Regra de Lula para salário mínimo compromete mais da metade dos ganhos da reforma da Previdência


Em dez anos, cálculos apontam para impacto de R$ 638 bi no INSS, corroendo 56% da economia esperada no mesmo período; Ministério da Previdência diz que despesa combate a pobreza

Por Alvaro Gribel e Mariana Carneiro
Atualização:

BRASÍLIA – A política de valorização do salário mínimo e sua vinculação aos benefícios do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) vão corroer mais da metade dos efeitos esperados com a reforma da Previdência aprovada em 2019. Pelas contas do economista Fabio Giambiagi, do FGV/Ibre, o aumento do mínimo associado ao crescimento do PIB deve provocar uma alta de despesas de R$ 638 bilhões nos próximos dez anos – consumindo cerca de 56% da economia de R$ 1,136 trilhão prevista com reforma no mesmo período, atualizada pela inflação.

“Com a nova regra do salário mínimo, o Brasil desfez, com uma penada, e sem uma única conta de avaliação prévia que justificasse a nova política, mais da metade de uma reforma que custou 25 anos de debates para que pudesse amadurecer a ponto de ser aprovada”, diz Giambiagi.

Os gastos com a Previdência voltaram a ser assunto em razão do forte aumento de despesas na área. Na terceira revisão bimestral de receitas e despesas, divulgada na última segunda-feira, 22, o governo informou que prevê gastar mais R$ 4,9 bilhões com a Previdência e R$ 6,4 bilhões com o Benefício de Prestação Continuada (BPC) – pago a idosos e pessoas com deficiência de baixa renda – neste ano em relação às projeções do relatório anterior.

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A reforma da Previdência aprovada em 2019, na gestão Jair Bolsonaro, instituiu idades mínimas para aposentadoria de 62 anos para mulheres e 65 anos para homens. O tempo mínimo de contribuição foi estipulado em 20 anos para homens e 15 anos para mulheres.

“Tudo que se imaginava com a reforma da Previdência está acontecendo. Não há nada de errado com o texto que foi aprovado, as contas estavam certas. A novidade foi a volta da política de valorização do salário mínimo, com efeitos sobre a Previdência e também sobre o BPC”, afirmou Giambiagi.

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Em abril do ano passado, o governo Lula definiu que o mínimo fosse corrigido anualmente pela inflação mais a variação do Produto Interno Bruto (PIB) consolidado de dois anos atrás.

Segundo Giambiagi, o grande problema é a dinâmica de alta que as despesas da Previdência adquiriram com a retomada da política de reajuste do salário mínimo. As despesas do INSS estão hoje em torno de R$ 920 bilhões por ano, sendo que cerca de 43% desse valor (R$ 395 bilhões) estão indexados ao salário mínimo. Já o BPC tem gastos de R$ 105 bilhões anuais e está totalmente vinculado ao mínimo.

'A regra (de valorização) do salário mínimo é totalmente inconsistente com a regra do arcabouço fiscal', diz Fabio GIambiagi. Foto: Fabio Motta/Estadão
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“Colocando como hipótese o crescimento do ano passado e mais as projeções do mercado para o PIB, em torno de 2%, os gastos com previdência e BPC sobem mais de R$ 10 bilhões por ano e chegam a R$ 638 bilhões entre 2025 e 2034. O arcabouço fiscal tem uma regra coerente, que é fazer a despesa crescer a 70% (do aumento) da receita. Mas essa regra do salário mínimo é totalmente inconsistente com a regra do arcabouço”, explicou.

Na sexta-feira, 26, o governo editou duas portarias para iniciar um pente-fino no BPC, com revisão de cadastros e combate a fraudes. Os beneficiários que não estão inscritos no CadÚnico ou com cadastro desatualizado terão até 90 dias para regularizar a situação. Além disso, o governo vai fortalecer a análise de cadastros irregulares, com identificação biométrica e cruzamentos mensais de dados.

As medidas foram consideradas positivas por especialistas, mas ainda insuficientes para resolver principalmente as fraudes cibernéticas no BPC (leia mais abaixo).

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Paulo Tafner, presidente do Instituto Mobilidade e Desenvolvimento Social, e que divide com Giambiagi a autoria do livro “A Reforma Inacabada – O futuro da Previdência Social no Brasil”, lançado em junho, afirma que a vinculação do reajuste do salário mínimo aos benefícios da Previdência é o principal motivo para o forte aumento de gastos.

“Na questão dos gastos previdenciários, tudo conta. Aposentadorias, por tempo ou invalidez; pensões; e benefícios assistenciais de prestação continuada (BPC). E tudo cresce – uns mais que outros, mas todos afetados pela política irresponsável de aumento real (acima da inflação) do salário mínimo”, afirmou Tafner. “Não pelo aumento em si, mas pelo fato de ele indexar esses benefícios.”

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Na sua leitura, a persistir essa toada, uma nova reforma da Previdência terá de ser feita antes do fim desta década. A cada 1% de aumento do salário mínimo acima da inflação, as despesas com a Previdência aumentam cerca de 0,5%.

“Neste ano, como o aumento do salário mínimo foi de 3% (acima da inflação), o aumento da despesa do INSS foi de 1,5%, além do crescimento do número de concessões decorrente da redução da fila (de espera)”, disse Tafner.

As contas deste ano também já estão sob influência de uma questão demográfica: o envelhecimento rápido da população. Segundo Tafner, o contingente de pessoas com 65 anos ou mais está crescendo 1,5% ao ano.

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Governo diz que gasto combate a pobreza

O secretário do Regime Geral de Previdência Social, Adroaldo da Cunha Portal, admite que a política de valorização do salário mínimo de fato tem um impacto relevante sobre as contas públicas e que os números apontados por Giambiagi são próximos aos calculados pelo Ministério da Previdência. Ele alega, contudo, que essa despesa faz parte da estratégia do governo de combater a pobreza na velhice.

