Regra de exceção no arcabouço para gastos em 2024 deveria ser revista no Senado, diz Funchal


Para ex-secretário especial do Tesouro e Orçamento, medida tira credibilidade da nova regra; Funchal elogia trabalho de Haddad, mas diz que ministro terá dificuldade para entregar metas

Por Adriana Fernandes
Atualização:
Entrevista comBruno Funchalex-secretário especial do Tesouro e Orçamento e CEO da Bradesco Asset

BRASÍLIA - Ex-secretário especial do Tesouro e Orçamento e hoje CEO da Bradesco Asset, Bruno Funchal afirma que a regra de exceção para aumento de despesas em 2024, incluída no projeto do novo arcabouço fiscal, aprovado nesta semana na Câmara, tem custo, tira credibilidade e deveria ser revista na votação do Senado.

“O arcabouço fiscal poderia ter impacto muito maior em termos de melhora de expectativa e redução de prêmio de risco de juros se víssemos um comprometimento na largada em relação à regra. O que vimos foi: vou me comprometer, mas não agora, vou gastar um pouco mais. E quem que garante que não vai fazer depois?”, alerta. O risco, aponta ele, é haver a volta de novas tentativas para “bypassar” (driblar) a regra, como aconteceu com o atual teto de gastos.

Para Funchal, a aprovação do arcabouço ajuda a abrir espaço para a redução dos juros pelo Banco Central, mas não é suficiente. Ele prevê que o BC vai começar a cortar os juros, hoje em 13,75% ao ano, em setembro.

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Especialista em contas públicas que deixou o governo Bolsonaro no movimento conhecido como “debandada”, após acordo feito para furar mais uma vez o teto de gastos, Funchal diz que será difícil o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, entregar as metas fiscais prometidas. Na entrevista abaixo, ele explica a razão.

A aprovação do arcabouço abre espaço para a queda de juros?

Ajuda. É a condição necessária, mas não é suficiente. Ele sozinho não adianta. Cair juros não é uma decisão de querer. Não é a causa. É uma consequência de o Brasil estar muito endividado, e porque havia muita incerteza em relação à dinâmica da dívida. Quando há uma regra, e se consegue ver que essa trajetória de dívida, embora crescente, será bem comportada, traz um sinal positivo. É uma condição para cair juros. Qual é a outra condição? A discussão da meta de inflação. São as duas cosas mais relevantes para baixar os juros: virar a página do fiscal e, depois, a discussão da meta. Quando o CMN (Conselho Monetário Nacional) definir a meta de inflação, haverá um caminho mais favorável para a redução de juros.

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Qual a sua previsão para o início da queda de juros?

A nossa expectativa é a partir de setembro, chegando a 12,5% no final do ano.

Bruno Funchal foi secretário especial do Tesouro e Orçamento e hoje é CEO da Bradesco Asset.  Foto: Dida Sampaio/Estadão
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A pressão sobre o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, vai redobrar?

Sim, mas faz parte também do processo. É o primeiro governo eleito que não escolhe o presidente do BC. É uma acomodação. Está sendo um aprendizado. Em outros países, o Banco Central sempre sofre uma pressão dos chefes do Executivo. Talvez, no Brasil, seja mais por causa dessa acomodação do nosso aprendizado, de o governo estar aprendendo a lidar com um Banco Central que não foi indicado por ele.

O projeto do arcabouço foi aprovado na Câmara com grande folga: 372 votos a favor. Qual a sua avaliação?

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O relatório já tinha sido construído com certo consenso. Cada um cedendo de um lado, se chegou a um texto que teve grande adesão. E, aparentemente, vai ter também no Senado, pelo que já tenho visto. Mostra uma boa articulação do Ministério da Fazenda. É claro que com o apoio do Arthur Lira (presidente da Câmara) e Rodrigo Pacheco (presidente do Senado).

O resultado técnico foi bom para as contas públicas?

A primeira coisa é a importância da regra, uma vez que ficou um tempo na dúvida sobre qual seria o novo regime. Estamos saindo de um modelo mais duro, com pouca flexibilidade, para um com mais flexibilidade. Tem dois pontos relevantes: trazer previsibilidade e eliminar o risco de um grande crescimento de despesa. O histórico de despesas no Brasil, de 1997 até 2015, dá crescimento real de 5% e 6%. Terá certo controle de despesa.

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Quais os avanços e pontos negativos do projeto aprovado?

