valor de R$ 60 bilhões é pouco e justo e que não haverá impacto nas contas públicas.
Não é o que alertam os técnicos da área fiscal, que temem a criação de um fundo sem uma fonte de financiamento no futuro. As projeções mais longas de dívida pública já terão que embutir essa fatura anual.