“Os números do impacto do reajuste do salário mínimo (apontados por Giambiagi) estão superiores, mas próximos aos que calculamos. O salário mínimo tem, de fato, um impacto relevante nas despesas previdenciárias, mas esse efeito deve ser considerado no contexto de um dos objetivos da Previdência Social que é evitar a pobreza na velhice”, defende.

Essa visão, contudo, é contestada por Tafner e Giambiagi, que entendem que há pouco impacto sobre a pobreza e a desigualdade.

“Há que se considerar ainda, que aumentos reais (acima da inflação) de salário mínimo não têm praticamente nenhum impacto sobre pobreza e menos ainda sobre desigualdade”, afirmo Portal.

O presidente Lula vem defendendo a política de reajuste do salário mínimo e, segundo seus auxiliares, não há espaço para se discutir uma desvinculação dos benefícios da Previdência.

O secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, reconheceu em coletiva na sexta-feira, 22, que as preocupações com o crescimento dos gastos com a Previdência e o BPC são legítimas e que essas despesas precisam ser “olhadas com cuidado”. Ceron explicou que o resultado positivo do Tesouro tem sido totalmente consumido pelo déficit previdenciário e afirmou que, mesmo após a reforma aprovada em 2019, ainda há questões que precisam ser endereçadas.

O governo anunciou a previsão de economizar R$ 9,05 bilhões no Orçamento de 2024 com a revisão de gastos e combate a fraudes na Previdência. No relatório bimestral apresentado na última segunda-feira, 22, a previsão foi mantida; mas, como revelou o Estadão/Broadcast, apenas R$ 1,2 bilhão foi efetivamente poupado até maio. A ideia das novas portarias referentes ao BPC seria intensificar esse processo.

Combate a fraudes

Um dos pontos alarmantes, segundo o especialista em Previdência Leonardo Rolim, que foi secretário de Previdência Social e presidente do INSS, é o crescimento acelerado de benefícios assistenciais, como o BPC, e o auxílio-doença – o que sugere a incidência de fraudes.

Ele avalia que as duas portarias editadas pelo governo federal na última sexta-feira foram positivas, mas ainda insuficientes, principalmente por não levarem em consideração os crimes cibernéticos, que seriam o principal motivo das fraudes.

“Vi coisas bem positivas, mas acho que ainda faltaram aspectos importantes. O recadastramento deveria ser exigido de todos, independentemente do prazo. Existe uma suspeita muito grande de que boa parte desses benefícios concedidos de 2021 para cá foram para pessoas fictícias, mediante crimes cibernéticos. Então, a medida é boa, mas deixou a desejar, na minha avaliação”, afirmou.

Ele entende que o governo avançou ao permitir a suspensão cautelar dos benefícios no BPC, além da exigência de biometria, mas ainda é preciso aprimorar o sistema para cruzamento de dados que detectem a forte concessão de benefícios pela internet.

“Tem de fazer cruzamento com as trilhas de fraudes cibernéticas; a fraude cibernética acaba driblando todas essas medidas. Elas terão efeito fiscal interessante, mas não resolvem todos os problemas”, pontuou.

Em maio, as concessões do BPC foram 15% maiores do que no mesmo mês do ano passado, uma tendência altista que vem se revelando mês a mês. O principal motor deste crescimento são os benefícios concedidos a pessoas com deficiência, que em maio ficaram 48% acima do registrado no mesmo mês do ano passado.

Em uma avaliação de tendência, que considera o número de concessões acumuladas nos últimos 12 meses, os benefícios para pessoas de baixa renda com deficiência estão 41% mais acelerados do que em maio de 2023.

No caso do benefício por incapacidade temporária (antigo auxílio-doença), concedido a trabalhadores que se acidentam ou adoecem e não podem trabalhar, também há um registro de aumento de 49% nas emissões do benefício em maio, na comparação com o mesmo mês do ano passado.

Rolim observa que, em ambos os casos, o aumento das concessões está sendo acompanhado de um crescimento de pedidos – o que pode sugerir, na sua avaliação, quadrilhas especializadas atuando para obter indevidamente esses benefícios.

Na última terça-feira, 23, a Polícia Federal e a força-tarefa previdenciária abriram uma operação para investigar uma suposta quadrilha formada por onze pessoas que se passavam por beneficiários do INSS. O grupo usava documentos falsos para abrir contas na Caixa e as usavam para desviar benefícios previdenciários. Segundo a PF, foram identificadas pelo menos 49 fraudes.

Rolim relembra que quando chefiou a secretaria de Previdência, em 2020, uma ação da PF desencadeou a prisão de uma quadrilha que se especializou em fraudar o auxílio-defeso, concedido a pescadores. Na ocasião, os servidores já sabiam que o próximo alvo das quadrilhas especializadas era o BPC, em razão da ausência de necessidade de um histórico do beneficiário com o INSS – uma vez que ele não precisa ter contribuído para a Previdência.

Na avaliação de Rolim, esses números devem levar o governo a reavaliar também o uso da ferramenta Atestmed, que troca a perícia médica presencial pela análise documental eletrônica em casos de benefícios de curta duração, de até 180 dias. Utilizado de forma temporária durante a pandemia, o programa foi reformulado pelo INSS e relançado em julho do ano passado.

O secretário Adroaldo Portal, no entanto, entende que o Atestmed tem provocado a redução das filas e combatido as fraudes.

“Não há nenhum dado que aponte aumento de fraudes em concessão de auxílio-doença. O Atestmed e as ferramentas que têm sido usadas têm permitido que, pela primeira vez, o INSS tenha uma política de fiscalização e combate à fraude. Não há nenhum estudo que aponta isso, pelo contrário: estamos tendo a oportunidade de monitorar os atestados e combater (a fraude)”, afirma.

O argumento do INSS é o de que a fila de espera por perícias fazia com que o governo tivesse de arcar com despesas extras para bancar o benefício por mais tempo, uma vez que muitas vezes o segurado, por causa da fila, já estava recuperado na data da perícia, tornando a análise que deveria ser clínica apenas documental. O governo, porém, paga o benefício referente a todo o período e com correção monetária – o que onera os cofres públicos.