O projeto original não tinha um mecanismo muito forte para ajustar a despesa, porque o contingenciamento (bloqueio preventivo de recursos para cumprimento da meta) era uma opção. Foi nesse ponto que o relator trabalhou e em que há o maior ganho, pois era de onde vinha a maior fragilidade para o governo entregar as metas. E trouxe os gatilhos. Então, além de contingenciar, os ministérios da Fazenda e do Planejamento terão uma ferramenta para lidar na execução do Orçamento.

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Por que esse ponto do contingenciamento obrigatório é tão importante para a regra fiscal?

Traz credibilidade. Se me comprometo com a meta e frustrar a receita, posso compensar na despesa. É positivo. A crítica ao relatório do (deputado Claudio) Cajado é a exceção criada (para o aumento de despesas) em 2024. Ele diminuiu as despesas que ficarão fora do limite do teto, mas ele trouxe essa exceção temporal.

Qual o maior problema da exceção?

Precisamos de uma regra crível, com comprometimento. Quando se define uma regra e se fala “vamos fazer uma exceção no primeiro ano”, cria uma dúvida. Será que tem compromisso mesmo em relação à regra? O arcabouço fiscal poderia ter impacto muito maior em termos de melhora de expectativa, redução de prêmio de risco de juros, se víssemos um comprometimento na largada em relação à regra. O que vimos foi: “vou me comprometer, mas não agora, vou gastar um pouco mais”. E quem que garante que não vai fazer depois? Aí, voltamos para o problema que tivemos no final do teto, que é fazer emendas constitucionais para “bypassar” (driblar) a regra. Essa é a principal discussão hoje: como mostrar e comunicar por que está se criando essa exceção. Se o governo não comunicar direito e explicar exatamente o porquê dessa exceção, os agentes econômicos vão pensar que não tem comprometimento. E, aí, perde credibilidade, e o efeito que se quer para reduzir juros acaba se perdendo.

A brecha no texto para essa exceção não foi explicitada inicialmente e só veio à tona após reportagem do Estadão. A regra ficou complexa?

O ideal é que seja simples, tenha flexibilidade e enforcement (instrumentos para garantir o cumprimento das metas). A regra não veio simples desde a largada. Mas, hoje, está tão complexa que o projeto inicial parece simples. O teto de gastos era simples, mas não tinha flexibilidade. Ele foi perdendo a sua força por causa disso. Agora, colocou a flexibilidade, mas trouxe complexidade. Dificulta o próprio cumprimento da regra, porque pode criar alternativas para não cumprir. Está muito mais complexo de entender exatamente como calcular a trajetória da dívida. Traz um componente de incerteza a partir dessa complexidade, o que é ruim.

Será necessária uma nova rodada de melhoria da regra mais para frente?

Não sei se precisa de uma nova rodada. Acho difícil explicar do jeito que está. Para o bem do País, a regra poderia ser mais simples. Tem a questão política, mas seria bastante positivo sentar e ver uma redação para resolver essa incerteza. Estamos falando de uma regra relevante e estrutural para o País. Fica mais fácil conseguir ter os efeitos positivos da regra com quando as pessoas entendem. O Tesouro pode fazer um roadshow explicando. Seria produtivo ele fazer, se não tiver uma solução de fato para simplificar.

O Senado deveria, então, trabalhar para simplificar a regra, principalmente a exceção para 2024?

É um ganho para todo mundo ter uma regra mais simples. Tem a complexidade da dinâmica política, ninguém quer ignorar isso. Sabemos como é o processo de construção; então, se puder melhorar o texto, ótimo. Acho que todo mundo ganha. Vai reduzir uma incerteza criada pela forma como foi redigida. Se não for possível, que os técnicos do governo expliquem como se calcula, se operacionaliza, para reduzir a incerteza derivada da complexidade.

A exceção para aumento maior de gastos em 2024 é uma medida casuística? Por que o governo trabalhou tanto para haver exceção?

A discussão do valor (do espaço maior para gastos em 2024) acaba sendo pequena se comparada com a perda de credibilidade que a regra pode ter por causa dessa exceção.

Essa exceção foi feita porque o ano de 2024 está apertado por novas despesas e a arrecadação, que permitiria uma alta maior de gastos, não está boa? O último relatório do governo mostrou até mesmo previsão de queda.

Já tem uma restrição muito relevante que a meta (de déficit zero em 2024). O governo se comprometeu com metas fiscais de resultado das contas boas, mas que são apertadas. Se a receita frustrar, terá de ajustar na despesa. Já tem alguns compromissos pelo lado da despesa. É uma grande oportunidade de discutir a qualidade do gasto. Seu time fez a conta?

Funchal elogia trabalho de Haddad, mas diz que ministro terá dificuldade para entregar metas Foto: Edu Andrade/Ministério da Economia

De qualquer modo, o governo não optou em ter mais segurança para 2024 de que terá espaço maior para despesa? Essa é a razão da regra de exceção?

Pode ser. A pergunta é: a que custo? Essa exceção traz um custo, o da credibilidade, que vai acabar se refletindo em prêmio de risco e nos juros. Provavelmente, se tivesse uma regra sem esse tipo de característica, de exceção, a regra poderia trazer um ganho. Já estamos vendo um efeito positivo nos juros (de mercado). Potencialmente, a queda poderia ser muito maior, se não tivesse esse tipo de problema. Ou seja, na largada, a regra já começa com exceção, que é um sinal ruim em termos de comprometimento e de perda de credibilidade. O custo é provavelmente o governo ter que pagar um pouco mais de juros por causa disso. Essa é a escolha.

O governo vai ter uma folga maior para gastar com a regra aprovada pela Câmara?

Vai ter uma folga maior. Em relação ao projeto original do governo e o relatório, garante R$ 11 bilhões a mais de despesas. Mesmo que seja R$ 40 bilhões, ele perde mais do que ganha com a percepção de dúvida com a exceção.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, conseguirá entregar a meta de zerar o déficit em 2024?

Acho difícil entregar as metas com as quais o governo se comprometeu, mas agora ele tem mais instrumentos para fazer, com o projeto. No mínimo, agora ele tem o instrumento para contingenciar. Antes, nem isso ele tinha. O projeto ajuda muito o próprio governo a entregar as metas dele. Essa foi uma grande evolução do projeto. Ajuda o governo a fazer algum ajuste pelo lado da despesa, ainda que limitado. Não é uma tarefa fácil, e o aumento de receita depende bastante do Congresso.

Como avalia a articulação política do ministro Haddad para aprovar o projeto mais duro, mesmo diante das resistências do PT?

Foi bem. Ele está fazendo malabarismo, que é conseguir endereçar as necessidade do governo em evoluir com as políticas sociais, sem passar uma percepção de descontrole fiscal. Isso o Haddad está conseguindo. Mas não acredito que ele vai conseguir fazer um ajuste fiscal de fato para estabilizar a dívida, porque depende muito de aumento de receita. E há dificuldade de aprovar no Congresso grandes aumentos de carga tributária. E isso seria contraproducente. O Brasil tem uma carga tributária muito alta. Uma chance é a reforma tributária, mas o aumento de receita com ela vem no médio prazo com a elevação de produtividade. Outra forma é discutir benefícios tributários, que também sabemos que não é fácil no Congresso cortar. Mas, por outro lado, estamos ganhando tempo em relação à estabilidade fiscal. A dívida continuará subindo, mas numa trajetória menos acelerada do que se imaginava antes sem a regra.

BRASÍLIA - Ex-secretário especial do Tesouro e Orçamento e hoje CEO da Bradesco Asset, Bruno Funchal afirma que a regra de exceção para aumento de despesas em 2024, incluída no projeto do novo arcabouço fiscal, aprovado nesta semana na Câmara, tem custo, tira credibilidade e deveria ser revista na votação do Senado.

“O arcabouço fiscal poderia ter impacto muito maior em termos de melhora de expectativa e redução de prêmio de risco de juros se víssemos um comprometimento na largada em relação à regra. O que vimos foi: vou me comprometer, mas não agora, vou gastar um pouco mais. E quem que garante que não vai fazer depois?”, alerta. O risco, aponta ele, é haver a volta de novas tentativas para “bypassar” (driblar) a regra, como aconteceu com o atual teto de gastos.

Para Funchal, a aprovação do arcabouço ajuda a abrir espaço para a redução dos juros pelo Banco Central, mas não é suficiente. Ele prevê que o BC vai começar a cortar os juros, hoje em 13,75% ao ano, em setembro.