Procurados, o Ministério da Fazenda e o INSS informaram que o assunto é de responsabilidade do Ministério da Previdência. Já o Ministério do Planejamento e Orçamento não quis se manifestar. A Secretaria de Comunicação da Presidência (Secom) e o Ministério do Desenvolvimento Social não retornaram aos pedidos da reportagem.

BRASÍLIA – A política de valorização do salário mínimo e sua vinculação aos benefícios do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) vão corroer mais da metade dos efeitos esperados com a reforma da Previdência aprovada em 2019. Pelas contas do economista Fabio Giambiagi, do FGV/Ibre, o aumento do mínimo associado ao crescimento do PIB deve provocar uma alta de despesas de R$ 638 bilhões nos próximos dez anos – consumindo cerca de 56% da economia de R$ 1,136 trilhão prevista com reforma no mesmo período, atualizada pela inflação.

“Com a nova regra do salário mínimo, o Brasil desfez, com uma penada, e sem uma única conta de avaliação prévia que justificasse a nova política, mais da metade de uma reforma que custou 25 anos de debates para que pudesse amadurecer a ponto de ser aprovada”, diz Giambiagi.

Os gastos com a Previdência voltaram a ser assunto em razão do forte aumento de despesas na área. Na terceira revisão bimestral de receitas e despesas, divulgada na última segunda-feira, 22, o governo informou que prevê gastar mais R$ 4,9 bilhões com a Previdência e R$ 6,4 bilhões com o Benefício de Prestação Continuada (BPC) – pago a idosos e pessoas com deficiência de baixa renda – neste ano em relação às projeções do relatório anterior.

A reforma da Previdência aprovada em 2019, na gestão Jair Bolsonaro, instituiu idades mínimas para aposentadoria de 62 anos para mulheres e 65 anos para homens. O tempo mínimo de contribuição foi estipulado em 20 anos para homens e 15 anos para mulheres.

“Tudo que se imaginava com a reforma da Previdência está acontecendo. Não há nada de errado com o texto que foi aprovado, as contas estavam certas. A novidade foi a volta da política de valorização do salário mínimo, com efeitos sobre a Previdência e também sobre o BPC”, afirmou Giambiagi.

Em abril do ano passado, o governo Lula definiu que o mínimo fosse corrigido anualmente pela inflação mais a variação do Produto Interno Bruto (PIB) consolidado de dois anos atrás.

Segundo Giambiagi, o grande problema é a dinâmica de alta que as despesas da Previdência adquiriram com a retomada da política de reajuste do salário mínimo. As despesas do INSS estão hoje em torno de R$ 920 bilhões por ano, sendo que cerca de 43% desse valor (R$ 395 bilhões) estão indexados ao salário mínimo. Já o BPC tem gastos de R$ 105 bilhões anuais e está totalmente vinculado ao mínimo.

'A regra (de valorização) do salário mínimo é totalmente inconsistente com a regra do arcabouço fiscal', diz Fabio GIambiagi. Foto: Fabio Motta/Estadão

“Colocando como hipótese o crescimento do ano passado e mais as projeções do mercado para o PIB, em torno de 2%, os gastos com previdência e BPC sobem mais de R$ 10 bilhões por ano e chegam a R$ 638 bilhões entre 2025 e 2034. O arcabouço fiscal tem uma regra coerente, que é fazer a despesa crescer a 70% (do aumento) da receita. Mas essa regra do salário mínimo é totalmente inconsistente com a regra do arcabouço”, explicou.

Na sexta-feira, 26, o governo editou duas portarias para iniciar um pente-fino no BPC, com revisão de cadastros e combate a fraudes. Os beneficiários que não estão inscritos no CadÚnico ou com cadastro desatualizado terão até 90 dias para regularizar a situação. Além disso, o governo vai fortalecer a análise de cadastros irregulares, com identificação biométrica e cruzamentos mensais de dados.

As medidas foram consideradas positivas por especialistas, mas ainda insuficientes para resolver principalmente as fraudes cibernéticas no BPC (leia mais abaixo).

Paulo Tafner, presidente do Instituto Mobilidade e Desenvolvimento Social, e que divide com Giambiagi a autoria do livro “A Reforma Inacabada – O futuro da Previdência Social no Brasil”, lançado em junho, afirma que a vinculação do reajuste do salário mínimo aos benefícios da Previdência é o principal motivo para o forte aumento de gastos.

“Na questão dos gastos previdenciários, tudo conta. Aposentadorias, por tempo ou invalidez; pensões; e benefícios assistenciais de prestação continuada (BPC). E tudo cresce – uns mais que outros, mas todos afetados pela política irresponsável de aumento real (acima da inflação) do salário mínimo”, afirmou Tafner. “Não pelo aumento em si, mas pelo fato de ele indexar esses benefícios.”

Na sua leitura, a persistir essa toada, uma nova reforma da Previdência terá de ser feita antes do fim desta década. A cada 1% de aumento do salário mínimo acima da inflação, as despesas com a Previdência aumentam cerca de 0,5%.

“Neste ano, como o aumento do salário mínimo foi de 3% (acima da inflação), o aumento da despesa do INSS foi de 1,5%, além do crescimento do número de concessões decorrente da redução da fila (de espera)”, disse Tafner.

As contas deste ano também já estão sob influência de uma questão demográfica: o envelhecimento rápido da população. Segundo Tafner, o contingente de pessoas com 65 anos ou mais está crescendo 1,5% ao ano.

Governo diz que gasto combate a pobreza

O secretário do Regime Geral de Previdência Social, Adroaldo da Cunha Portal, admite que a política de valorização do salário mínimo de fato tem um impacto relevante sobre as contas públicas e que os números apontados por Giambiagi são próximos aos calculados pelo Ministério da Previdência. Ele alega, contudo, que essa despesa faz parte da estratégia do governo de combater a pobreza na velhice.

“Os números do impacto do reajuste do salário mínimo (apontados por Giambiagi) estão superiores, mas próximos aos que calculamos. O salário mínimo tem, de fato, um impacto relevante nas despesas previdenciárias, mas esse efeito deve ser considerado no contexto de um dos objetivos da Previdência Social que é evitar a pobreza na velhice”, defende.