Especialista em contas públicas que deixou o governo Bolsonaro no movimento conhecido como “debandada”, após acordo feito para furar mais uma vez o teto de gastos, Funchal diz que será difícil o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, entregar as metas fiscais prometidas. Na entrevista abaixo, ele explica a razão.

A aprovação do arcabouço abre espaço para a queda de juros?

Ajuda. É a condição necessária, mas não é suficiente. Ele sozinho não adianta. Cair juros não é uma decisão de querer. Não é a causa. É uma consequência de o Brasil estar muito endividado, e porque havia muita incerteza em relação à dinâmica da dívida. Quando há uma regra, e se consegue ver que essa trajetória de dívida, embora crescente, será bem comportada, traz um sinal positivo. É uma condição para cair juros. Qual é a outra condição? A discussão da meta de inflação. São as duas cosas mais relevantes para baixar os juros: virar a página do fiscal e, depois, a discussão da meta. Quando o CMN (Conselho Monetário Nacional) definir a meta de inflação, haverá um caminho mais favorável para a redução de juros.

Qual a sua previsão para o início da queda de juros?

A nossa expectativa é a partir de setembro, chegando a 12,5% no final do ano.

Bruno Funchal foi secretário especial do Tesouro e Orçamento e hoje é CEO da Bradesco Asset.  Foto: Dida Sampaio/Estadão

A pressão sobre o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, vai redobrar?

Sim, mas faz parte também do processo. É o primeiro governo eleito que não escolhe o presidente do BC. É uma acomodação. Está sendo um aprendizado. Em outros países, o Banco Central sempre sofre uma pressão dos chefes do Executivo. Talvez, no Brasil, seja mais por causa dessa acomodação do nosso aprendizado, de o governo estar aprendendo a lidar com um Banco Central que não foi indicado por ele.

O projeto do arcabouço foi aprovado na Câmara com grande folga: 372 votos a favor. Qual a sua avaliação?

O relatório já tinha sido construído com certo consenso. Cada um cedendo de um lado, se chegou a um texto que teve grande adesão. E, aparentemente, vai ter também no Senado, pelo que já tenho visto. Mostra uma boa articulação do Ministério da Fazenda. É claro que com o apoio do Arthur Lira (presidente da Câmara) e Rodrigo Pacheco (presidente do Senado).

O resultado técnico foi bom para as contas públicas?

A primeira coisa é a importância da regra, uma vez que ficou um tempo na dúvida sobre qual seria o novo regime. Estamos saindo de um modelo mais duro, com pouca flexibilidade, para um com mais flexibilidade. Tem dois pontos relevantes: trazer previsibilidade e eliminar o risco de um grande crescimento de despesa. O histórico de despesas no Brasil, de 1997 até 2015, dá crescimento real de 5% e 6%. Terá certo controle de despesa.

Quais os avanços e pontos negativos do projeto aprovado?

O projeto original não tinha um mecanismo muito forte para ajustar a despesa, porque o contingenciamento (bloqueio preventivo de recursos para cumprimento da meta) era uma opção. Foi nesse ponto que o relator trabalhou e em que há o maior ganho, pois era de onde vinha a maior fragilidade para o governo entregar as metas. E trouxe os gatilhos. Então, além de contingenciar, os ministérios da Fazenda e do Planejamento terão uma ferramenta para lidar na execução do Orçamento.

Por que esse ponto do contingenciamento obrigatório é tão importante para a regra fiscal?

Traz credibilidade. Se me comprometo com a meta e frustrar a receita, posso compensar na despesa. É positivo. A crítica ao relatório do (deputado Claudio) Cajado é a exceção criada (para o aumento de despesas) em 2024. Ele diminuiu as despesas que ficarão fora do limite do teto, mas ele trouxe essa exceção temporal.

Qual o maior problema da exceção?

Precisamos de uma regra crível, com comprometimento. Quando se define uma regra e se fala “vamos fazer uma exceção no primeiro ano”, cria uma dúvida. Será que tem compromisso mesmo em relação à regra? O arcabouço fiscal poderia ter impacto muito maior em termos de melhora de expectativa, redução de prêmio de risco de juros, se víssemos um comprometimento na largada em relação à regra. O que vimos foi: “vou me comprometer, mas não agora, vou gastar um pouco mais”. E quem que garante que não vai fazer depois? Aí, voltamos para o problema que tivemos no final do teto, que é fazer emendas constitucionais para “bypassar” (driblar) a regra. Essa é a principal discussão hoje: como mostrar e comunicar por que está se criando essa exceção. Se o governo não comunicar direito e explicar exatamente o porquê dessa exceção, os agentes econômicos vão pensar que não tem comprometimento. E, aí, perde credibilidade, e o efeito que se quer para reduzir juros acaba se perdendo.

A brecha no texto para essa exceção não foi explicitada inicialmente e só veio à tona após reportagem do Estadão. A regra ficou complexa?

O ideal é que seja simples, tenha flexibilidade e enforcement (instrumentos para garantir o cumprimento das metas). A regra não veio simples desde a largada. Mas, hoje, está tão complexa que o projeto inicial parece simples. O teto de gastos era simples, mas não tinha flexibilidade. Ele foi perdendo a sua força por causa disso. Agora, colocou a flexibilidade, mas trouxe complexidade. Dificulta o próprio cumprimento da regra, porque pode criar alternativas para não cumprir. Está muito mais complexo de entender exatamente como calcular a trajetória da dívida. Traz um componente de incerteza a partir dessa complexidade, o que é ruim.

Será necessária uma nova rodada de melhoria da regra mais para frente?

Não sei se precisa de uma nova rodada. Acho difícil explicar do jeito que está. Para o bem do País, a regra poderia ser mais simples. Tem a questão política, mas seria bastante positivo sentar e ver uma redação para resolver essa incerteza. Estamos falando de uma regra relevante e estrutural para o País. Fica mais fácil conseguir ter os efeitos positivos da regra com quando as pessoas entendem. O Tesouro pode fazer um roadshow explicando. Seria produtivo ele fazer, se não tiver uma solução de fato para simplificar.

O Senado deveria, então, trabalhar para simplificar a regra, principalmente a exceção para 2024?

É um ganho para todo mundo ter uma regra mais simples. Tem a complexidade da dinâmica política, ninguém quer ignorar isso. Sabemos como é o processo de construção; então, se puder melhorar o texto, ótimo. Acho que todo mundo ganha. Vai reduzir uma incerteza criada pela forma como foi redigida. Se não for possível, que os técnicos do governo expliquem como se calcula, se operacionaliza, para reduzir a incerteza derivada da complexidade.

A exceção para aumento maior de gastos em 2024 é uma medida casuística? Por que o governo trabalhou tanto para haver exceção?

A discussão do valor (do espaço maior para gastos em 2024) acaba sendo pequena se comparada com a perda de credibilidade que a regra pode ter por causa dessa exceção.

Essa exceção foi feita porque o ano de 2024 está apertado por novas despesas e a arrecadação, que permitiria uma alta maior de gastos, não está boa? O último relatório do governo mostrou até mesmo previsão de queda.

Já tem uma restrição muito relevante que a meta (de déficit zero em 2024). O governo se comprometeu com metas fiscais de resultado das contas boas, mas que são apertadas. Se a receita frustrar, terá de ajustar na despesa. Já tem alguns compromissos pelo lado da despesa. É uma grande oportunidade de discutir a qualidade do gasto. Seu time fez a conta?

Funchal elogia trabalho de Haddad, mas diz que ministro terá dificuldade para entregar metas Foto: Edu Andrade/Ministério da Economia

De qualquer modo, o governo não optou em ter mais segurança para 2024 de que terá espaço maior para despesa? Essa é a razão da regra de exceção?

Pode ser. A pergunta é: a que custo? Essa exceção traz um custo, o da credibilidade, que vai acabar se refletindo em prêmio de risco e nos juros. Provavelmente, se tivesse uma regra sem esse tipo de característica, de exceção, a regra poderia trazer um ganho. Já estamos vendo um efeito positivo nos juros (de mercado). Potencialmente, a queda poderia ser muito maior, se não tivesse esse tipo de problema. Ou seja, na largada, a regra já começa com exceção, que é um sinal ruim em termos de comprometimento e de perda de credibilidade. O custo é provavelmente o governo ter que pagar um pouco mais de juros por causa disso. Essa é a escolha.

O governo vai ter uma folga maior para gastar com a regra aprovada pela Câmara?

Vai ter uma folga maior. Em relação ao projeto original do governo e o relatório, garante R$ 11 bilhões a mais de despesas. Mesmo que seja R$ 40 bilhões, ele perde mais do que ganha com a percepção de dúvida com a exceção.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, conseguirá entregar a meta de zerar o déficit em 2024?