Essa visão, contudo, é contestada por Tafner e Giambiagi, que entendem que há pouco impacto sobre a pobreza e a desigualdade.

“Há que se considerar ainda, que aumentos reais (acima da inflação) de salário mínimo não têm praticamente nenhum impacto sobre pobreza e menos ainda sobre desigualdade”, afirmo Portal.

O presidente Lula vem defendendo a política de reajuste do salário mínimo e, segundo seus auxiliares, não há espaço para se discutir uma desvinculação dos benefícios da Previdência.

O secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, reconheceu em coletiva na sexta-feira, 22, que as preocupações com o crescimento dos gastos com a Previdência e o BPC são legítimas e que essas despesas precisam ser “olhadas com cuidado”. Ceron explicou que o resultado positivo do Tesouro tem sido totalmente consumido pelo déficit previdenciário e afirmou que, mesmo após a reforma aprovada em 2019, ainda há questões que precisam ser endereçadas.

O governo anunciou a previsão de economizar R$ 9,05 bilhões no Orçamento de 2024 com a revisão de gastos e combate a fraudes na Previdência. No relatório bimestral apresentado na última segunda-feira, 22, a previsão foi mantida; mas, como revelou o Estadão/Broadcast, apenas R$ 1,2 bilhão foi efetivamente poupado até maio. A ideia das novas portarias referentes ao BPC seria intensificar esse processo.

Combate a fraudes

Um dos pontos alarmantes, segundo o especialista em Previdência Leonardo Rolim, que foi secretário de Previdência Social e presidente do INSS, é o crescimento acelerado de benefícios assistenciais, como o BPC, e o auxílio-doença – o que sugere a incidência de fraudes.

Ele avalia que as duas portarias editadas pelo governo federal na última sexta-feira foram positivas, mas ainda insuficientes, principalmente por não levarem em consideração os crimes cibernéticos, que seriam o principal motivo das fraudes.

“Vi coisas bem positivas, mas acho que ainda faltaram aspectos importantes. O recadastramento deveria ser exigido de todos, independentemente do prazo. Existe uma suspeita muito grande de que boa parte desses benefícios concedidos de 2021 para cá foram para pessoas fictícias, mediante crimes cibernéticos. Então, a medida é boa, mas deixou a desejar, na minha avaliação”, afirmou.

Ele entende que o governo avançou ao permitir a suspensão cautelar dos benefícios no BPC, além da exigência de biometria, mas ainda é preciso aprimorar o sistema para cruzamento de dados que detectem a forte concessão de benefícios pela internet.

“Tem de fazer cruzamento com as trilhas de fraudes cibernéticas; a fraude cibernética acaba driblando todas essas medidas. Elas terão efeito fiscal interessante, mas não resolvem todos os problemas”, pontuou.

Em maio, as concessões do BPC foram 15% maiores do que no mesmo mês do ano passado, uma tendência altista que vem se revelando mês a mês. O principal motor deste crescimento são os benefícios concedidos a pessoas com deficiência, que em maio ficaram 48% acima do registrado no mesmo mês do ano passado.

Em uma avaliação de tendência, que considera o número de concessões acumuladas nos últimos 12 meses, os benefícios para pessoas de baixa renda com deficiência estão 41% mais acelerados do que em maio de 2023.

No caso do benefício por incapacidade temporária (antigo auxílio-doença), concedido a trabalhadores que se acidentam ou adoecem e não podem trabalhar, também há um registro de aumento de 49% nas emissões do benefício em maio, na comparação com o mesmo mês do ano passado.

Rolim observa que, em ambos os casos, o aumento das concessões está sendo acompanhado de um crescimento de pedidos – o que pode sugerir, na sua avaliação, quadrilhas especializadas atuando para obter indevidamente esses benefícios.

Na última terça-feira, 23, a Polícia Federal e a força-tarefa previdenciária abriram uma operação para investigar uma suposta quadrilha formada por onze pessoas que se passavam por beneficiários do INSS. O grupo usava documentos falsos para abrir contas na Caixa e as usavam para desviar benefícios previdenciários. Segundo a PF, foram identificadas pelo menos 49 fraudes.

Rolim relembra que quando chefiou a secretaria de Previdência, em 2020, uma ação da PF desencadeou a prisão de uma quadrilha que se especializou em fraudar o auxílio-defeso, concedido a pescadores. Na ocasião, os servidores já sabiam que o próximo alvo das quadrilhas especializadas era o BPC, em razão da ausência de necessidade de um histórico do beneficiário com o INSS – uma vez que ele não precisa ter contribuído para a Previdência.

Na avaliação de Rolim, esses números devem levar o governo a reavaliar também o uso da ferramenta Atestmed, que troca a perícia médica presencial pela análise documental eletrônica em casos de benefícios de curta duração, de até 180 dias. Utilizado de forma temporária durante a pandemia, o programa foi reformulado pelo INSS e relançado em julho do ano passado.

O secretário Adroaldo Portal, no entanto, entende que o Atestmed tem provocado a redução das filas e combatido as fraudes.

“Não há nenhum dado que aponte aumento de fraudes em concessão de auxílio-doença. O Atestmed e as ferramentas que têm sido usadas têm permitido que, pela primeira vez, o INSS tenha uma política de fiscalização e combate à fraude. Não há nenhum estudo que aponta isso, pelo contrário: estamos tendo a oportunidade de monitorar os atestados e combater (a fraude)”, afirma.

O argumento do INSS é o de que a fila de espera por perícias fazia com que o governo tivesse de arcar com despesas extras para bancar o benefício por mais tempo, uma vez que muitas vezes o segurado, por causa da fila, já estava recuperado na data da perícia, tornando a análise que deveria ser clínica apenas documental. O governo, porém, paga o benefício referente a todo o período e com correção monetária – o que onera os cofres públicos.