Acho difícil entregar as metas com as quais o governo se comprometeu, mas agora ele tem mais instrumentos para fazer, com o projeto. No mínimo, agora ele tem o instrumento para contingenciar. Antes, nem isso ele tinha. O projeto ajuda muito o próprio governo a entregar as metas dele. Essa foi uma grande evolução do projeto. Ajuda o governo a fazer algum ajuste pelo lado da despesa, ainda que limitado. Não é uma tarefa fácil, e o aumento de receita depende bastante do Congresso.

Como avalia a articulação política do ministro Haddad para aprovar o projeto mais duro, mesmo diante das resistências do PT?

Foi bem. Ele está fazendo malabarismo, que é conseguir endereçar as necessidade do governo em evoluir com as políticas sociais, sem passar uma percepção de descontrole fiscal. Isso o Haddad está conseguindo. Mas não acredito que ele vai conseguir fazer um ajuste fiscal de fato para estabilizar a dívida, porque depende muito de aumento de receita. E há dificuldade de aprovar no Congresso grandes aumentos de carga tributária. E isso seria contraproducente. O Brasil tem uma carga tributária muito alta. Uma chance é a reforma tributária, mas o aumento de receita com ela vem no médio prazo com a elevação de produtividade. Outra forma é discutir benefícios tributários, que também sabemos que não é fácil no Congresso cortar. Mas, por outro lado, estamos ganhando tempo em relação à estabilidade fiscal. A dívida continuará subindo, mas numa trajetória menos acelerada do que se imaginava antes sem a regra.

BRASÍLIA - Ex-secretário especial do Tesouro e Orçamento e hoje CEO da Bradesco Asset, Bruno Funchal afirma que a regra de exceção para aumento de despesas em 2024, incluída no projeto do novo arcabouço fiscal, aprovado nesta semana na Câmara, tem custo, tira credibilidade e deveria ser revista na votação do Senado.

“O arcabouço fiscal poderia ter impacto muito maior em termos de melhora de expectativa e redução de prêmio de risco de juros se víssemos um comprometimento na largada em relação à regra. O que vimos foi: vou me comprometer, mas não agora, vou gastar um pouco mais. E quem que garante que não vai fazer depois?”, alerta. O risco, aponta ele, é haver a volta de novas tentativas para “bypassar” (driblar) a regra, como aconteceu com o atual teto de gastos.

Para Funchal, a aprovação do arcabouço ajuda a abrir espaço para a redução dos juros pelo Banco Central, mas não é suficiente. Ele prevê que o BC vai começar a cortar os juros, hoje em 13,75% ao ano, em setembro.

Especialista em contas públicas que deixou o governo Bolsonaro no movimento conhecido como “debandada”, após acordo feito para furar mais uma vez o teto de gastos, Funchal diz que será difícil o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, entregar as metas fiscais prometidas. Na entrevista abaixo, ele explica a razão.

A aprovação do arcabouço abre espaço para a queda de juros?

Ajuda. É a condição necessária, mas não é suficiente. Ele sozinho não adianta. Cair juros não é uma decisão de querer. Não é a causa. É uma consequência de o Brasil estar muito endividado, e porque havia muita incerteza em relação à dinâmica da dívida. Quando há uma regra, e se consegue ver que essa trajetória de dívida, embora crescente, será bem comportada, traz um sinal positivo. É uma condição para cair juros. Qual é a outra condição? A discussão da meta de inflação. São as duas cosas mais relevantes para baixar os juros: virar a página do fiscal e, depois, a discussão da meta. Quando o CMN (Conselho Monetário Nacional) definir a meta de inflação, haverá um caminho mais favorável para a redução de juros.

Qual a sua previsão para o início da queda de juros?

A nossa expectativa é a partir de setembro, chegando a 12,5% no final do ano.

Bruno Funchal foi secretário especial do Tesouro e Orçamento e hoje é CEO da Bradesco Asset.  Foto: Dida Sampaio/Estadão

A pressão sobre o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, vai redobrar?

Sim, mas faz parte também do processo. É o primeiro governo eleito que não escolhe o presidente do BC. É uma acomodação. Está sendo um aprendizado. Em outros países, o Banco Central sempre sofre uma pressão dos chefes do Executivo. Talvez, no Brasil, seja mais por causa dessa acomodação do nosso aprendizado, de o governo estar aprendendo a lidar com um Banco Central que não foi indicado por ele.

O projeto do arcabouço foi aprovado na Câmara com grande folga: 372 votos a favor. Qual a sua avaliação?

O relatório já tinha sido construído com certo consenso. Cada um cedendo de um lado, se chegou a um texto que teve grande adesão. E, aparentemente, vai ter também no Senado, pelo que já tenho visto. Mostra uma boa articulação do Ministério da Fazenda. É claro que com o apoio do Arthur Lira (presidente da Câmara) e Rodrigo Pacheco (presidente do Senado).

O resultado técnico foi bom para as contas públicas?

A primeira coisa é a importância da regra, uma vez que ficou um tempo na dúvida sobre qual seria o novo regime. Estamos saindo de um modelo mais duro, com pouca flexibilidade, para um com mais flexibilidade. Tem dois pontos relevantes: trazer previsibilidade e eliminar o risco de um grande crescimento de despesa. O histórico de despesas no Brasil, de 1997 até 2015, dá crescimento real de 5% e 6%. Terá certo controle de despesa.

Quais os avanços e pontos negativos do projeto aprovado?

O projeto original não tinha um mecanismo muito forte para ajustar a despesa, porque o contingenciamento (bloqueio preventivo de recursos para cumprimento da meta) era uma opção. Foi nesse ponto que o relator trabalhou e em que há o maior ganho, pois era de onde vinha a maior fragilidade para o governo entregar as metas. E trouxe os gatilhos. Então, além de contingenciar, os ministérios da Fazenda e do Planejamento terão uma ferramenta para lidar na execução do Orçamento.

Por que esse ponto do contingenciamento obrigatório é tão importante para a regra fiscal?

Traz credibilidade. Se me comprometo com a meta e frustrar a receita, posso compensar na despesa. É positivo. A crítica ao relatório do (deputado Claudio) Cajado é a exceção criada (para o aumento de despesas) em 2024. Ele diminuiu as despesas que ficarão fora do limite do teto, mas ele trouxe essa exceção temporal.

Qual o maior problema da exceção?

Precisamos de uma regra crível, com comprometimento. Quando se define uma regra e se fala “vamos fazer uma exceção no primeiro ano”, cria uma dúvida. Será que tem compromisso mesmo em relação à regra? O arcabouço fiscal poderia ter impacto muito maior em termos de melhora de expectativa, redução de prêmio de risco de juros, se víssemos um comprometimento na largada em relação à regra. O que vimos foi: “vou me comprometer, mas não agora, vou gastar um pouco mais”. E quem que garante que não vai fazer depois? Aí, voltamos para o problema que tivemos no final do teto, que é fazer emendas constitucionais para “bypassar” (driblar) a regra. Essa é a principal discussão hoje: como mostrar e comunicar por que está se criando essa exceção. Se o governo não comunicar direito e explicar exatamente o porquê dessa exceção, os agentes econômicos vão pensar que não tem comprometimento. E, aí, perde credibilidade, e o efeito que se quer para reduzir juros acaba se perdendo.

A brecha no texto para essa exceção não foi explicitada inicialmente e só veio à tona após reportagem do Estadão. A regra ficou complexa?

O ideal é que seja simples, tenha flexibilidade e enforcement (instrumentos para garantir o cumprimento das metas). A regra não veio simples desde a largada. Mas, hoje, está tão complexa que o projeto inicial parece simples. O teto de gastos era simples, mas não tinha flexibilidade. Ele foi perdendo a sua força por causa disso. Agora, colocou a flexibilidade, mas trouxe complexidade. Dificulta o próprio cumprimento da regra, porque pode criar alternativas para não cumprir. Está muito mais complexo de entender exatamente como calcular a trajetória da dívida. Traz um componente de incerteza a partir dessa complexidade, o que é ruim.

Será necessária uma nova rodada de melhoria da regra mais para frente?

Não sei se precisa de uma nova rodada. Acho difícil explicar do jeito que está. Para o bem do País, a regra poderia ser mais simples. Tem a questão política, mas seria bastante positivo sentar e ver uma redação para resolver essa incerteza. Estamos falando de uma regra relevante e estrutural para o País. Fica mais fácil conseguir ter os efeitos positivos da regra com quando as pessoas entendem. O Tesouro pode fazer um roadshow explicando. Seria produtivo ele fazer, se não tiver uma solução de fato para simplificar.