Procurados, o Ministério da Fazenda e o INSS informaram que o assunto é de responsabilidade do Ministério da Previdência. Já o Ministério do Planejamento e Orçamento não quis se manifestar. A Secretaria de Comunicação da Presidência (Secom) e o Ministério do Desenvolvimento Social não retornaram aos pedidos da reportagem.

BRASÍLIA – A política de valorização do salário mínimo e sua vinculação aos benefícios do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) vão corroer mais da metade dos efeitos esperados com a reforma da Previdência aprovada em 2019. Pelas contas do economista Fabio Giambiagi, do FGV/Ibre, o aumento do mínimo associado ao crescimento do PIB deve provocar uma alta de despesas de R$ 638 bilhões nos próximos dez anos – consumindo cerca de 56% da economia de R$ 1,136 trilhão prevista com reforma no mesmo período, atualizada pela inflação.

“Com a nova regra do salário mínimo, o Brasil desfez, com uma penada, e sem uma única conta de avaliação prévia que justificasse a nova política, mais da metade de uma reforma que custou 25 anos de debates para que pudesse amadurecer a ponto de ser aprovada”, diz Giambiagi.

Os gastos com a Previdência voltaram a ser assunto em razão do forte aumento de despesas na área. Na terceira revisão bimestral de receitas e despesas, divulgada na última segunda-feira, 22, o governo informou que prevê gastar mais R$ 4,9 bilhões com a Previdência e R$ 6,4 bilhões com o Benefício de Prestação Continuada (BPC) – pago a idosos e pessoas com deficiência de baixa renda – neste ano em relação às projeções do relatório anterior.

A reforma da Previdência aprovada em 2019, na gestão Jair Bolsonaro, instituiu idades mínimas para aposentadoria de 62 anos para mulheres e 65 anos para homens. O tempo mínimo de contribuição foi estipulado em 20 anos para homens e 15 anos para mulheres.

“Tudo que se imaginava com a reforma da Previdência está acontecendo. Não há nada de errado com o texto que foi aprovado, as contas estavam certas. A novidade foi a volta da política de valorização do salário mínimo, com efeitos sobre a Previdência e também sobre o BPC”, afirmou Giambiagi.

Em abril do ano passado, o governo Lula definiu que o mínimo fosse corrigido anualmente pela inflação mais a variação do Produto Interno Bruto (PIB) consolidado de dois anos atrás.

Segundo Giambiagi, o grande problema é a dinâmica de alta que as despesas da Previdência adquiriram com a retomada da política de reajuste do salário mínimo. As despesas do INSS estão hoje em torno de R$ 920 bilhões por ano, sendo que cerca de 43% desse valor (R$ 395 bilhões) estão indexados ao salário mínimo. Já o BPC tem gastos de R$ 105 bilhões anuais e está totalmente vinculado ao mínimo.

'A regra (de valorização) do salário mínimo é totalmente inconsistente com a regra do arcabouço fiscal', diz Fabio GIambiagi. Foto: Fabio Motta/Estadão

“Colocando como hipótese o crescimento do ano passado e mais as projeções do mercado para o PIB, em torno de 2%, os gastos com previdência e BPC sobem mais de R$ 10 bilhões por ano e chegam a R$ 638 bilhões entre 2025 e 2034. O arcabouço fiscal tem uma regra coerente, que é fazer a despesa crescer a 70% (do aumento) da receita. Mas essa regra do salário mínimo é totalmente inconsistente com a regra do arcabouço”, explicou.

Na sexta-feira, 26, o governo editou duas portarias para iniciar um pente-fino no BPC, com revisão de cadastros e combate a fraudes. Os beneficiários que não estão inscritos no CadÚnico ou com cadastro desatualizado terão até 90 dias para regularizar a situação. Além disso, o governo vai fortalecer a análise de cadastros irregulares, com identificação biométrica e cruzamentos mensais de dados.

As medidas foram consideradas positivas por especialistas, mas ainda insuficientes para resolver principalmente as fraudes cibernéticas no BPC (leia mais abaixo).

Paulo Tafner, presidente do Instituto Mobilidade e Desenvolvimento Social, e que divide com Giambiagi a autoria do livro “A Reforma Inacabada – O futuro da Previdência Social no Brasil”, lançado em junho, afirma que a vinculação do reajuste do salário mínimo aos benefícios da Previdência é o principal motivo para o forte aumento de gastos.

“Na questão dos gastos previdenciários, tudo conta. Aposentadorias, por tempo ou invalidez; pensões; e benefícios assistenciais de prestação continuada (BPC). E tudo cresce – uns mais que outros, mas todos afetados pela política irresponsável de aumento real (acima da inflação) do salário mínimo”, afirmou Tafner. “Não pelo aumento em si, mas pelo fato de ele indexar esses benefícios.”

Na sua leitura, a persistir essa toada, uma nova reforma da Previdência terá de ser feita antes do fim desta década. A cada 1% de aumento do salário mínimo acima da inflação, as despesas com a Previdência aumentam cerca de 0,5%.

“Neste ano, como o aumento do salário mínimo foi de 3% (acima da inflação), o aumento da despesa do INSS foi de 1,5%, além do crescimento do número de concessões decorrente da redução da fila (de espera)”, disse Tafner.

As contas deste ano também já estão sob influência de uma questão demográfica: o envelhecimento rápido da população. Segundo Tafner, o contingente de pessoas com 65 anos ou mais está crescendo 1,5% ao ano.

Governo diz que gasto combate a pobreza

O secretário do Regime Geral de Previdência Social, Adroaldo da Cunha Portal, admite que a política de valorização do salário mínimo de fato tem um impacto relevante sobre as contas públicas e que os números apontados por Giambiagi são próximos aos calculados pelo Ministério da Previdência. Ele alega, contudo, que essa despesa faz parte da estratégia do governo de combater a pobreza na velhice.

“Os números do impacto do reajuste do salário mínimo (apontados por Giambiagi) estão superiores, mas próximos aos que calculamos. O salário mínimo tem, de fato, um impacto relevante nas despesas previdenciárias, mas esse efeito deve ser considerado no contexto de um dos objetivos da Previdência Social que é evitar a pobreza na velhice”, defende.

Essa visão, contudo, é contestada por Tafner e Giambiagi, que entendem que há pouco impacto sobre a pobreza e a desigualdade.

“Há que se considerar ainda, que aumentos reais (acima da inflação) de salário mínimo não têm praticamente nenhum impacto sobre pobreza e menos ainda sobre desigualdade”, afirmo Portal.

O presidente Lula vem defendendo a política de reajuste do salário mínimo e, segundo seus auxiliares, não há espaço para se discutir uma desvinculação dos benefícios da Previdência.

O secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, reconheceu em coletiva na sexta-feira, 22, que as preocupações com o crescimento dos gastos com a Previdência e o BPC são legítimas e que essas despesas precisam ser “olhadas com cuidado”. Ceron explicou que o resultado positivo do Tesouro tem sido totalmente consumido pelo déficit previdenciário e afirmou que, mesmo após a reforma aprovada em 2019, ainda há questões que precisam ser endereçadas.

O governo anunciou a previsão de economizar R$ 9,05 bilhões no Orçamento de 2024 com a revisão de gastos e combate a fraudes na Previdência. No relatório bimestral apresentado na última segunda-feira, 22, a previsão foi mantida; mas, como revelou o Estadão/Broadcast, apenas R$ 1,2 bilhão foi efetivamente poupado até maio. A ideia das novas portarias referentes ao BPC seria intensificar esse processo.

Combate a fraudes

Um dos pontos alarmantes, segundo o especialista em Previdência Leonardo Rolim, que foi secretário de Previdência Social e presidente do INSS, é o crescimento acelerado de benefícios assistenciais, como o BPC, e o auxílio-doença – o que sugere a incidência de fraudes.

Ele avalia que as duas portarias editadas pelo governo federal na última sexta-feira foram positivas, mas ainda insuficientes, principalmente por não levarem em consideração os crimes cibernéticos, que seriam o principal motivo das fraudes.

“Vi coisas bem positivas, mas acho que ainda faltaram aspectos importantes. O recadastramento deveria ser exigido de todos, independentemente do prazo. Existe uma suspeita muito grande de que boa parte desses benefícios concedidos de 2021 para cá foram para pessoas fictícias, mediante crimes cibernéticos. Então, a medida é boa, mas deixou a desejar, na minha avaliação”, afirmou.

Ele entende que o governo avançou ao permitir a suspensão cautelar dos benefícios no BPC, além da exigência de biometria, mas ainda é preciso aprimorar o sistema para cruzamento de dados que detectem a forte concessão de benefícios pela internet.

“Tem de fazer cruzamento com as trilhas de fraudes cibernéticas; a fraude cibernética acaba driblando todas essas medidas. Elas terão efeito fiscal interessante, mas não resolvem todos os problemas”, pontuou.

Em maio, as concessões do BPC foram 15% maiores do que no mesmo mês do ano passado, uma tendência altista que vem se revelando mês a mês. O principal motor deste crescimento são os benefícios concedidos a pessoas com deficiência, que em maio ficaram 48% acima do registrado no mesmo mês do ano passado.

Em uma avaliação de tendência, que considera o número de concessões acumuladas nos últimos 12 meses, os benefícios para pessoas de baixa renda com deficiência estão 41% mais acelerados do que em maio de 2023.

No caso do benefício por incapacidade temporária (antigo auxílio-doença), concedido a trabalhadores que se acidentam ou adoecem e não podem trabalhar, também há um registro de aumento de 49% nas emissões do benefício em maio, na comparação com o mesmo mês do ano passado.

Rolim observa que, em ambos os casos, o aumento das concessões está sendo acompanhado de um crescimento de pedidos – o que pode sugerir, na sua avaliação, quadrilhas especializadas atuando para obter indevidamente esses benefícios.

Na última terça-feira, 23, a Polícia Federal e a força-tarefa previdenciária abriram uma operação para investigar uma suposta quadrilha formada por onze pessoas que se passavam por beneficiários do INSS. O grupo usava documentos falsos para abrir contas na Caixa e as usavam para desviar benefícios previdenciários. Segundo a PF, foram identificadas pelo menos 49 fraudes.

Rolim relembra que quando chefiou a secretaria de Previdência, em 2020, uma ação da PF desencadeou a prisão de uma quadrilha que se especializou em fraudar o auxílio-defeso, concedido a pescadores. Na ocasião, os servidores já sabiam que o próximo alvo das quadrilhas especializadas era o BPC, em razão da ausência de necessidade de um histórico do beneficiário com o INSS – uma vez que ele não precisa ter contribuído para a Previdência.

Na avaliação de Rolim, esses números devem levar o governo a reavaliar também o uso da ferramenta Atestmed, que troca a perícia médica presencial pela análise documental eletrônica em casos de benefícios de curta duração, de até 180 dias. Utilizado de forma temporária durante a pandemia, o programa foi reformulado pelo INSS e relançado em julho do ano passado.

O secretário Adroaldo Portal, no entanto, entende que o Atestmed tem provocado a redução das filas e combatido as fraudes.

“Não há nenhum dado que aponte aumento de fraudes em concessão de auxílio-doença. O Atestmed e as ferramentas que têm sido usadas têm permitido que, pela primeira vez, o INSS tenha uma política de fiscalização e combate à fraude. Não há nenhum estudo que aponta isso, pelo contrário: estamos tendo a oportunidade de monitorar os atestados e combater (a fraude)”, afirma.

O argumento do INSS é o de que a fila de espera por perícias fazia com que o governo tivesse de arcar com despesas extras para bancar o benefício por mais tempo, uma vez que muitas vezes o segurado, por causa da fila, já estava recuperado na data da perícia, tornando a análise que deveria ser clínica apenas documental. O governo, porém, paga o benefício referente a todo o período e com correção monetária – o que onera os cofres públicos.

Procurados, o Ministério da Fazenda e o INSS informaram que o assunto é de responsabilidade do Ministério da Previdência. Já o Ministério do Planejamento e Orçamento não quis se manifestar. A Secretaria de Comunicação da Presidência (Secom) e o Ministério do Desenvolvimento Social não retornaram aos pedidos da reportagem.