O Senado deveria, então, trabalhar para simplificar a regra, principalmente a exceção para 2024?

É um ganho para todo mundo ter uma regra mais simples. Tem a complexidade da dinâmica política, ninguém quer ignorar isso. Sabemos como é o processo de construção; então, se puder melhorar o texto, ótimo. Acho que todo mundo ganha. Vai reduzir uma incerteza criada pela forma como foi redigida. Se não for possível, que os técnicos do governo expliquem como se calcula, se operacionaliza, para reduzir a incerteza derivada da complexidade.

A exceção para aumento maior de gastos em 2024 é uma medida casuística? Por que o governo trabalhou tanto para haver exceção?

A discussão do valor (do espaço maior para gastos em 2024) acaba sendo pequena se comparada com a perda de credibilidade que a regra pode ter por causa dessa exceção.

Essa exceção foi feita porque o ano de 2024 está apertado por novas despesas e a arrecadação, que permitiria uma alta maior de gastos, não está boa? O último relatório do governo mostrou até mesmo previsão de queda.

Já tem uma restrição muito relevante que a meta (de déficit zero em 2024). O governo se comprometeu com metas fiscais de resultado das contas boas, mas que são apertadas. Se a receita frustrar, terá de ajustar na despesa. Já tem alguns compromissos pelo lado da despesa. É uma grande oportunidade de discutir a qualidade do gasto. Seu time fez a conta?

Funchal elogia trabalho de Haddad, mas diz que ministro terá dificuldade para entregar metas Foto: Edu Andrade/Ministério da Economia

De qualquer modo, o governo não optou em ter mais segurança para 2024 de que terá espaço maior para despesa? Essa é a razão da regra de exceção?

Pode ser. A pergunta é: a que custo? Essa exceção traz um custo, o da credibilidade, que vai acabar se refletindo em prêmio de risco e nos juros. Provavelmente, se tivesse uma regra sem esse tipo de característica, de exceção, a regra poderia trazer um ganho. Já estamos vendo um efeito positivo nos juros (de mercado). Potencialmente, a queda poderia ser muito maior, se não tivesse esse tipo de problema. Ou seja, na largada, a regra já começa com exceção, que é um sinal ruim em termos de comprometimento e de perda de credibilidade. O custo é provavelmente o governo ter que pagar um pouco mais de juros por causa disso. Essa é a escolha.

O governo vai ter uma folga maior para gastar com a regra aprovada pela Câmara?

Vai ter uma folga maior. Em relação ao projeto original do governo e o relatório, garante R$ 11 bilhões a mais de despesas. Mesmo que seja R$ 40 bilhões, ele perde mais do que ganha com a percepção de dúvida com a exceção.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, conseguirá entregar a meta de zerar o déficit em 2024?

Acho difícil entregar as metas com as quais o governo se comprometeu, mas agora ele tem mais instrumentos para fazer, com o projeto. No mínimo, agora ele tem o instrumento para contingenciar. Antes, nem isso ele tinha. O projeto ajuda muito o próprio governo a entregar as metas dele. Essa foi uma grande evolução do projeto. Ajuda o governo a fazer algum ajuste pelo lado da despesa, ainda que limitado. Não é uma tarefa fácil, e o aumento de receita depende bastante do Congresso.

Como avalia a articulação política do ministro Haddad para aprovar o projeto mais duro, mesmo diante das resistências do PT?

Foi bem. Ele está fazendo malabarismo, que é conseguir endereçar as necessidade do governo em evoluir com as políticas sociais, sem passar uma percepção de descontrole fiscal. Isso o Haddad está conseguindo. Mas não acredito que ele vai conseguir fazer um ajuste fiscal de fato para estabilizar a dívida, porque depende muito de aumento de receita. E há dificuldade de aprovar no Congresso grandes aumentos de carga tributária. E isso seria contraproducente. O Brasil tem uma carga tributária muito alta. Uma chance é a reforma tributária, mas o aumento de receita com ela vem no médio prazo com a elevação de produtividade. Outra forma é discutir benefícios tributários, que também sabemos que não é fácil no Congresso cortar. Mas, por outro lado, estamos ganhando tempo em relação à estabilidade fiscal. A dívida continuará subindo, mas numa trajetória menos acelerada do que se imaginava antes sem a regra.

Entrevista por Adriana Fernandes

Repórter especial de Economia em Brasília

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