BRASÍLIA – A política de valorização do salário mínimo e sua vinculação aos benefícios do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) vão corroer mais da metade dos efeitos esperados com a reforma da Previdência aprovada em 2019. Pelas contas do economista Fabio Giambiagi, do FGV/Ibre, o aumento do mínimo associado ao crescimento do PIB deve provocar uma alta de despesas de R$ 638 bilhões nos próximos dez anos – consumindo cerca de 56% da economia de R$ 1,136 trilhão prevista com reforma no mesmo período, atualizada pela inflação.

“Com a nova regra do salário mínimo, o Brasil desfez, com uma penada, e sem uma única conta de avaliação prévia que justificasse a nova política, mais da metade de uma reforma que custou 25 anos de debates para que pudesse amadurecer a ponto de ser aprovada”, diz Giambiagi.

Os gastos com a Previdência voltaram a ser assunto em razão do forte aumento de despesas na área. Na terceira revisão bimestral de receitas e despesas, divulgada na última segunda-feira, 22, o governo informou que prevê gastar mais R$ 4,9 bilhões com a Previdência e R$ 6,4 bilhões com o Benefício de Prestação Continuada (BPC) – pago a idosos e pessoas com deficiência de baixa renda – neste ano em relação às projeções do relatório anterior.

A reforma da Previdência aprovada em 2019, na gestão Jair Bolsonaro, instituiu idades mínimas para aposentadoria de 62 anos para mulheres e 65 anos para homens. O tempo mínimo de contribuição foi estipulado em 20 anos para homens e 15 anos para mulheres.

“Tudo que se imaginava com a reforma da Previdência está acontecendo. Não há nada de errado com o texto que foi aprovado, as contas estavam certas. A novidade foi a volta da política de valorização do salário mínimo, com efeitos sobre a Previdência e também sobre o BPC”, afirmou Giambiagi.

Em abril do ano passado, o governo Lula definiu que o mínimo fosse corrigido anualmente pela inflação mais a variação do Produto Interno Bruto (PIB) consolidado de dois anos atrás.

Segundo Giambiagi, o grande problema é a dinâmica de alta que as despesas da Previdência adquiriram com a retomada da política de reajuste do salário mínimo. As despesas do INSS estão hoje em torno de R$ 920 bilhões por ano, sendo que cerca de 43% desse valor (R$ 395 bilhões) estão indexados ao salário mínimo. Já o BPC tem gastos de R$ 105 bilhões anuais e está totalmente vinculado ao mínimo.

'A regra (de valorização) do salário mínimo é totalmente inconsistente com a regra do arcabouço fiscal', diz Fabio GIambiagi. Foto: Fabio Motta/Estadão

“Colocando como hipótese o crescimento do ano passado e mais as projeções do mercado para o PIB, em torno de 2%, os gastos com previdência e BPC sobem mais de R$ 10 bilhões por ano e chegam a R$ 638 bilhões entre 2025 e 2034. O arcabouço fiscal tem uma regra coerente, que é fazer a despesa crescer a 70% (do aumento) da receita. Mas essa regra do salário mínimo é totalmente inconsistente com a regra do arcabouço”, explicou.

Na sexta-feira, 26, o governo editou duas portarias para iniciar um pente-fino no BPC, com revisão de cadastros e combate a fraudes. Os beneficiários que não estão inscritos no CadÚnico ou com cadastro desatualizado terão até 90 dias para regularizar a situação. Além disso, o governo vai fortalecer a análise de cadastros irregulares, com identificação biométrica e cruzamentos mensais de dados.

As medidas foram consideradas positivas por especialistas, mas ainda insuficientes para resolver principalmente as fraudes cibernéticas no BPC (leia mais abaixo).

Paulo Tafner, presidente do Instituto Mobilidade e Desenvolvimento Social, e que divide com Giambiagi a autoria do livro “A Reforma Inacabada – O futuro da Previdência Social no Brasil”, lançado em junho, afirma que a vinculação do reajuste do salário mínimo aos benefícios da Previdência é o principal motivo para o forte aumento de gastos.

“Na questão dos gastos previdenciários, tudo conta. Aposentadorias, por tempo ou invalidez; pensões; e benefícios assistenciais de prestação continuada (BPC). E tudo cresce – uns mais que outros, mas todos afetados pela política irresponsável de aumento real (acima da inflação) do salário mínimo”, afirmou Tafner. “Não pelo aumento em si, mas pelo fato de ele indexar esses benefícios.”

Na sua leitura, a persistir essa toada, uma nova reforma da Previdência terá de ser feita antes do fim desta década. A cada 1% de aumento do salário mínimo acima da inflação, as despesas com a Previdência aumentam cerca de 0,5%.

“Neste ano, como o aumento do salário mínimo foi de 3% (acima da inflação), o aumento da despesa do INSS foi de 1,5%, além do crescimento do número de concessões decorrente da redução da fila (de espera)”, disse Tafner.

As contas deste ano também já estão sob influência de uma questão demográfica: o envelhecimento rápido da população. Segundo Tafner, o contingente de pessoas com 65 anos ou mais está crescendo 1,5% ao ano.

Governo diz que gasto combate a pobreza

O secretário do Regime Geral de Previdência Social, Adroaldo da Cunha Portal, admite que a política de valorização do salário mínimo de fato tem um impacto relevante sobre as contas públicas e que os números apontados por Giambiagi são próximos aos calculados pelo Ministério da Previdência. Ele alega, contudo, que essa despesa faz parte da estratégia do governo de combater a pobreza na velhice.

“Os números do impacto do reajuste do salário mínimo (apontados por Giambiagi) estão superiores, mas próximos aos que calculamos. O salário mínimo tem, de fato, um impacto relevante nas despesas previdenciárias, mas esse efeito deve ser considerado no contexto de um dos objetivos da Previdência Social que é evitar a pobreza na velhice”, defende.

Essa visão, contudo, é contestada por Tafner e Giambiagi, que entendem que há pouco impacto sobre a pobreza e a desigualdade.

“Há que se considerar ainda, que aumentos reais (acima da inflação) de salário mínimo não têm praticamente nenhum impacto sobre pobreza e menos ainda sobre desigualdade”, afirmo Portal.

O presidente Lula vem defendendo a política de reajuste do salário mínimo e, segundo seus auxiliares, não há espaço para se discutir uma desvinculação dos benefícios da Previdência.

O secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, reconheceu em coletiva na sexta-feira, 22, que as preocupações com o crescimento dos gastos com a Previdência e o BPC são legítimas e que essas despesas precisam ser “olhadas com cuidado”. Ceron explicou que o resultado positivo do Tesouro tem sido totalmente consumido pelo déficit previdenciário e afirmou que, mesmo após a reforma aprovada em 2019, ainda há questões que precisam ser endereçadas.

O governo anunciou a previsão de economizar R$ 9,05 bilhões no Orçamento de 2024 com a revisão de gastos e combate a fraudes na Previdência. No relatório bimestral apresentado na última segunda-feira, 22, a previsão foi mantida; mas, como revelou o Estadão/Broadcast, apenas R$ 1,2 bilhão foi efetivamente poupado até maio. A ideia das novas portarias referentes ao BPC seria intensificar esse processo.

Combate a fraudes

Um dos pontos alarmantes, segundo o especialista em Previdência Leonardo Rolim, que foi secretário de Previdência Social e presidente do INSS, é o crescimento acelerado de benefícios assistenciais, como o BPC, e o auxílio-doença – o que sugere a incidência de fraudes.

Ele avalia que as duas portarias editadas pelo governo federal na última sexta-feira foram positivas, mas ainda insuficientes, principalmente por não levarem em consideração os crimes cibernéticos, que seriam o principal motivo das fraudes.

“Vi coisas bem positivas, mas acho que ainda faltaram aspectos importantes. O recadastramento deveria ser exigido de todos, independentemente do prazo. Existe uma suspeita muito grande de que boa parte desses benefícios concedidos de 2021 para cá foram para pessoas fictícias, mediante crimes cibernéticos. Então, a medida é boa, mas deixou a desejar, na minha avaliação”, afirmou.

Ele entende que o governo avançou ao permitir a suspensão cautelar dos benefícios no BPC, além da exigência de biometria, mas ainda é preciso aprimorar o sistema para cruzamento de dados que detectem a forte concessão de benefícios pela internet.

“Tem de fazer cruzamento com as trilhas de fraudes cibernéticas; a fraude cibernética acaba driblando todas essas medidas. Elas terão efeito fiscal interessante, mas não resolvem todos os problemas”, pontuou.

Em maio, as concessões do BPC foram 15% maiores do que no mesmo mês do ano passado, uma tendência altista que vem se revelando mês a mês. O principal motor deste crescimento são os benefícios concedidos a pessoas com deficiência, que em maio ficaram 48% acima do registrado no mesmo mês do ano passado.

Em uma avaliação de tendência, que considera o número de concessões acumuladas nos últimos 12 meses, os benefícios para pessoas de baixa renda com deficiência estão 41% mais acelerados do que em maio de 2023.

No caso do benefício por incapacidade temporária (antigo auxílio-doença), concedido a trabalhadores que se acidentam ou adoecem e não podem trabalhar, também há um registro de aumento de 49% nas emissões do benefício em maio, na comparação com o mesmo mês do ano passado.

Rolim observa que, em ambos os casos, o aumento das concessões está sendo acompanhado de um crescimento de pedidos – o que pode sugerir, na sua avaliação, quadrilhas especializadas atuando para obter indevidamente esses benefícios.

Na última terça-feira, 23, a Polícia Federal e a força-tarefa previdenciária abriram uma operação para investigar uma suposta quadrilha formada por onze pessoas que se passavam por beneficiários do INSS. O grupo usava documentos falsos para abrir contas na Caixa e as usavam para desviar benefícios previdenciários. Segundo a PF, foram identificadas pelo menos 49 fraudes.

Rolim relembra que quando chefiou a secretaria de Previdência, em 2020, uma ação da PF desencadeou a prisão de uma quadrilha que se especializou em fraudar o auxílio-defeso, concedido a pescadores. Na ocasião, os servidores já sabiam que o próximo alvo das quadrilhas especializadas era o BPC, em razão da ausência de necessidade de um histórico do beneficiário com o INSS – uma vez que ele não precisa ter contribuído para a Previdência.

Na avaliação de Rolim, esses números devem levar o governo a reavaliar também o uso da ferramenta Atestmed, que troca a perícia médica presencial pela análise documental eletrônica em casos de benefícios de curta duração, de até 180 dias. Utilizado de forma temporária durante a pandemia, o programa foi reformulado pelo INSS e relançado em julho do ano passado.

O secretário Adroaldo Portal, no entanto, entende que o Atestmed tem provocado a redução das filas e combatido as fraudes.

“Não há nenhum dado que aponte aumento de fraudes em concessão de auxílio-doença. O Atestmed e as ferramentas que têm sido usadas têm permitido que, pela primeira vez, o INSS tenha uma política de fiscalização e combate à fraude. Não há nenhum estudo que aponta isso, pelo contrário: estamos tendo a oportunidade de monitorar os atestados e combater (a fraude)”, afirma.

O argumento do INSS é o de que a fila de espera por perícias fazia com que o governo tivesse de arcar com despesas extras para bancar o benefício por mais tempo, uma vez que muitas vezes o segurado, por causa da fila, já estava recuperado na data da perícia, tornando a análise que deveria ser clínica apenas documental. O governo, porém, paga o benefício referente a todo o período e com correção monetária – o que onera os cofres públicos.

Procurados, o Ministério da Fazenda e o INSS informaram que o assunto é de responsabilidade do Ministério da Previdência. Já o Ministério do Planejamento e Orçamento não quis se manifestar. A Secretaria de Comunicação da Presidência (Secom) e o Ministério do Desenvolvimento Social não retornaram aos pedidos da reportagem.

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